Domingo, antes daquela cachorração toda, resolvi aproveitar a temperatura agradável pra dar uma guaribada na minha mini-micro-horta de varanda. Além da jardineira comprida que a Arianna me deu meses atrás, na qual plantamos salsinha, alho, hortelã e aipo, eu comprei um vasinho de tomilho, um de tulipas, um de uma planta meio cactus mas com florzinhas bonitinhas, e sementes de manjericão e de cravos. Arianna me deu um vasinho de alecrim. Na sexta-feira eu tinha comprado mais uns vasos maiores e mais bonitos e um pacote de 20 quilos de terra, e no domingo transplantei o alecrim e o tomilho pra esses vasos grandes e fiz uma coisa que eu nunca tinha feito na vida: plantei sementes. Adorei a experiência. Queria tanto morar numa casa pra ter um jardim e poder me dedicar a essas coisas! Claro, ainda tenho que ver se os raios das plantas vão nascer. Não duvido nada que eu tenha plantado tudo errado e as bichinhas resolvam não sair da casca. Vamos ver.

**

Então segunda-feira começou o tal treinamento pra vendedor de seguros. Na verdade eles trabalham muito mais com investimento e planos de previdência do que com seguros, coisa que eu não sabia. No primeiro dia achei tudo um saco, fora a parte da tarde, dedicada ao sistema previdenciário italiano – muito esclarecedor. As pessoas que participam são meio estranhas:

Giacomo, de Fabriano, da mortíssima região Marche, onde nada acontece. É um sujeito alto, jogador de basquete, com voz profunda mas faz muitas pausas quando fala. É bonzinho e razoavelmente esperto e ontem implorou pra eu falar português na mesa do almoço. Acabei ligando pra FeRnanda e ele achou interessantíssimo.
Adele, que é de Abruzzo mas mora em Fabriano também. Uma lourinha baixinha e atarracada muito esperta, agitada e sorridente. Gostei dela.
Fabrizio, perugino (começamos mal) com o cabelo entupido de gel todo penteado pra frente (continuamos mal), cuja auto-apresentação na segunda consistiu em “a única coisa interessante e característica da minha vida é que sou fanático por futebol” (nem preciso dizer que a partir dessa palavra “fanático” essa criatura passou a ser ignorada pela minha pessoa).
Sabina, de só 19 anos, moradora do Lazio, uma chata de galocha, capa e guarda-chuva. Hiper arrogante porque é magra e tem um brilhante no nariz e outro no dente, e porque já trabalha na agência de seguros há um mês. Volta e meia solta comentários do tipo “aaaah, realmente, isso acontece muito”. Acontece muito o quê, cara-pálida? Um mês de experiência enfurnada numa agência te ensinou o quê? Maquiadíssima, fuma e tem orgulho disso, usa sapatos com ponta fina estilo mata-barata-no-canto-da-parede. Também digna do meu desprezo.
Silvia, perugina (começamos mal), advogada recém-formada, com dentes tortos E cinza (pronto, já não existe mais pra mim. Quem é Silvia?). Repete tudo o que o instrutor fala como se fosse uma conclusão brilhante dela mesma, diz coisas sem sentido só pra dizer alguma coisa. Mais ou menos como “Ah, é, mas então… Sabe? Pois é.”
Michela, perugina sem sotaque (começamos bem), formada em Ciências Políticas, suuuper calada mas muito clara e sintética quando abre a boca. Parece muito tímida, mas é inteligente. Se veste MUITO mal.
Antonio, napolitano barbudo que mora em Perugia há 9 anos. Muito calado mas simpático e não-burro.
Riccardo, de Foligno (começamos mal), clássico italiano Cepacol, magro, alto, de camisa social justa com colarinho altíssimo e punhos grossíssimos, gravata com nó gigante, calça justa e blazer de grife. Super calado. Fuma e tem cara de bobo.

O instrutor se chama Massimo e tem bem cara de vendedor de seguros mesmo. Muito esperto, engraçado, simpático, diplomático, também é jornalista esportivo e tem vários clientes jogadores de futebol. Gostei dele.

