roma – milão: a epopéia
Como ontem era o último dia de férias pra boa parte dos italianos, fiquei com medo do Mirco pegar trânsito na volta e se irritar ou, pior, se envolver em algum acidente horripilante, então levamos o coitado do Gianni pra fazer companhia. Saímos cedo, logo depois do almoço (o vôo era às 17:50), e chegamos com tempo de sobra pra fazer o check-in. Eu já sabia que não seria muito simples porque a perna Milão-SP estava toda com overbooking, segundo minha fonte seguríssima na TAM, então preferimos chegar cedo pra eu fazer o check-in logo, mandar os meninos embora e sentar com o computador pra trabalhar.
Hah.
Na passagem dizia Terminal B, mas ali não tinha nada nas telas, nem o vôo com destino final pra São Paulo, nem o doméstico Roma-Milão. Tentamos o Terminal C: nada. Gianni volta ao Terminal A, onde tínhamos encontrado vaga, pra ver se o vôo estava ali entre os domésticos. Nada. Perguntamos no balcão de informações da Alitalia no Terminal C, a mulher me garantiu que era no A. Voltamos ao A, novamente nada escrito em lugar nenhum. Em um dos balcões de check-in da Alitalia, uma loura desenhava espirais em um papel. Me olhou com cara de nojo e me mandou “pra qualquer balcão de check-in que estiver livre, senhora”. Perguntamos a mais duas pessoas, até que um lourinho simpático disse “Aaaaah, mas é ali, senhora!”, apontando pra um balcão de check-in aleatório que eu, logicamente, tinha a obrigação de saber que era o tal. Nisso já tínhamos perdido 45 minutos, mas não tinha fila e eu estava otimista.
Hah.
– Não estou vendo a senhora neste vôo.
– Bom, mas eu estou aqui, como você pode ver, e com o e-ticket impresso, como você também pode ver.
– Eu estou vendo as outras pernas da viagem, mas não Roma-Milão.
– Pode ser porque a agência [online, ndr] mudou a passagem; antes eu iria a Milão com a Lufthansa, que vai fazer Milão-Roma na volta. Nessa troca pode ser que tenha dado algum problema.
– Pode ser, senhora, mas o fato é que a senhora está sem passagem e assim não pode embarcar. Tente ali na bilheteria pra ver se eles resolvem.
Vamos à bilheteria da Alitalia que, vocês sabem, foi oficialmente falida na sexta, pra poder dividir as partes ainda lucrativas entre os amiguinhos de Berlusconi. A parte endividada vai ser paga pelos contribuintes. Lógico. O atendente, Stefano, italiano clássico, me dá o mesmo diagnóstico: eu não existo. Ligo pro meu contato na TAM, que me dá um número em Milão. Ligo e falo com Angela, que me diz que isso às vezes acontece mesmo e pede pro Stefano ligar pra ela pra ela esclarecer tudo. Stefano ri: mas se o problema é deles, que não mandaram o bilhete atualizado pra nós, por que é que eu é que tenho que ligar pra eles? Bom, já falimos mesmo, não vai ser mais um telefonema interurbano que vai piorar a situação…
Ligou, falou com a Angela, deu o número de telex pra onde ela deveria mandar uma cópia da maldita passagem. Só que, como eu e você sabemos, não havia passagem nenhuma e a Angela teve que fazer a bichinha do zero. O fato é que demorou pacas. Nós três plantados ali do lado da bilheteria, tomando suco de laranja de lanchonete de aeroporto (e com preço de lanchonete de aeroporto), esperando a Angela mandar o telex, e o relógio andando. Enquanto isso, eu perguntando ao Stefano como estava a situação deles com o novo acordo pra falir a Alitalia; ele respondeu com uma imprecação contra o Cavaliere, eu respondi amém. Séculos depois chega o telex. Stefano imprime o cartão de embarque com escrito “STAND BY” em letras garrafais e me manda de volta ao check-in.
Era outra mocinha, mais simpática e muito bonita, chamada Alma. Pesou as minhas malas: duas de 23,0 quilos, total 46,0 quilos, EXATAMENTE dentro do limite. O Gianni, que normalmente parte com malas mais numerosas e maiores do que as nossas porque ele e Chiara não sabem viajar lightly, mas que está cansado de ver as malas grandes cheias de compras com as quais sempre voltamos pra Itália, ficou me olhando horrorizado: você é o monstro da bagagem! Um monstro! (Claro que pesei as bichinhas antes de sair de casa, mas a nossa balança da IKEA não é de precisão, lógico, e tudo o que eu consegui ver no display meio coberto pela base da mala foi que estava entre 21 e 23). Beleza, não vou ter problemas, pensei.
Hah.
– Senhora, o problema é o seguinte: a senhora está em quarto lugar na lista de espera [a essa altura do campeonato já eram 17:40] e mesmo que consiga embarcar, o que sinceramente não é muito provável, não tem lugar pras malas na estiva.
– …
– Eles estão fechando o vôo, vou ligar pra ver se há um lugar pra senhora. Senão o próximo vôo é às 21.
