Hoje tem bicharada, tem sim

Hoje teve festa de Santo Antônio na praça, em frente à igreja de Santa Maria degli Angeli. Tem toda aquela papagaiada de benzer os bichos, dão bandanas pros bichos (claro que não peguei uma pro Leguinho, onde já se viu meu cachorro usando bandana de santo!) e distribuem pane benedetto pra galera. Aliás, o pão era de ontem, duro feito pedra.

O pessoal leva seus bichos pra praça pra abençoar, e leva também carros novos e tratores. Sim, tratores. Mas vamos por partes.

Leguinho não é um cachorro espetacular à toa: é o único cachorro que se auto-leva!

A praça tava lotada de gente. Olha o tratorzão que uma criatura levou pra benzer:

Tinha de tudo: cavalos, gatos, coelhos, passarinhos, peixinhos. Não vi cabritos nem porcos, coisa que, dizem, todo ano tem.

E a cachorrada, claro, em quantidades industriais. Desde os microcães, que decidimos não fotografar, até os imensos e patetas Terranova.

Muitos cachorros pentelhos, agitados e histéricos, como esse poodle mala, o beagle que não parava quieto de jeito nenhum, o Ercole (Hércules), imeeeenso e ferocíiiiissimo cachorro do Roberto, amigo do Mirco.

Claro que os clássicos não podiam faltar: basset hound, pastores alemães, basset, husky siberiano, bulldogs, os labradores da Croce Rossa Italiana (a Cruz Vermelha).

Algumas coisas não-identificadas também:

Esse é o cachorro do Moreno, amigo do Mirco:

E esse é um dogue de Bordeaux, raça que ficou famosa com um comercial de telefone celular, no qual um cachorro desses fala com sotaque napolitano.

Rolaram altas paqueras!

Depois fomos almoçar na Arianna, onde estavam preparando o último porco do inverno. Aliás, essa era uma porca. Almoçamos em meio a salames, presuntos imensos (a porca era meio assim, overweight, sovrappeso, balofa) e pedaços de carne que esperavam seu cruel destino no moedor de carne, pra virar linguiça.

Mais tarde pegamos um DVD (Jet Lag), uns pedaços de pizza al taglio que agora me pesam horrivelmente no estrombo, e mais nada. Domingo de chuva é assim: chato, mas bão.

p.s.: Amanhã boto as fotos do escritório criativérrimo e coloridérrimo. E das minhas meias coloridas, únicos souvenirs que eu trouxe da Sérvia…

Ciao ciao!

Eu ia voltar a escrever sobre os Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e Se Acham OOOOS Alemães, que voltaram a atacar, enchendo o saco da coitada da Debora e o meu também, mas não vou não. Cansei de verdade.

A pedidos:

Detalhe que semana passada, levado pelo safado do Demo, meu cachorro foi parar lá no alto de Assis! Relato de Arianna:

“A senhora que os encontrou fez a gentileza de botá-los no carro e levá-los até a estação, perto de casa. Estou eu parada na estação esperando quando vejo um carro com duas pessoas dentro e o Demo atrás. Quando chegou mais perto vi que quem estava no banco do carona não era uma pessoa, mas o Leguinho, todo sério e empertigado.”

Esse é o meu cachorro maria-gasolina! :)

Eu ia voltar a escrever sobre os Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e Se Acham OOOOS Alemães, que voltaram a atacar, enchendo o saco da coitada da Debora e o meu também, mas não vou não. Cansei de verdade.

A pedidos:

Detalhe que semana passada, levado pelo safado do Demo, meu cachorro foi parar lá no alto de Assis! Relato de Arianna:

“A senhora que os encontrou fez a gentileza de botá-los no carro e levá-los até a estação, perto de casa. Estou eu parada na estação esperando quando vejo um carro com duas pessoas dentro e o Demo atrás. Quando chegou mais perto vi que quem estava no banco do carona não era uma pessoa, mas o Leguinho, todo sério e empertigado.”

Esse é o meu cachorro maria-gasolina! :)

Todos esses anos de ruindade capilar e ainda não aprendi que não posso esperar nem 5 minutos pra passar os 1.874,25 cremes e óleos pra cabelo ruim, depois de lavá-lo. Tem que ser pá-pum: tirou a toalha da cabeça, tacou o creme, senão os cabelos se rebelam de modo irreversível. Como hoje. Burra.

