nhoque

Ontem fomos jantar na Sagra degli Gnocchi em um subúrbio de Perugia. Ano passado também fomos, mas não lembro o menu. Esse ano tinha, novamente, muita gente. O sistema deles é diferente do clássico esquema das sagras: você vai numa casinha chamada Segreteria (secreteria, mas me digam o que esse nome tem a ver com a sua real função) e pega um menu como esse abaixo, que tem um número pré-impresso na capa. Como sempre, marca-se a quantidade desejada ao lado do nome do prato disponível e depois vai-se a outra casinha onde meninas bonitinhas estão sentadas ao computador pra inserir os pedidos. Pendurado no teto da casinha, um mostrador digital diz em que número a fila está. Quando chega a sua vez basta ditar o pedido, dar um nome (o nome-código do Mirco nessas sagras virou Gino), pagar e ir procurar lugar numa mesa. Logo logo um dos velhinhos encarregados de pegar os pedidos vê você sentado lá sem nada na tua frente, à mesa, e vem pegar uma cópia do pedido (te dão duas cópias quando você vai pagar). Crianças e adolescentes da comunidade são encarregados de botar a mesa, e o fazem com muita dedicação e seriedade, é muito engraçado. Mesa posta, logo chega o jantar.

Tinha música programada praquela noite, mas o Perugia tava jogando contra o Fiorentina na disputa por uma vaga na série A. Perdeu. Antes ele do que eu.

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Chegando em casa, em menos de 5 minutos o Mirco já tinha ativado o seu Super Roncator Plus Tabajara, e eu fiquei vendo Portugal x Rússia. Peguei-me torcendo pelos portugueses. Tenho que admitir que ultimamente venho me interessando mais por Portugal, e não é só porque meu pai tá morando lá. Sempre tive um grande desdém por Portugal, por vários motivos. Primeiro pela inércia de um país que já fez grandes coisas e hoje não produz mais nada de interessante. Aqui na Itália ninguém nem sabe que Portugal existe, o que tem pra se ver lá, que tipo de vida eles levam, o que eles comem. Durante a nossa viagem pela Itália, eu e Valéria não encontramos NENHUM português. E o meu desprezo por gente que não viaja só não é maior do que o que eu sinto pelas religiões em geral. E olhem, vejam só, Portugal é super católico (muito mais do que a Itália, tenho certeza, porque a Itália é falsa católica).

A família da minha mãe é portuguesa, eles têm vários amigos portugueses, e cresci observando, porque sou observadoríssima, e discordando plenamente, do modo de pensar e viver deles. O exagerado valor dado ao trabalho, a incapacidade de se divertir, a necessidade de sofrer pra dar valor às coisas boas, tudo isso me dá uma irritação impressionante. E não vou falar da famosa burrice, porque generalizar é feio, embora eu conheça de perto alguns exemplos que corroboram perfeitamente essa teoria. Hoje creio que eles sejam simplesmente muito infantis, bobinhos – o que não se pode chamar de burrice, acho.

A verdade é que só não fui a Portugal ainda porque as companhias low-fare não vão a Portugal, e, quando vão, só a Faro, que fica longe da casa do meu pai, e ainda por cima com a Ryan eu teria que sair daqui de Roma, ir a Londres, dali a Dublin, pra só depois chegar em Faro. Nem fo*endo. Mas tenho vontade. Tenho lido coisas interessantes sobre Portugal na internet, visto belas fotos, e fiquei feliz desse campeonato europeu estar sendo realizado lá. Quem sabe assim o país não acorda pra vida – e consequentemente o mundo não percebe que Portugal existe de verdade e vale a pena conhecer…

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Ah, nem comentei porque me pareceu irrelevante: nada de Rio em julho ou agosto. Passagens completamente esgotadas, ou então com preços desumanos.

votando

Pois então, fim de semana passado rolaram as famigeradas eleições pro Parlamento Europeu. Como todo mundo já tá careca de saber, não existe uma “consciência européia”. Cada um quer resolver os problemas do seu próprio país – coisa muito normal, aliás, principalmente quando pensamos que a Comunidade Européia é formada por gente muito, mas muito diferente, em todos os sentidos. Difícil chegar a um denominador comum. E basta dizer que quase ninguém foi votar. Em países como a Polônia e as nações Bálticas, que acabaram de entrar na CE, só uns 20% do povo foi às urnas.

