mafia, de novo

Hoje de manhã fiquei em casa porque meu aluno salame da fábrica de peças pra avião teve um problema no trabalho e não pôde ter aula. Acabei aprendendo muito sobre a máfia, coisa que não só é interessante mas vai servir pra prova de Linguaggi della Devianza, em junho.

Uno Mattina é um programa de variedades da Rai Uno que ocupa toda a manhã. É apresentado por uma jornalista ruiva que já esteve cobrindo guerras no mundo todo e é muito inteligente, por uma loura ex-participante do Grande Fratello e por um retardado, imbecil, debilóide, jumento, asno, que diz ser jornalista e atende pelo nome de Luca Giurato. É de uma imbecilidade irritante; basta olhar pra cara dele que eu tenho vontade de chorar de nervoso. Mas como quem se ocupa dos assuntos sérios é a ruiva, a longa entrevista dessa manhã com pessoas diretamente relacionadas com a máfia foi muito interessante. Fiquei sabendo, pelo juiz e pelo chefe da polícia especial que comandaram a operação de prisão do Provenzano, que, ao contrário do que eu disse outro dia aqui, não houve nenhum pentito, nenhum arrependido, nenhum alcagüete. Não houve nenhum tipo de interceptação telefônica de ninguém envolvido ou suspeito de envolvimento na história, por um motivo muito simples e que faz todo o sentido do mundo: pra conseguir a autorização da justiça pra plantar uma escuta, o pedido roda na mão de tanta gente que a probabilidade da informação vazar e chegar aos ouvidos dos mafiosos era grande demais. Porque their arm has grown long indeed, e que há peixes grandes com o rabo preso e que a máfia é infiltradíssima no governo é coisa há muito sabida. O objetivo foi então reduzir o número de pessoas envolvidas na investigação, e se concentrar em observar membros da família de Provenzano e seus antigos colaboradores. Foi assim que chegaram à casa muito simples, na periferia de Corleone, onde o chefão se escondia. Por que ele não picou a mula e foi cantar em outro galinheiro? Porque quando se fala de máfia, presença é poder: quem abandona o território acaba perdendo força e sendo substituído por outro mais esperto. É aquela velha história: quem foi à roça perdeu a carroça…

Aliás: imperdível isso aqui.

cosa nostra

E a outra grande notícia do dia foi que finalmente prenderam Bernardo Provenzano, histórico chefe da Cosa Nostra que era fugitivo há QUARENTA E TRÊS ANOS. Mole? Adivinha onde encontraram a criança? Em Corleone, onde mais. Depois de não sei quantas cirurgias plásticas e de absolutamente ne-nhu-ma pista em todos esses anos, um dos seus ajudantes parece que abriu a boca e contou, tim-tim por tim-tim, como foi possível manter a criatura escondida por tanto tempo. Nada de tecnologia, nem mesmo celulares; toda e qualquer comunicação com o capo era feita só através de bilhetinhos. Como ninguém sabia direito a cara que ele ganhou depois das plásticas, ficava realmente difícil encontrar o homem, apesar das viagens de carro à França pra se operar da próstata. Documentos falsos, nomes falsos, e o sólito paredão de gente que nada vê e nada ouve e torna impossível chegar ao topo das organizações. Agora as opções são duas: ou já existe outro capo no lugar dele, ou vão começar novas guerras entre os clãs mafiosos pra decidir quem vai comandar o batatal.

Morar nesse país é como viver dentro d’Os Intocáveis.

shoo, fly

Já falei que não entendo nada do sistema eleitoral daqui, que aliás sofreu algumas reformas salva-rabo durante o governo do Cavaliere, mas o fato é que a esquerda ganhou. Ganhou por algo do tipo 0,06%, o que na verdade é muito preocupante, porque quer dizer que ainda tem MUITA gente que acha o Bronzeado-Implantado um cara legal e bom caráter. Muito perigoso. O que decidiu a partida foram, surpreendentemente, os votos dos italianos que moram no exterior. Até as dez da manhã de hoje a direita estava na frente, no Senado, por cerca de 0,02%. Mas mesmo com a esquerda saindo vencedora, vai ser muito difícil governar, porque praticamente a outra metade do Senado e da Câmera dos Deputados foi pra direita. Lógico que a possibilidade de uma coalizão pacífica com fins comuns de desenvolvimento do país, como está rolando na Alemanha, é absolutamente impensável em um país onde as pessoas estacionam ocupando dezoito vagas, onde ninguém ouve o outro, nunca, onde você liga pro cliente que não pagou e ele responde “e daí?”. Então quero só ver. O bom é que o Prodi tem o apoio do resto da Europa, que, logicamente, não quer ver Berlusconi nem cravejado de brilhantes. Vamos ver no que vai dar.