**

Essa semana meu cachorro bateu 2 records: um de retardamento mental, passando mais ou menos SEIS HORAS sentado dentro do caminhão, na oficina (não dormindo, mas sentado no banco do carona, olhando tudo muito sério), e um outro de, bom, esse também de retardamento mental, dando uma cabeçada no Demo, em um episódio no melhor estilo desenho animado. Diz a lenda que o Ettore havia levado os cachorros pra passear no campo, depois do jantar, como sempre faz (porque se ficar em casa tem que conversar com a mulher, e eles não têm nada a dizer um pro outro). Cada um foi pro seu lado; o tempo passou, Ettore quis ir embora, assobiou chamando os meninos, e veio cada um correndo de uma direção. Nenhum dos dois é muito bom de freio, o que resultou numa colisão frontal-cabeçal que obviamente atordoou só o Demo, porque o Legolas é osso duro de roer e não é uma cabeçadinha básica que consegue derrubá-lo.

**

E ontem vimos Last Dawn, penúltimo filme que sobrou pra ver no multi-sala de Perugia aonde vamos sempre, porque não há nenhuma estréia nova há duas semanas (vocês sabem, aqui no interior do Haiti os filmes chegam com muito atraso), e nós já vimos todo o resto, inclusive aquele filme adolescente da Disney com a Jamie Lee Curtis, que aliás está envelhecendo muito dignamente, mas engordou pacas. Em Last Dawn todo mundo fala muito pouco, o que em versão dublada, acreditem, é uma bênção – a dublagem desse filme é particularmente horrível; a coitada da Monica Bellucci (a mulher mais linda do mundo, na minha opinião, e é umbra, aqui de Città di Castello, terra do Massimo e do Samuele, lembram?) ganhou uma dubladora com voz de adolescente idiota. As paisagens são bonitas, o Bruce Willis faz o seu eterno papel de homem iceberg destilador de charme masculino, neguinhos morrem, neguinhos são salvos, blah blah blah.

O último filme da lista é o mais recente Massacre da Serra Elétrica, que eu até gostaria de ver, mas minha companhia lanterneirídica não é muito chegada. Mas o que eu queria mesmo era ver um filme cagaço total. Poucos filmes me dão medo; sou uma menina durona. O último que foi capaz de me dar super hiper mega cagaço foi The Ring. Quequeísso, minha gente? Que filme é esse??? Dormi de luz acesa e tudo! Pé de pato mangalô 3 veis!

**

E existe uma grande possibilidade de uma semana de férias na Iugoslávia. Sim, eu sei, é estranho.

**

Ando tão cansada ultimamente! Um ano e meio sem voltar pra casa dá cansaço cardíaco; esse ano foi emocionalmente exaustivo; trabalho 7 dias por semana em dois empregos que eu ODEIO para chefes que eu desprezo profundamente, resultando em cansaço físico e mental; me sinto isolada do mundo culto, porque aqui no interior da Guatemala o pessoal é mais bronco que o Chico Bento, e isso dá um cansaço ceLebral; tenho cansaço intestinal porque fiquei tanto tempo comendo pouco que agora o menino tem preguiça e não trabalha mais direito; enfim, estou com as baterias absolutamente arriadas. Queria um mês sem fazer bissolutamente nada, sem falar nada, em nenhuma língua, sem aprender nada, sem explicar nada, sem contar nada, sem responder nada a ninguém, sem sentir frio, sem fazer NADA além de olhar pras estrelas e ver filminhos e ler livrinhos e cozinhar/comer coisas gostosas e descomplicadas (leia-se pipoca e pão de queijo pronto). Pô, Papai Noel, dá um jeito nisso aí, cara…

Todos esses anos de ruindade capilar e ainda não aprendi que não posso esperar nem 5 minutos pra passar os 1.874,25 cremes e óleos pra cabelo ruim, depois de lavá-lo. Tem que ser pá-pum: tirou a toalha da cabeça, tacou o creme, senão os cabelos se rebelam de modo irreversível. Como hoje. Burra.