Pois então: segunda foi um dia chato, mas ontem foi mais divertido. De manhã falamos sobre comunicação. Depois de muito falar, Massimo nos fez ir lá pra frente contar alguma coisa que nos tivesse acontecido – qualquer coisa, só pra testar nossos talentos de comunicação. Eu contei o dia em que eu e Valéria almoçamos em Capri na casa de uma família que não conhecíamos, cuja prima Valéria conheceu no barco que nos levou de Sorrento a Capri. Fui aplaudidíssima e muito elogiada pelo meu incrível domínio da língua italiana, pela minha mímica facial expressiva, pelas risadas que provoquei – tudo coisa que eu já sabia, mas não custa nada ouvir de vez em quando. Mais tarde, conversando a sós com o Massimo, ele disse que eu não posso desperdiçar esse talento, não posso jogar fora esse emprego, que sou uma vendedora nata. Não gosto de vender, apesar de saber que o faço bem. Mas quanto a uma coisa ele tem razão: não posso jogar fora a oportunidade desse emprego. É uma empresa consolidadíssima no mercado italiano e internacional, há boas perspectivas de crescimento na carreira, o salário é ótimo, não vou ficar enfurnada numa agência mas rodando e conhecendo gente de tudo que é tipo, vou poder organizar meu próprio tempo, e ainda por cima vou aprender a mexer com dinheiro. Nunca tive grana suficiente pra investir em nada e não gosto de números, então realmente não entendo nada do assunto, mas gostaria de. Então acho que vou pegar. O treinamento vai até sexta-feira, e na segunda tenho que me apresentar na agência pra começar o estágio remunerado de 4 meses, renovável por mais 4, com possibilidade de carteira assinada no final desse período. Vamos ver. Se eu não gostar, pulo fora.

**

No almoço de ontem, Fabrizio o Perugino Retardado deu mais mostras do seu retardamento. Como qualquer pessoa limitada por um só interesse na vida (futebol, no seu caso), sua visão do mundo é muito restrita e sua ignorância é impressionante. CLARO que o papo acabou caindo no Brasil, e CLARO que ele começou a soltar um monte de besteira e eu acabei me irritando seriamente. Tipo:
– Ah, só de escutar a palavra Brasil eu já sinto um clima…
– Clima de quê, Fabrizio? É um país como outro qualquer.
– Ah, não é não… Tem toda aquela alegria, as festas, as pessoas dançando na rua…
– Quem foi que disse que as pessoas dançam na rua?
– Ah, todo mundo sabe!
– Todo mundo sabe também que todo italiano é mafioso e dança tarantella.
– Não é verdade!
(olhar congelante da minha parte)
– Eu sei também que rola muito tráfico de órgão no Brasil.
– Tenho certeza de que rola, como também rola aqui, mas o campeão mundial de tráfico de órgãos é a Albânia, meu querido. Nossos problemas são outros.
– Não, tenho certeza que é assim!
– Querido… Eu sou brasileira, morei lá minha vida toda. Você NÃO vai querer discutir comigo sobre o meu próprio país, vai por mim.
– Po, mas eu sei que é um país muito atrasado…
– Em muitas coisas sim, mas em tantas outras estamos anos-luz à frente da Itália. (mencionei o nosso avançadíssimo sistema bancário e as nossas eleições automatizadas. Ele fez cara de “é mentira”. Sorte dele que não tenho porte de arma).
– Fabrizio, na boa… Se você não sabe nada sobre um assunto, e claramente você não sabe nada sobre muitas coisas, é melhor ficar calado. Fica quietinho, fica.

Massimo muda habilmente de assunto. Fabrizio acende um cigarro, arregaça as mangas da camisa e vemos uma originalíiiiiissima tatuagem de teia de aranha no cotovelo. Também há um tribal muito mal feito no antebraço esquerdo e mais duas tatuagens nas costas. Pronto! Esse menino, que antes gozava apenas do meu saudável desprezo, agora entrou na categoria “o mundo seria melhor sem ele”.

**

Hoje o assunto é técnicas de venda. Acho que vou me divertir. Quero só ver Silvia, Fabrizio ou a mala da Sabina simulando vendas. Deles eu não compraria nem uma bala Juquinha. Minha religião não permite ter nenhum tipo de contato com gente da minha idade que tem dentes tortos E cinza.

Diálogos reais no ICQ

Stranger: – Hi, where are you from?
Leticia:- I’m from a nice place where people are educated and don’t disturb strangers marked as “away”. I see you’re not from there.

Fulano: – Oi, quer conversar?
Leticia: – Se eu realmente quisesse conversar, não seria com você, que eu não conheço. Se estou como “away” é porque não posso conversar, mesmo que quisesse, não acha?

