Fiz panquecas pro jantar, receita da vovó:

1 xícara de farinha de trigo
1 xícara e meia de leite
2 ovos
1 colher de sopa de óleo (eu não sei mais comer óleo, só uso azeite)
Sal a gosto

Dá umas 15 panquecas, acho. Digo “acho” porque é a primeira vez que faço panqueca, e minha avo já tinha me advertido que as primeiras sempre ficam espessas demais. Realmente meia concha de massa é suficiente pra fazer uma panqueca beeeem fininha – o lance é ir girando a frigideira, quente mas fora do fogo, pra espalhar bem a massa, e só depois que não sobrar mais nada líquido na frigideira botar a bichinha no fogo. Fui testando as quantidades de massa aos poucos, então as 3 ou 4 primeiras panquecas ficaram super grossas – um desperdício de massa… Com essas espessuras malucas, minha receita deu 12 panquecas.

Fiz recheios diferentes, porque eu não tinha uma quantidade suficiente de nenhum ingrediente. Então fiz algumas de espinafre com ricota, até acabar a ricota que eu tinha na geladeira. Fiz uma de presunto e queijo – só deu uma, porque o resto do presunto tava no congelador. E mais três de cogumelo e iogurte. No fundo das assadeiras, molho de tomate bem temperado. Por cima das panquecas, mais molho de tomate, ao qual juntei um pouco de panna (tipo creme de leite), pra ficar menos tomático e combinar melhor com o espinafre, e também porque senão a panna ia estragar na geladeira; eu quase nunca uso.

Depois digo se ficou bom.

**

Já falei aqui que adoro um quiz. Tem um que eu gosto muito aqui na TV, “Passaparola”. É dividido em várias partes, mas a que eu mais gosto é a das palavras difíceis. O apresentador, que é um gordinho simpático, dá uma lista de palavras completamente doidas. Ele dá uma definição, e o participante tem que adivinhar a qual palavra se refere à definição. De vez em quando aparece uma palavra com raiz latina ou grega, e me dá um ódio danado quando neguinho erra. Mas é legal, eu gosto.

Adoro jogos com palavras. Inventei um, aqui no Word. Como não tenho Word em Português instalado, vou adicionando as palavras acentuadas ao dicionário do computador, assim, quando seleciono Portoghese Brasiliano antes de começar um texto, ele acentua automaticamente as palavras já inseridas. O meu jogo é assim: pra aproveitar que a janelinha da adição de palavras está aberta, vou brincando de mudar letras da palavra que estou inserindo, pra tentar formar o máximo de palavras possível (e assim inserir o máximo de palavras de uma só vez). Exemplo bobo: a primeira vez que digitei “mão”, fui lá inserir, e depois fui mudando a consoante, fazendo pão, não, tão, cão, dão, vão, e così via. Claro que a coisa vai evoluindo, e palavras como “possível” rendem possíveis, impossível, impossíveis, passível, impassível, etc. Fico horas nessa bobeira…

Fiz panquecas pro jantar, receita da vovó:

1 xícara de farinha de trigo
1 xícara e meia de leite
2 ovos
1 colher de sopa de óleo (eu não sei mais comer óleo, só uso azeite)
Sal a gosto

Dá umas 15 panquecas, acho. Digo “acho” porque é a primeira vez que faço panqueca, e minha avo já tinha me advertido que as primeiras sempre ficam espessas demais. Realmente meia concha de massa é suficiente pra fazer uma panqueca beeeem fininha – o lance é ir girando a frigideira, quente mas fora do fogo, pra espalhar bem a massa, e só depois que não sobrar mais nada líquido na frigideira botar a bichinha no fogo. Fui testando as quantidades de massa aos poucos, então as 3 ou 4 primeiras panquecas ficaram super grossas – um desperdício de massa… Com essas espessuras malucas, minha receita deu 12 panquecas.

Fiz recheios diferentes, porque eu não tinha uma quantidade suficiente de nenhum ingrediente. Então fiz algumas de espinafre com ricota, até acabar a ricota que eu tinha na geladeira. Fiz uma de presunto e queijo – só deu uma, porque o resto do presunto tava no congelador. E mais três de cogumelo e iogurte. No fundo das assadeiras, molho de tomate bem temperado. Por cima das panquecas, mais molho de tomate, ao qual juntei um pouco de panna (tipo creme de leite), pra ficar menos tomático e combinar melhor com o espinafre, e também porque senão a panna ia estragar na geladeira; eu quase nunca uso.

Depois digo se ficou bom.

**

Já falei aqui que adoro um quiz. Tem um que eu gosto muito aqui na TV, “Passaparola”. É dividido em várias partes, mas a que eu mais gosto é a das palavras difíceis. O apresentador, que é um gordinho simpático, dá uma lista de palavras completamente doidas. Ele dá uma definição, e o participante tem que adivinhar a qual palavra se refere à definição. De vez em quando aparece uma palavra com raiz latina ou grega, e me dá um ódio danado quando neguinho erra. Mas é legal, eu gosto.