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Essa semana meu cachorro bateu 2 records: um de retardamento mental, passando mais ou menos SEIS HORAS sentado dentro do caminhão, na oficina (não dormindo, mas sentado no banco do carona, olhando tudo muito sério), e um outro de, bom, esse também de retardamento mental, dando uma cabeçada no Demo, em um episódio no melhor estilo desenho animado. Diz a lenda que o Ettore havia levado os cachorros pra passear no campo, depois do jantar, como sempre faz (porque se ficar em casa tem que conversar com a mulher, e eles não têm nada a dizer um pro outro). Cada um foi pro seu lado; o tempo passou, Ettore quis ir embora, assobiou chamando os meninos, e veio cada um correndo de uma direção. Nenhum dos dois é muito bom de freio, o que resultou numa colisão frontal-cabeçal que obviamente atordoou só o Demo, porque o Legolas é osso duro de roer e não é uma cabeçadinha básica que consegue derrubá-lo.

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E ontem vimos Last Dawn, penúltimo filme que sobrou pra ver no multi-sala de Perugia aonde vamos sempre, porque não há nenhuma estréia nova há duas semanas (vocês sabem, aqui no interior do Haiti os filmes chegam com muito atraso), e nós já vimos todo o resto, inclusive aquele filme adolescente da Disney com a Jamie Lee Curtis, que aliás está envelhecendo muito dignamente, mas engordou pacas. Em Last Dawn todo mundo fala muito pouco, o que em versão dublada, acreditem, é uma bênção – a dublagem desse filme é particularmente horrível; a coitada da Monica Bellucci (a mulher mais linda do mundo, na minha opinião, e é umbra, aqui de Città di Castello, terra do Massimo e do Samuele, lembram?) ganhou uma dubladora com voz de adolescente idiota. As paisagens são bonitas, o Bruce Willis faz o seu eterno papel de homem iceberg destilador de charme masculino, neguinhos morrem, neguinhos são salvos, blah blah blah.

O último filme da lista é o mais recente Massacre da Serra Elétrica, que eu até gostaria de ver, mas minha companhia lanterneirídica não é muito chegada. Mas o que eu queria mesmo era ver um filme cagaço total. Poucos filmes me dão medo; sou uma menina durona. O último que foi capaz de me dar super hiper mega cagaço foi The Ring. Quequeísso, minha gente? Que filme é esse??? Dormi de luz acesa e tudo! Pé de pato mangalô 3 veis!

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E existe uma grande possibilidade de uma semana de férias na Iugoslávia. Sim, eu sei, é estranho.

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Ando tão cansada ultimamente! Um ano e meio sem voltar pra casa dá cansaço cardíaco; esse ano foi emocionalmente exaustivo; trabalho 7 dias por semana em dois empregos que eu ODEIO para chefes que eu desprezo profundamente, resultando em cansaço físico e mental; me sinto isolada do mundo culto, porque aqui no interior da Guatemala o pessoal é mais bronco que o Chico Bento, e isso dá um cansaço ceLebral; tenho cansaço intestinal porque fiquei tanto tempo comendo pouco que agora o menino tem preguiça e não trabalha mais direito; enfim, estou com as baterias absolutamente arriadas. Queria um mês sem fazer bissolutamente nada, sem falar nada, em nenhuma língua, sem aprender nada, sem explicar nada, sem contar nada, sem responder nada a ninguém, sem sentir frio, sem fazer NADA além de olhar pras estrelas e ver filminhos e ler livrinhos e cozinhar/comer coisas gostosas e descomplicadas (leia-se pipoca e pão de queijo pronto). Pô, Papai Noel, dá um jeito nisso aí, cara…

dia-a-dia

Almocinho light hoje: filés de merluzo cozidos no vinho branco com salsinha e pimenta-do-reino (ficaram rigorosamente com gosto de NADA, fiquei com preguiça de cortar a cebola, deu nisso.) e arroz de brócolis com cenoura – cozinhei tudo junto, pra poupar tempo, gás, espaço (e consequentemente detergente e tempo) e vitaminas. Fiz duas cenouronas e um brocolão e meio, e meia xícara de arroz. Sobrou pra cacete, ou seja, amanhã o almoço vai ser repeteco, com hamburger no lugar do merluzo.

Ontem aproveitei o solzinho delicioso da hora do almoço pra dar banho no legolas, que tava fedendo horrivelmente. As crianças passavam e se admiravam, porque ele fica quietinho, com aquela cara de cordeiro pronto pro abate, enquanto eu esfrego com sabonete Phebo e depois enxaguo na base da canequinha. Quando eu falo que ele é um cachorro espetacular, não é corujice minha não, é verdade. Um cachorro que não é alérgico a nada, come tudo e acha ótimo, se dá bem com todo mundo, quase não late, não tem pulga, e ainda por cima não se rebela quando toma banho não se acha em cada esquina não, tá pensando o quê!

