Normalmente o dia de uma viagem é um dia perdido. Hoje não. De manhã limpei a casa, passei roupa, fui ao supermercado comprar umas bananas pra levar, terminei um trabalho. Depois do almoço o Mirco ainda dormiu uma horinha, e depois a Arianna veio nos buscar, por um motivo muito simples: não sabíamos se o estacionamento do aeroporto de Perugia, que na verdade fica mais perto de Assis do que de Perugia, já estava cobrando ou não, e preferimos não arriscar.
Gente, não existe coisa mais linda do que morar perto do aeroporto – desde que não se ouça o barulho, lógico, que é o nosso caso. Não ouvimos nada, não vemos nada, mas poderíamos ir de bicicleta até a porta do avião, se quiséssemos. Coisa linda de mamãe. Nada de horas e horas de antecedência, porque viajamos com duas malinhas de mão completamente espartanas, com cuecas e camisetas contadas e muito espaço pras inevitáveis compras in loco. Sem bagagem de estiva o check-in é feito online e você passa direto pro gate.
[pausa para explicar o funcionamento das companhias low-cost pra quem não conhece] As pessoas sempre me perguntam como é possível que essas companhias aéreas consigam sobreviver cobrando tão pouco – as nossas passagens custaram 20 euros por cabeça, ida e volta, vocês já sabem. Bom, parte-se de coisas simples: é você mesmo que imprime o e-ticket, o cartão de embarque muitas vezes é um pedaço de papel tabajara que mais parece bilhete do jogo do bicho, se a tua mala pesar 50 gramas a mais do que o peso permitido você paga uma multa horrorosa, se quiser mudar a data ou o nome na passagem paga uma multa horrorosa, não tem lugar marcado no avião (o que te força a embarcar rapidinho pra não ficar longe dos seus companheiros de viagem; isso com certeza ajuda a Ryan Air a NUNCA atrasar), as poltronas não são reclináveis, são de couro pra facilitar a limpeza, se quiser um copo d’água pra tomar um remédio durante o vôo tem que pagar. As reduções de custo mais importantes são devidas ao fato de que muitas delas trabalham com aeroportos lá no fim do mundo, cujas taxas são muito mais baixas: a Ryan Air desce em Girona, que está a uma hora de Barcelona; em Beauvais, que está a uma hora de Paris; em Hahn, que está a uma hora de Frankfurt, e por aí vai. Lógico que eles ganham uma percentual do valor da passagem de ônibus do aeroporto até a cidade; os horários dos ônibus são sincronizados com os dos vôos. Além disso tudo eles têm parcerias com hotéis, agências de aluguel de carros, etc, e pra completar a coisa vendem cartões telefônicos e raspadinhas. Pronto, explicados os preços baixos. [fim da explicação]
O nosso caso foi meio diferente: não tinha escrito muito claramente no site que só cidadãos comunitários podem fazer o check-in online, que é grátis; em teoria o check-in no balcão custa 5 euros por pessoa, e como a nossa reserva foi feita junta o Mirco também teria que pagar, mesmo sendo comunitário. Mas como Perugia é uma bagunça, eles só agora estão aprendendo a trabalhar com volumes maiores de passageiros (a Ryan tem vôos pra Londres e Barcelona agora) e sobretudo como o funcionário que estava no balcão fazendo o check-in não era da Ryan Air, mas sim do aeroporto mesmo, o cara nem mencionou nada da taxa e depois do check-in passamos diretamente pro gate sem pagar nada. Uêba. Entre a nossa chegada ao aeroporto e a entrada no avião passaram 45 minutos. Di-li-ça.
Quando descemos em Girona já havia uns três ônibus esperando os passageiros pra levá-los ao centro de Barcelona. 21 euros por pessoa ida e volta, mais do que a passagem de avião. Coisas da vida. Descemos na Estació del Nord, que fica a 300 metros da casa dos nossos anfitriões, mas como a Anna só chegava do trabalho às oito e meia e o Edwin estava trabalhando (ele é fotógrafo de casamento, mas só trabalha duas vezes por mês), tínhamos uma horinha pra matar. Fomos pro Arc de Triomf, ali pertinho, puxando nossas malinhas levinhas. Sentamos na beira do Passeig Lluís Companys admirando o arco e vendo o pessoal passeando com cachorros, crianças, patins. As palmeiras que ladeiam o Passeig são habitadas por pequenas maritacas barulhentas, marcadas com colares azuis numerados. Os cachorros ficam enlouquecidos.