Mas aí. Como tudo aqui na Itália, o sistema eleitoral deles também é muito confuso. As eleições pro Parlamento Europeu coincidiram com eleições locais em algumas cidades e regiões (tipo a Sardegna, que tem um regulamento diferente em relação ao resto do país por ser desavantajada, em muitos sentidos. Essa palavra desavantajada existe? Estou confundindo tudo com o italiano.). Em Bastia teve eleição pra sindaco (prefeito), mas em outras localidades não. Não entendi o padrão, se é que existe; não tenho a menor idéia de por que uns votam agora e outros não. Só sei que o voto ainda é no esqueminha ridículo de marcar xizinho na cédula de papel (que, aliás, é colorido, dependendo da região).

A Umbria é considerada uma região “vermelha”, e esse ano a surpresa ficou por conta de várias cidades tradicionalmente mais moderadas mas que dessa vez votaram em massa nos partidos de esquerda, acompanhando a tendência regional. Honestamente política não é um assunto que me interessa, ainda mais aqui, num país governado por um homem ridículo, baixinho, que fala tudo errado (lembram da história do Romulo e Remulo? Socorro!) e que comanda TODOS os canais de TV. Como eu digo sempre, a Itália é um país divertido, porque é um verdadeiro teatro do absurdo, e nada mais me surpreende aqui. Acompanhei muito pouco a propaganda eleitoral, que aqui felizmente não interrompe a programação normal e se limita a entrevistas e debates, sempre divertidíssimos, com gente falando tudo ao mesmo tempo, gesticulando, com jugulares pulando. Uma vez, depois do jantar, deixamos a TV num canal onde estavam rolando entrevistas com candidatos. Aparece um senhor grisalho de oclinhos e jeito enfezado abanando o fura-bolo no ar: era o Advogado Esqueci o Sobrenome Dele (aqui se usa muito o título de estudo da criatura, ao dirigir-se a ela, principalmente se for Avvocato ou Ingegnere), da Lista Consumatori, ou Partido dos Consumidores. Naquela enfezação toda e sempre usando linguagem muito coloquial, falou mal de tudo e todos, e reclamou de todas as coisas que também nos irritam aqui, sendo que o exemplo que eu lembro agora é o do raio do canone, ou assinatura, da TV. O que ele disse foi o que eu sempre pensei: se a qualidade dos programas da RAI chegasse pelo menos no dedão do pé dos da BBC, e se não houvesse propaganda, tenho certeza que ninguém reclamaria de pagar o canone – que custa a bagatela de quase 100 euros por ano. Mas pagar pra ver porcaria, intercalada com intervalos comerciais de até 5 minutos, é coisa de doido! Mas a parte mais engraçada foi quando ele tirou do bolso uma caixinha de jóias, daquelas clássicas de anel de noivado. “Fui à joalheria… comprar umas cerejas!” Ele abre a caixinha e estão lá duas cerejas de verdade. Demos tanta risada que ficamos sem ar. É que as cerejas esse ano custam os olhos da cara, chegando até a 14 €/kg, porque choveu muito, o frio se prolongou demais, caiu geada, e a cereja é uma fruta muito da fresca que se esburaca por qualquer coisinha. A produção caiu pra burro, em algumas regiões em até 70%, e a bichinha ficou cara mesmo, com preço de jóia. Mas que a cena foi engraçada, foi.

Sei que o Berlusconi ficou com cara de tacho porque a sua nojentíssima extrema-direita perdeu o trono em muitas localidades. Tenho escutado muito rádio, a estação da RAI, que transmite notícias, entrevistas, etc, e nada de música italiana horrorosa. Fala-se de tudo, de economia à guerra no Iraque, de problemas de saúde com médicos especialistas ao vivo no ar a erros de gramática ou conteúdo encontrados em livros, jornais, cartazes, placas estradais, etc. Aprendo horrores e ainda por cima me divirto porque o pessoal liga de casa pra dar o seu pitaco e a quantidade de imbecilidades disparada por minuto é impressionante. Mas tem-se falado muito dessas eleições e da situação da Europa como um todo e, claro, muito sobre a economia italiana. Muita gente contradizendo no ar o seu Berlusca, que de vez em quando dá o ar da graça e vai pro ar pra falar as suas besteiras mentirosas. Outro dia peguei o Berlusconi dizendo que iria baixar os impostos (é a mais nova promessa ridícula da direita) AINDA MAIS do que já tiham baixado. Liga um senhor e começa, ma Signor Presidente del Consiglio, MAS ONDE FOI QUE BAIXARAM ESSES IMPOSTOS, que eu não vi? Eu pago sempre mais impostos, todo ano! Se o senhor quiser lhe mostro a minha papelada! Nunca paguei taxas tão altas na minha vida, e as pensões nunca foram tão baixas!