Beltrano: – Quer tc?
Leticia: – Minha religião não permite nenhum tipo de contato com gente que ainda acha que “tc” esta na moda.

Tizio: – Ciao, vuoi chattare?
Leticia: – No, grazie, io non chatta. Tu chatto sì, però.

Há um ditado italiano que diz que “il mondo è bello perché è diverso”. Realmente são as diferenças entre as pessoas que fazem a vida ser tão interessante. Mas tem vezes que isso tudo enche o saco e eu me pego suspirando, sonhando com vidas padronizadas como descrito em 1984 ou em Brave New World, que ainda estou terminando. Quando vejo a imbecilidade e a cegueira das pessoas tenho que admitir que um mundo onde todo mundo pensasse igual e vivesse anestesiado crente que está feliz seria muito mais fácil de se lidar.

Tô falando isso por conta desse bafafá do Blogger Brasil. Foi uma sacanagem sim o que eles fizeram, cortando acessos sem avisar nada. E a justificativa ridícula que deram não colou, nem por um minuto. Mas putz grila, gente, um blog é só um blog! Ninguém vai morrer se ficar sem blogar, ou se ficar sem ler um blog! Aliás, vendo a quantidade de besteira que neguinho bota na rede sem nem se dar ao trabalho de corrigir gramaticalmente antes de publicar, eu acho que foi é ótimo ter sumido esse bando de blog mesmo. Quem gostava mesmo da coisa e escrevia bem, ou pelo menos escrevia coisas interessantes, vai acabar simplesmente mudando de endereço mas continuando a escrever. Quanto aos blogs cheios de coisas piscantes, palavras despropositadamente em itálico e negrito no meio das frases, erros de Português lamentáveis, espero realmente que desapareçam no limbo internético e nunca mais voltem.

Solidária com o problema, que não me afetava diretamente porque, além de ter meu blog no blogspot, não sou boba e tenho backup de tudo, desde o primeiro post, traduzi o texto do manifesto que iríamos publicar em Inglês e Italiano. E inscrevi-me na lista que a Luciana Misura organizou pra manter o movimento organizado. Mas, caralho, exclamou a princesinha. Como neguinho é desprovido de objetividade! Como neguinho é tapado! Como neguinho tem prioridades erradas! Como neguinho pega o bonde andando E NÃO PERCEBE!!! E’ impressionante a absoluta incapacidade que a maioria do rebanho tem de ler nas entrelinhas, de associar idéias, de extrapolar. Putz grila!

Tenho paciência pra isso não. Saí da lista. Não posso continuar participando de uma lista através da qual recebo 60 emails por dia, a maioria do tipo “é mesmo!!!!! Bjos!!!!!!”, outros super agressivos e mal-educados, atacando gente que não tem pissurucas a ver com a história. Ora, façam-me o favor. Depois o tráfico na rede fica lento e neguinho reclama. Se as pessoas usassem os benefícios da vida moderna pra se divertir, pra coisas úteis, pra aprender e/ou ensinar, em vez de encher o saco dos outros ou passar certificado de bocó, o mundo seria um lugar muito melhor pra se viver.

Coitada da Luciana, que criou o raio da lista e agora vai ter que embalar o Mateus que pariu.

Há um ditado italiano que diz que “il mondo è bello perché è diverso”. Realmente são as diferenças entre as pessoas que fazem a vida ser tão interessante. Mas tem vezes que isso tudo enche o saco e eu me pego suspirando, sonhando com vidas padronizadas como descrito em 1984 ou em Brave New World, que ainda estou terminando. Quando vejo a imbecilidade e a cegueira das pessoas tenho que admitir que um mundo onde todo mundo pensasse igual e vivesse anestesiado crente que está feliz seria muito mais fácil de se lidar.

Tô falando isso por conta desse bafafá do Blogger Brasil. Foi uma sacanagem sim o que eles fizeram, cortando acessos sem avisar nada. E a justificativa ridícula que deram não colou, nem por um minuto. Mas putz grila, gente, um blog é só um blog! Ninguém vai morrer se ficar sem blogar, ou se ficar sem ler um blog! Aliás, vendo a quantidade de besteira que neguinho bota na rede sem nem se dar ao trabalho de corrigir gramaticalmente antes de publicar, eu acho que foi é ótimo ter sumido esse bando de blog mesmo. Quem gostava mesmo da coisa e escrevia bem, ou pelo menos escrevia coisas interessantes, vai acabar simplesmente mudando de endereço mas continuando a escrever. Quanto aos blogs cheios de coisas piscantes, palavras despropositadamente em itálico e negrito no meio das frases, erros de Português lamentáveis, espero realmente que desapareçam no limbo internético e nunca mais voltem.