E aí amanhã começa o UmbriaLibri 2003, uma feira dos editores umbros. Vou ver se convenço o Samuele a me levar a Perugia pra ver. Mas tenho que ir sem carteira, senão já sei que vou acabar morrendo nuns Calvinos, nuns livros de receitas…

Post cachorro-filosófico

A única parte da minha vida que não mudou nada aqui na Italia é o Legolas. Mesmo depois de tanto tempo na casa da Carol, lá no Rio, e depois de todos esses meses na casa da Arianna, aqui na roça em Santa Maria degli Angeli, ele não perdeu nenhuma das suas manias. Me acorda em torno das seis e meia sempre do mesmo jeito: senta ao lado da cama e fica me encarando. Eu me finjo de morta; ele começa a respirar forte, fazendo barulho. Eu continuo de olhos fechados, morrendo de vontade de rir, e ele começa a abanar o rabo. Continuo quieta, e ele finalmente me dá uma nada sutil patada no braço, e aí não tem jeito, tenho que levantar.

Nada mudou na nossa rotina, mas mesmo assim ainda me espanto com a facilidade com a qual ele entende as coisas, memoriza percursos, assimila hábitos. Depois de um aquecimento rápido vamos caminhando através do parque, pegamos a rua Vietnam, e é só a gente virar na estrada transversal por onde corremos sempre, e ele já começa a acelerar, olhando pra minha cara, as orelhas saltitando. Quando nos aproximamos de casa ele começa a se agitar; quando chegamos se deita no capacho do lado de fora e fica quietinho lá no sol, enquanto eu dou uma varrida na casa. Quando volto do trabalho, na hora do almoço, ele vem com a cara toda amassada de sono e um tênis na boca (nem sapato nem chinelo, sempre tênis, sabe-se lá por quê). Quando cruzo os talheres ele sabe que eu acabei de comer e logo vou levá-lo pra sair, então é só ouvir o barulho do garfo e da faca sobre o prato que ele levanta todo animadinho, doido pra dar uma volta. Ou então se estou no telefone, é só ele ouvir um “então, tá…”, ou então “um beijo!”, ou ainda “allora ci sentiamo dopo”, que sabe que acabei a conversa e posso voltar a dar-lhe atenção, e já começa a se agitar.

A infantilidade dos cachorros me encanta : )

Mas aí entramos na questã principal dessa história: é impressionante a capacidade que algumas pessoas têm de passar batido pela vida, sem olhar pros lados, sem observar, sem aprender nada. Outro dia estava com Leguinho no parque em frente de casa quando passa a minha vizinha de cima, a que tem o jardim no final do edifício (o apartamento dela equivale a dois apartamentos do andar térreo, onde eu moro, e ela ainda tem o jardim no térreo ao final do lado esquerdo). Ela vai caminhar todo dia de manhã com a Nina, insuportável basset velha e chatíssima, infernal latidora que faz um escândalo quando passo com o Legolas em frente à grade do jardim. Leguinho foi lá cheirar a cachorra – normal, cachorros se saúdam. A mulher não só não me reconheceu (nem a mim, nem ao Legolas, e olha que nem eu nem ele costumamos passar inobservados em terras italianas), como ainda botou a cachorra, que a essas alturas já estava latindo como uma doida e avançando no Legolas com a petulância que só os microcães têm, protetivamente no colo. Isso porque o Legolas nem encostou nela; cachorros pequenos são, pra ele, mera curiosidade e pouco dignos de interesse. A vizinha pediu pra eu afastá-lo porque a Nina estava com medo dele. Tipo, hello? Você tem cachorro há anos (a Nina é bem velhinha) e mesmo assim não entende NADA do assunto? Não sabe que macho e fêmea não brigam, e quando brigam é a fêmea que bota o macho pra correr? Não conhece nada de raças, não sabe que labrador, depois do tatu-bola, é o bicho mais bobão do mundo? Nunca viu meu cachorro na rua comigo, brincando com as crianças que saem da creche na hora do almoço, com velhinhos que passam de bengala e param pra dar bom dia bem embaixo da janela dela?

