Tá certo, a gente até que viaja bastante. Mas nada comparado ao que muitos dos nossos hóspedes CouchSurfers fazem. A maioria das pessoas que recebemos está viajando pelo mundo há meses. Algumas têm empregos portáteis, como eu, outras simplesmente vendem tudo e vão dar uns rolés por aí, outras alugam a casa ou apartamento na cidade natal e se mantêm com essa grana. Se pra mim e pra você esse conceito é meio estranho mas interessantérrimo, pros italianos é motivo de susto e incredulidade, e a reação deles é INEVITAVELMENTE o comentário “mas você é maluco!”. Não preciso nem dizer que ouvimos esse mesmo comentário várias vezes quando contamos que jamais nos casaríamos na igreja, e quando ficam sabendo que não sou batizada, e principalmente quando digo que jamais, JAMAIS JAMAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAIS batizarei filho nenhum.
Mas, cara, se você pára pra pensar esse povo que passa a vida viajando tem, no final das contas, muito menos despesas do que eu e você, que ficamos em casa pagando impostos, água, luz e gás, academia, mensalidade do carnê do Baú. Claro que não é pra todo mundo, tipo eu tenho tendências acumulativas e adoro comprar – nunca voltei de viagem nenhuma sem uma mala extra com coisas inúteis ou não compradas in loco – e isso causaria problemas logísticos de uma certa gravidade. Mas pra quem é menos materialista a coisa é perfeitamente possível, e não só isso: fundamental. Viajar é FUNDAMENTAL. Como respirar.
Hoje, com o meu trabalho portátil, se eu estivesse sozinha faria o que essas pessoas fazem. O Mirco não pode fazer uma coisa dessas porque a profissão dele envolve possuir um galpão cheio de equipamentos pesados, mas sei que ele também faria, se pudesse. Então, enquanto não se chega a uma solução ideal, recebemos gente do mundo inteiro, e viajamos com eles.
Já falei muito do CouchSurfing aqui, e vou continuar propagandeando o site sempre, porque a idéia é bárbara. Fora os americanos bizarros que desaparecem da sua vida depois de ir embora e que não trazem nem um cartão-postal de presente, mantemos contato com praticamente todo mundo que já passou por aqui, e temos convites pra nos hospedar em tudo que é lugar. Mas sobretudo conhecemos muita, muita gente muito, muito interessante.
Em maio recebemos duas garotas da Estônia superdocinhas, dois amores. Tiraram fotos lindas da Toscana, pra onde foram depois que saíram daqui. Antes delas tivemos um casal de americanos gays que foram hóspedes absolutamente deliciosos. Jantamos na varanda uma noite e batemos papo até altas horas. Junho começou com um pitéu, mas um pitéu, meninas, que vocês não imaginam: um jovem cirurgião belga com um sotaque francês absolutamente tchutchuco, um sorriso de fazer fêmeas desmaiarem, alto, bonitão, suuuuupergentil e educado. Não é engraçado mas acha graça de tudo, e também foi um hóspede ótimo. No dia seguinte à sua partida chegou um rapaz da África do Sul, 23 anos, louro, alto, bonitão, sorriso Colgate, simpático e curioso. Levamos o menino a Bevagna, pra ver Le Gaite, o festival medieval que rola todo ano em julho. Jantamos comida medieval, fomos servidos por meninos e meninas vestidos a caráter, ouvimos música medieval, visitamos uma das Gaite (um métier, digamos; cada bairro tem dois ou três), que era a fabricação da seda. Vou falar mais disso mais tarde porque foi muito bacana.
Anteontem chegou um rapaz indiano com a namorada alemã. Ele é advogado, deixou o apartamento alugado em Mumbay e está viajando com essa grana. Conheceu a namorada em Goa, onde ela estava de férias durante um período de intercâmbio profissional em Delhi. O e-mail que ele me mandou pedindo hospedagem não foi exatamente exemplar, mas ele é amigo do Benny, o irlandês que trabalhou comigo lá no manicômio e que foi quem me apresentou ao CouchSurfing. O Benny é uma das pessoas mais extraordinárias que eu já conheci, e todo amigo dele é amigo meu. Então assim foi que na sexta levamos os dois de novo a Bevagna, que eles adoraram, e ontem jantamos indiano aqui em casa.
Descobrimos que indiano é meio italiano: fanático por comida ao ponto de levar sempre alguma coisa típica quando viaja. No caso do Rahul ele viaja com uma icebox que faz um barulho danado e tá lá ligada na tomada perto da porta da sala, pra não incomodar. Dentro tem frutas tropicais compradas em lojas especializadas em Berlim, ervas e especiarias típicas, pacotes de comida semi-pronta que é só misturar com água ou ovos ou sei lá o quê e pronto. O jantar de ontem estava absolutamente DELICIOSO e agora de manhã a casa toda ainda estava perfumada de curry e arroz com cravo e anis. Eles ainda deram sorte porque o vizinho de baixo estava dando uma festa e tinha música italiana rolando no gramado (Rahul disse que ele estava se sentindo dentro da cena inicial do Poderoso Chefão, com aquela gente tocando pandeiro e cantando muito, muito alto). Vão levar pra casa uma garrafa de azeite e uma de limoncello; nós ganhamos um pacote de curry pra frango, incenso, um porta-moedas indiano, um cartão-postal lindo. E dois novos amigos, que é a coisa mais importante.