Solidária com o problema, que não me afetava diretamente porque, além de ter meu blog no blogspot, não sou boba e tenho backup de tudo, desde o primeiro post, traduzi o texto do manifesto que iríamos publicar em Inglês e Italiano. E inscrevi-me na lista que a Luciana Misura organizou pra manter o movimento organizado. Mas, caralho, exclamou a princesinha. Como neguinho é desprovido de objetividade! Como neguinho é tapado! Como neguinho tem prioridades erradas! Como neguinho pega o bonde andando E NÃO PERCEBE!!! E’ impressionante a absoluta incapacidade que a maioria do rebanho tem de ler nas entrelinhas, de associar idéias, de extrapolar. Putz grila!

Tenho paciência pra isso não. Saí da lista. Não posso continuar participando de uma lista através da qual recebo 60 emails por dia, a maioria do tipo “é mesmo!!!!! Bjos!!!!!!”, outros super agressivos e mal-educados, atacando gente que não tem pissurucas a ver com a história. Ora, façam-me o favor. Depois o tráfico na rede fica lento e neguinho reclama. Se as pessoas usassem os benefícios da vida moderna pra se divertir, pra coisas úteis, pra aprender e/ou ensinar, em vez de encher o saco dos outros ou passar certificado de bocó, o mundo seria um lugar muito melhor pra se viver.

Coitada da Luciana, que criou o raio da lista e agora vai ter que embalar o Mateus que pariu.

Última manhã de arrumação na loja do Fabrizio o Louco. Não fizemos nada além de botar Baygon em pó nos cantos e remarcar preços. Tudo aumentou, porque no ano passado a chuva foi pouca e caiu a produção de azeite, tartufos, cogumelos, vinhos. Fabrizio desesperado porque alguns produtos tiveram aumentos de até 5 euros! Né nada, né nada, 20 euros por um vidrinho minúsculo de tartufo em fatias finas é coisa de doido. Até o macarrão “artesanal” (cof cof) que ele vende subiu pra caramba, por causa da queda na produção de trigo. Um pacote de meio quilo de pappardelle all’uovo, que no supermercado compro rigorosamente igual por menos de um euro, ele vende por € 3,90. Quero ver arrumar cliente pra comprar.

**

Nas ruas, praticamente ninguém, apesar do dia lindíssimo. As ruas pertencem aos japoneses. Só eles têm vontade e saco de fazer turismo nessa época do ano, quando hotéis e lojas estão fechados. Desfilam em imensos grupos pra lá e pra cá, as mulheres de meia-calça colorida cobrindo pernas invariavelmente tortas e se equilibrando (mal) em saltos completamente inadequados a longas jornadas de passeios a pé, caminhando com os famosos micropassinhos saltitantes japoneses, algumas de maria-chiquinha, outras com cabelos de cores muito estranhas; todas com bolsas Burberry ou de alguma grife italiana, que só elas têm dinheiro pra comprar. Os homens de cabelo estilo capacete, muitos de cabelos tingidos de louro ou ruivo, a maioria com ralos bigodinhos adolescentes cultivados com cuidado. Todos, homens e mulheres, sempre rindo muito, entendendo pouco e tirando fotografias com o celular. Olhando pra eles, coloridíssimos contra o céu azul, parece até que estamos no verão, no auge da estação turística – a única diferença é que agora eles não desfilam carregados de sacolas de compras, porque as lojas só abrem lá pra março.

Voltamos pra casa na velha Twingo vermelha do Fabrizio, que ele dirige sempre em terceira marcha e a 50 por hora, mesmo nas estradonas vazias ladeadas de agriturismos que comunicam Assis a outras cidadezinhas como a nossa. Repete trinta vezes a mesma coisa, e me diz constantemente que tenho que rezar a Deus pra nos mandar turistas porque senão a loja fecha. Ahan…

Acho engraçado essa mania de catequese que só os religiosos têm. Acho religião um assunto quase tão pessoal quanto sua vida sexual ou convicções políticas. Se ninguém te perguntou, não tem por que tocar no assunto – ainda mais quando você sabe que o seu interlocutor tem idéias COMPLETAMENTE diferentes da sua. Mas não! Normalmente o que sobra em fé falta em bom senso, e eu sou obrigada a ficar ouvindo essas coisas, e sou tratada como aborígene porque não creio em nada. Vai ver que vencer pelo cansaço é uma técnica de caça dos católicos praticantes, quem sabe…