Imediatamente lembrei de uma coisa que muito me surpreendeu, ano passado. Tudo bem, eu sempre fui espertinha, além da média; sempre tive o hábito de reparar em tudo, perguntar tudo, querer entender tudo, de ler tudo, de fazer comparações com coisas já vistas ou ouvidas, de extrapolar, de aprender. Mas hoje em dia entendo que eu não sou tãaaao acima da média assim, ou melhor, não sou tão fenomenal assim – é a média é que é baixa. Porque as pessoas simplesmente NÃO OLHAM o que há ao redor. São incapazes de assimilar, de comparar, de aprender. Ano passado, antes de voltar pra Itália, dei aula de Inglês pra uma turma muito, digamos, complicada. Todos adolescentes, sem saber uma palavra de Inglês (o que, sejamos sinceros, já é muito estranho. Não saber NENHUMA palavra de Inglês, nos dias de hoje? Meninos e meninas da classe média baixa? Mas nenhuminha mesmo, nem good morning?). Um dia boto no quadro, como introdução a vocabulário novo, a palavra hard. Entre os alunos, dois com camiseta do Hard Rock Cafe. Pois não é que me olharam TODOS como se nunca tivessem visto a palavra na vida? Ainda perguntei, mas vocês realmente nunca viram essa palavra escrita em lugar nenhum? Não. Fiquei chocada. Como é possível um ser humano passar tão incólume pela vida? Como é possivel ignorar coisas que nos são bombardeadas todo dia, o tempo todo? Como é possivel uma pessoa ter um cachorro e não entender NADA de cachorro? Como é possível uma pessoa ter um videocassete em casa e não saber nem ligá-lo? Como é possivel alguém comer um prato particularmente gostoso e não querer saber que ingredientes leva? Como é possivel alguém usar uma camiseta e não ter a mais longínqua idéia do que está escrito nela?

Sou eu que sou maluca?

**

Coisas a incluir na lista de coisas que deveriam ser proibidas, junto com dente de ouro: malhar/correr/caminhar com tênis sem meia (sinto o chulé fúngico só de pensar, as micoses borbulhantes, todos os funguinhos fazendo festa no suor, aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah), malhar de cabelo solto, malhar maquiada, malhar de argolona nas orelhas. Muito dedo no olho pra essas criaturas.