Adoro jogos com palavras. Inventei um, aqui no Word. Como não tenho Word em Português instalado, vou adicionando as palavras acentuadas ao dicionário do computador, assim, quando seleciono Portoghese Brasiliano antes de começar um texto, ele acentua automaticamente as palavras já inseridas. O meu jogo é assim: pra aproveitar que a janelinha da adição de palavras está aberta, vou brincando de mudar letras da palavra que estou inserindo, pra tentar formar o máximo de palavras possível (e assim inserir o máximo de palavras de uma só vez). Exemplo bobo: a primeira vez que digitei “mão”, fui lá inserir, e depois fui mudando a consoante, fazendo pão, não, tão, cão, dão, vão, e così via. Claro que a coisa vai evoluindo, e palavras como “possível” rendem possíveis, impossível, impossíveis, passível, impassível, etc. Fico horas nessa bobeira…

Eu sei que não parece, mas morar com um lanterneiro criativo tem muitas vantagens.

O bom dele ser lanterneiro é que toda e qualquer ferramenta ou está à disposição, ou pode ser facilmente comprada, e pequenos probleminhas são facilmente resolvidos. Bateu o carro? Se ele não conserta pessoalmente (ele nao, o pai, porque ele pinta máquinas industriais), conhece alguém que o faz, por pouca grana e em pouco tempo. Arranhou o carro? Ele vai lá com a pistola de tinta e resolve. Quebrou alguma coisa em casa? Ele volta pro almoço com a ferramenta justa, e conserta.

O bom dele ser criativo é que, se um problema não pode ser resolvido no modo convencional, ele inventa outra solução. Sabe aquela coisa do homem da casa? Então. É assim. E como eu também sempre fui um dos homens da minha casa, e adoro consertar coisas, abrir pra ver como funciona e por aí vai (interesses que herdei do meu pai), nos damos muito bem.

Ontem decidimos que, porque somos acumuladores de coisas, o espaço aqui no nosso escritório é pouco, e precisamos de prateleiras. IKEA? Não, do-it-yourself, que é muito mais divertido, e personalizado!

Primeiro vou explicar mais ou menos como é o escritório, que era o quarto do filho mais velho do casal dono do apartamento. Mirco inventou escrivaninhas cujas pernas são latões de solvente e cujo tampo é uma tábua super larga que ele pintou com tinta pra carro, cor verde-bandeira. Ele usou uma pintura tipo bucciata (buccia = casca, nesse caso casca de laranja), que não deixa a superfície lisinha mas coberta de “respingos” de tinta. Encostado na parede atrás da escrivaninha, uma outra tábua bucciata laranja, na qual ele fixou uma prateleirinha de mesmo material e cor, onde ficam os porta-lápis, porta-correspondência e uma foto nossa feita num restaurante em Catania no ano passado. À esquerda do computador, dois gaveteiros de madeira crua da IKEA, cheias de material de escritório – é o almoxarifado. Nós dois adoramos coisas de papelaria e escritório, e não deixamos faltar nada porque refazemos nossos estoques antes que qualquer coisa acabe ;) E empilhados no alto desses dois gaveteiros, 200.000 raccoglitori (fichários) com documentação de banco, contas da casa, fotocópias de documentos pessoais, faturas de cartão de crédito, etc. O Mirco é muito organizado com essas coisas, e aprendi muito com ele. Hoje não perco mais um documento sequer, tá tudo devidamente ordenado e fotocopiado.

No meu lado do escritório, usamos uma velha escrivaninha da Arianna, que tem gavetas mas é baixa e muito feia. O Mirco pintou um tampo de madeira em azul bucciato, um azul meio cinza que eu adoro. No canto à direita, perto da janela (que tem cortinas em renda com golfinhos, muito adequado), fica o meu computador velho. À esquerda, perto da porta, o meu gaveteiro de madeira e o porta-correspondência idem. Na parede do lado da janela, duas placas de metal bucciato prateado com fotos e coisas fofas presas com ímãs. Na parede da escrivaninha do Mirco, um poster da mostra do fotógrafo sem mão, que o Mirco comprou e quase desistiu de botar na parede quando soube que o fotógrafo tava crente que eu ia pra Austrália pra dar pra ele (mas comé que esse cavalinho foi parar na chuva? Tira ele daí, meu querido!). No canto direito da parede do Mirco, ou melhor, na parede mais estreita desse escritório pentagonal, mais duas placas de metal bucciato verde meio turquesa, com as fotos da Austrália que o Mirco ama. Na parede perto da porta, outra placa, cinza-claro, com mais fotos de viagens e contas pra pagar. Colados na porta do escritório, do lado de fora, uma placa de trânsito avisando que há koalas na área, e logo embaixo, o cartaz do Fashion Rio, desenhado pela Newlands. Do lado de dentro, um calendário horrível com fotografias de caminhões e tratores, e um folheto que veio com a nossa multi-função HP, com coisas escritas nas línguas mais estranhas da Europa.

