africanos, javali, Kinder Ovo

Pra compensar o tédio do dia de ontem, a serata foi ligeiramente bizarra, embora tranquila. Lá pras sete e meia da noite, eu batendo papo no ICQ e discutindo a existência ou não de dialetos no Brasil (…) via orkut, o lanterneiro me liga dizendo pra eu descer que íamos comer fora, e traz também um par de meias limpas e um suéter que tá frio. Ele estava voltando de uma das empresas pras quais ele pinta as peças de maquinário industrial, ou seja, estava com o bendito caminhão vermelho – aquele da carona fatídica. Lá fomos nós sacolejando até a oficina. Deixei o menino tomando banho lá mesmo e fui dar uma carona ao Nerone (leia-se Negão), aquele de Costa do Marfim que estava presente no almoço do dia do Trabalho (tudo nos arquivos). Ele mora lá no cu do judas, numa casa de fazenda, digamos, numa propriedade de cultivo de tabaco. Até chegar lá, ainda mais porque chovia horrores e não dava pra ir a mais de 70, falamos novamente de todas as frutas boas que nós tropicais temos e aqui não rolam. Ele esteve de volta ao seu país mês passado porque sua mãe morreu, e quando alguém morre fazem festa e coisa e tal. Ele disse que tirou a barriga da miséria em termos de banana, manga, mamão, abacate, maracujá, “abacaxi de verdade, não esse em lata que tem aqui”. Aí eu, inocente e curiosa que sou, caí na asneira de perguntar qual era a religião oficial de Costa do Marfim. Pronto. Ele desandou a falar de tudo que é religião pela qual já passou, e à medida em que se empolgava com o assunto ia caindo no Francês, de modo que no final das contas ele queria porque queria que eu conhecesse a sua igreja evangélique, porque a catolique não tava com nada e coisa e tal, a evangélique resolvia completement toute os seus problemas, curava todas as maladie, e por aí vai. Dispensei-o correndo antes que o ataque de riso viesse e voltei pra oficina. Mirco sai cheiroso e barbado do portão e lá vamos nós a Petrignano.

De todas as sagras que rolam aqui no período de maio até setembro, a minha preferida, pelo menos em termos de menu, é de longe a sagra do javali de Petrignano. Ano passado também fomos e comemos muito bem. Esse ano não foi diferente. Mas vejam a organização italiana a que ponto chega: quando saí de casa chovia forte, mas pensei, não vou levar guarda-chuva porque com certeza o pátio onde fica a caixa vai virar estacionamento, pertinho da entrada do galpão, e não vamos precisar caminhar na chuva. Com certeza vão transferir a caixa pra dentro do galpão, pra neguinho não precisar pegar chuva enquanto faz fila pra pagar.

Apesar de só ter 3 pessoas na nossa frente, sabe como é, neguinho aqui não sabe fazer fila e ponto final. Bastaria ditar o seu pedido, é tão simples: due pappardelle al cinghiale, una torta con salsiccia e verdura, un’acqua minerale naturale e una birra media. Mas nãaaao, jacaré, nada é simples aqui no interior do Haiti. A loura gorda com um guarda-chuva imenso ficou horas parada em frente ao caixa, pensando, contando nos dedos quantos membros da família estavam presentes, berrando pros filhos, parados dentros do galpão pra se proteger da chuva, quem queria torta con Nutella, se a cerveja do marido era grande ou média. E nós, pobres-coitados, em pé na chuva, protegidos apenas por uma jaqueta jeans apoiada sobre nossas cabeças. Junte-se a isso a lerdeza incompetente e caipira do careca da caixa, e vocês têm uma idéia do tempo que levamos pra conseguir fazer o pedido.

Pelo menos a comida chegou rápido, porque tinha pouca gente. E é aqui que eu queria chegar. ALGUÉM POR FAVOR VENHA ME VISITAR! Eu PRECISO compartilhar pappardelle al cinghiale com alguém. Preciso! Eu teria comido, fácil fácil, três pratos de macarrão. Juro. O molho delicioso, consistência perfeita, levemente picante, a massa perfeitamente al dente, aaaaaah!!! Da próxima vez vou pedir uma torta sem recheio pra poder passar no molho e não deixar nada no prato. Manjar dos deuses.

