Os dias têm sido ensolarados, de temperaturas quase primaveris. Hoje arrisquei até sair de casa de pulôver de lã mas sem sobretudo, e sobrevivi. Incrível como o meu humor melhora quando vejo a cara do sol. E a paisagem umbra no caminho pro trabalho é tão bonita! Spello é um desbunde, toda feita com a mesma pedra rosa de Assis, mas por ficar bem próxima à estrada tem um impacto particular. O interior do Zaire é uma beleza só :)
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da série a abominável tv italiana
Várias notícias interessantes rolando aqui na Bota.
A Notícia Hedionda da semana passada foi a liberação de uma senhora de 50 anos, com sérios problemas psiquiátricos, que era mantida trancada em um BANHEIRO pela família, que não tinha paciência pra lidar com ela. A coitada da mulher não saía de casa (nem do banheiro) há TRINTA ANOS e tomava banho de bacia na varanda. O cachorro da família podia circular pela casa, ela não. Sinceramente, se é pra ser assim, melhor manter os manicômios abertos. Antes no manicômio com enfermeiros do que em casa sendo tratada como um inseto.
A Notícia Cara-de-Pau da semana foi Berlusconi dizendo que é completamente contra misturar negócios e política. Logo ele, maior empresário do país, dono da maior editora, dos maiores jornais e das três redes de televisão privadas, de lojas de departamento e de bancos. Entre outras coisas. Logo ele, que aparece no lançamento do livro de seu personal puxa-saco Bruno Vespa livro sobre Berlusconi, diga-se de passagem. Berlusca também disse muito tranqüilamente que quase com certeza vai precisar alongar um tiquinho o mandato, pra dar os últimos retoques em algumas leis que ficaram pendentes leis salva-rabo, sem dúvida. Ainda que eu falasse a língua dos anjos, a Itália eu jamais compreenderia.
Mas o melhor mesmo foi o arranca-rabo de domingo na Rai 1. O programa era Domenica In, ou Domenica in Famiglia, um dos dois. É um clássico programa de auditório emburrecedor de multidões, com a participação idiota de cantores e atores idiotas cantando músicas idiotas que já eram idiotas quando foram lançadas, nos anos 70; fala-se superficialmente só de assuntos idiotas e de fofocas idiotas de VIPs idiotas; os figurinos são ridículos, o cenário é de Qual é a Música, e todos gritam sempre. O “programa” é apresentado por uma loura que grita (toda showperson italiana grita SEMPRE), com lábios muito estranhos, cabelos longos lisos e louros que ela joga de um lado pro outro, sempre em camisas com os primeiros botões abertos pra que, com cada involuntária abaixadinha na direção da câmera, seja possível entrever os potentes e cadentes seios da senhora. Pois então, o pega-pra-capar de domingo foi tão grave que fala-se em suspensão da obrigatoriedade de pagar a assinatura da TV e em cancelamento do programa. Lógico que não vai acontecer nem uma coisa nem outra; estamos na Bota, afinal, mas de qualquer maneira isso indica a seriedade da coisa. Os participantes eram dois clássicos arrozes-de-festa que vivem saltando de um programa horrível pra outro, à cata de visibilidade. No lado esquerdo do ringue, Er Mutanda (dialeto romano pra O Cueca), assim chamado porque quando participou do Isola dei Famosi ficava rebolando de cueca em frente às câmeras. É um homem bonito mas claramente decadente e claramente viado, que quer a todo custo provar que é só bonito e não viado, e a cada história de amor com alguém famoso que ele conta na TV é imediatamente desmentido pelo tal alguém famoso, que diz muito seriamente que nem o conhece. Um daqueles personagens que dão pena, sabe. Do lado direito do ringue, um romano grezzo come una scarpa (tosco, tosco, tosco) cujo nome nem me lembro, que também foi ressuscitado por uma edição da Isola dei Famosi depois de anos de anonimato após seu único sucesso musical. Não sei qual foi o motivo da briga e nem me interessa, mas sei que os dois começaram a se atacar verbalmente no programa, AO VIVO, xingando mãe e pai do outro, dizendo barbaridades e palavrões, enfiando o dedo na cara do outro, enquanto Mara Venier, a detestável loura peituda, tentava botar panos quentes na coisa. Vendo trechos da briga no telejornal, eu rolava de rir. Fora a coisa do baixo calão, do baixo nível, da tabajarice, da tristeza que é ter esse tipo de coisa na televisão, é absolutamente hilário ver gente pseudofamosa xingando a mãe do outro com vozes roucas e jugulares pululantes. Como o programa é teoricamente “pra família” e passa no domingo à tarde, tudo foi considerado muito impróprio (eu honestamente acho que já é impróprio o programa normal, sem brigas, de tão idiotizador que é, but that’s just me) e o bafafá foi tão intergaláctico que não se fala de outra coisa. Eu estou rindo até agora.