Foram os malditos raccoglitori, que são horrorosos mas duram muito e custam una cavolata (mixaria), que nos despertaram essa vontade de ter prateleiras. Eu só tenho 2 fichários, um com meus documentos pessoais e do banco, e outro, precocemente aposentado, com os documentos e as contas do apartamento de Bastia, mas tenho uma infinidade de tralha pra organizar: MUITO material pra correspondência, muita correspondência, milhões de bloquinhos, trilhões de canetas coloridas e não, alguns dicionários, zilhões de caderninhos de endereços, agendas, diários, fotografias, letras de música, cadernos de receita, traduções feitas. Tá tudo espalhado pela casa, dentro de pastas e arquivos distribuídos pelos armários hediondos da sala. Precisam de ordem – então inventamos umas prateleiras.

Ingredientes: latas vazias, que eles na oficina compram em quantidades industriais, pra armazenar tintas de cores não tradicionais, cores inventadas pro cliente do momento. Areia pra encher as latas e fazer peso. Profilati de alumínio, que são tipo tábuas ocas de metal que servem, entre outras coisas, pra bloquear as laterais dos caminhões, evitando assim que motociclistas ou carros baixos vão parar embaixo deles, em caso de acidente. Maastricht, uma cola super hiper mega coladora, pra colar as latas.

Ontem à tarde demos um pulo na oficina pra pegar essa tralha. Cortamos os profilati com a serra que cortou um pedaço da mão do Ettore no começo do ano, escolhemos as latas, pegamos as placas de metal que estavam secando no forno, nos munimos de fita biadesiva poderosíssima, e voltamos pra casa. Os profilati são estreitos, então cada prateleira é feita de dois deles, posicionados paralelamente e colados com biadesivo. Três latas de altura entre a escrivaninha e a primeira prateleira, e duas latas entre a primeira e a segunda prateleira. As minhas latas serão pintadas de vermelho-vivo, as do Mirco de azul. Escritório mais colorido, impossível.

As minhas duas placas de metal já estão devidamente entupidas de fotos e coisas, e em breve o estarão também as latas. Sim, é uma poluição visual danada, mas a gente gosta assim…

**

E à noite fomos jantar na casa de uma família amiga dos pais do Mirco. Eles se conheceram no hospital há mais de 15 anos, quando o Ettore foi operar o septo nasal, e essa família estava acompanhando um tio pra uns exames cardíacos complicados. Pietro, o patriarca sem dentes, Silvana, a esposa, de olhos azuis lindíssimos, Settimia, a filha nariguda divorciada e sem queixo, Andrea, o filho rebelde de Settimia, com cabelo mohawk mas olhar esperto (e com narigão e sem queixo), e Giovanni, o filho mais novo de Pietro, que é ligeiramente viado, apaixonado pelo Mirco, e dá aula de cozinha na escola de hotelaria de Assis há muitos anos. Todos super gentis, mas um pouco formais demais pro meu gosto. A casa, imensa mas super mal conservada porque o pai, avarentíssimo, controla o dinheiro de todo mundo na família e não gasta nem pra botar luminárias na sala (sabe lâmpada pendurada pelo fio? É assim HÁ DEZ ANOS), fica num buraco chamado Giano dell’Umbria, lá pros lados de Foligno. A estrada cheia de curvas é absolutamente deserta. Uma casa a cada quilômetro. Ou melhor, um sítio a cada quilômetro, porque ali cada família tem grandes propriedades e seus próprios pés de azeitona, de uva, suas hortas, seus galinheiros. Aqui no interior é muito comum encontrar moinhos de aluguel: você leva suas azeitonas, paga uma taxa e eles moem as bichinhas pra você e te dão o azeite pronto. O mesmo pro vinho: há cooperativas onde você leva as suas uvas, e no final do processo de produção do vinho tem direito a uma certa quantidade do produto pronto.

Então nós jantamos bruschette de alho e azeite, de cogumelo e tartufo, de berinjela (melanzana) da horta deles. Depois panquecas recheadas de cogumelo, cobertas de molho branco e molho de tomate, gratinadas ao forno (deliciosas). Depois coelho assado (coelho deles, é claro) e linguiças feitas em casa, na grelha, com batatas ao forno. Depois salada (da horta deles, obviamente). Depois rocciata, um doce esquisito com frutas secas (blergh), e spaghetti dolci, um doce que normalmente se faz na Páscoa, se não me engano, com macarrão cozido e misturado numa massa maluca de chocolate, amêndoas trituradas, açúcar, e outras coisas, tudo isso regado com licor cor-de-rosa. Parece horroroso, mas não é. Também não é nenhuma maravilha, mas é perfeitamente aceitável. Tudo isso regado a vinho branco e tinto feito em casa (eles levam à cooperativa as uvas mais tabajara, com as uvas boas eles mesmos fazem o vinho pra consumo próprio). Espetaculo. O Ettore comeu até morrer, e ainda teve a cara-de-pau de aceitar de levar uma quentinha de panquecas pra casa hehehe

**

Amanhã partimos pra Belgrado. Dejan já ligou dizendo que está frio, muito frio. Ui.