o horror

O negócio do Legolas foi o seguinte: estávamos muito placidamente, ontem pela manhã, sentados no parque onde o levo sempre pra brincar. Eu sentada no meu banco, lendo Giovanni Verga, e o Legolas sentado no gramado olhando os estudantes que chegavam pra estudar (tem uma escola no fim da rua). Sei que eu também estava errada, porque o Legolas estava solto, mas aqui tudo que é cachorro anda solto pela rua, até cachorro que mora em casa e tem um quintal pra correr. As ruas são deles, e pelo menos nunca vi nenhum tipo de problema, brincam entre eles, se conhecem, passeiam juntos. Todos os velhinhos de Bastia conhecem o Legolas, nos dão bom dia de manhã; as crianças da creche que fica exatamente em frente à minha casa não têm medo dele, que fica sentado no capacho pegando sol enquanto eu cozinho. Como todo labrador, é um cachorro bobo, mas é cachorro, e macho. Por isso se aproximou do tal dogo argentino, que veio com o dono de bicicleta, como sempre, mas que eu não tinha visto que estava chegando. A sorte do Legolas foi que o cachorro pegou de mau jeito na bochecha dele, e pelo visto o esquema é como o do pitbull, que trava a mandíbula uma vez que morde, porque se o Hannibal tivesse aberto a boca pra ajeitar a mordida e pegar melhor, tinha esmigalhado o crânio do meu cachorro. As it was, foi uma mordida de um dente só, que no entanto furou a pele da bochecha do Legolas. Eu ainda consegui puxar o Leguinho pelo rabo, o que ajudou a aumentar a distância entre os cachorros e assim a reduzir o dano, mas o diabo do cachorro não largava de jeito nenhum! Eu gritando feito uma louca, xingando o cachorro em português, em italiano, em inglês, em aramaico; Legolas rosnando; o Hannibal em pé nas patas de trás com a bocona fechada e aquele dentão furando a bochecha do meu cachorro. Me lembro de ter gritado como nunca gritei antes (aliás, minhas duas únicas crises histéricas antes dessa foram por raiva, mas dessa vez foi por medo mesmo, e é muito diferente e uma sensação HORRIPILANTE), me lembro dos alunos em frente à escola com as mãos nos cabelos e os olhos esbugalhados, lembro da pele da bochecha do Leguinho esticando, esticando, e eu pensando vai rasgar, vai deixar um rasgo na boca do meu cachorro, bestia bastarda, figlio di una mignotta, bastardo puttano, cazzo di cane di merda, cazzo di padrone di merda, cazzo di vita di merda, andate tutti a fa’n culo, branco di disgraziati, até que não se sabe como mas o Hannibal largou, puxei o idiota do Legolas pela coleira, que por ele ainda iria continuar a rosnar como um imbecil, a boca do Hannibal cheia de sangue, a cabeça do Legolas toda babada. A conclusão brilhante do dono do Hannibal: realmente eles não se dão bem… Se estivesse armada eu juro que matava. Aliás, preferiria ter matado a chutes, pra fazer sofrer bastante, quebrar todas as costelas, esmigalhar os olhos, estourar os órgaos internos. Cheguei em casa com as pernas tremendo. Lavei a cabeça do Legolas mas só fui ver o machucado quando ele, como todo cachorro ridículo depois que se molha, começou a esfregar a cara no chão. Vi o rastro de sangue que ficou no pavimento, olhei com cuidado e vi aquele buraco fundo, fundo, que quase se chegava a ver os dentes do outro lado do furo. Fomos até o veterinário, perto do supermercado de pobre: aberto a partir das 10:30. Eram 8:30. Voltei pra casa, olhei pra máquina de lavar, decidi resolver o problema. Saímos de novo pro centro, comprei fita isolante, voltei pra casa, virei a máquina de cabeça pra baixo, olhei, vi que a fita não iria resolver. Levei meia hora pra desencaixar o tubo que estava rachado, fiquei com as mãos pretas porque o bicho se desintegrou na minha mão. Voltei à loja, comprei outro tubo e duas presilhas, voltei pra casa, usando faca como chave-de-fenda apertei as presilhas em volta do tubo, botei a máquina em pé de novo, botei meus lençóis dentro, liguei. O vazamento se reduziu a umas gotinhas bobas, fiquei feliz. Opa, dez e meia. De novo ao veterinário. Na minha frente, um senhor levando dois cachorros pra tatuar. Meia hora depois entramos nós; o pêlo em volta do buraco foi devidamente raspado, a ferida foi devidamente limpa, o dogo argentino foi devidamente amaldiçoado, 15 euros foram devidamente gastos. Na volta passamos na farmácia barateira pra comprar os antibióticos – uma semana acordando meia-noite pra dar ¾ de comprimido enrolados em uma fatia de queijo de plástico (tipo americano) que o Legolas engole sem nem mastigar, ainda bem. Almocei arroz com feijão do dia anterior, fui lá fora checar a correspondência, vi que tinha chegado a senha do cartão do banco pelo correio. Fomos aos correios (que ficam do lado do veterinário) ativar meu cartão do banco, voltei com os pés em chamas de tanto caminhar. Marta me manda uma mensagem; tem que passar em 3 bancos antes de ir trabalhar, chega tarde ao escritório. Tudo bem, respondo, vou a pé até Santa Maria e pego a bicicleta que tinha ficado na casa da Arianna desde o jantar com os brasileiros, e de lá pedalo até o escritório.

Fui dormir às oito da noite. Hoje meus braços e ombros estão doloridos por causa da força que fiz pra puxar o Legolas ontem. Ele está bem, todo pimpão como sempre. Agora o levo ao parquinho do lado da creche, onde em teoria cachorros não podem entrar, mas eu considero as garrafas de cerveja quebradas e as guimbas de cigarro muito mais prejudiciais às crianças que eventualmente queiram brincar lá do que o xixi do Legolas (o cocô eu recolho sempre). O parque é grande, então ficamos lá na outra parte, longe de onde estão o balanço e a gangorra. Ninguém frequenta o parque mesmo, a não ser casais de namorados, tarde da noite.

Eu queria saber é o que é que se passa na cabeça de uma criatura que compra um cachorro agressivo desses. Será que o cara acorda de manha e pensa, “hoje vou comprar um cachorro bem malvado, daqueles que matam onça na fazenda, mesmo eu não tendo fazenda, nem vacas, nem onças na floresta do lado da fazenda”. Ou será que ele entra na loja de animais e pede o cachorro mais agressivo que existe no mundo, o mais anti-social, porque é suuuuuper legal sair com o bicho e não poder nem perguntar as horas pra alguém que esteja com outro cachorro? E o mais legal de tudo é que um idiota desses não pensa nem de longe em amordaçar o pimpolho. Bastardo.