elezioni…

E então as eleições acabaram hoje às três da tarde, e o país está enlouquecido esperando os resultados oficiais. Porque todo mundo tava achando que a esquerda iria ganhar de lavada, mas na verdade tá tudo pau a pau. Um medo danado daquele crápula do Berlusconi voltar a governar. Eu não entendo NADA do sistema político deles, e as pessoas às quais perguntei também não entendem coisa nenhuma, então eu só posso é ficar na torcida e esperar pelo Grande Resultado Final. Acendam velinhas, darlings.

prognóstico sinistro

Depois do debate final de segunda-feira, Berlusconi chamou de coglioni (acho que a melhor tradução é “otários”) quem não votar nele. É engraçada a campanha eleitoral por aqui; fala-se de tudo, passa-se a ofensas pessoais com a maior naturalidade (Berlusconi deveria subir num banquinho pra falar, Prodi está ficando gagá, etc), a esquerda só sabe falar mal da direita, a direita só sabe falar mal da esquerda, e, como no Brasil, a discussão do futuro do país nem entra em campo. O importante é falar mal do outro. Nesse quesito acho que a esquerda tá um pouco melhor, porque algumas propostas foram feitas, pelo menos. Mas de modo geral eu acho tudo tão nojento que mudo o canal assim que vejo a cara de qualquer um deles.

A grande tristeza é que Berlusconi é, hoje, a cara da Itália. O arquétipo do italiano – a começar da aparência física. A cara cor de tijolo de quem faz bronzeamento artificial, os cabelos asquerosamente implantados e penteados, o sorriso falso, a testa franzida em desdém. A incrível capacidade de passar os outros pra trás e achar superlegal. A preocupação ZERO com quem está ao redor, coisa facilmente verificável no dia-a-dia aqui na Itália, no trânsito, em qualquer estacionamento, na fila de qualquer lugar, nas menores decisões, que nunca, NUNCA levam em consideração os possíveis efeitos pro resto do mundo. Berlusconi é isso; Berlusconi é a Itália. Esse país tá fodido e eu tenho muito medo que a coisa piore terrivelmente se ele continuar no poder. Não que a esquerda vá fazer milagres, porque político bom é político morto, mas pelo menos é tão contra tudo o que a direita diz que só pode ser um pouco melhor. Só o fato da esquerda querer tirar o crucifixo da escola já seria motivo suficiente pra eu votar pra eles… ;)

Pra quem vive me escrevendo perguntando como é a vida na Itália, sugiro o
post histórico da Daiza. Eu amo essa mulher.

porradas eleitorais

Mas o que eu queria comentar mesmo foi o golpe baixo final do Berlusconi no debate de segunda. Eu não vi, lógico, primeiro porque cheguei tarde e já tava no final, segundo porque jantar olhando praquele homem me dá vontade de vomitar, mas ontem de manhã os telejornais só falavam da sua última jogada mortal: vou eliminar o ICI (o equivalente ao IPTU) da primeira casa. Vocês ouviram bem, vou eliminar o ICI! Sem comentários. O pessoal do curso de narração (doravante conhecidos como povo do Cantiere – o curso se chamava Cantiere 33) enxurrou a mailing list com comentários do debate, então fiquei meio que sabendo o que aconteceu, e nosso caro Berlusca soltou essa pérola ridícula (porque irrealizável) no último minuto da prorrogação, pra não deixar que o Prodi respondesse. Deve ter sido emocionante. Uau.

elezioni 2006

No início de abril vamos ter eleições políticas aqui (as eleições administrativas são pra prefeito e, acho, presidente de região), pra escolher outro presidente do conselho de ministros e senadores. Então não se fala de outra coisa na televisão.