Eu sei que não parece, mas morar com um lanterneiro criativo tem muitas vantagens.

O bom dele ser lanterneiro é que toda e qualquer ferramenta ou está à disposição, ou pode ser facilmente comprada, e pequenos probleminhas são facilmente resolvidos. Bateu o carro? Se ele não conserta pessoalmente (ele nao, o pai, porque ele pinta máquinas industriais), conhece alguém que o faz, por pouca grana e em pouco tempo. Arranhou o carro? Ele vai lá com a pistola de tinta e resolve. Quebrou alguma coisa em casa? Ele volta pro almoço com a ferramenta justa, e conserta.

O bom dele ser criativo é que, se um problema não pode ser resolvido no modo convencional, ele inventa outra solução. Sabe aquela coisa do homem da casa? Então. É assim. E como eu também sempre fui um dos homens da minha casa, e adoro consertar coisas, abrir pra ver como funciona e por aí vai (interesses que herdei do meu pai), nos damos muito bem.

Ontem decidimos que, porque somos acumuladores de coisas, o espaço aqui no nosso escritório é pouco, e precisamos de prateleiras. IKEA? Não, do-it-yourself, que é muito mais divertido, e personalizado!

Primeiro vou explicar mais ou menos como é o escritório, que era o quarto do filho mais velho do casal dono do apartamento. Mirco inventou escrivaninhas cujas pernas são latões de solvente e cujo tampo é uma tábua super larga que ele pintou com tinta pra carro, cor verde-bandeira. Ele usou uma pintura tipo bucciata (buccia = casca, nesse caso casca de laranja), que não deixa a superfície lisinha mas coberta de “respingos” de tinta. Encostado na parede atrás da escrivaninha, uma outra tábua bucciata laranja, na qual ele fixou uma prateleirinha de mesmo material e cor, onde ficam os porta-lápis, porta-correspondência e uma foto nossa feita num restaurante em Catania no ano passado. À esquerda do computador, dois gaveteiros de madeira crua da IKEA, cheias de material de escritório – é o almoxarifado. Nós dois adoramos coisas de papelaria e escritório, e não deixamos faltar nada porque refazemos nossos estoques antes que qualquer coisa acabe ;) E empilhados no alto desses dois gaveteiros, 200.000 raccoglitori (fichários) com documentação de banco, contas da casa, fotocópias de documentos pessoais, faturas de cartão de crédito, etc. O Mirco é muito organizado com essas coisas, e aprendi muito com ele. Hoje não perco mais um documento sequer, tá tudo devidamente ordenado e fotocopiado.

No meu lado do escritório, usamos uma velha escrivaninha da Arianna, que tem gavetas mas é baixa e muito feia. O Mirco pintou um tampo de madeira em azul bucciato, um azul meio cinza que eu adoro. No canto à direita, perto da janela (que tem cortinas em renda com golfinhos, muito adequado), fica o meu computador velho. À esquerda, perto da porta, o meu gaveteiro de madeira e o porta-correspondência idem. Na parede do lado da janela, duas placas de metal bucciato prateado com fotos e coisas fofas presas com ímãs. Na parede da escrivaninha do Mirco, um poster da mostra do fotógrafo sem mão, que o Mirco comprou e quase desistiu de botar na parede quando soube que o fotógrafo tava crente que eu ia pra Austrália pra dar pra ele (mas comé que esse cavalinho foi parar na chuva? Tira ele daí, meu querido!). No canto direito da parede do Mirco, ou melhor, na parede mais estreita desse escritório pentagonal, mais duas placas de metal bucciato verde meio turquesa, com as fotos da Austrália que o Mirco ama. Na parede perto da porta, outra placa, cinza-claro, com mais fotos de viagens e contas pra pagar. Colados na porta do escritório, do lado de fora, uma placa de trânsito avisando que há koalas na área, e logo embaixo, o cartaz do Fashion Rio, desenhado pela Newlands. Do lado de dentro, um calendário horrível com fotografias de caminhões e tratores, e um folheto que veio com a nossa multi-função HP, com coisas escritas nas línguas mais estranhas da Europa.

Foram os malditos raccoglitori, que são horrorosos mas duram muito e custam una cavolata (mixaria), que nos despertaram essa vontade de ter prateleiras. Eu só tenho 2 fichários, um com meus documentos pessoais e do banco, e outro, precocemente aposentado, com os documentos e as contas do apartamento de Bastia, mas tenho uma infinidade de tralha pra organizar: MUITO material pra correspondência, muita correspondência, milhões de bloquinhos, trilhões de canetas coloridas e não, alguns dicionários, zilhões de caderninhos de endereços, agendas, diários, fotografias, letras de música, cadernos de receita, traduções feitas. Tá tudo espalhado pela casa, dentro de pastas e arquivos distribuídos pelos armários hediondos da sala. Precisam de ordem – então inventamos umas prateleiras.