strange school
Estou cheia de alunos adolescentes. É o final do terceiro quadrimestre na escola (foi assim que me explicaram) e tá todo mundo correndo atrás das notas baixas em inglês. Então chegam todos desesperados, mostrando compiti in classe que devem preparar pra próxima semana (deveres de casa que devem ser corrigidos em aula) e outras coisas que não entendo. O sistema educacional por aqui é incrivelmente confuso. As crianças levam pra casa uma quantidade industrial de dever, e também há um sistema muito complexo de provas orais e escritas, notas pra dever de casa e dever feito durante a aula, redações e diálogos a ser lidos em voz alta. Quanto mais me explicam, menos entendo. Pra mim é bom, porque trabalho não falta, e ainda me divirto com os jovens botenses e seus delírios escolásticos.
Eu só não entendo duas coisas: como eles escrevem mal, vixe!, ninguém sabe pegar na caneta direito e a caligrafia é invariavelmente redondinha, cafona, com L gordas que se confundem com outras letras, As que são bolinhas com um rabinho mal grudado, muitos escrevem em caixa alta; e TODOS escrevem de caneta. Vocês já viram alguém fazer exercício de caneta? Se erra, pra corrigir tem que rabiscar, ou, pior, escrever por cima mesmo e fingir que é compreensível. Um lapisinho básico não, né? Os livros são detonadíssimos; pra mim, que não escrevo nada nunca em livro nenhum, é de cortar o coração ver todos aqueles rabiscos esferográficos cobrindo as páginas dos coitados.
porreeeeeeeeeeeeeee
Então tipo assim, vai ser cagada assim na China. Em 4 anos de Itália ninguém NUNCA, nunquinha me pagou pontualmente. Tem alguma coisa seriamente errada, ou comigo ou com esse país. Estou de saco cheio. CHEIO, CHEIO, CHEIO.
saúde é o que interessa
Uma ex-aluna me deu o tal convite pra fazer um mês grátis na ginástica in que ela freqüenta. O lugar é muito maneiro, tem hidromassagem, piscina, mil aulas malucas com nomes que incluem sempre “body”, “flex”, “tonic”, “pump”, etc, tem ioga, tem Pilates, tem capoeira, tem spinning, tem tudo. Só consegui dar as caras por lá hoje. Quem me levou no “tour” da academia foi uma senhora que esqueceu que é velha (os cartõezinhos que papai idealizou, com a escrita “você está velho(a)”, cairiam muito bem nesse caso) e usa sainha plissada com botinha até o joelho e camiseta com bordadinho em strass. Fez o clássico beicinho de vendedor quando eu disse que o problema era o tempo, falou “aaaah faz um esforcinho, né?”, e me deixou em paz. Fiz meia hora de esteira e meia de Transport, e foi o que deu. Conheci Marco Aurélio, goiano que dá aula lá (nem vou comentar o meu azar na vida e como eu me sinto o cocô do cavalo do bandido quando escuto histórias como a sua), seu amigo goiano cujo nome esqueci, que dá aula de capoeira lá mesmo só tendo feito capoeira 2 anos no Brasil, e vi uma menina idiota que foi minha aluna por duas aulas na fábrica de rolamentos pra aviões onde dou aula, em Foligno. Tomei banho num chuveiro delicioso, mas QUEM FOI O IMBECIL QUE INVENTOU QUE EM BANHEIROS COLETIVOS OS CHUVEIROS NÃO PODEM TER PORTA? Eu não quero ficar pelada na frente de um bando de mulher que eu não conheço, dá licença? ODEIO isso.