O astral é bem legal, a cidade é cheia de jovens, o clima é de muita alegria e pouco trabalho. O problema é que Barcelona é uma cidade de ripongas. E eu odeio ripongas. Vejam bem, é calor, é cidade de praia e tal, mas nada justifica o molambismo. Pra quem está acostumado à pseudo-sofisticação (leia-se overprodução) dos italianos, que botam maquiagem até pra comprar pão no supermercado e andam de bicicleta e salto alto, esse desleixo excessivo incomoda. Eu não sou vaidosíssima mas também não gosto desse outro extremo, que beira a sujeira. Cabelos ensebados, roupas não passadas e claramente não muito limpas também, sandálias de dedo que dão chulé, you name it. Não gosto. Um rimelzinho não custa nada, se for à prova d’água consegue agüentar o calor e dá um aspecto mais arrumadinho, né. Eu não me pinto pra ir ao supermercado, mas também não vou de moletom e chinelo, que pra mim é roupa de ficar em casa. Mas tudo bem, cada um é cada um, il mondo è bello perché è vario, etc.
Chegamos na casa dos meninos às quinze pras nove, com o sol ainda brilhando lá fora. A Anna já tinha chegado e estava lavando a louça acumulada da semana. O apartamento é alugado, velho, com ladrilhos horripilantes no banheiro e chão de escritório dos anos 80, mas é bem localizado pacas: da janela da sala (que virou o nosso quarto) vêem-se as espirais da Sagrada Familia, a estação de metrô mais próxima fica a 5 minutos a pé, tem uma infinidade de supermercados, quitandinhas, verdureiros, restaurantes, cafés, bares pertíssimo, o clube onde ela faz natação também fica a 5 minutos a pé, etc. Ela é dermatologista e trabalha num hospital, que fica a poucas estações de metrô de distância, e num consultório particular, onde ela chega a pé ou de bicicleta.
As bicicletas: como Paris, Barcelona também tem um sistema de bicicletas genial. Você paga uma titica por ano – tipo 20 euros – e tem direito a usar, gratuitamente, as bicis do sistema Bicing. Há estações de bicicleta espalhadas pela cidade; você passa o seu cartão na máquina, ela diz qual bici liberou pra você, você vai lá, pega a magrela, anda meia hora grátis e depois disso tem duas opções, ou devolve a bichinha em outra estação qualquer e não paga nada, ou então continua com ela e paga uma microtitica por cada meia hora adicional. O resultado é que todo mundo anda de bicicleta, quase todo mundo as do sistema Bicing e pouquíssimos com as suas próprias. Por enquanto o serviço é só pra residentes, de modo que não pudemos usufruir. Uma pena, porque a cidade vazia de carros nesse período de férias vira um paraíso de ciclistas.
Banho pra tirar aquele cheiro de avião e ônibus, e fomos encontrar com umas amigas da Anna, no bairro de Grácia. Pegamos o metrô, limpo, pontual e com ar condicionado power. Descemos poucas estações depois, na Fontana, da linha 13, e andamos um pouco pelas ruas estreitas do bairro até achar as meninas. Uma delas, a Silvia, fala italiano, e ficamos batendo papo a noite toda. Apesar de estar cedo ainda pros padrões espanhóis, elas já tinham jantado, porque os restaurantes japoneses trabalham em horário japonês (leia-se civilizado; não consigo compreender jantar às dez da noite, por mais que me expliquem o lance da siesta etc). Eu, Mirco e Anna estávamos morrendo de fome e acabamos parando todos numa pracinha legal, cujo nome não me lembro, com uma torre estranha no meio, onde por acaso estava rolando um concerto de música clássica a céu aberto. Achamos mesas livres no lado oposto da praça, num bar de tapas, e lá fomos nós. A indefectível tortilla de patatas, minha preferida; um sanduichão de peito de frango com queijo de cabra e berinjela grelhada; croquetes de frango e batata; e o tradicional pa amb tomaquet, o pão esfregado com tomate tão típico da cozinha catalã. Conversamos até altas horas e depois, pra digerir, voltamos a pé pra casa. Uma bela caminhada, por ruazinhas escondidas mas sempre cheias de gente batendo papo, bebendo e comendo. E depois cama que ninguém é de ferro.