ociosa

Binão, o cobra da Ferro Italia que perdeu o emprego quando a empresa fechou e agora trabalha aqui fazendo consultoria, é completamente workaholic e fica nervoso quando não tem muito trabalho. Quando tem zilhões de coisas pra fazer, ele fica todo feliz e passa o dia assobiando (hábito abominável, aliás).

Como eu gostaria de ter essa vocação pro trabalho! Mas não tenho. ODEIO trabalho de qualquer natureza. Aqui no escritório esse ódio é muito maior, claro, porque o trabalho é particularmente chato, porque meu chefe é um imbecil, porque ganho pouco, porque moro sozinha, porque está frio, porque está tudo uma merda, etc. Mas o conceito de trabalho, de forma geral, já me dá urticaria.

Tipo, eu adoro traduzir. Tem vezes que me dá a louca e eu pego um pedaço de um livro que eu particularmente gosto e saio traduzindo. Mas só de saber que tem alguém esperando aquilo dentro de um prazo, ou que dessa atividade dependa a saúde da minha conta corrente, já me vêm os calafrios. Realmente nasci pra ser madame.

Sim, sou preguiçosa, mas isso não me impede de fazer as coisas, significa só que tenho que reunir mais forças pra fazê-las. Minha casa é muito limpinha, cozinho e lavo louça todo dia, não deixo acumular nada (só roupa pra passar, mas é até melhor, em termos de economia de energia) pra fazer dentro de casa, faço compras com uma certa frequência, já que vou a pé ao supermercado e não consigo comprar mais de uma certa quantidade de coisas porque depois como faço pra carregar tudo pra casa?. Saio de manhã às seis e meia pra correr, vou a pé a tudo que é lugar sem reclamar, sou rapidinha em tudo que faço, até no que não gosto de fazer. Mas também adoro ficar sem fazer nada, coçando o saco. E essa coçação so o não-emprego pode te dar.

Meu problema é que as coisas que eu gosto de fazer não são atividades assim digamos empenhativas nem de muita responsabilidade: ler, escrever, ler, cozinhar, ler, bater papo, ler, escrever, fazer compras, cuidar da casa, ler, brincar com meu cachorro espetacular, ler, comer, ler, etc. E agora? Agora não sei.

O lance da responsabilidade é forte comigo. Odeio ter mil coisas ou pessoas dependendo de mim – claro que tem a ver com insegurança, mas também tem muito a ver com preguiça. De qualquer maneira, prefiro trabalhar em equipe, o que não significa que eu jogue tudo pra cima dos outros, muito pelo contrário: normalmente acabo comandando o batatal, mas no final das contas o trabalho é feito por todo mundo junto.

Mas o mais grave dessa história é que a satisfação do trabalho feito, ou bem-feito, eu não tenho. Executar ordens de terceiros não me dá nenhum tipo de alegria. Alias, nem executar ordens de mim mesma: adoro fazer listas e gosto de riscar o que já foi feito, mas depois acabo perdendo a lista e deixando tudo pela metade. Não tenho todo esse estímulo de melhorar sempre, de dar o melhor de mim, de superar limites. Tenho muitao preguiça de superar limites. Acho um saco superar limites. Meu prazer jamais vem de uma coisa bem feita ou de um projeto realizado ou do fato de ter conseguido alguma coisa que eu sempre quis, mas de coisas simples e pequenas, como todas aquelas coisas ali que eu falei que gosto de fazer. Se escrevo um texto bom, do tipo que depois eu fico relendo e pensando putz, mandei benzão, fico contente, mas não saio corrigindo nada nem melhorando nada, escrevo e pronto. Sempre tive problemas com rascunhos; jamais em toda a minha vida escrevi um rascunho que depois, corrigido, virou texto. Escrevia um rascunho pra acontentar professores chatos que exigiam a coisa, mas o texto final era sempre outra coisa completamente diferente, sobre outro tema, escrito em modo diferente, de tamanho diferente, enfim. Voltar atrás e corrigir é muito doloroso pra mim.

Sei lá, sou meio folgada sim, mas tento compensar oferecendo em troca a minha brilhante e solar companhia hohoho Mas falando sério, eu não me incomodo de dar carona a, de cozinhar para, de ajudar a arrumar a casa de, de pagar cinema para, de levar pra passear cachorro/filhos de, de ajudar a estudar pra prova pessoas cuja companhia me é particularmente agradável. Acho uma troca normal: você me faz dar umas risadas, eu lavo a louça depois do jantar. Você me faz companhia pra ir ao cinema, eu dirijo. Você me dá algumas horas de papo interessante, eu pago o chopp (pra mim vinho tinto, por favor). Você me faz companhia na discoteca quando me bate aquela vontade de dançar, eu te hospedo na minha casa. Você me ensina, mesmo sem saber, alguma coisa de útil/interessante/curioso, eu te trago um brigadeiro, te dou um abraço. Acho naturalíssimo, balanceado e super válido, não só quando EU estou fazendo companhia, dando horas de papo, fazendo os outros rirem, mas também quando estou lavando a louça, dirigindo, pagando o chopp. (mas admito que me encontro mais frequentemente na posição de quem faz rir, de quem oferece um ombro amigo, de quem ensina alguma coisa, de quem dá horas de papo interessante). Troca, escâmbio, dar-e-receber, é disso que é feita a vida, né nao?