Senta que o post é longo

O fim de semana foi OK. Sexta-feira o Ralph, o cão corso aqui do escritório, mordeu a batina de um padre que veio comprar cartuchos. Cachorro esperto! À noite fui jantar com o Samuele, que não conseguiu convencer a Carmen de nos acompanhar. Eu tava exausta e concordei em comer uma pizza, uma coisa rapidinha, mas o menino me chega de gravata pra me buscar! Eu semi-molamba, com jeans novos e suéter de lã normalzinho, mas não tive saco de mudar de roupa. Acabamos indo pro Bistrot, aquele do risoto ão (camarão, salmão e açafrão). Ainda comemos um secondo e a sobremesa, um tiramisù com creme de gianduia em vez de mascarpone. Nada de vinho porque ele é abstêmio. Conversamos, ele me explicou os detalhes da caça ao javali, eu falei pouco porque estava muito cansada e já sentia os primeiros sintomas do resfriado que agora chegou pra valer.

Sábado Martinha não trabalhou; vim pro escritório com o Stefano, que faz os cartuchos inkjet, e voltei com outro Stefano, o marido da microsarda. Só que em vez do horário costumeiro de sábado, das 9 ao meio-dia, trabalhamos das oito e meia à uma. E todo esse tempo passamos, todos nós, em pé, limpando, etiquetando, ensacando, encaixotando cartuchos. Minha hiperlordose agradece. Em casa almocei correndo, fui ao supermercado comprar a base da minha alimentação ultimamente (água mineral e leite desnatado), deixei o Legolas em casa e fui a pé até S. Maria pegar o ônibus pra Assis. No meio da tarde me liga a Ane, que estava comemorando um ano de casamento na Umbria, em Trevi, não muito longe daqui. Acabou vindo com o Alfredo me visitar na loja. Conheceu a figura que é o Fabrizio, viu a mostra do fotógrafo sem mão, batemos muito papo, compraram um molho de trufas e cogumelos, foi ótimo! É tão bom reencontrar gente legal e querida. Levantou meu astral. Depois trabalhei sozinha com o louco do Fabrizio das quatro às oito, fui pra casa, levei o Leguinho na rua, tomei banho e fui dormir.

Dormir uma vírgula! Passei a noite inteira no banheiro, vomitando sabe-se lá o quê, já que não tinha comido nada além do almoço (frango grelhado com abobrinha e cenoura) o dia inteiro. Uma dor de cabeça avassaladora, enjôo, dor nas costas, frio, tudo junto. Uma clássica noite de merda. E no domingo acordei, levei o Legolas no parquinho, botei roupa pra lavar, tomei banho e lavei os cabelinhos, varri a casa, liguei pro Ettore, que não podia vir pegar o Legolas porque ia colher cogumelos sabe-se lá onde, troquei de roupa e saímos, eu e Leguinho, em direção a S. Maria. Deixei-o na casa do Ettore com os outros cachorros, voltei pra Basilica pra pegar lugar pra sentar no ônibus e lá fui eu pra Assis de novo.

[Pausa para reflexão: na meia hora em que fiquei sentadinha no banco da praça esperando o buzão, contei cinco exemplares diferentes de Jaguar, 12 de Audi, 23 de BMW, 20 de Mercedes, vários modelos novos da Lancia. Entre outros.]

O problema é que as pessoas nao lêem, não olham, não observam, foi o que eu falei no post filosófico-cachorral. Se você quer ir pra estação e tem escrito outra coisa no ônibus, você não pega, certo? Pega o ônibus onde tem escrito “Stazione”, ou não? Não. Aí neguinho chega no meio do percurso, vê que o ônibus não está descendo o morro mas subindo, e entra em pânico pedindo pra descer porque senão perde o trem. Aí o motorista fica puto e pede pelamordedeus pro pessoal OLHAAAAAAARRRRRRRR as placas dos pontos de ônibus, e olhar o destino da linha, que fica piscando no alto do ônibus. O pessoal ainda erra o jeito de botar o bilhete na máquina pra “obliterar”. Tipo, se a maquininha tem que carimbar uma data e um horário no seu bilhete, e a maquininha engole o bilhete de todo mundo, faz trrrr-trrrr, depois cospe o bilhete com um beep!, e você bota o bilhete, a maquininha chupa o bichinho e o cospe com um biiiruuuubiiiruuuu, será que não dá pra perceber que você botou o bilhete do jeito errado? Não. E lá vai o motorista explicar pros passageiros mongos que o biiiiruuuuubiiiruuuu significa que a maquininha não carimbou o bilhete (coisa que dá pra saber simplesmente olhando o bilhete, lógico. Mas só vê quem olha, e a maioria não olha). Ontem o trânsito estava horrível, e o motorista estava particularmente irritado. Já chegou na Basilica di S. Maria com quase meia hora de atraso, de forma que quando chegou na parada principal, a de S. Francesco, já em Assis, o ônibus que vinha meia hora depois dele chegou praticamente junto. Aí dá-se a seguinte cena, impensável em qualquer outro pais mais sério e consequentemente menos divertido (leia-se Alemanha): o motorista desce do ônibus, e grita pro motorista do ônibus que vinha atrás:
– Andrea!!! Você tá subindo?
Deduz-se que o Andrea disse que sim, porque o nosso motorista subiu de novo no ônibus e gritou pra galera:
– Quem quiser ir pro ponto final desce e pega o outro ônibus, que esse aqui mudou de itinerário e vamos voltar pra estação!