Infelizmente tive que desligar e sair do carro bem na hora mais emocionante da discussão, porque tava atrasada pro trabalho.

Os cubanos (…) é que têm razão: homem que trabalha perde tempo precioso. Trabalhar só atrapalha a vida da gente.

ui

Sábado aproveitei a tarde de sol pra dar banho nos cachorros. O primeiro seria o Legolas, assanhadíssimo com a bolinha nova que minha mãe tinha mandado pela Marcia e eu sempre esquecia de levar pra ele. Normalmente ele vem quando eu chamo e fica quietinho enquanto eu o lavo, com aquela cara de sofredor resignado, mas dessa vez ele só queria brincar com o raio da bola e não parou quieto um segundo. Terminado o banho, fui pro campo jogar a bolinha pra ele correr e secar. Ele insistia em ficar passeando no meio do mato, pulando feito um cabrito pra lá e pra cá. Quando me abaixei pra pegar a bolinha (coisa que eu normalmente evito de fazer porque conheço bem o meu cachorro; me abaixo pouco e mantenho o rosto levantado, pra poder saber onde o Legolas está. Técnica aprendida depois de várias cabeçadas no queixo), que eu não conseguia ver exatamente por estar no meio do mato, ele levantou de repente e deu um pulo, pronto pra sair correndo e pegar a bolinha que eu ainda nem tinha jogado. Ô cachorro bobo! E foi nesse pulo que ele me deu a cabeçada. Imaginem um cachorro cabeça-dura, de mais ou menos 40 quilos, batendo com a cabeça no seu zigomático direito. Sacaram? Vi estrelinhas e fiquei parada rodando no meio do campo feito uma bêbada até alguém perceber que não, eu não estava mais brincando com o Leguinho, que a essa altura já tinha largado a bola e tava roendo um galho, amarradão. Senti logo a maçã do rosto inchando. E toma gelo. E como doía.

Passei o jantar todo (pizza feita em casa, salame feito em casa, pão feito pelo primo padeiro, vinho feito em casa, presunto feito em casa, salame de avestruz feito em casa, tomates da horta da tia do Mirco) com o gelo no rosto, mas mesmo assim ficou inchado, e super vermelho. Resolvemos dar um pulo no hospital em Perugia pra fazer um raio-X e ver se tinha alguma fratura. A médica de plantão disse que semana passada chegou um senhor com o punho quebrado. O labrador dele foi meio efusivo demais ao cumprimentá-lo depois de um longo dia de trabalho, o cara caiu e apoiou mal a mão. Show.

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Eu nunca tinha ido ao hospital aqui, a não ser pra acompanhar diversos familiares do Mirco. E quando fui ao pronto-socorro com o Ettore foi no outro hospital, que normalmente é mais tranquilo, o Monteluce. Dessa vez fomos ao Silvestrini, que concentra todo o movimento da província de Perugia, e a fila era enorme. Velhinhas bigodudas com pernas inchadas enfiadas em velhas Birkenstock, velhinhos de boina e óculos fundo de garrafa, um africano azul de tão preto numa cadeira de rodas, aparentemente com o tornozelo torcido, uma senhora com um polegar sangrando. Mirco, completamente avesso ao ambiente hospitalar, ainda mais depois da traumática operação do joelho, tava pálido feito vela. E eu só lembrando das histórias bizarras dos plantões de domingo/noite no Antonio Pedro, há anos-luz atrás. Engraçado que eu não sinto a menorrrrrrrrrrr nostalgia do ambiente hospitalar em si, mas sim da sensação que eu um dia já tive de estar à vontade ali dentro, de achar tudo natural, de pensar, de verdade, que o meu lugar era ali. Que boba que eu era.

Aqui neguinho quase não usa jaleco. Usam-se os pijaminhas verdes da cirurgia, ou então o uniforme do hospital – no caso do PS, calças laranja-gari (mesmo pra quem não trabalha de paramédico, fora, em ambulância) e camisa polo branca com um bordado no peito: o mapa da Umbria em verde, o número de emêrgencia médica, 118, em vermelho, e embaixo a inscrição Provincia di Perugia.