Ingredientes: latas vazias, que eles na oficina compram em quantidades industriais, pra armazenar tintas de cores não tradicionais, cores inventadas pro cliente do momento. Areia pra encher as latas e fazer peso. Profilati de alumínio, que são tipo tábuas ocas de metal que servem, entre outras coisas, pra bloquear as laterais dos caminhões, evitando assim que motociclistas ou carros baixos vão parar embaixo deles, em caso de acidente. Maastricht, uma cola super hiper mega coladora, pra colar as latas.

Ontem à tarde demos um pulo na oficina pra pegar essa tralha. Cortamos os profilati com a serra que cortou um pedaço da mão do Ettore no começo do ano, escolhemos as latas, pegamos as placas de metal que estavam secando no forno, nos munimos de fita biadesiva poderosíssima, e voltamos pra casa. Os profilati são estreitos, então cada prateleira é feita de dois deles, posicionados paralelamente e colados com biadesivo. Três latas de altura entre a escrivaninha e a primeira prateleira, e duas latas entre a primeira e a segunda prateleira. As minhas latas serão pintadas de vermelho-vivo, as do Mirco de azul. Escritório mais colorido, impossível.

As minhas duas placas de metal já estão devidamente entupidas de fotos e coisas, e em breve o estarão também as latas. Sim, é uma poluição visual danada, mas a gente gosta assim…

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E à noite fomos jantar na casa de uma família amiga dos pais do Mirco. Eles se conheceram no hospital há mais de 15 anos, quando o Ettore foi operar o septo nasal, e essa família estava acompanhando um tio pra uns exames cardíacos complicados. Pietro, o patriarca sem dentes, Silvana, a esposa, de olhos azuis lindíssimos, Settimia, a filha nariguda divorciada e sem queixo, Andrea, o filho rebelde de Settimia, com cabelo mohawk mas olhar esperto (e com narigão e sem queixo), e Giovanni, o filho mais novo de Pietro, que é ligeiramente viado, apaixonado pelo Mirco, e dá aula de cozinha na escola de hotelaria de Assis há muitos anos. Todos super gentis, mas um pouco formais demais pro meu gosto. A casa, imensa mas super mal conservada porque o pai, avarentíssimo, controla o dinheiro de todo mundo na família e não gasta nem pra botar luminárias na sala (sabe lâmpada pendurada pelo fio? É assim HÁ DEZ ANOS), fica num buraco chamado Giano dell’Umbria, lá pros lados de Foligno. A estrada cheia de curvas é absolutamente deserta. Uma casa a cada quilômetro. Ou melhor, um sítio a cada quilômetro, porque ali cada família tem grandes propriedades e seus próprios pés de azeitona, de uva, suas hortas, seus galinheiros. Aqui no interior é muito comum encontrar moinhos de aluguel: você leva suas azeitonas, paga uma taxa e eles moem as bichinhas pra você e te dão o azeite pronto. O mesmo pro vinho: há cooperativas onde você leva as suas uvas, e no final do processo de produção do vinho tem direito a uma certa quantidade do produto pronto.

Então nós jantamos bruschette de alho e azeite, de cogumelo e tartufo, de berinjela (melanzana) da horta deles. Depois panquecas recheadas de cogumelo, cobertas de molho branco e molho de tomate, gratinadas ao forno (deliciosas). Depois coelho assado (coelho deles, é claro) e linguiças feitas em casa, na grelha, com batatas ao forno. Depois salada (da horta deles, obviamente). Depois rocciata, um doce esquisito com frutas secas (blergh), e spaghetti dolci, um doce que normalmente se faz na Páscoa, se não me engano, com macarrão cozido e misturado numa massa maluca de chocolate, amêndoas trituradas, açúcar, e outras coisas, tudo isso regado com licor cor-de-rosa. Parece horroroso, mas não é. Também não é nenhuma maravilha, mas é perfeitamente aceitável. Tudo isso regado a vinho branco e tinto feito em casa (eles levam à cooperativa as uvas mais tabajara, com as uvas boas eles mesmos fazem o vinho pra consumo próprio). Espetaculo. O Ettore comeu até morrer, e ainda teve a cara-de-pau de aceitar de levar uma quentinha de panquecas pra casa hehehe

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Amanhã partimos pra Belgrado. Dejan já ligou dizendo que está frio, muito frio. Ui.

Senta que lá vem pregação

Então vamos falar de cigarro. De novo.

Fumar é o ato de maior idiotice de que o ser humano é capaz. Jamais vou entender o que leva uma pessoa a sequer começar a fazer uma coisa que há anos se sabe que dá vários tipos de câncer, tem mil substâncias viciantes, causa impotência nos homens, destrói a microcirculação, deixa os dentes e as unhas amarelos, dá um bafo que chiclete nenhum do mundo é capaz de eliminar, deixa a pele envelhecida, os cabelos feios e fedorentos – e ainda por cima PAGA por isso! Maior exemplo de fraqueza eu realmente não consigo conceber. Depender de uma coisa que além de matar lentamente, fede, é absolutamente inexplicável pra mim.