– Meu vôo pro Brasil é às 22.
– Vou ver o que eu posso fazer.
Pelo telefone lhe disseram pra mandar pro portão os dois primeiros da fila de espera. Ao meu lado ficou o terceiro, com uma malinha pequena que ele queria despachar. Aparece uma loura de walkie-talkie e diz que o cara pode ir, mas a mala tem que ir na mão pois na estiva não tem mais lugar. O cara vai.
Alma continua pendurada no telefone, de vez em quando dizendo “sim, ainda estou na linha”.
– Senhora, as malas não têm como ir de jeito nenhum, mas se eu for correndo com a senhora até o portão pode ser que dê pra embarcar. Não posso garantir nada, mas se a senhora quiser tentar… Mas vai ter que abrir mão das malas.
Paciência, o Mirco volta pra casa com as malas e depois tenta levar uma com ele, além da sua. E o resto dos presentes vai ficar pra outra vez. Despedida rápida e lá vamos eu e Alma correndo pra porta de acesso aos portões. Boto o laptop e a mala de mão na esteira dos raios-X, passo voando pelo detector de metais, ela discute com o policial que queria me revistar mesmo sem ter apitado nada, saímos correndo pelo corredor. Adivinhem qual era o meu portão? O último, claro.
Chegamos botando os bofes pra fora, a porta do ônibus já estava fechando, o cara da mala de mão ainda sem saber se embarcava, uma meio chinesa no walkie-talkie anotando dois números de assentos num papel que mostra à Alma.
– Tó, sobraram esses dois.
Bota a cara na porta e grita pro motorista de ônibus esperar. Mando um beijo de agradecimento sincero pra Alma e subimos correndo no ônibus, que já tremia de impacência pra ir embora.
Assim que botei os pés no avião lembrei que o livro de Storia Contemporanea, que eu tinha trazido de casa pra estudar, tinha ficado na mala do carro. Eu não tinha absolutamente NADA pra ler, pois sabia que se trouxesse algum livro não estudaria nem trabalharia. Mas agora eu me encontrava sem o livro pra estudar, sem poder ligar o laptop pois o aviãozinho onde eu estava sentada voa baixo e não é permitido usar nada de eletrônico, e sem revista de bordo porque não havia nenhumazinha. PÂNICO TOTAL. Chegando em Milão, céu completamente encoberto, com aquelas nuvens lindas solidonas que dá vontade de comer de colher, e um pôr-do-sol obsceno de bonito. Meno male.
milão – sp
Mas como tudo passa, até a uva passa, o vôo mais curto passou. O vôo mais longo foi MUITO longo, porque só passou um filme (MAL DUBLADO PRA CACETE), eu tava sem livro e só tem uma opção de comida. Que saudade da Varig. Mas pelo menos o pessoal é muito, muito gentil e simpático, e perto de mim não tinha ninguém roncando nem gordo nem fedendo nem com bafo nem tentando puxar assunto. Até porque perto de mim não tinha ninguém e deu até pra esticar as pernas.
sp – rio
A primeiríssima coisa que pensei foi: caralho, exclamou a princesinha, como brasileiro é feio.
A segunda coisa foi, quero um pão de queijo. Nada feito, tudo fechado ainda.
Oquei, vamos combinar que Guarulhos é o aeroporto mais feio, confuso, velho, idiotamente construído do mundo, você anda quilômetros puxando a malinha feito um retirante, tudo é antiquado e escuro e gloomy, simplesmente horrível. E como se não bastasse TEM CRASE ERRADA NOS CARTAZES! Tipo “portões de 1 à 12”. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!!
rio
Chegamos cedo e saí rapidinho, a única vantagem de viajar sem malas. Do avião tínhamos visto o trânsito completamente parado tanto na Av. Brasil quanto na Linha Vermelha, então decidi não pegar táxi. Mas first things first: primeira parada, Casa do Pão de Queijo. 2,50 por um pão de queijo, cara, assalto total! Mas comi. Depois subi no Frescão e desci na Central, disposta a pegar o metrô até a casa da minha avó, que mora a dois metros da estação Afonso Pena. Maaaaaas… Digamos que um grupo de pivetes me dissuadiu. Voltei correndo pra calçada, me cagando de medo de levarem meu laptop, e parei o primeiro táxi que passou. Fui conversando animadíssima com o coitado do velhinho. O porteiro fleumático da minha avó abriu o portão como se eu estivesse voltando da padaria e não de uma ausência de um ano e meio. Mais tarde chegaram minha mãe e meu irmão, fofocamos um pouco e almoçamos. Muito. Strogonoff, arroz de brócolis, batata sautée, lasanha de berinjela. Comi feito um porco.
Chegando em casa, banho pra tirar a inhaca do viajante, mais fofoca, trabalhei um pouco, fofoquei mais, li uma Época, trabalhei, comi torrada de Plus Vita com requeijão (eu tava SONHANDO com requeijão desde que comprei a passagem) e blanquet de peru, vi Friends com o Tuco, trabalhei, li meu livro dos Malvados que chegou mês passado, terminei o trabalho e fui dormir.