da série “pára a Itália que eu quero descer”

Quando você acha que chegou ao fundo do poço, algo acontece e te prova que fundo do poço tem porão.

Não contente com esse lance da proibição de publicar escutas telefônicas (com pena de até 3 anos de prisão pro jornalista que publicar, e obrigatoriedade de uma junta de juízes pra solicitar uma escuta), a notícia do dia é que agora Don Berlusca quer passar uma lei que proíbe processos contra os premiers (lembrem-se de que ele foi absolvido de tipo OITO há alguns anos, alguns por prescrição do crime, e ainda há outros pendentes atualmente). Não, não estou ficando maluca; leiam de novo: o premier quer uma lei que dê imunidade total aos premiers. Na minha terra isso se chama ditadura; e na sua?

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Essa semana o governo decretou que pra resolver o problema da segurança pública o que tava faltando mesmo era o exército. Então deslocou 2500 soldados em 15 grandes cidades do país, pra ajudar a patrulhar as ruas. O problema, como sempre, é que não se sabe bem o que acontecerá quando um soldado vir, por exemplo, um ladrão roubando uma loja, suponhamos uma joalheria, que é coisa bastante comum por aqui (comum pros padrões europeus, bem entendido). Visto que, como em todos os países do mundo, quem cuida da segurança interna é a polícia, e SOMENTE a polícia, em teoria o soldado em questão deverá chamar a polícia pra pedir autorização pra agir.

Quem mais já tá careca de saber que essa palhaçada não funciona levanta a mão.

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E a raiz do problema, onde estará? Todos os dias ligo a TV religiosamente às 7:30 (a essa hora já acabei de malhar e estou tomando café) na La7, único canal que presta, pra ouvir o Enrico Vaime. Já falei dele aqui, mas vou falar sempre mais, porque é uma das poucas cabeças pensantes desse país estranho. Hoje o assunto era a educação. Os professores italianos são muito mais numerosos do que em outros países europeus; são também os mais mal pagos e os mais velhos. Há alguns anos tentou-se criar um sistema de avaliação periódica dos docentes da escola pública, dando aumentos e incentivos aos que se saíssem melhor; os professores se revoltaram e fizeram uma greve que durou séculos. Como tudo aqui, as escolas também funcionam na base do pistolão, e se o sistema da meritocracia fosse realmente introduzido metade desse povo sairia voando pela janela. Uma pesquisa com os estudantes mostrou que 80% deles ODEIA a escola – veja bem, não aquela coisa normal de aluno que reclama mas na verdade fica contente quando volta às aulas: ODEIA foi o termo utilizado – e que não sei quantos por cento acreditam que a educação não serve pra nada, já que basta conhecer as pessoas certas pra arrumar um bom emprego (leia-se um emprego onde não se faz absolutamente nada e ganha-se bem). Os alunos não têm o menor respeito pelos professores; as salas de aula são uma bagunça desgraçada, e o professor praticamente fala sozinho. Vejo isso na minha turma na faculdade; isso tem que ter começado em algum lugar, e certamente foi na escola elementar. Os pais têm menos respeito ainda, e volta e meia há casos de professor surrado pelos pais porque deu nota baixa a um aluno. “Como o senhor ousa dar essa nota ao meu filho?” é o clássico sinal de alarme antes dessas surras. Os pais detestam os professores porque acham que trabalham pouco (os três meses de férias), não sabendo que ensinar é uma coisa muito, muito, MUITO cansativa e que as tardes livres na verdade são passadas preparando as aulas, preenchendo papelada, corrigindo deveres e provas. E tem o lance das férias, que o Vaime comentou muito naturalmente mas eu acho tão nonsense que jamais passaria pela minha cabeça: se o professor manda o aluno em recuperação, a família não pode sair de férias. E férias aqui são sagradas, porque senão como é que o povo vai se tostar na praia? Não se esqueçam que aqui na Europa poucos moram em cidade de mar, que normalmente são estações balneárias que só funcionam no verão, e mesmo os que moram o ano todo não têm, nem de longe, a relação que os brasileiros têm com a praia. Praia é igual a férias, e férias é igual a praia. Criar problemas desse tipo é uma coisa grave por aqui.

Estou ficando muito cansada de tudo isso.