pedro, o escamoso

O escândalo da semana é uma enfermeira que matou não sei quantos pacientes com injeção de ar, “pra se sentir importante”. A mulher é deprimida há anos e toma vários psicotrópicos, e a questão agora é quem diabos deixou uma pessoa tão psicologicamente instável trabalhar com pacientes terminais. Claro que a criatura não dava nenhum sinal de instabilidade e por isso ninguém é culpado de não ter percebido; ela que não é boba de preencher formulário pedindo emprego respondendo “sim” a perguntas do tipo “Você é deprimida? Sofre de instabilidade emocional grave? Faz uso de psicotrópicos? Foi você quem fez a sua mala? Já fez parte de grupos terroristas?”.

Toda hora rola uma história estranha desse tipo por aqui. Mãe que mata filho, marido que mata a mulher, neto que mata a avó, primo que mata a namorada, noivos que pulam juntos da janela e morrem abraçados. A criminalidade dita “normal”, aquela que conhecemos bem no Brasil, fica quase sempre por conta dos imigrantes. Os assassinatos entre clãs mafiosos no sul praticamente não são problema de ninguém, só da máfia mesmo, a não ser que você dê muito azar de estar no lugar errado na hora errada, ou então de se parecer com alguém que está com os dias contados. Mas essas maluquices, esses crimes passionais, esses suicídios de adolescentes, são coisas de italiano dramático mesmo. E a mídia adora, e o público adora, e fica remoendo essas histórias hediondas por meses a fio. Ô gente pra gostar de um dramalhão mexicano!

cabeça-de-porco

A escola de línguas onde eu dou aula fica em Ponte San Giovanni, que seria basicamente um subúrbio afastado da parte baixa de Perugia. É uma merda de cidade, feia, nova, sem centro histórico, e principalmente cheia de imigrantes feios, pobres e mal vestidos que não têm grana pra morar em Perugia, que é uma cidade cara, ou em outras cidadezinhas históricas ali em torno (como Bastia, Ospedalicchio, Santo Egidio, que são bonitinhas, tranqüilas e caras – pouco atraentes pro imigrante) e se amontoam em apartamentos pequenos em cidades periféricas como Ponte San Giovanni. O prédio onde fica a escola é um pardieiro. Sabe aquele minhocão sobre o túnel Lagoa-Barra? É mais ou menos aquilo. No térreo há bares, lojas cafonas de roupas pra crianças, lojas de informática, papelarias, barbeiros. O complexo de prédios é imenso, espalhando-se por uma área considerável ao longo da centralíssima via della Scuola, e o número de apartamentos e salas por edifício é imenso. A escola de línguas fica no segundo andar do prédio mais badalado, porque embaixo fica o Roxy bar, ponto de referência básico em Ponte San Giovanni. No mesmo andar há escritórios de engenharia, de sindicatos, de administração de condomínios e de outras coisas estranhas, e muitos apartamentos residenciais. Não havendo espaço dentro pra colocar o varal, no verão a mulherada (marroquina, tunisiana, russa, colombiana, equatoriana, albanesa, romena) bota os varais no corredor externo mesmo, já que o prédio é um quadrado aberto no meio, onde deveria haver um jardim mas só tem mesmo um pedaço de gramado mal tratado e queimado pelo frio, e uns arbustos de plantas vira-latas. A gente sobe as escadas pra, sei lá, entregar um projeto pro engenheiro que aluga a sala onde damos aula e vê aqueles varais cheios de calcinhas coloridas penduradas. Lindo.

Há algumas semanas, quando cheguei pra dar aula de Português pra bichinha simpática (que cada vez fica menos simpática, a meu ver), vi uma motocicleta queimada, ainda fumegante, no corredor que leva a esse pseudojardim interno, por onde eu tenho que passar pra subir as escadas dos fundos. No chão, lajotas explodidas por causa do calor. O teto preto de fuligem até lá atrás, nas escadas. As janelas do bar, ao lado, e de um consultório médico, do outro lado do corredor, todas manchadas de preto. Elena, a secretária do curso, conta que iiiiih, vandalismo ali é coisa do dia-a-dia, volta e meia os Carabinieri tão lá na porta prendendo gente que fez coisa que não devia. Imagino que, à noite, quando os escritórios e lojas sérios fecham, o giro de prostituição e drogas por ali deve ser impressionante.

Não sei por quê, mas de repente me deu vontade de reler O Cortiço.

uhuuu

Tem outra: a grande expectativa do fim de semana é sobre a saída do número 53 na loteria. O diabo do número não sai há um ano e meio e de repente deu esse tremelique no pessoal e todo mundo anda torcendo pro 53 sair. Até eu, que ganho sempre porque não jogo nunca, estou curiosa. Vai sair ou não vai?

news

UPDATE: Condenaram um senador a 7 anos de prisão. A acusação era de conchavo com a máfia (entre outras coisas, com o objetivo de botar o Berlusca no poder. Lalala…), e o Buscetta, lembram dele?, também está metido nessa história.