**

Mirco não vem almoçar hoje. Aproveito pra comer feijão com arroz. Já resolvi que hoje à tarde não saio de casa nem por um decreto. Vou só ali no Fabrizio, do outro lado da estrada, pegar meu dinheiro por esses 4 dias de trabalho, e basta. Vou ficar em casa, fazer faxina, ler meu livrinho e o jornal, terminar de botar em ordem essas bostas de faturas. Amanhã é dia de rodar por aí resolvendo coisas, então hoje compenso não saindo da toca.

Última manhã de arrumação na loja do Fabrizio o Louco. Não fizemos nada além de botar Baygon em pó nos cantos e remarcar preços. Tudo aumentou, porque no ano passado a chuva foi pouca e caiu a produção de azeite, tartufos, cogumelos, vinhos. Fabrizio desesperado porque alguns produtos tiveram aumentos de até 5 euros! Né nada, né nada, 20 euros por um vidrinho minúsculo de tartufo em fatias finas é coisa de doido. Até o macarrão “artesanal” (cof cof) que ele vende subiu pra caramba, por causa da queda na produção de trigo. Um pacote de meio quilo de pappardelle all’uovo, que no supermercado compro rigorosamente igual por menos de um euro, ele vende por € 3,90. Quero ver arrumar cliente pra comprar.

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Nas ruas, praticamente ninguém, apesar do dia lindíssimo. As ruas pertencem aos japoneses. Só eles têm vontade e saco de fazer turismo nessa época do ano, quando hotéis e lojas estão fechados. Desfilam em imensos grupos pra lá e pra cá, as mulheres de meia-calça colorida cobrindo pernas invariavelmente tortas e se equilibrando (mal) em saltos completamente inadequados a longas jornadas de passeios a pé, caminhando com os famosos micropassinhos saltitantes japoneses, algumas de maria-chiquinha, outras com cabelos de cores muito estranhas; todas com bolsas Burberry ou de alguma grife italiana, que só elas têm dinheiro pra comprar. Os homens de cabelo estilo capacete, muitos de cabelos tingidos de louro ou ruivo, a maioria com ralos bigodinhos adolescentes cultivados com cuidado. Todos, homens e mulheres, sempre rindo muito, entendendo pouco e tirando fotografias com o celular. Olhando pra eles, coloridíssimos contra o céu azul, parece até que estamos no verão, no auge da estação turística – a única diferença é que agora eles não desfilam carregados de sacolas de compras, porque as lojas só abrem lá pra março.

Voltamos pra casa na velha Twingo vermelha do Fabrizio, que ele dirige sempre em terceira marcha e a 50 por hora, mesmo nas estradonas vazias ladeadas de agriturismos que comunicam Assis a outras cidadezinhas como a nossa. Repete trinta vezes a mesma coisa, e me diz constantemente que tenho que rezar a Deus pra nos mandar turistas porque senão a loja fecha. Ahan…

Acho engraçado essa mania de catequese que só os religiosos têm. Acho religião um assunto quase tão pessoal quanto sua vida sexual ou convicções políticas. Se ninguém te perguntou, não tem por que tocar no assunto – ainda mais quando você sabe que o seu interlocutor tem idéias COMPLETAMENTE diferentes da sua. Mas não! Normalmente o que sobra em fé falta em bom senso, e eu sou obrigada a ficar ouvindo essas coisas, e sou tratada como aborígene porque não creio em nada. Vai ver que vencer pelo cansaço é uma técnica de caça dos católicos praticantes, quem sabe…

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Mirco não vem almoçar hoje. Aproveito pra comer feijão com arroz. Já resolvi que hoje à tarde não saio de casa nem por um decreto. Vou só ali no Fabrizio, do outro lado da estrada, pegar meu dinheiro por esses 4 dias de trabalho, e basta. Vou ficar em casa, fazer faxina, ler meu livrinho e o jornal, terminar de botar em ordem essas bostas de faturas. Amanhã é dia de rodar por aí resolvendo coisas, então hoje compenso não saindo da toca.