A fila é aquela esculhambação italiana de sempre: ninguém sabe quem chegou primeiro, quem é paciente e quem é acompanhante, o que tem que fazer, nada. Na porta, um aviso em Times New Roman:

O PRONTO-SOCORRO NÃO É AMBULATÓRIO PSICOSSOMÁTICO NEM RESOLVE PROBLEMAS SOCIAIS.

O PRONTO-SOCORRO NÃO É PRA QUEM PRECISA DE CONSULTA COM ESPECIALISTA, PEGAR RECEITA DE MEDICAMENTOS DE USO CRÔNICO, ETC.

O PRONTO-SOCORRO NÃO É PRA QUEM PRECISA SOMENTE DE APLICAÇÃO DE MEDICAMENTOS ENDOVENOSOS, NEBULIZAÇÃO, ETC.

Tem coisas que não mudam, não interessa a latitude…

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Uma paramédica descabelada me chama pra uma das salinhas. Dou um dos sobrenomes, ela insere no computador, nada. Eu tenho outros 4 sobrenomes, minha filha, vamos ver com qual deles eu fui inserida: Vieira. Pronto, lá vem toda a minha ficha técnica: onde eu moro, codice fiscale (como o nosso CPF), número da inscrição no sistema de saúde. Ela chama a médica sorridente, que vem com aquelas calças cor de abóbora horrendas me atender. O requerimento da radiografia sai da impressora, ela assina e me manda pra uma sala do outro lado do corredor, “depois dos elevadores, à esquerda”. Cartazes escritos à mão indicam o caminho da Radiologia. Uma enfermeira simpática bate a chapa (coisa mais P.I.M.B.A. esse bate a chapa…), me dá o laudo e me manda voltar pra médica. A essa altura o Mirco já viu uns dois acidentados chegarem de ambulância e está verde de nervoso. Espero mais um pouco, um outro paramédico antipático pergunta quem tem que mostrar algum exame, lá vou eu, a médica lê o laudo, olha a radiografia, não fica satisfeita, vai pedir uma opinião a alguém lá fora, volta, me diz que tá tudo bem, digita “crioterapia”, a impressora cospe outra página, volto pra casa com uma cópia do laudo radiográfico e a conduta a seguir.

momento diarinho

Fim de semana mais light, impossível.

Sexta-feira fomos ao cinema com o Moreno, debaixo de MUUUUITA chuva, ver The Day After Tomorrow. Eu adoro o Dennis Quaid e adoro filme catástrofe, bem mentiroso, cheio de clichês e lugares-comuns. Adoro. Mas devo admitir que aquele frio todo me deu um nervoso danado. Só me acalmei quando o mendigo negão conseguiu entrar na biblioteca com seu cachorro lindo – que, aliás, é a cara do Demo.

Sábado Mirco trabalhou de manhã, como sempre, e eu fiz minha faxininha; depois do almoço rolou aquela dormidinha básica que ninguém é de ferro, e depois fomos enfrentar as hordas de peruginos que tiveram a mesma idéia de jerico que nós tivemos – a de fazer compras no Ipercoop. A gente nem tava precisando de nada, porque eu tenho ido ao supermercado praticamente dia sim, dia não, pra ter sempre tudo fresco em casa, mas nós adoramos fazer compras, então fomos. Dali fui deixar meu currículo na Libreria Grande – se tiver que ser emprego de vendedorazinha de merda, que seja numa livraria – e voltamos correndo pra casa pra fugir do trânsito. Jantamos na festa da primavera aqui embaixo, voltamos pra casa, e não conseguimos nos animar pra sair. Às dez e meia estávamos roncando.