Depois deu vontade de tomar sorvete e fomos até S. Maria, à Gelateria Vecchia – a melhor da cidade. Em vez do clássico chocolate, avelã e flocos/nozes/Kinder/Nutella que eu sempre tomo, pedi Kinder, chocolate e avelã ;) Aqui eles têm mania de misturar sabores, ninguém toma sorvete de um gosto só. Mirco foi de panino (leia-se sanduíche), que nada mais é do que um enorme brioche recheado com três gigantescas bolas de sorvete (Kinder, frutti di bosco e fiordilatte). Voltamos pra casa sem nem parar pra visitar o Leguinho, que inevitavelmente nos teria sujado inteiros de lama. Adormecemos com a TV ligada.

Hoje acordamos às seis da manhã, porque estão impermeabilizando o teto do miniprédio em construção aqui em frente, e fazem um barulho danado. Uma neblina lá fora que parece até que é novembro.

Depois do almoço vou a S. Maria pegar as placas do scooter e pagar o seguro. Assim que o tempo melhorar vou dar umas voltas e depois faço o relatório ;)

Bananão

Tá rolando uma propaganda no rádio que me faz rolar de rir.

O produto é um suco de frutas tropicais/exóticas que se chama, vejam quanta originalidade, Brazil. Eu adoro suco de frutas e aqui, na falta de uma boa loja de sucos na esquina, neguinho se arranja com sucos de caixinha mesmo. Os sabores são os mais variados, e na maioria das vezes são bem gostosos. Esses tropicais normalmente têm tanta fruta misturada que não dá pra sentir o gosto de nada direito – é o caso desse Brazil, que eu já experimentei e não entendi bem o que tinha lá dentro. Deve ter umas dezoito frutas juntas, o sabor fica confuso, o céLebro não entende direito o que está rolando. Mas enfim, só de ver uma foto de um maracujá na embalagem eu já fico feliz.

A propaganda do rádio é assim: um homem, supostamente brasileiro, desfia um rosário de nomes de frutas.

– Ah, bananao, papaiao, ananasao (eles não conhecem abacaxi, só ananás), maracujá, laranjao…

(os italianos acham que todas as palavras em espanhol terminam com S e todas as palavras em português terminam com ão. Como eles não conseguem fazer o ão anasalado, deixei a fala do homem sem til mesmo, como eles pronunciam aqui)

Um outro, supostamente amigo desse brasileiro, diz, em italiano:

– Tá, já entendi, é o suco do seu paisao!

Eu sei que parece bobo, mas é muito engraçado. Bananão é MUITO engraçado.

nome e cognome

O assunto da semana aqui em Tonga é a talvez futura possibilidade da mãe poder passar o sobrenome aos filhos. Pois é, vejam que país avançadão que eu fui escolher pra morar. Aqui só o sobrenome dos pais passa adiante. Todo mundo é filho de pai solteiro hohoho Não, sério, sempre achei muito esquisita essa história, pra não falar de discriminatória. Catálogo telefônico é um outro mundo aqui. Adoro catálogos telefônicos, me divirto horrores não só com os sobrenomes bizarros, mas também com as relações familiares facilmente detectáveis, principalmente aqui, nas cidades pequenas.