Desce todo mundo do ônibus, um bando de senhoras inglesas distintíssimas que não estavam entendendo nada mas davam muita gargalhada, um outro bando de napolitanos mal educadíssimos, um monte de adolescentes, um punhado de freiras. Subimos no ônibus do Andrea, que aliás era um pedaço de mau caminho, e pronto, tutto a posto. No final das contas levei 50 minutos pra chegar em Assis, ao invés dos 15 minutos habituais. Chego na loja e tá rolando um furdúncio como nunca se viu! Claudia e Fabrizio desesperados fazendo uma média de 57,6 sanduíches por minuto, e ao mesmo tempo explicando pros clientes que o nosso molho de trufas é melhor porque no supermercado é misturado com pasta de anchova e de azeitona preta pra parecer que é trufa e o nosso é só trufa, e explicando que o salame coglione di mulo não é feito de colhão de mulo e sim de suíno, mas tem esse nome por causa do formato, e fazendo contas, e fazendo notas fiscais, e por aí vai. Resultado: trabalhamos feito loucas (porque depois o Fabrizio foi pra casa e nos deixou sozinhas, eu, Claudia e a louca da Bettina) até umas cinco, quando não havia mais uma migalha de pão de qualquer espécie, e eu e Claudinha almoçamos pão de hot-dog, que só sobrou porque eu separei, senão nem esse tinha sobrado, com capocollo e queijo – tuuuudo a ver. Capocollo, como todos os frios umbros, é muito temperado, e é mais gostoso com um pão mais simples, como o clássico pão umbro sem sal. Eu fui de presunto cozido mesmo e um queijinho básico, esquentei na chapa, virou um misto quente em pão fofinho, fiquei toda feliz.

E aí chegamos no ponto crucial: a louca da Bettina. Bettina é uma alemoa, que pra não fugir à regra é imensa, feia e super mal vestida, e graciosíssima como ela só, e só não é ranzinza porque é completamente biruta, e passa o tempo todo rindo sem motivo, como uma japonesa. É meio freira, tipo, não fez os votos mas os cumpre anyway, e vive em meio a rosários, beatificações e aparições de santos. E queria botar música religiosa no rádio da loja, a Claudia quase infartou quando soube, e cortou logo as asinhas da alemoa. Mas coitada, é biruta mas é um amor, muito bem intencionada, toda simpatiquinha. Largou um vida de pecado, segundo ela mesma diz, pra esposar-se com Jesus. Eu acho esse termo horrível, ser “noiva de Jesus”.

A coisa mais chata de gente que tem religião é a mania de catequisar. Essa é a diferença principal entre ateus e fiéis: ateu não perde tempo tentando convencer os outros de que Deus não existe, até porque, se pra ele não existe, qual é o sentido de discutir esse assunto? Mas os cristãos, nãaaaao, esses são todos meio jesuítas, uma encheção de saco. Bettina é assim; deve ter sido uma garota super interessante quando era pecadora, mas agora é só uma quarentona muito da chatinha. Ficou a tarde toda nos contando histórias da Bíblia, no seu jeito particular de falar, como se a história tivesse acontecido com amigos dela, ou como se fosse um filme muito maneiro ao qual ela tivesse assistido. E quando a história acabava, invariavelmente com final feliz, ela ficava toda empolgada, dando mil risadas, felicíssima. Deve ser ótimo ser bitolada assim. Pelo menos ela come de graça em tudo que é convento – e todo mundo sabe que em convento se come muitíssimo bem, primo, secondo, contorno, pane, dolce, frutta e caffè todo dia. Depois a Claudia foi embora e a Bettina ficou tentando me convencer a fazer um curso sobre amor humano (?!?!), ou então a ir à Iugoslávia (nesse frio!) num tal monte famoso onde N. Senhora teoricamente aparece todas as noites. Tô mais pra Paris, Bettina, respondi. É mole?

Cheguei em casa destruída. Passei uma outra noite do cão, aliás, sem cão, porque o Ettore só me trouxe o Leguinho de volta hoje de manhã. Passei a manhã toda ensacando cartuchos no almoxarifado, mas agora realmente não estou me aguentando em pé; já caminhei até a agência dos Correios pra depositar meu salário e pra mandar meus currículos, mal deu tempo de comer, tá um frio do cacete. Precisaria de uma semana de coma induzido pra descansar direito, sem falar língua nenhuma, sem falar com ninguém, sem mastigar, sem pensar, sem cachorro, sem influências externas, nada. Assim pra zerar totalmente o céLebro.

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Quarta-feira, jantar brasileiro em casa. Fiquei com pena da Bettina e chamei-a também. Vêm os castelanos (o engravatado Samuele já me trouxe o feijão preto e os limões verdes), Carmen, que acaba de terminar com o namorado e já está fazendo sua carteirinha do Clube das Infelizes no Amor, Claudia, vice-presidente do Clube. Menu: pão de queijo, arroz com feijão preto e farofa, nada de carne porque senão neguinho vai morrer de tanto comer. E de sobremesa a torta de limão da vovó. Os meninos estao curiosíssimos pra saber se além de linda e interessante, eu também sei cozinhar bem (palavras deles. Não tenho culpa de ser interessantíssima, o que me torna automaticamente bonita, mesmo que eu não seja bonita de verdade). Na geladeira tem duas cervejas que o finado lanterneiro deixou e eles vão ter que me ajudar a desencalhar, porque estão me incomodando ali, ocupando espaço. O Massimo me emprestou um aparelho de som, assim pelo menos tenho companhia durante o almoço, e vamos ouvir muita Marisa Monte e Rita Lee no jantar de quarta. Mas ele me fez um super favorzão: escuto meus CDs velhos que há séculos não ouvia, e escuto com calma os dois CDs que a Marcinha me mandou, eras atrás. Considerando a qualidade da TV italiana, acho que estou melhor com a música do que com a TV…