Aliás, a máfia anda deitando e rolando abaixo da batata da perna da bota. Em Nápolis mataram o irmão de um chefão arrependido que colabora com a Justiça há dez anos e já tinha escapado de n atentados; a família dele já foi toda assassinada. O número de mortos em guerras mafiosas por pontos de tráfico de drogas já deve ter ultrapassado 40, entre Nápolis e Sicília.

enquanto isso, na sala da justiça…

Semana movimentadíssima aqui na bota.

Berlusconi foi absolvido ontem – não tenho palavras, honestamente. Perdeu-se a chance de mostrar que esse é um país decente, onde a Justiça funciona. Mas não. Ficou-se com o gosto amargo na boca de ser governado por um homem que é dono das três redes de TV privadas do país e controla as outras três, que são do governo; que é dono das maiores redes de lojas de departamentos; que tem não sei quantas cadeias de supermercado; que é dono da maior distribuidora de filmes do país; um homem pro qual tinham sido pedidos OITO ANOS de prisão por crimes de corrupção e desvio de dinheiro, mas que foi absolvido do segundo e o primeiro caso prescreveu. COMO ASSIM, PRESCREVEU? Imaginem que lindo seria se ele tivesse sido preso? Imaginem como a Itália passaria a ser vista com outros olhos, como teria virado um país sério?

Nada. O oba-oba continua.

O outro oba-oba da semana foi a greve dos florestais da Calábria. São 11.000. Asseguro-lhes que a Calábria não tem tanta floresta assim a ponto de precisar de 11.000 deles. Acontece que o sul da Itália é muito pobre e carente de empregos. Na Calábria e na Sicília, onde a máfia é particularmente forte e influente, essa distribuição de cargos públicos rola solta. É um instrumento de política social, de conquista de votos e de favores. E agora seu Berlusca, com a desculpa de que é necessário abaixar os custos pra poder reduzir os impostos (é CA-LÁ-RO que nenhum imposto vai ser reduzido, mas enfim), resolveu mandar essa cabeçada coçadora de saco embora. Aí neguinho fica pau da vida e fecha as estradas, principalmente a Salerno – Reggio Calabria, uma artéria viária importantíssima da Itália meridional. Dois dias de greve, tudo parado, brigas, confusão. Não sei como vai acabar essa história. Sei que esse povo tem mais é que ser mandado embora mesmo, mas se não forem criados empregos pra essa gente, o que é que eles vão fazer da vida?

E o último bafafá foi o caso das duas escolas que chegaram a considerar seriamente a hipótese de tirar o presépio e de substituir, em uma musiquinha da peça de Natal, a palavra Gesù (Jesus) por virtù (virtude), em respeito às crianças muçulmanas. Notem que a iniciativa partiu das próprias escolas; a comunidade muçulmana não teve nada a ver com a história. Criou-se uma confusão ao redor disso que demonstra claramente o amor que os italianos têm pelo drama. Tudo é motivo pra virar um dramalhão, é impressionante! E divertido :)

Particularmente a única coisa que eu tenho a dizer sobre o assunto é o que vocês já sabem: ESCOLA NÃO É LUGAR DE RELIGIÃO, NÃO IMPORTA QUAL. O resto está sendo comentado vivamente no blog da Cora.

Tutto il mondo è un paese, e assim é se lhe parece

Saíram ontem os resultados da última grande pesquisa de opinião sobre a Itália, vista pelos próprios italianos. Ouvi os primeiros comentários pelo giornale radio, enquanto dirigia a Ponte San Giovanni pra dar aula. Os números não mentem: a coisa que mais dá medinho aos italianos é o carovita, ou seja, o preço alto das coisas mais básicas, contas, seguros, comida, impostos obrigatórios. A percentual de italianos preocupados com esse negócio é muito inferior à média européia, que tem mais medo do desemprego do que de qualquer outra coisa. Depois vêm, compreensivelmente, a situação econômica do país, a criminalidade, a imigração, os impostos, o terrorismo e as pensões.

Primeiro que é engraçado ver como as preocupações são completamente diferentes das do povo tupiniquim. Mas o mais engraçado mesmo é ver como cada partido puxou a brasa pra sua sardinha, como cada jornal, dependendo da sua posição política, interpretou os resultados de um modo diferente.

Os partidos e jornais da situação apressaram-se em afirmar que, surprise, surprise, a Itália não é pobre, e os de oposição dizem que o italiano tem medo de ficar pobre. O governo insiste que o italiano prefere impostos mais baixos a uma melhoria no welfare (que eles usam assim mesmo, sem traduzir), a oposição menciona a greve geral de segunda-feira.

Mas o mais triste mesmo foi ver os dados sobre o uso da internet e do computador. Três italianos em quatro nunca se conectam à internet; 74% não sabem usar o computador. Coisa que eu já tive oportunidade de confirmar n vezes durante esses 3 anos aqui. Entre a minoria que usa a internet, 60% a usa pra correspondência eletrônica, 34% usa ferramentas de busca, e um terço do total aproveita pra ler notícias online. Pelo que eu ouvi no rádio outro dia, o detalhe interessante é que neguinho lê só e exclusivamente notícias italianas – por falta de interesse sobre o que ocorre fora da bota, e por incapacidade de falar Inglês mesmo.