Depois falei rapidamente com a “consultora” da academia (leia-se vendedora), maquiadíssima (foi maquiada mesmo correr na esteira depois…), antipática, um verdadeiro nojo, que me mostrou os preços. Aqui o negócio funciona assim: como ginástica é coisa pra poucos, porque italiano que é italiano não se exercita, imagina, suar?, tá louco?, e os poucos que malham o fazem só no inverno (porque no verão vai todo mundo “al mare”, lógico, pra torrar os neurônios), os preços pra quem se matricula por períodos curtos são completamente fora da realidade. Pra quem faz matrícula por um, dois ou até três anos, a coisa já começa a ficar normal 50 euros por mês pra usufruir de tudo o que a estrutura tem a oferecer não é muito, se você tem tempo pra isso mas, e atenção ao mas, tem que pagar tudo de uma vez! Então sai algo em torno de 650 euros por um ano (o ano acadêmico deles, pun intended, tem 13 meses), que eu tenho que pagar em uma porrada só. Ahan. Falei pra garota que estava suuuuuuperintencionada a me matricular, mas que por motivos de horário ainda estou decidindo se consigo ir ou não, e é melhor entrar em contato comigo no final do mês, quando vence o convite. E depois nunca mais vou dar as caras por lá. Eu, hein.
trabalhar e trabalhar
Voltei a dar aula hoje na fábrica de rolamentos pra aviões, a empresa mais sofisticada e mais american-like da província, quiçá do país. Gente muito profissional mesmo, uma empresa que aposta nos funcionários, que dá valor ao que tem. Só não é mais legal trabalhar com eles, ainda que indiretamente, porque, convenhamos, rolamento pra avião não é a coisa mais maneira do mundo. Robertinha tá em Torino trabalhando na Ferrero, e mesmo estando na área de marketing do chá gelado em vez do chocolate, tenho certeza que tudo lá é muito mais interessante.
Os meninos pra quem dou aula vão passar um período nos EUA estudando inglês e depois aperfeiçoando os conhecimentos técnicos na empresa do maior cliente deles. São muito jovens, os três, e muito engraçados. As aulas são superdivertidas. E reconhecem que a situação deles é completamente anormal no atual contexto italiano, onde ninguém mais assina a carteira de ninguém, funcionário nenhum tem direito a porra nenhuma, e não ganha nem meio panetone de Natal. Essa dicotomia profissional lembra muito o esquema Belíndia do Brasil, né? Tô falando que eu tô no interior do Zaire…
como assim, bial?
Eu não tomo chá. Mirco gosta, mas quase não toma. Não é uma tradição italiana. Não existe chá com leite por aqui. Adivinhem o que ganhamos de Natal da mãe do Mirco? Um conjunto de chá com teapot, açucareiro e minileiteirinha.
Tem umas coisas aqui que eu realmente não entendo. Essa incapacidade de olhar pro lado, de questionar, de duvidar, de perguntar, de se interessar, de querer entender. Ano passado conseguimos convencer o condomínio a consertar um treco no telhado que fazia um barulho miserável quando ventava e aqui venta muito. Quando comentamos com os vizinhos do lado, uma família tão boazinha que dá pena, eles disseram: aaaah mas esse barulho nós já ouvimos há uns dez anos! COMO ASSIM? Conviver com um barulho irritante e repetitivo por DEZ ANOS e nem sequer ter a curiosidade de saber de onde ele vem? Quequeísso!
Mesma coisa lá na escola. Tem alguma coisa estranha que apita o dia inteiro. Eu, que passo o dia TODO enfurnada lá dentro, tem dias que quase enlouqueço com o apito. A Simona fica sentada ao lado de uma janela na mesma parede da minha sala, e também ouve o apito. Mas foi preciso que eu dissesse pelamordedeus o que é esse apito maldito alguém conserta essa coisa!!! pra que ela chamasse alguém pra diagnosticar. O eletricista que veio consertar a campainha falecida disse que parece que é la caldaia (o boiler ou coisa que o valha). O que significa que precisa chamar o idraulico (bombeiro). Você chamou o bombeiro? Nem ela. Ficamos o dia todo ouvindo aquele apito enlouquecedor, que infelizmente dá pra escutar até mesmo com o rádio ligado repetindo aquelas mesmas dez músicas o dia inteiro. O papel higiênico dos banheiros acabou há três semanas, e todo mundo continua limpando a bunda com papel absorvente, que aqui se compra em rolos imensos de quatro, cinco quilos e se usa pra limpar tudo dentro de casa. Alguém foi lá comprar? Não. A privada do banheiro do hall de entrada está entupida com o tal papel, que logicamente não desce pela descarga, há igualmente três semanas. A faxineira supermaquiada resolveu o problema? Não.
E olha que eu sou a rainha da empurração de coisas com a barriga, herança paterna, mas haja paciência!
Enquanto isso, a agência que me deu a bolsa de estudos me manda um e-mail dizendo que o governo liberou a verba das bolsas desse ano, e pedindo pra ir ao site da agência pra ver se o meu nome está lá. Quem disse que se acha alguma coisa no site? Quem disse que alguém sabe me informar alguma coisa por telefone?