Por exemplo: se eu procuro uma Tizia Rossi (traduzindo literalmente, Fulana da Silva) no Comune di Assisi, só vou achar o nome dela se ela morar sozinha, coisa pouco provável. Normalmente telefone, como todas os outros bens, ficam no nome do marido. Nesse caso é mais fácil perguntar a alguém do lugar com quem ela é casada, e procurar pelo sobrenome do marido. Ou então procurar outro Rossi que more na mesma rua. Muito provavelmente vai ser o pai ou um irmão, já que familiares tendem a arrumar casa pra morar na mesma rua do resto da família, e de preferência no mesmo terreno. É incrivelmente comum por aqui um filho construir um andar a mais na casa dos pais pra ir morar depois que casar. Ou então construir outra casa no mesmo terreno. Ou construir casas chamadas “plurifamiliari”, ou seja, que abrigam várias famílias – como se fosse um edifício de apartamentos de dimensões reduzidas, com no máximo quatro famílias. Dá pros pais, pros dois filhos depois que casarem, e pra família de um dos irmãos dos pais.

Mas então, o assunto da semana é o projeto de lei, ainda não aprovado, que fala da possibilidade da mãe poder, finalmente, passar seu sobrenome aos filhos. Os debates são animadíssimos, o que me faz dar altas gargalhadas. A vida aqui na Itália meio que se resume à frase rir pra não chorar. Acho tristíssimo que um país relativamente desenvolvido tenha chegado aos anos 2000 com essa discriminação ridícula, não importa a antiguidade desse costume. Os tempos mudam e o fato de que eles levem taaaaanto tempo pra assimilar novos costumes, mesmo que melhores do que os velhos costumes, às vezes me entristece, às vezes me diverte. Acho engraçadíssimo é que todo mundo esteja levando tão a sério a coisa da tradição, dos hábitos milenares, etcetera e tal. Eu sou a primeira a levantar o bracinho quando perguntam, tradição é uma coisa legal? Eu acho superlegal, acho que tem mais é que preservar mesmo, mas, por favor, né, só quando tem sentido. Tem sentido um sobrenome desaparecer se todas as filhas de uma geração forem mulheres? É o caso da Martinha, por exemplo, que trabalhou comigo no escritório do Chefe Idiota, lembram? Ela e a irmã são as únicas filhas dos pais delas. Quando casarem, os filhos delas terão só os sobrenomes dos maridos delas. O pai delas é filho único. Ou seja, o sobrenome delas vai deixar de existir. Não é só ridículo, é uma falta de respeito também. Pô, a mulher tem metade da culpa da criança existir, aturou aquela barriga por nove meses, pariu – pariu, gente, parto não é uma coisinha à toa não, né – e não tem direito a pôr a assinatura dela na obra-prima? Poupem-me.

Quero só ver quanto tempo vão levar pra aprovar essa lei.

eles estão chegando

Desconheço as razões, mas nesse verão, além da já clássica invasão da Itália por parte de sandalhudos turistas alemães, estamos assistindo à chegada de uma verdadeira horda de holandeses. Passeando pelas ruas de Santa Maria eu quase quase penso que estou em Rotterdam, pela quantidade de carros com placa NL que se vêem. Tal onda migratória de veraneio só pode ser comparada às multidões de italianos que todo ano invadem a Espanha ou os resorts de Sharm-el-Sheik, no Egito.

Nada contra, muito pelo contrário. Os holandeses são simpaticíssimos, ao contrário dos alemães e, igualmente ao contrario dos alemães, falam Inglês muito bem, obrigada. São menos zuras também, gastam mais nas lojas. Nós amamos os holandeses.

roça

Aliás, falando em colheita… Como os tratores atrapalham o trânsito, putz!!! Da nossa casa até Torgiano, onde fica a oficina, não tem como ir pela superstrada. Torgiano é meio escondida e não tem jeito, precisa pegar a estrada de mão dupla que atravessa campos e mais campos. Já está terminando a época da colheita do trigo e a maioria dos campos já está carequinha, com aqueles rolos enooooormes de capim/feno espalhados, sabe aqueles clássicos, que se vêem em tudo que é cartão-postal da Toscana? As máquinas que colhem trigo são uns verdadeiros tanques de guerra. Monstros blindados, os mais novos invariavelmente pintados de verde-pistache, altíssimos, com cabine climatizada pros camponeses não assarem lá dentro no verão, cada pneu gigantesco, comendo trigo de um lado e cuspindo caules dourados do outro. É bonito de se ver. Mas dirigir atrás de um desses em estrada estreita onde não dá pra ultrapassar é um PORREEEEE. Queria ter tirado umas fotos hoje, mas o tempo tava uma porcaria. Chegou até a nevar no norte do país, é mole? Non si capisce più un cazzo…