O lance é que aqui tem a lei da par conditio, ou seja, todos os candidatos têm direito à mesma exposição nos meios de comunicação. Tudo em teoria, lógico, porque em um país onde o Presidente do Conselho é dono dos três canais privados, tudo isso não tem o menor sentido. Em qualquer hora do dia ou da noite você liga a TV e em algum lugar vai dar de cara com o cabeção careca e bronzeado artificialmente do Cavaliere. Na terça-feira teve debate entre o carecão e o Prodi, da esquerda, de quem na verdade eu não desgosto: é um homem incrivelmente culto e inteligente, inseridíssimo no contexto da Comunidade Européia (já foi presidente da Comissão), e com idéias bem claras do futuro que a Itália pode ter dentro da Europa. Rifkin, aliás, cita muitas frases dele no seu livro. Mas a Bota nunca viu outro comunicador tão hábil quanto o Berlusca, e tenho muito medo da sua reeleição, porque as pessoas ainda têm medo de comunista por aqui e a probabilidade de neguinho votar no Berlusconi pra não votar nos “comunistas” é real. Eu não vi o debate porque só de olhar pra cara do Berlusconi eu tenho vontade de vomitar, mas pelo que ouvi parece que o Prodi, que não fala como político, ou seja, é rápido, sucinto e direto, levou a melhor. Utilizou-se o sistema americano, com tempo limitado pra responder às perguntas, e é lógico que quem tem que enrolar, apresentando dados falsos sobre número de novos empregos, aumento da produtividade, redução dos gastos públicos, e estatísticas inventadas em geral, precisa de mais do que dois minutos. No final parece que Prodi conseguiu falar dos seus planos futuros pra Itália, DENTRO DA COMUNIDADE EUROPÉIA, enquanto que o Berlusca só conseguiu mostrar esses dados ridículos, falar mal da esquerda em geral e desmentir o que o Prodi dizia, e insistir sobre a grandeza da Itália, o valor do made in Italy (aqui se fala tanto disso que eu já enjoei), etc etc. Como se Prada e Gucci pudessem ser consideradas indústrias de grande porte, sabe.

O pior é que tem muita gente que vota no Berlusconi porque ele é um grande empreendedor. Não há dúvidas de que o seja, apesar dos meios altamente suspeitos que usa pra chegar aos fins, porque hoje não é mais possível construir grandes fortunas em tão pouco tempo sem ter todos os duzentos rabos presos. Mas isso não significa, muito pelo contrário, que ele seja um bom líder político. Um homem com aquela cara bronzeada artificialmente, aquele sorriso falso, aquelas palavras retorcidas, aquela retórica engana-pamonha, e o passado de leis salva-rabo que ele aprovou não merece minha confiança nem se tiver que lhe perguntar que horas são. Mas tem gente que cai na armadilha, porque admira o grande homem. Como se todo self-made man envolvido com a máfia fosse automaticamente um bom líder.

Eu tenho nojo.

o cavaliere ataca novamente

As notícias da semana são duas:

Uma, já meio velha, é o sumiço do pequeno Tommaso, de 18 meses, um menino epilético que foi seqüestrado da casa dos pais na semana passada, depois de um presumível assalto em casa. Ninguém consegue descobrir por que diabos o garoto foi seqüestrado, já que a família não é rica, e o país inteiro – Papa, jogadores de futebol, os imbecis do Festival di Sanremo que felizmente passou voando e eu não vi (ganhou uma música que faz barulho de pombo, juro, procurem no google), apresentadores mil – está implorando pra devolverem o menino, que precisa de anticonvulsivantes duas vezes por dia pra não ter crises. O problema é que encontraram em um porão da casa um computador do pai, com fotos pedopornográficas dentro. E um diário da mulher, que um dia escreveu: meu marido gosta de ver crianças peladas. Ô país pra ter histórias cabeludas!

A outra foi o desfeite que o Berlusca deu numa jornalista durante uma entrevista. ANTES QUE ALGUM CHATONILDO DE PLANTÃO PARENTE DOS BRASILEIROS CHATINHOS QUE MORAM NA ALEMANHA E SE ACHAM OOOOOS ALEMÃES VENHA ENCHER O MEU SACO: eu NÃO vi a famosa entrevista e só fiquei sabendo o que os telejornais contaram, muito parcialmente, como sempre. Minha opinião é completamente parcial porque eu abomino o Cavaliere, como qualquer outra pessoa de bom senso. O que eu vi na TV foi o careca dizendo pra jornalista “deixa eu falar senão vou embora”, ela meio que interrompendo mas nada de grave porque todo italiano só sabe falar gritando e interrompendo, ele se levantando e dando a mão à jornalista e dizendo a senhora deveria se envergonhar, e depois a frase-chavão de todo político idiota, “a senhora acabou de demonstrar como é uma pessoa da esquerda”.