Enquanto isso, a agência que intermedia projetos de formação de empresas financiados pela Regione Umbria e pela Comunità Europea, que me deve dois terços do curso de inglês que eu fiz na empresa do Chefe Idiota há duas eras glaciais atrás, não responde o telefone, não responde e-mails, o fax não funciona.
Enquanto isso, a escola de Ponte San Giovanni ainda me deve 150 paus de novembro e dezembro. E pelo telefone dizem que eu fui inflexível demais. Hein?
Enquanto isso, Berlusconi paga 1800 euros de multa e assim se salva do pente fino do Fisco. Lei criada por ele mesmo pra salvar o cu dele mesmo, logicamente.
Enquanto isso, hoje um solteirão foi descoberto com o cadáver da mãe escondido no armário há três anos, enquanto ele tranqüilamente recebia a pensão da senhora religiosamente, todo mês.
Enquanto isso, não consigo malhar nem com o convite pra um mês grátis na academia mais in de Foligno, porque os horários são incompatíveis com o meu horário esquizofrênico de trabalho. Ando tão irritada que nem fome tenho e já perdi dois dos mil quilos que devo perder pra não morrer de Depressão de Gordo.
E outra noite sonhei que o Mirco tinha feito um piercing no queixo. Acordei às gargalhadas :)
nada a ver com nada
Estou precisando desesperadamente de um celular novo. Então fui e comprei um casaco.
É que dia 7 começaram oficialmente as liquidações em Perugia (cada província tem a sua data específica, oficial, e ai de quem desrespeitar), e lá fui eu à caça de um casaco verde-musgo que eu já tinha identificado há alguns meses na Sisley. Quando o vi pela primeira vez, fiquei olhando pra cara dele pra não esquecer, decorei o preço (150 euros) e armazenei as informações num canto do céLebro, pra voltar só quando as liquidações começassem. Ontem fez um frio desgraçado, passei a manhã em casa fazendo uma faxina daquelas pesadas como há muito não fazia, descalcarizando a casa toda, levei almoço pros meninos na oficina e assim que as lojas reabriram à tarde, às três e meia, eu já tava dentro da Sisley fuçando entre os casacos. Achei o bendito, e estranhamente achei o meu tamanho também, motivo pelo qual dificilmente consigo aproveitar liquidações. Novo preço: 85 paus. Valeu a espera ou não valeu? Sobrou até pra comprar um cachecol lindo de lã marfim, pra combinar com o gorro de cashmere da mesma cor que o Gianni fez na malharia onde trabalha, e me deu de lembrancinha de Natal.
Como também estava precisando de um par de botas pra alternar com o preto que eu uso direto ultimamente, passei na Bata e trouxe pra casa um lindo par marrom escuro, com estranhos adereços esporas-like com strass que posso tirar se não tiver coragem de usar, de couro da melhor qualidade. A moda esse ano é o estilo eqüestre, que eu acho bem legal mas sendo culotuda e imensa não posso me dar ao luxo: calças de pernas finas ou que terminam logo abaixo dos joelhos enfiadas por dentro de botas de cano altíssimo, com salto e ponta em estilo cowboy. Só que as botas aparecem nos modelos mais improváveis, daqueles feitos com retalhos de couros os mais variados, hediondos, aos com perolinhas, canutilhos e detalhes em prata e/ou oncinha. A gente chora de rir andando pelas ruas de Bastia, eu e Mirco. O que tem de calça jeans enfiada à força dentro das botas, com quilômetros de pregas escapando pelas bordas, não tá no gibi.