Dois novos modelos de mala no mercado, além dos famosos Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e se Acham OOOOS Alemães: são a senhorita Helio, que não entende nada de crase, apesar de estudar Comunicação Social, e a senhorita Alonso, que não paga as contas no restaurante (e também não entende nada de crase). Ou as duas não pagam as contas no restaurante e eu estou confundindo uma com a outra? Vai ver que fiz confusão porque o nível de chatice delas é tão grande que obscura as suas personalidades individuais e as transforma em um único Ser Desconhecedor de Crases e Pentelhador de Pessoas.

**

Ontem fomos ver The Jury, com aquela fofura do John Cusack, o fodão Gene Hackman e o eterno Tootsie Dustin Hoffman. Olha, eu falo, falo de subliteratura, mas adoro um Grisham. Não pela emoção, porque quem tem um mínimo de tarimba de cinema saca logo onde ele quer chegar, onde a coisa vai terminar; mas pelos sutis detalhes psicológicos e truques jurídicos, e pela revelação de novos pontos de vista sobre coisas aparentemente óbvias. Eu adoro filme/série de advogado e medicina legal. Pena que aqui eu não tenha TV a cabo, e na TV aberta só passa CSI (que eu amo, mas dublado tira metade da graça). Adorava Law and Order, Family Law e outros seriados do gênero. E adoro os filmes baseados em livros do Grisham. São todos essencialmente iguais, mas maquiados de modo diferente, digamos. Eu gosto. Gosto de ver aqueles diálogos absolutamente impossíveis na vida real, onde um personagem manipula as emoções e as palavras do outro com tanta facilidade.

Bom, mas também eu gosto de filme onde o carro cai da ribanceira e explode, tão querendo o quê…

Não que eu jamais vá ao cinema pra assistir a filmes mais densos. É que eu acho a vida já tão complicada que quando vou ao cinema quero só abstrair, relaxar, esvaziar o céLebro mesmo. E pra isso não tem nada melhor do que um bom filme hollywoodiano, cheio de chavões e com final meloso e feliz.

Mas tenho que admitir que a safra ainda muito ruim. Os últimos filmes super hiper mega fodas que eu lembro de ter visto foram Traffic e The Insider, anos atrás.

De repente eu me empolgo e termino de escrever o roteiro que comecei quando fiz o curso de roteiro cinematográfico na PUC, eras glacias atrás… ;)

Se bem que, do jeito que anda a coisa, mais fácil seria escrever um combinado de guia de turismo/tratado antropológico sobre a sociedade umbra/livro de receitas… Que viria, é claro, com uma foto patografada do Legolas de brinde.

Dois novos modelos de mala no mercado, além dos famosos Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e se Acham OOOOS Alemães: são a senhorita Helio, que não entende nada de crase, apesar de estudar Comunicação Social, e a senhorita Alonso, que não paga as contas no restaurante (e também não entende nada de crase). Ou as duas não pagam as contas no restaurante e eu estou confundindo uma com a outra? Vai ver que fiz confusão porque o nível de chatice delas é tão grande que obscura as suas personalidades individuais e as transforma em um único Ser Desconhecedor de Crases e Pentelhador de Pessoas.

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Ontem fomos ver The Jury, com aquela fofura do John Cusack, o fodão Gene Hackman e o eterno Tootsie Dustin Hoffman. Olha, eu falo, falo de subliteratura, mas adoro um Grisham. Não pela emoção, porque quem tem um mínimo de tarimba de cinema saca logo onde ele quer chegar, onde a coisa vai terminar; mas pelos sutis detalhes psicológicos e truques jurídicos, e pela revelação de novos pontos de vista sobre coisas aparentemente óbvias. Eu adoro filme/série de advogado e medicina legal. Pena que aqui eu não tenha TV a cabo, e na TV aberta só passa CSI (que eu amo, mas dublado tira metade da graça). Adorava Law and Order, Family Law e outros seriados do gênero. E adoro os filmes baseados em livros do Grisham. São todos essencialmente iguais, mas maquiados de modo diferente, digamos. Eu gosto. Gosto de ver aqueles diálogos absolutamente impossíveis na vida real, onde um personagem manipula as emoções e as palavras do outro com tanta facilidade.

Bom, mas também eu gosto de filme onde o carro cai da ribanceira e explode, tão querendo o quê…

Não que eu jamais vá ao cinema pra assistir a filmes mais densos. É que eu acho a vida já tão complicada que quando vou ao cinema quero só abstrair, relaxar, esvaziar o céLebro mesmo. E pra isso não tem nada melhor do que um bom filme hollywoodiano, cheio de chavões e com final meloso e feliz.