E a epopéia da carteira de motorista continua…

Hoje saí de casa mais cedo ainda, e cheguei à Motorizzazione às sete e cinco, mais ou menos. Sete carros na minha frente, todos de auto-escolas (depois fiquei sabendo que o primeiro da fila chegou à meia-noite). Fiquei sentadinha ouvindo rádio dentro do carro, até que alguém começou a clássica distribuição de papeizinhos numerados. Saí do carro e, embora não estivesse muito a fim de papear, acabei fazendo vários amigos entre os veteranos de auto-escola que frequentam há anos os modorrentos escritórios da Motorizzazione. Um deles, Giancarlo, que conhecia (e sacaneava) todo mundo, resolveu ficar meu amigo e não parou de contar piada e fofocar no meu ouvido a manhã inteira.

De repente vemos um carrinho azul-metálico passar direto por todos nós na fila e parar em frente ao portão. Mais tarde, depois de abertos os portões do estacionamento, vimos que o motorista do tal carrinho era um velhinho sem pescoço, com carinha de tartaruga, enfiado numa camisa pólo verde-musgo – mais jabuti, impossível. Pois não é que o jabuti se meteu na frente de todo mundo na maior cara-de-pau? Eu cutucando o ombro dele, outros dois puxando-o pelos braços, o senhor é aposentado, tem tempo pra perder na fila, chega depois de todo mundo e quer passar na frente? Tá doido? O velhinho esperneava, se irritava, discutia, eu puta da vida, até que alguém viu que o documento que ele tinha na mão, e que segundo ele só precisava de um carimbo, não poderia ser carimbado porque faltava um bollo (aqui tudo funciona à base do bollo, que nada mais é do que um selo, que pode ter valores diferentes, que eu acho que substitui, até um certo ponto, o pagamento de taxas. Qualquer tabaccheria vende bollo, então você não tem que ficar na fila do banco pra pagar um imposto e depois ainda perder tempo levando comprovante pra lá e pra cá: basta colar o bollo no documento e pronto). Quando a mulherzinha do balcão foi explicar isso pro jabuti, caiu um silêncio sepulcral na sala: todo mundo querendo ouvir o jabuti se foder e voltar pra casa de mãos abanando. E quando ele foi embora ainda teve direito a vaias. Dei muita risada, e felizmente consegui resolver o que eu tinha que resolver. Agora só tenho que esperar um mês pra pegar o maldito foglio rosa, o que significa o final do mês de agosto, já que na semana de Ferragosto (dia 15) os escritórios públicos (e o resto do país inteiro também) não funcionam.

patente italiana, capitolo secondo

Mais legal ainda é que isso tudo foi depois do Capítulo II da Epopéia da Carteira de Motorista Italiana (o Capítulo I foi aquele exame de 15 segundos, na terça-feira). O lance é o seguinte: na terça, na auto-escola, a secretária me deu um formulário pra preencher e completar com duas fotos 3×4 em fundo claro (eu só tinha com fundo escuro e tive que refazer as fotos) e três bollettini, que seriam três carnês de 10,33 € pra pagar – seria algo equivalente ao DUDA, acho. E com tudo isso na mão, mais duas fotocópias do certificado médico, do permesso di soggiorno e da carteira de identidade, eu tinha que ir à Motorizzazione di Perugia – o DETRAN deles. Os horários, como sempre, são ótimos: segundas, quartas e sextas, das 8:30 às 12:00 (abre bem na hora do rush, quando o trânsito pra Perugia fica impraticável) e das 15:00 às 18:30 (fecha bem na hora do rush, quando o trânsito vindo de Perugia fica impraticável), sendo que às sextas só abrem de manhã. Não deu pra ir na quarta, então ficou pra hoje. Já tendo sido avisada da bagunça que é aquilo lá, saí de casa às sete da manhã, pra evitar o trânsito maldito e chegar cedo. Cheguei às sete e vinte, e já havia 9 pessoas na minha frente, sendo que quatro eram auto-escolas, ou seja, com um MONTE de pedidos pra entregar, e uma dessas era uma senhora de maquiagem absurda que tinha chegado às quatro da manhã. E já tinha um antes dela.