Moda aqui é uma coisa muito engraçada. As pessoas parecem todas saídas de uma revista de moda, com tudo sendo usado junto ao mesmo tempo agora. Mas os homens é que são mais engraçados, porque a gente não tá acostumado com macho vaidoso desse jeito no Brasil. Já falei aqui das sobrancelhas feitas dos homens, que me hipnotizam. Tenho um aluno que é a maior figura, e é o protótipo do homem italiano do interior do Zaire, do bastiolo fighettone. Bronzeado (porque acabou de voltar da clássica viagem à Tailândia; daqui a três semanas vai ser porque fez bronzeamento artificial), cabelos pretos como a graúna, sólidas sobrancelhas devidamente feitas, sorriso de vendedor (ele É vendedor), a gola da camisa tão alta e pontuda que se ele virar a cabeça pro lado é capaz de sofrer lesão ocular, sapatos marrons pontudos, celular que além de telefonar tira foto, serve de agenda, corta grama, essas coisas. O menino me ama e me dá aquelas olhadas 43 de conquistador barato que me dão uma vontade de rir desgraçada. E quando conta as barbaridades que manda em inglês por SMS às novas amigas tailandesas, é de matar. Anota todas as frases feitas, todos os chavões, todas as expressões de duplo sentido. Eu passo a aula toda tentando não olhar pra cara dele, pra não cair na risada. Ele deve achar que eu evito porque senão caio em tentação ;) Esclareço que ele não me ama porque sou linda, porque não é o caso, especialmente aqui onde todas são magras, fashion e têm cabelo liso e preto e cortado do mesmo jeito. É que acho que ele nunca conheceu alguém do sexo feminino tão interessante, engraçada e extrovertida (nem vou tocar no assunto modéstia porque vocês sabem o que eu penso a respeito). A cada besteira homérica que os alunos dizem eu finjo que levei uma facada e eles já aprenderam a dizer nomes de possíveis órgãos lesados dependendo da gravidade do que disseram. L’aorta addominale! Polmone destro! La milza, la milza! (o baço, o baço). Eu choro de rir, e eles também. Além do pseudo-gostosão vendedor temos duas clássicas fighettone nativas de Foligno. Meu maior medo é começar a falar como elas, porque pego sotaques muito facilmente. O sotaque de Foligno só não é mais horripilante do que o de Perugia, que bate TO-DOS os records de cafonice. Pena que não dá pra demonstrar isso pra vocês, porque a combinação fashion victim + sotaque cafona é de desopilar qualquer cirrose…
da série vantagens de morar na roça
Fui levar o almoço (uma bacia de fusilli com molho de tomate) dos operários na oficina e, no caminho pra casa, cruzei na estrada com três homens a cavalo, com roupas medievais. Um de óculos, um fumando e um no celular.
tremai
Ontem, voltando tarde do trabalho, vi uma estrela cadente. Primeira vez na minha vida.
E hoje a terra tremeu em Foligno. O primeiro terremotinho da minha vida. Olha que pra marinheira de primeira viagem eu até que me comportei muito bem. Ou seja, continuei fazendo o que eu tava fazendo lendo Bartleby y Compañia enquanto o aluno das 3 não chegava e a única coisa que passou pela minha cabeça foi a seguinte: se eu tiver que sair correndo e só der tempo de levar uma coisa daqui de dentro, vai ser o casaco cinza com gola coreana, que eu AMO e que vai ser útil porque tá frio pra burro lá fora, ou a minha bolsa superdescolada da Uncle K., com todas as minhas coisinhas bubus dentro (leia-se estojo mandado diretamente do Japão pela Hanae, minhas canetas coloridas, o caderninho que a Newlands me deu, a agenda, a carteira nova da Furla, meus óculos escuros queridos, o remédio pra enxaqueca, o propranolol preventivo de enxaqueca que me deixa zonzinha, meu Neutrogena pras mãos, as luvas e o chapéu, o resto de Trident sabor verão tropical, o batom da Natura)?
Foi assim: eu tinha acabado de papar a minha marmitinha (feijão, arroz, franguinho e salada) e de escovar os dentes. Sentei à mesa com o livro e o dicionário de espanhol. Ouvi a porta da frente bater; deve ser a mala da Mirella chegando do almoço. No mesmo momento senti uma tremida, como se eu estivesse em um chalé vagabundo de madeira, que sacoleja todo quando alguém mais desengonçado passeia no andar de cima, sabe? Não, não um tremor, uma sacolejada mesmo. Coisa light. Notei a água mineral balançando dentro da garrafa, mas passou logo. Ficou aquela sensação estranha de “mas foi só isso? Eu, hein” misturada com “ainda bem que foi só isso”. Achei que tinha imaginado tudo, porque não se pareceu muito com os relatos que eu já ouvi (talvez porque a maior parte das histórias que neguinho conta por aqui tenha a ver com terremotos de verdade, e não esse tabajarinha de hoje). Como eu estava sozinha no andar de baixo, minha suspeita só foi confirmada quando ouvi o pessoal lá do andar de cima, da agência de tradução, fazendo um fuzuê só, comentando o ocorrido. Mais tarde, quando meu aluno chegou, perguntei se ele também tinha sentido, e ele fez que sim. Que bom, não estou ficando maluca.
Nem uma taquicardiazinha, nem uma palidez no rosto, nenhuma descarga adrenérgica, nada. Ô propranolol bom da moléstia.
Update: O epicentro do terremoto foi em Spoleto, a mais ou menos a 20 quilômetros de Foligno. 4,2 graus da escala Richter.