E ontem foi outro dia de lerdeza total. O dia amanheceu lindo de morrer, com sol brilhando forte e uma brisa deliciosamente fresca – o tipo de clima que poderia perfeitamente se repetir diariamente por anos inteiros que ninguém iria reclamar. Ficamos em casa de bobeira de manhã, e depois íamos almoçar na Arianna, mas quando chegamos vimos o o carro do tio do Mirco estacionado, sinal que a namorada piranha dele também estava lá. Eu não a conheço mas sei que ela fez umas coisas horríveis, além de ser maluca de carteirinha, com passado de internações psiquiátricas, e deve estar constantemente sob a ação de psicotrópicos. O fato de que a família do Mirco ache super normal botar uma maluca dessas dentro de casa depois de tudo o que ela fez também seria, na minha opinião, suficiente pra requerer internação psiquiátrica pra todo mundo, mas enfim, non sono cazzi miei. Assim que vimos o carro demos meia-volta e picamos a mula. Acabamos indo almoçar no Toscanino, um restaurante famoso lá pros lados de Torgiano, onde fica a oficina do Mirco. Comi bem direitinho: um primo de tagliatelle com molho de tomate com frango e creme de leite (o lanterneiro foi de pappardelle ao javali, ma-ra-vi-lho-so), e depois filezinhos de porco num molhinho de alecrim, alcaparras e pimenta-do-reino. Diliça. Comportamo-nos muito bem e não tomamos refrigerante nem comemos doce, ficamos só no vinho branco seco mesmo.

Depois fomos pra oficina pra ajeitar os latões pra raccolta differenziata do lixo. Acho que finalmente o sistema de reciclagem de lixo aqui na Umbria vai pegar, coisa que me deixa muito feliz. O comune vai dar um incentivinho de 25 euros às famílias que alcançarem os 150 kg de lixo reciclável. A gente vai lá na tal isola ecologica (já falei dela num outro post), pesa as coisas e eles inserem os dados no cartão magnético. Se em fevereiro do ano que vem você tiver chegado aos 150 quilos, eles dão o tal incentivo. Claro que eu faria do mesmo jeito, mesmo sem o incentivo, até porque 25 euros é uma merreca, mas acho que é uma indicação de que a coisa vai funcionar de verdade. Por isso o Mirco lavou quatro latões enormes, originalmente cheios de solvente, e eu escrevi o rótulo pra cada um deles: papel, plástico, vidro e latinhas de aço e alumínio. Botamos tudo na garagem, que é bem grande, e quando estiverem cheios levo a tralha pra pesar.

Bom, acontece que ontem também era dia de Cantine Aperte aqui na Umbria. No ano passado fui com FeRnanda e Fabião, e esse ano resolvemos ir também. Nem estávamos sabendo de nada, porque a publicidade praticamente não existiu; por acaso ouvimos no rádio que a coisa rolava até as seis e resolvemos dar uma zoiada. F & F nos encontraram na oficina e de lá fomos pra Lungarotti, ali pertinho mesmo. Eles fazem vinhos muito bons (mas não excepcionais), e nessas ocasiões também dão sempre alguma coisa pra beliscar com a degustação de vinho. Ontem tinha bruschetta (porque eles também produzem azeite e o melhor modo de degustar azeite é com pão tostado), frios fatiados, cubinhos de pecorino. Enquanto Mirco e Fabião foram fazer a visita guiada das cantinas, eu e FeRnanda ficamos batendo papo. Dali fomos pra uma cantina pequena em Cannara, onde o Fabio já tinha comprado uns vinhos ótimos uma vez. Eles tinham fava e pecorino, e o Mirco deve ter comido tipo uma tonelada de fava.

Degusta aqui, degusta ali, no final das contas terminamos com sete taças de vinho, que, junto com a outra que ficou do ano passado, formam um conjunto de 8 peças. Ano que vem temos que lembrar que o modelo de bolsinha não muda, e se levarmos a bolsinha desse ano economizamos a entrada…

[Pra quem não sabe como funciona o Cantine Aperte (Cantinas Abertas): as cantinas da zona abrem as portas ao público. Você escolhe onde começar; nós começamos da Lungarotti. O ingresso custa 5 euros. Te dão uma bolsinha ridícula com uma taça de vinho dentro, e com essa bolsinha, que você deve pendurar no pescoço, entra-se em todas as cantinas que quiser, tendo pagado só uma vez. Só que cada vez que a gente muda de vinho, pega outra taça, e resolvemos não devolvê-las mas levá-las pra casa. Simples assim.]