Além de ser uma coisa idiota, é também um dos maiores exemplos de má educação e desrespeito pelos outros. Mesmo que o cigarro não fizesse mal, só o fedor deveria ser suficiente pra transformar o ato de fumar em uma coisa a se fazer escondido, isolado – como peidar. Se a premissa básica da vida em sociedade é não encher o saco dos outros pra que ninguém encha o seu, como é possível que seja aceitável um não-fumante voltar pra casa depois de um papo no pub, ou uma noite na discoteca, fedendo tanto que é preciso pendurar as roupas na varanda pra pegar um vento e perder o cheiro? Com o cabelo fedendo tanto que na manhã seguinte a náusea te persegue e não dá vontade nem de tomar café? Com os olhos lacrimejando por causa da merda da fumaça?

Todo o problema deriva do fato que quando um imbecil fuma (fumante = imbecil), está fazendo fumar todo mundo que está em volta. Porra, eu NÃO fumo, NÃO quero ficar fedendo, não quero aumentar as minhas já altas probabilidades genéticas de desenvolver um tumor de qualquer coisa, NÃO quero respirar essa merda de fumaça! Quer fumar? Vai fumar no SEU banheiro, trancado! Um banheiro que de preferência não seja usado por mais ninguém, porque o fedor permanece por horas a fio. Crie o seu proprio cubículo de idiotice e fique lá fumando como o idiota que você é, sem encher o saco de ninguém.

Aqui na Europa a coisa mais grave é que os fumantes se acham oooos reis da cocada. Pedir a alguém pra apagar o cigarro é como pedir, sei lá, pra plantar bananeira. Ficam te olhando como se fosse a coisa mais absurda do mundo. Como, absurdo? Absurdo é EU, que não tenho nada a ver com a história e sou muito melhor do que qualquer fumante (porque, como todo fumante é imbecil, já parte com pontos a menos, em qualquer situação. TODO fumante está errado quando fuma, SEMPRE, porque fumar é SEMPRE um ato imbecil, e portanto SEMPRE errado), ter que ficar fedendo por estar rodeada de gente idiota e fraca, que não consegue ficar uma hora ou duas sem acender aquela merda dentro de um pub ou boate!

Ontem, depois do cinema, fomos pegar a Carmen e demos um pulo na nossa pizzaria preferida, pra beliscar umas coisinhas. A Carmen fuma (e depois se pergunta por que seus cabelos caem tanto e a pele é tão feia…), sabe que eu tenho HORROR a cigarro, e mesmo assim acende sempre um cigarro quando está comigo. Ontem discutimos feio porque eu pedi a ela que me fizesse a gentileza de não fumar na minha presença. Aí começa a argumentação ridícula e estúpida de quem não tem razão (lembrem-se, o fumante NUNCA tem razão):
– Mas se todo mundo aqui fuma, não é o meu cigarro que vai fazer a diferença…
Vai sim, cara-pálida. Gente pensando como você, em relação ao cigarro, ao papel de bala no chão, ao ato de furar fila, de não pagar multa, de corromper o policial, de não recolher o cocô do cachorro na rua, é que destrói uma cidade, um país, uma geração. Eu realmente não consigo entender qual é a dificuldade em sacar que pombas, cada um faz a sua parte e tudo vai bem; cada um faz o que dá na telha e acaba fodendo tudo. Qual é a dificuldade de entender uma coisa tão óbvia? Socorro!

Resultado: voltei pra casa irritada, fedorenta e intoxicada, com muita vontade de bater em alguém, de sair incendiando todos os campos de tabaco do mundo, de boicotar toda e qualquer manifestação de qualquer coisa que seja patrocinada por empresas de cigarro. Bando de feladaputa. Estragou a minha noite, de verdade. Uma merda de um rolinho de papel com coisinhas fedidas dentro, aceso numa ponta e com um idiota sugando a fumaça na outra, conseguiu estragar a minha noite.

Cada vez mais eu tenho nojo de pertencer à espécie humana. Se eu acreditasse em reencarnação, na próxima aceitaria ser qualquer coisa, menos um ser humano. Até uma barata serviria. Barata come mal pacas, mas pelo menos não fuma.

**

E passando pra outro assunto, porque esse do cigarro me deixa extremamente irritada, raivosa e violenta: o menu de Natal aqui na Umbria.