O Mirco é que tem razão. O Terceiro Mundo é aqui.

L’articolo sul Corriere.

greve macarrônica

Eu até esqueci de comentar, mas segunda-feira passada foi dia de sciopero generale (pron. chópero generale), greve geral, aqui no interior do Butão. Claro que, sendo uma greve geral italiana, não foi exatamente uma greve geral no sentido clássico da expressão, até porque senão não teria sido uma greve italiana, não sei se vocês estão acompanhando o meu raciocínio.

Começamos pela motivação da greve: Berlusconi prometeu abaixar os impostos. Não, vocês não leram errado nem eu estou ficando maluca: Berlusca prometeu ABAIXAR os impostos, e o povo foi pra rua reclamar. Porque obviamente isso é tudo uma palhaçada pra aumentar a popularidade do governo e, por mais que a situação diga e repita que não vai haver nenhuma redução de investimentos nas áreas básicas (saúde, educação etc), só acredita nisso quem ainda espera o coelhinho da Páscoa todo ano. Por favor, né. Se ainda fosse outro falando, mas o Cavaliere Berlusconi! Please. Fora que é ca-la-ro que isso só iria beneficiar quem paga muito imposto, leia-se quem ganha muita grana, porque a ralé mesmo, o peppe popolone (minha versão italiana de zé povão), iria economizar algo em torno dos 30 euros por ano. Faz-me rir.

Mas então. Eu já falei que italiano adora uma greve. Em termos de greve, reclamação, resmungos, os italianos estão ali, cabeça a cabeça com os franceses, juro. Tudo é motivo pra greve. A coisa engraçada (porque a Itália é um pais tão surreal que chega a ser engraçado) é que a greve tem hora certa pra começar e acabar – hora certa que nem sempre é respeitada, obviamente. Cada cidade tem a sua hora certa pra começar e acabar a greve, mas dentro da mesma cidade diferentes categorias têm diferentes horários de greve. Então em Roma os ônibus pararam das dez às duas, digamos; os trens das nove à uma, os bancos só de manhã, os correios quase todos pararam – mas não todos. Em Turim e em Milão os horários já foram diferentes, claro. Os técnicos de rádio e TV aderiram à greve, então os telejornais e os GR (giornale radio) foram ao ar em versão reduzida. Aqui na roça os correios fecharam, porque tudo é motivo pra fechar quando se trata dos correios; dois dos três bancos que eu freqüento pro Mirco tinham colocado avisos na semana anterior dizendo que não asseguravam o funcionamento normal na segunda de manhã, mas ambos abriram normalmente. Vai entender. Algumas lojas fecharam, outras não. Alguns restaurantes fecharam, outros funcionaram normalmente. Os turistas não devem ter entendido nada, tadinhos.

Cada um tem o Caixa-D’água que merece…

Semana passada, depois de dois anos de investigações, finalmente saiu o veredicto do escândalo da Juventus. Não sei quantos casos de doping (com hemopoietina) foram investigados, e adivinha o resultado do julgamento? O médico do time foi considerado culpado e condenado à prisão, mas o cartola foi liberado. Não sabia de nada, coitadinho. O médico teve a idéia sem cabimento de dopar os jogadores e fez tudo sozinho, sem contar pra ninguém.

Aham.

Notícias da Bota

. Essa semana roubaram, provavelmente no sul da Itália, uma Mercedes blindadíssima de 600.000 euros (repito, pro caso de vocês não terem entendido: SEISCENTOS MIL EUROS), do presidente da Mercedes na Itália, se não me engano – perdoem a imprecisão da informação, é que eu fiquei meio atordoada com a imoralidade da existência de um carro com esse valor. O detalhe interessante é que esse carro era considerado inroubável, digamos. Hohoho.

. Finalmente (…) foi aprovada uma lei que permite que as cinzas de entes queridos que foram cremados sejam removidas do cemitério. A cremação ainda é uma coisa estranha por aqui; foi só agora, pela primeira vez, mês passado, que o número de cremações em Milão foi maior do que o número de enterros. Em todo o centro-sul da Itália, só existem outros dois fornos crematórios.

A Igreja, obviamente, é contra a cremação. Branco di bastardi! Cremassero tutti! Vivi, ovviamente.

. Em Bologna, foram registrados oficialmente, com tabelião e tudo, os ingredientes e as medidas exatos das famosas massas bolonhesas. Então: pra dez pessoas, é um quilo de farinha de grão duro, nove ovos, uma pitada de sal e uma colher de sopa de azeite. Uma tagliatella (um talharim) deve ter 8 mm de largura e não sei quantos décimos de milímetro de espessura. O famoso molho à bolognesa tem que ter lombo de porco moído refogado na manteiga, mortadela, presunto cru. O recheio dos tortellini tem que ter carne, noz moscada, ovo e sei lá mais o quê. E os tortellini devem ter um tamanho tal que caibam 11 deles numa colher de sopa. Anotaram tudo? ;)