A entrada pra Motorizzazione é uma ladeira que faz uma longa curva à direita e termina nos largos portões do departamento. Os carros fazem fila encostados na pista da direita, mas quando a fila chega lá na rua o pessoal, obviamente, não tem mais onde ficar esperando sem atrapalhar o trânsito, e acaba indo lá pra frente, pra perto do portão. Quando eu cheguei não entendi a fila de carros, porque vi os carros das auto-escolas e tive, juro, a vã esperança de que houvesse uma fila pra elas e uma pra nós, particulares. Passei direto pela fila de carros e parei em frente ao portão, onde todos aqueles motoristas estavam em pé, conversando. Perguntei como funcionava a fila, eles disseram que infelizmente não tinha essa de uma fila pra cada tipo de cliente, e que era melhor eu pegar um número, que um senhor baixinho (o terceiro a chegar) de óculos escrevia num bloquinho de comandas e distribuía informalmente aos que chegavam, e voltar correndo pra fila de carros pra não perder o lugar. O tempo foi passando e fui vendo mais e mais carros passando por mim e parando lá na frente, no portão. Às oito e dez abriram os portões do estacionamento, e todo mundo que estava parado em pé batendo papo saiu CORRENDOOOO, correndo mesmo, pros carros pra levá-los ao estacionamento, descer correndo do carro e se aglomerar na porta ainda fechada do departamento, no tradicional coágulo humano não-fila que os italianos são craques em fazer.

Aí começou a bagunça, porque um barrigudo arrogante que tinha acabado de chegar tava plantado logo na cara da porta. Todo mundo que tinha seu papelzinho não-oficial na mão e tinha chegado super cedo obviamente reclamou, e a discussão tava formada. Porque um sistema de fila deve existir pra todo mundo, e não só pros 15 primeiros que chegam! Porque organizar a fila é dever da Motorizzazione e não dos clientes! Sim, mas já que eles não fazem nada, os clientes pelo menos tentam organizar! Eu dei meu pitaco dizendo que em tudo que é lugar civilizado do mundo, quando a fila é uma bagunça as pessoas educadas simplesmente perguntam quem foi o último a chegar, e se enfiam depois dela. O povo continou discutindo, brigando, gesticulando, todo mundo se espremendo em frente à porta com medo do vizinho passar à frente, uma coisa horrorosa. Pelo menos o tempo tava fechado e soprava uma brisa fresca, senão os ânimos teriam esquentado ainda mais.

Às oito e meia em ponto uma funcionária vem em ritmo de cágado abrir as portas. O pessoal cai dentro como torcedores no Maracanã, só faltava gritar êeeeeeeeeeeeeeeeeeeee u-tererê uhuuuuuuuuuuu!. Fila? Nem pensar. Consegui chegar perto da ÚNICAAAAAAA FUNCIONÁRIAAAAAAAAAAAA no balcão, mas quando vi que vários dos senhores que tinham chegado antes de mim estavam logo atrás, deixei passar todos e só depois do nono barrigudo entreguei meus documentos. Era a chamada richiesta del foglio rosa, ou pedido do papel rosa, que de rosa só tem um retângulo na parte de cima, e que permite ao portador de dirigir na presença de alguém que tenha carteira há mais de dez anos. E depois de um mês e um dia (DON’T ASK) com esse papel na mão você pode entrar com o pedido dos exames teórico e prático. Normalmente eles levam dez dias pra te dar o papel rosa, depois da entrega do pedido. Mas durante a longa permanência na fila fiquei sabendo que atualmente o período de espera é de quarenta dias. Tudo bem, minha carteira internacional vale até setembro, pra mim o foglio rosa não faz a menor diferença, é simplesmente a primeira fase da obtenção da carteira. Pacientemente e com um sorriso esperançoso esperei a mulherzinha examinar minha papelada. A mulherzinha ajeita os óculos na ponta do nariz, ajeita o vestido de velha, ajeita os cabelos repicados anos 80 totalmente nada a ver, e sentencia:

– Tá errado aqui, senhora.
– Como, tá errado? O quê que tá faltando? Foi a auto-escola quem me deu os papéis.
– Deram-lhe os bollettini errados. Eram dois com a tarja verde e um com a tarja azul, lhe deram dois azuis e um verde.
– E agora?
– E agora precisa pagar de novo.

E me deu um maldito bollettino com tarja verde pra eu pagar. De novo.

Eu quero que alguém, qualquer um, alguém, por favor, me dê uma explicação razoável pra existência de uma diferença substancial entre uma tarja verde e uma tarja azul. Alguém? Não. C.Q.D.

A essa altura já eram dez da manhã e saí desembestada à procura de uma agência dos correios pra pagar o maldito bollettino. Levei horas pra achar uma, porque o trânsito em Perugia é uma coisa louca, não tem sentido nenhum, e se você erra uma esquina leva três horas pra voltar pro ponto de onde saiu, tendo que dar mil voltas por causa das inúmeras Z.T.L. (zone traffico limitato) e ladeiras de mão única. Quando finalmente achei a agência, havia 7 pessoas na minha frente. Paguei o bollettino e fui a uma papelaria em frente fotocopiar o recibo, que eu não sou boba e bem vou lá reclamar na auto-escola por me terem feito pagar 10,33 € duas vezes. Voltei pra Motorizzazione e a fila chegava lá fora. Entrei na cara-de-pau mesmo, achando que a mulherzinha do balcão ia me fazer passar direto, já que eu tava lá desde cedo e não foi por culpa minha que eu tive que ir embora e dar lugar ao número 11 (que era uma família de Gubbio, bem longe daqui, que acompanhava o filho adolescente pra pegar o patentino, a carteirinha de motorista pras lambretas que agora é obrigatória). Que nada. Logo me enxotaram, dizendo que eu tava furando fila, que eu era desonesta, que era mentirosa porque não estava lá desde cedo coisa nenhuma. Fui embora chorando de ódio, antes que alguém viesse dizer que eu era mal-educada por ser estrangeira. Porque aí eu matava alguém. Juro.

É nesses momentos que eu entendo gente que entra no McDonald’s metralhando todo mundo. Bem momento Dia de Fúria. Faz sentido.

tem quem ganha, tem quem perde…

Ontem rolou o primeiro Palio di Siena (o outro é em agosto). Eu estive lá em 2002 e expliquei como funciona; quem quiser vai lá dar uma zoiada que eu tô com preguiça de explicar tudo de novo. Foi transmitido pela TV, como sempre, mas eu não vi. Ouvi no rádio que ganhou a Girafa, contra todas as expectativas, já que a favorita era a Torre.

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Falando em ganhar e perder: nas últimas eleições (segundo turno) de semana passada, a esquerda papou um monte de cidades que “pertenciam” ao governo. A besta-mor do Berlusconi veio logo todo pimpão, pra disfarçar a cara de tacho, dizendo que isso não faz a menor diferença, que o governo vai continuar governando do mesmo jeito. Parece óbvio, mas aqui não é: meses atrás o governo Berlusca comemorou 4 anos de mandato (são seis), batendo o recorde de permanência no cargo. Quando vi essa matéria na televisão lembrei de um dos nossos professores de italiano no Rio, que dizia que toda hora tinha eleição na Itália porque toda hora um governo caía e ninguém terminava o mandato, e eu achei incrivelmente surreal. Agora a oposição, se achando a rainha da cocada depois dessa grande vitória nas urnas por todo o país, já anda pedindo pro governo renunciar. Quem dera.