deslumbramento

Mas como os meus leitores são interesseiros! A quantidade de gente que disse pra eu casar porque senão eu voltaria pra casa e pararia de escrever sobre a Itália foi impressionante! Dei muita risada com os e-mails ;) Mas, como eu disse, não respondi nem sim, nem não. Por enquanto vou ficando, e depois vou ver que bicho que dá. E chega desse assunto que essa história já deu tema pra muita novela das oito, e até eu já enjoei. Vamos falar de outra coisa.

Que o meu chefe não é uma pessoa particularmente admirável, e por motivos váaaarios, não é novidade pra quem lê o blog. Mas tem um aspecto dele que às vezes me irrita e às vezes me faz dar risada: o deslumbramento. Coisa de pobre de espírito mesmo, sabe? Novo rico? Agora pegou a mania de pedir a mim ou à Martinha pra ligar pra fulano e depois passar a ligação pra ele. Como se custasse muito ele abrir a bosta da agenda telefônica, digitar o número e dizer fulano está?. A mania começou há alguns meses, mas piorou agora que estamos em um escritório decente, com cara de sério (lá em Assis a gaveta da minha velhíssima escrivaninha era forrada com papel de presente do Snoopy, e o cachorro do escritório babava todos os clientes, e nossos produtos eram enviados em caixotes de papelão cobertos de pegadas de cachorro e com penas de galinha presas nos cantos). O menino anda se achando oooooooooo C.E.O. de multinacional. A coisa mais engraçada (leia-se é rir pra não chorar) é que ele não entende nada de nada. Não entende nada de computador, não sabe nem mexer no telefone super modernoso dele, não sabe onde está nada, e tudo tem que perguntar a mim, à Martinha, ao segundo chefe, à Miss Almoxarifado e ao Chato Workaholic Assobiador Bafo-de-Onça (doravante chamado C.H.A.B.O.) que agora faz consultoria pra gente. Uma das piores partes desse meu emprego, além do fato de ser um trabalho relativamente chato e difícil de organizar porque eu faço um pouco de tudo, é ter que obedecer a um chefe que não entende nada de coisa nenhuma. Sempre fui da opinião que pra comandar a gente tem que saber do que está falando. Bem fez o pai de um amigo* triliardário do Mirco, que tem uma fábrica de galpões aqui com sede aqui e mais umas 3 filiais no resto da Itália: antes de botar o filho engravatado no escritório, fez o garoto ralar nos canteiros de obra, observando os peões e mestres-de-obra.

* (e se tivéssemos feito o nosso novo escritório com eles, com certeza não teria sido a novela que foi esse aqui – novela que não acabou, visto que já há paredes rachando, privadas vazando e chuva chovendo dentro do banheiro).

Jamais conseguiria viver assim, tendo gente pra fazer tudo pra mim, entendendo mais da minha vida do que eu mesma. Tenho horror a depender dos outros. Nao gosto nem que façam meu prato na hora do almoço. E pra mim é essencial entender o contexto onde estou pra poder funcionar. Tipo, eu não tenho nada a ver com a produção dos cartuchos, mas sempre fui curiosa de saber como funcionava a coisa, e volta e meia apareço no laboratório pra perguntar por que não imprime direito, por que esse modelo de cartucho dá tanto problema, por que esse cartucho não é compatível com a impressora x, se parece ser idêntico ao que é compatível. Não conseguiria me mover aqui dentro sem saber essas coisas. Um cliente liga reclamando de um cartucho que não imprime direito; se eu não sei o que pode ter dado errado, como faço pra dar uma resposta decente? Fora que é feio não entender nada do mestiere. E fora que aprender nunca é demais. Pode parecer um tipo de aprendizado idiota, tipo, ooooh, que coisa importante pra minh’alma, conhecer modelos de cartuchos, mas hoje ninguém me enrola mais nesse assunto, e o dia em que resolver comprar uma nova impressora vou olhar pra cara do cartucho antes e saber imediatamente se dá pra regenerar (leia-se economizar) ou não, se é fácil de achar ou não, se o custo-benefício é legal ou ridículo, se a assistência técnica do fabricante funciona; vou saber o que fazer se o cartucho não imprimir direito, vou saber onde olhar pra ver o que está errado, enfim, hoje sei um monte de coisas que um dia poderão ser-me úteis. Conhecimento é sempre valioso, darlings, não interessa se sobre física quântica ou o crescimento dos repolhos na horta.

(ou não – a cada dia que passa mais acredito que ignorance is bliss. Muito bliss.)