Mas tenho que admitir que a safra ainda muito ruim. Os últimos filmes super hiper mega fodas que eu lembro de ter visto foram Traffic e The Insider, anos atrás.

De repente eu me empolgo e termino de escrever o roteiro que comecei quando fiz o curso de roteiro cinematográfico na PUC, eras glacias atrás… ;)

Se bem que, do jeito que anda a coisa, mais fácil seria escrever um combinado de guia de turismo/tratado antropológico sobre a sociedade umbra/livro de receitas… Que viria, é claro, com uma foto patografada do Legolas de brinde.

Ah, Roma…

Então eu pego o meu já amigo trem das 6:17 partindo de Bastia, me adormento e como sempre acordo em Orte, quando a cabeçada que trabalha/estuda em Roma entope o trem e faz um barulho danado; durmo de novo e acordo na Tiburtina. Dali são alguns minutos até Roma Termini. Pego um táxi e vou parar na embaixada da Sérvia e de Montenegro, numa ladeira lá pros lados da Villa Borghese. Quando eu estou esticando meu dedinho pra tocar a campainha a porta abre, e saem três eslavos batendo papo. Seguram a porta aberta pra eu passar, olham pra minha cara e dizem alguma coisa em eslavo. Eu faço a-han e penso, mas será o benedito? Eu com essa cara de nacionalidade não-identificada mas DEFINITIVAMENTE não eslava e esses falando comigo na língua deles? Entro, pego o visto, que leva dez minutos e vinte e um euros pra ficar pronto, olho pra cara do visto, que é uma etiqueta pré-impressa e preenchida à mão, dou tchau pro antipaticíssimo cara da portaria, e vou-me embora.

E aí começa a missão “vamos encontrar uma agência dos correios”. Os bancos têm tarifas altíssimas, então optei por abrir conta no BancoPosta, que cobra menos (e funciona super mal, uma vez que não é privado). Precisava tirar uma grana no caixa eletrônico, mas uma gorda antipática na banca de jornal disse que ali perto de onde eu estava só tinha uma agência, mas teria que caminhar bastante. Intrépida, habituada a caminhar quilômetros, fui seguindo as instruções da gorda: desci uma ladeira, subi outra, e dali tinha que subir umas escadas, que não achei. Entro num mercadinho/açougue pra pedir mais informações, e começa a italianada (muito semelhante à cariocada, diga-se de passagem):
– Fulano, mas não tem que subir as escadas?
– Tem sim. Vira ali à esquerda…
– Mas que esquerda, fulano! Direita!
– Direita?
– Direita sim, ali depois dos portões, tem as escadas, e depois das escadas vira à esquerda.
– Esquerda? Não tinha que descer a rua à direita?

No final das contas um romano gatinho (mas pequenininho; ó vida, ó céus, por que os mediterrâneos são todos pequenininhos? Não podiam ser altos também, além de charmosos e divertidos?) sai do mercadinho e me leva até as escadas. Faço o que tenho que fazer, e quando passo pelo mercado de novo, voltando pro ponto de ônibus que eu já muito espertamente tinha localizado como sendo-me útil, ele sai da loja e vem perguntar se eu achei a agência. Achei sim, darling. Sorrisos, buone feste, auguri, e vou-me, contente. Adoro esses arroubo de simpatia nas pessoas.

Pego o primeiro ônibus que me deixará numa estação de metrô. Desço na Piazza Barberini, pego o metrô, sempre entupido e sempre atrasado, e desço na Ottaviano. Dali caminho até a via Cola di Rienzo, resisto à tentaçao de uma lindíssima bolsa Gucci, tão falsa quando a cobra de onde em teoria saiu seu couro marrom, ando mais um pouco e entro na Castroni, ma-ra-vi-lho-sa loja de coisas comíveis de todo o mundo. Me emociono com o guaraná, a goiabada, o polvilho doce, o preparado pra pão de queijo. Compro leite condensado, pão de queijo, guaraná, feijão preto, doce de leite (infelizmente argentino). Pego o metrô pra estação de trem, almoço um McChicken e fico esperando o trem, que só sai às 14:14. Magari! Saiu quase às 15.