Conhecendo o seu Berlusca como nós conhecemos, o que eu imagino que aconteceu é o seguinte: ela deve ter feito alguma pergunta cabeluda, e ele, usando a tática milenar dos políticos filhos da puta, retorceu e revirou e respondeu o que ele quis usando estatísticas a seu favor mas que nada tinham a ver com o que tinha sido perguntado. Ela deve ter interrompido pra dizer que não era isso o que ela tinha perguntado, ele fingiu ficar ofendidinho e se mandou, deixando no ar aquela frase feita tipo Grissom. Só pode ter sido isso. Alguém que tenha visto a entrevista sabe me explicar melhor o que aconteceu?

ugh

Então ontem à noite ligamos a TV no Bruno Vespa, aquele nojo, e demos de cara com aquela vaca da Alessandra Mussolini (sim, a neta do Duce), de minissaia e botinha até o joelho, combinando direitinho com o batom rosa-paquita e o cabelo Farrah Fawcett, discutindo acaloradamente com Victoria Luxuria, que obviamente é uma transexual. Com MOOOOOOOITO mais classe que a Mussolini, LÓ-GI-CO. Enquanto a vaca loura falava por cima do que a Luxuria dizia, repetia os mesmos argumentos idiotas de quem não tem argumentos, e ofendia todas as bichas do mundo, fazendo careta de “cruzes, que diabos será isso” quando Luxuria falava em gays, lésbicas e transgender, a Luxuria, de terninho e camisa social branca, cabelos recatadamente presos e maquiagem light, veio documentadíssima. Leu trechos de discurtos demagógicos da Mussolini dizendo, feito o Papa, que amor não tem sexo, que todo mundo sabe dar carinho independentemente da escolha sexual, e todas aquelas coisas que todo mundo diz quando quer se fazer passar por bonzinho. Luxuria deitou e rolou na maior classe, lendo o que a Mussolini tinha escrito pra rebater todos os comentários da vaca loura contra gays etc. Teria sido muito divertido se não se tratasse de um assunto tão sério quanto o casamento gay (assunto sobre o qual não tenho opinião formada, diga-se de passagem e com muita honestidade). Acabei me sentindo envergonhada pela Mussolini, sabe, quando a gente se envergonha pelos outros?, porque, please, uma candidata a qualquer cargo importante NÃO PODE aparecer de minissaia e botinhas e batom rosa-paquita e cabelo Farrah Fawcett na televisão, não podeeeeeeee, e acabei desligando a televisão.

Mas a Victoria Luxuria ganhou de lavada. Até porque a Mussolini, acusada de fascismo, se saiu com essa: meglio fascista che froci, literalmente melhor facista que bicha.

botenses

Duas reportagens interessantes essa semana no telejornal:

A cachorrinha vira-lata que foi salva pelo seu colega sem-teto pastor alemão. Ela caiu num barranco e não conseguia sair; o pastor, que costumava perambular com ela pela cidade, latiu a noite toda e a manhã toda sem parar até que alguém percebeu e chamou os bombeiros. Quando os homens finalmente conseguiram tirar a trêmula cachorrinha bigoduda do barranco e se viraram pra agradecer ao pastor alemão, ele tinha ido embora.

O motorista italiano foi classificado oficialmente como o mais agressivo e mal-educado da Europa. Jura? E por isso mesmo agora vai existir uma punição oficial contra traffic harrassment, digamos assim. Porque outro dia um imbecil fechou outro imbecil no trânsito, o fechado começou a perseguir o fechando, com a mãozinha pra fora fazendo o clássico gesto aôoooooo imbecill’, maccheccazzo fe’?, o fechando se sentiu ameaçado e chamou a polícia e o fechado foi multado. Achei superlegal, mas se os policiais que multam também são italianos e também dirigem assim, será que vai adiantar alguma coisa?