Tem um castelo do século X ali perto de Bettona, chamado Rosciano, que o Fabio cismou que a gente tinha que ver. O bicho fica no alto de uma colina e a estrada pra subir até lá é incrivelmente íngreme. A probabilidade de encontrar um javali no bosque adjacente em teoria era grande. Eu adoraria ver um, embora tenha plena consciência do perigo – são bichos agressivos e, pior, pesadíssimos, fortíssimos. A cabeçada de um javali adulto é capaz de destruir a lataria de um carro. Infelizmente não vimos nenhum, até porque tava rolando uma bagunça danada porque tinha uma festa de casamento no castelo. Eu acho tão estranho essas festas assim, tão cedo! Aqui neguinho casa às 4, 5 da tarde e a festa acaba cedinho. Eu particularmente não consigo conceber casar durante o dia. Festa de dia não é festa, é no máximo um get-together desanimado! Não gosto não. Bom, no final das contas não conseguimos entrar no castelo, obviamente, e voltamos pra casa. F & F tinham e-mails pra checar e escrever, e depois que foram embora eu e lanterneiro ficamos vendo Stealing Beauty no vídeo. Pergunta se conseguimos sair depois? É ruim, hein. Dormimos como duas pedras.

E hoje acordei cedo, estendi a roupa no varal, fui dar minha corridinha, e agora no final da manhã vou encontrar a Marcia em Assis. Marcia é a mãe de um amigão do meu irmão, que vem passar uns dias na Itália e gentilmente se ofereceu pra me trazer umas roupas das quais eu tava precisando. Minha mãe preparou uma sacola e lá vem a Marcia trazer meus bagulhos pra mim. Ótima desculpa pra não ir trabalhar.

Seu Franjinha, torta al testo e altre cose

Pois então, agora começa o período das sagras, as festas de cada cidade. No começo de maio rola o Calendimaggio em Assis, festa na qual o povo se veste com roupas medievais, há representações de cenas da época, desfile, provas físicas, etc. A disputa é entre a Nobilissima Parte di Sopra e a Magnifica Parte di Sotto (a cidade alta contra a cidade baixa). Esse ano ganhou a Parte di Sotto.

Anteontem começou a Festa della Primavera aqui em Cipresso. Armaram um palco e umas barraquinhas no jardim bem aqui atrás de casa – assistimos à festa de camarote! Quarta-feira FeRnanda e Fabião vieram jantar com a gente na festa. Essas festas têm sempre uma cantina de pratos típicos, que funciona quase sempre do mesmo jeito: um grande menu informa o cardápio daquela noite, você pega uma folha pré-impressa com todos os nomes dos pratos, e marca ao lado de cada prato a quantidade que quer. Enquanto isso alguém do seu grupo vai pegar uma mesa no galpão. As mesas são numeradas e, depois de pagar, você vai ao balcão de pedidos pra entregar o seu, com o número da sua mesa escrito bem grande no alto da folha pra neguinho não errar. Depois é só esperar que alguém vem te trazer o jantar. O menu também varia pouco, a não ser quando o tema da festa é alguma comida ou ingrediente em particular (como a festa da cebola em Cannara, ou a sagra do javali em Petrignano). Quarta-feira comemos antipasto primavera (salame, presunto, capocollo, azeitonas, feijão branco frio, flores de abobrinha, berinjela e alcachofra fritas, e outras coisinhas), Mirco comeu penne alla norcina (sempre presente em qualquer menu umbro) e nós mortais fomos direto ao secondo e comemos a igualmente onipresente torta al testo – com linguiça, linguiça e verdura, presunto, presunto e pecorino, etc.

Ontem Marco e Michela vieram, e comemos de novo na festa – dessa vez fui de tagliatelle com molho de ganso. O mais engraçado é ver o pessoal todo arrumado pra essas festinhas bobas. E fica tudo ainda mais hilário quando tem banda tocando. Quarta-feira foi um festival de bandas iniciantes, então rolou muito rock pesado, mas ontem foi o Mario Riccardi (o site não tá no ar ainda, acho) quem cantou música de salão pra fazer a velhacaria sacudir o esqueleto. Os jardins pipocando de gente, como um grande salão de baile ao ar livre; velhos e velhas super emperiquitados dando seus dois passinhos pra cá, dois passinhos pra lá, todos juntos se movendo em sentido anti-horário ao som do Franja Crespa Riccardi. De chorar de rir. Principalmente porque o seu Riccardi é um mito da dança de salão aqui no centro da Itália. Toda hora vejo cartaz anunciando Riccardi cantando em algum lugar. Não tenho mais nada a comentar sobre ele, já basta o fato de que ele tem cabelo crespo E usa franja, mas o figurino do resto da banda é de arrepiar também. Ontem tavam todos de terno bordeaux, e as cantoras (sim, porque Riccardi fez nome e deitou na fama, quase não canta mais, só vai marcar presença), todas gordas de mini-saia, bota de camurça rosa, cabelos amarelos, bem naquele estilo chacrete de ser.