Aqui a ceia de Natal não é tão importante, e normalmente é à base de frutos do mar (aquela chatice cristã de não poder comer carne, blah blah blah. Na minha casa a gente comia lombinho, bom pra caramba…). O grande balacobaco é o almoço do dia 25. Aqui no interior do Cambodja o pessoal (leia-se as donas-de-casa, em italiano casalinghe) faz cappelletti e ravioli em casa. As superdotadas galinhas da Arianna, que botam dois ovos por dia cada uma, são as fornecedoras de parte da matéria-prima. Além dos ovos, a massa leva farinha de grano duro, numa proporção indefinida – vai no olhômetro mesmo. O recheio dos cappelletti, que são redondos, é de carne moída. O dos ravioli, aqueles com formato de travesseirinho, é espinafre com ricota. A massa é servida in brodo, ou seja, no caldo onde foi cozido o frango/peru/ganso/carneiro, e com parmesão ralado por cima, claro. Eu adoro todos os dois :)

Dia 25, na casa da Arianna, comemos os cappelletti in brodo e depois spaghetti al tartufo. A Stefania achou uns tartufos não sei onde, porque esse ano não choveu e os tartufos não só não se acham como custam os olhos da cara (algo em torno dos 3000 euros por quilo, o tartufo preto. O branco custa o dobro.), e fez um molhinho pra macarrão. Não é incomum aqui comer mais de um tipo de primo piatto. Em teoria as porções são menores, é claro – mas só em teoria.

Depois vêm as carnes, como sempre todas misturadas: tinha peru e frango cozidos (sem gosto de nada) e bistecas de carneiro empanadas e assadas no forno (eu me livrei de todo o empanado porque tinha limão, pra variar… Ô fruta desgraçada!). Como acompanhamento, alcachofras empanadas ao forno, cogumelos recheados na grelha, verdura cotta.

E de sobremesa, só coisa que eu não gosto: panetone, pandoro (acho que é uma massa parecida com a do panetone, só que com muito mais manteiga, e sem essas drogas de uva passa e fruta seca. Engorda que é uma beleza.), biscoitos de pinoli, amaretti (biscoitos de amêndoa), torrone branco, torrone de chocolate (esse eu como), e provelmente outras coisas das quais não me lembro. Sei que passei depois a tarde inteira com vontade de comer um docinho gostoso, um sorvete, sei lá.

Pra beber, vinho tinto e branco, e depois um spumante, a grappa, o limoncello, etcétera. Tudo muito light.

Eu até que me comportei, até porque o menu não era exatamente o meu favorito. Fiquei mesmo nos dois pratos de massa, comi um cogumelo e só. Depois fomos ao cinema ver Mona Lisa Smile.

Ontem, que também é feriado na Itália (Santo Stefano), almoçamos na Arianna de novo. Dessa vez foram os ravioli, com molho de tomate, muito melhor do que in brodo. E duas linguiças na brasa – linguiça feita em casa, claro. Demos umas voltas a pé em Bastia pra digerir, em Perugia idem, depois cinema de novo (Hollywood Homicide), não depois de muita fila, de uma pizza horripilante na Spizzico, e depois a chatice com a Carmen na pizzaria.

E aí eu gostaria de mostrar a vocês um exemplo de fila italiana. Quando eu digo que italiano não faz fila, faz coágulos de gente amontoada sem nenhum tipo de respeito à ordem de chegada (até porque nem eles lembram quem chegou primeiro), neguinho acha que é exagero. Então lancemos um desafio: quem conseguir me dizer onde a fila começa e onde termina ganha um cartão-postal da Sérvia. E quem acertar quanto tempo levamos pra chegar à caixa e comprar os ingressos, ganha uma foto autografada do Legolas de chapéu.

jantar Sérvio

Sábado fomos jantar na casa do Dejan, eslavo que trabalha pro Mirco e que vai nos hospedar agora no reveillon. A família toda é muito simpática e educada, e está na casa dos pais do Mirco toda vez que rola balacobaco. O pai, Momo, é caminhoneiro e faz as revisões do caminhão na oficina do Mirco (e foi daí que surgiu a idéia de botar o filho dele lá pra trabalhar). Ele já rodou toda a Europa e o Oriente Médio de caminhão, e as suas aventuras no Iraque, no Kuweit e cercanias são de matar de rir. Afirmou categoricamente que as mulheres sírias são lindas (o que explica a minha estonteante beleza hohoho), que Damasco é linda, e me deixou com mais vontade do que nunca de conhecer toda aquela região. Pena que o momento não é dos mais interessantes.

A mãe, Zorika, trabalha numa empresa de arranjos de flores secas. Jelena (pronúncia iélena), mulher do filho mais velho, Mika, também trabalha lá. Quando eu e Mirco tivemos que ir à fronteira com a Eslovênia pra carimbar a bosta do passaporte, no ano passado, o Mika e a mulher também foram, porque ela tinha o mesmo problema burocrático que eu. Lembro que na época ela não falava nada de italiano e me parecia mais perdida que cego em tiroteio. Depois não nos vimos mais, mas ela já ficou mais esperta, já fala alguma coisa de italiano, e é muito simpática. Mostrou as fotos do casamento: a festa durou três dias e ela mudou de vestido milhares de vezes! (um mais cafona que o outro, diga-se de passagem. A moda cigana realmente nãaaao é pra mim). Eles são super jovens, tanto ela quanto o Mika são mais novos que eu. Ela fez escola técnica de farmácia na Sérvia, ou seja, não é nenhuma retardada, coisa que me deixou muito feliz: tô cansada de lidar com gente absolutamente ignorante aqui no interior de Madagascar.