Sentado à minha frente, um tipo repugnante: o homem não-homem. O homem não-homem é transparentemente pálido, magro, tem ombros estreitos (ó céus, quer coisa mais broxante que ombrinhos estreitos?), tem mãos brancas e delicadas, aranhescas, os dedos longos e bem-feitos – mãos de quem não faz nada da vida, mãos de homem que não sabe nem trocar lâmpada. Uma delicadeza, uma fragilidade totalmente não-masculina. Joelhos pontudos marcam as calças jeans quando ele cruza as pernas como uma mocinha. A cintura é fina, a respiração é difícil – além de delicado deve ser vegetariano. Nojo, nojo.

O atraso do trem significa que perdi a conexão em Foligno. Um frio desgraçado, um vento maldito, um bando de gente que perdeu a conexão amontoada na cabine de espera na estação. A próxima conexão, que deveria sair às 17:06 (o que perdemos saía às 16:20), chegou na hora mas demorou pra sair por conta de um Eurostar que vinha no mesmo trilho e chegou atrasado, como todo bom Eurostar.

Eis que adentram a cabine duas brasileiras. Uma senhora com cara de baixo Q.I. e uma jovem de cabeça achatada e cara de empregadinha e a arrogância de quem acha que deu o golpe do baú. Essa última vestia um casaco comprido de camurça falsa cor camelo, forrada com pelúcia 100% nylon, no melhor estilo ursos Peposos. E aí começa a conversa assassina (assassinaram a gramática, ô ô):
– Não, muié, falta der minuto ainda!
– Ah é… Mas e as criança, hein? As criança hoje come em casa?
– Num sei não…

Por que é que eu tenho que ficar encontrando essas peças em tudo que é lugar que eu vou? Pra piorar, subiram bem no meu vagão! Logo logo a velhinha que tava sentada em frente à garota sacou, pelo óbvio sotaque “è liberu qui?”, que era estrangeira, e puxou papo. E logo a garota começa a sorrir e explicar que sim, “sonu brasiliãna”, saca da carteira umas notas de reais pra mostrar pra velha, desvencilha dos brincos de ouro fake (aqueles de 1,99 que se compram nas estações do metrô no Rio) uma mecha dos belos cabelos castanhos. Pronto! É assim que começa, comprovando a eficácia da campanha boca-a-boca: a velhinha provavelmente vai contar a uma média de 9 pessoas do seu círculo de amizades o encontro que teve com a brasileira, coitadinha, tão lerdinha, tão despreparada, mora aqui há anos e ainda não aprendeu a língua, feito uma mexicana qualquer… Cada retardada dessas fora do Brasil dificulta em uns 5% a vida de brasileiras normais que vão morar no exterior com a melhor das intenções e grande capacidade de adaptação. Dei à garota um olhar schifoso quando me dirigi à saída do vagão, depois de ter guardado na bolsa meu último Ian McEwan (Atonement. Lento, mas interessante.).

Desço em Bastia, pego o carro (estou com a Fiat Punto do Mirco, que trocou de carro) e vou à oficina, deixar a Punto e pegar o Volvo do lanterneiro, porque o carro dos eslavos quebrou e eles vão pra casa com a Punto do Mirco. O vento sacode o carro, que vive embaçando desde que limpei os vidros com desembaçador, há muuuitos meses atrás; não vejo nada, o aquecedor demora pra engrenar, minhas mãos congeladas dentro das luvas, meu nariz mais duro que mármore, meus pés insensíveis, com as terminações nervosas todas congeladinhas, coitadas. Chego na oficina, troco de carro, volto pra casa. Não tenho vontade de fazer nada, mas amanhã é dia de fazer os doces pra família da Marta…

– C***lho, exclamou a princesinha, preciso descansar!

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Natal pra mim significa somente o aniversário do meu pai, e um feriado. Mas como convenção social é convenção social, desejo a vocês, que acham essa data uma coisa especial, um Natal interessante (poucas qualidades são, pra mim, mais importantes do que interessante). Esse ano não consegui mandar cartão pra ninguém, coisa que muito me envergonha, visto que tenho muito orgulho de ser adepta do snail-mail. Mas perdoem-me; 2003 foi um ano horripilante e cansativo, e não só por causa das minhas 4 mudanças de casa. Não tenho forças pra escrever nem telegrama, quanto mais cartão de Natal. Por isso considerem-se todos devidamente abraçados, beijados e presenteados. E que todo mundo, inclusive eu, tenha um 2004 show de bola. Até porque a Ane, com quem tive o prazer de falar hoje no telefone, tem razão: pior do que 2003 é difícil, viu, meus queridos.