O jantar foi super simples: entrada de frios, depois uma sopinha light com macarrõezinhos compridos demais pra ser comidos como sopa mas o caldo estava uma delícia, e depois carne de vitela e de carneiro com salada. Eles já partiram pra casa deles na Sérvia, e dia 30 vamos eu e Mirco ficar na casa deles. Se a festa de ano-novo for do mesmo estilo que a festa de casamento, eu já vi que vou me divertir horrores!

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Todo o mundo civilizado já viu The Return of the King, menos eu. Vocês sabem, aqui na Guatemala os filmes chegam com muito atraso, e dublados. Só me recuperei do trauma de ver TTT em italiano porque depois baixei o filme da internet em língua original, e de vez em quando revejo pra dar uma refrescada nas idéias. Mas pra quem já leu os livros milhares de vezes em Inglês, como eu, e sabe os diálogos de cor, ouvir tudo em italiano é o horror, o horror.

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Amanhã vou a Roma pegar o visto pra Sérvia. Engraçado foi a minha conversa telefônica com o cara do consulado, semana passada. A começar do fato que, no catálogo telefônico, ainda consta Embaixada da Jugoslavia, embora Jugoslavia não exista mais.
– Bom dia, eu sou brasileira e gostaria de ir à Sérvia [sintam a estranheza dessa afirmação], preciso de visto?
– Precisa sim, tem que trazer duasfotos3x4umacartadafamíliaquetehospedateconvidando carimbadaeassinadapelaprefeituradacidadelánaSérvia, blah blah blah
– Peraí, meu querido, vai devagar que eu tô anotando…
– Mas vocês brasileiros são tão rápidos pra jogar futebol, e você demora tanto pra escrever? [clássico comentário totalmente nada a ver, estilo o que tem o c a ver com as c… Até porque eu escrevo MOITO rápido, quem me conhece sabe.]
– …
– Então, a família que te hospedará tem que mandar uma carta te convidando, mas essa carta tem que ser carimbada e assinada na prefeitura da cidade deles.
– Ahn. [e eu pensando, sim, é bom mesmo eles criarem essas dificuldades, porque tem TAAANTA gente querendo ir passar o ano-novo congelando na Sérvia que se eles não segurarem a onda não tem lugar pra todo mundo! Not!!!]
– E mais duas fotos 3×4, e fotocópia do passaporte e do permesso di soggiorno.
– Ahn.
– E o passaporte original e o permesso di soggiorno original.
– [lógico, seu mongo] OK, ‘brigada…

Então amanha lá vou eu pegar o raio do visto. Aproveito pra fazer umas compritchas: tô precisando de leite condensado e farinha de mandioca pra fazer um cesto de salgadinhos e doces pra família da Marta, porque não tenho a menor idéia do que dar de presente pra eles no Natal. Então vou dar coisas de comer – quer coisa melhor? Aceito sugestões de cardápio. Até agora já pensei em quibe, coxinha de galinha, brigadeiro (já comprei o granulado), torta de limão e quadradinhos de laranja. Vou fazer tudo meia receita porque o que sobra de comida nessa época do ano não tá no gibi, e como além disso todo italiano é meio xenófobo alimentar, tenho medo deles não gostarem e todos os meus preciosos ingredientes tupiniquins irem pro lixo…

Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.

**

A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.

Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?

A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.

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E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:

Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).

E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.

Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)

Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?

E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.

E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.

E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.

Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.

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A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.

Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?

A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.

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E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:

Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).

E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.

Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)

Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?

E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.

E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.

E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras,

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras, e em purê, mais ainda, pra minha infelicidade. Além de ovófila, ou completamente batatófila e as como de qualquer maneira. A Arianna faz batata assim: cortada em pedacinhos bem pequeninhos, cozida em panela baixa e coberta, com pouca água e dois dentes de alho. Nesse ponto nós somos muito mais competentes, porque batatamos dos modos mais criativos possíveis. Mas eles têm uma receita batatal que ganha de longe de qualquer batata frita: as famosas patate arrosto, assadas no forno com azeite e alecrim… Os outros contorni mais comuns são verdura cotta, sendo que “verdura” pode ser qualquer folha cozida (espinafre, chicória, bietola), ou insalata, que vem invariavelmente já temperada, pra meu grande desgosto, e normalmente significa qualquer folha, menos a nossa maravilhosamente insossa alface comum, e tomate, aipo, finocchio – o odioso funcho – e mais nada. Essas nossas invenções saladíferas aqui não são muito bem aceitas: salada é salada e pronto. Aliás, insalata significa qualquer folha que sirva pra fazer salada: alface romana, alface crespa, radicchio, etc. Eu morro de raiva porque às vezes peço verdura cotta no restaurante mas quero saber qual verdura, pombas, eu como espinafre mas tenho horror a bietola – mas pra eles é tudo a mesma coisa, e quase sempre o garçom me olha com cara de espanto e diz, è verdura, signora, verdura è verdura, no? Haja paciência!