O bom é que tanto eu quanto o Mirco dormimos sem problema mesmo com a orquestra do Riccardi se esgoelando lá embaixo. Só que essa noite eu tive uns sonhos muito esquisitos (minha mãe casava de novo e o Mirco não podia ir à festa comigo porque estava jogando na seleção italiana de futebol), me revirei a noite toda e dormi muito mal. Hoje estou super borocoxô, ainda mais que perdi a manha inteira na agência fazendo bissolutamente nada – e eu cheia de roupa pra passar em casa! E agora à tarde lá vou eu a Cannara, terra da cebola, visitar um cliente novo, com a mala do Pino do meu lado pra ver se eu tô fazendo direito. Ainda por cima o tempo fechou e acabou de cair um aguaceiro danado – bem na hora em que eu tava estendendo as roupas de lã no varal pra secar e poder guardar na garagem com todo o resto da roupa de inverno. Que bosta isso.

Notícias da Bota

. Pela primeira vez desde a União da Itália um carabiniere assume o comando dos Carabinieri. Explico: até 2000 os carabinieri eram uma força especial do Exército, e sendo assim seu chefe-mor sempre foi alguém do Exército. Em junho o atual chefe da Força se aposenta e no seu lugar entra um marechalzão carabiniere. Aqui eles são ridicularizados como, sei lá, os portugueses no Brasil: o que tem de piada sobre os carabinieri não tá no gibi. E não sei exatamente por que, visto que é uma força especial mesmo, muito difícil de entrar, e eles são bem eficientes – aliás, na hora do aperto, é a eles que a galera recorre. Fora que a farda deles é linda. Mais informações aqui. E o site da fiction televisiva sobre os Carabinieri, que eu adoro e vejo toda terça-feira porque é um dos únicos programas “de família” atualmente em programação (o resto é lixo total), está aqui.

. A Alitalia tá indo mal das pernas, de verdade. O pessoal tá em greve desde ontem, mas lendo o jornal ontem de manhã vi que às vezes é melhor ficar quieto: a empresa é a segunda menos pontual, só perdendo pra Tap. Então de repente é melhor parar de reclamar e trabalhar um pouco melhor, cês não acham?

. Uma onda de tempo ruim está interessando a nossa península. Justo hoje que eu vou a Roma, que é tu-do na vida, encontrar uns amigos da minha mãe…

. Saiu a mala do Tommaso do Grande Fratello. Agora é entre aquela louca da Katia, a louca da Serena e o louco do Patrick. Loucos tempos, esses.

. Finalmente foi aprovado o projeto, com financiamento da União Européia e de empresas privadas, da ponte entre a Sicilia e o continente. As obras devem começar no ano que vem. Considerando que os antigos romanos já pensavam seriamente na idéia de construir essa ponte, até que levaram pouco tempo pra começar os trabalhos… NOT!

. A Ferrovie dello Stato está fazendo propagandas na TV anunciando a construção das novas linhas pros trens de alta velocidade. Tipo, duzentos anos depois de outros países. Isso é que é pais moderno e atualizado… ;)

o tempo que o tempo tem

E já que o assunto sempre acaba caindo nas condições climáticas, falemos da forte dependência que o resto do mundo tem da previsão meteorológica. Nós tupiniquins, que até o ciclone de Curitiba (ou foi o tornado de Florianópolis? Não sei) sempre tínhamos passado longe dos extremos das intempéries, temos uma certa dificuldade em entender as maluquices climáticas dos outros países. Eu só comecei a notar isso nas últimas vezes em que estive nos EUA, quando via repetidas previsões meteo na TV. Aqui, e creio que em toda a Europa, não é diferente, por um simples motivo: o frio é um porre e muda mesmo a vida da gente. No Brasil, e no Rio em particular, só temos dois climas, o quente e o muito quente, ou seja, nada de muito bizarro acontece, meteorologicamente falando, e nada que requeira mudanças de hábito que vão além de andar seminu pela rua quando esquenta pra valer.

Aqui, a cada meia hora há um telegiornale, e depois de cada TG vem a previsão meteo, que, ao contrário do que acontece no Brasil, não se resume à garota bonita que estende a mãozinha e diz aqui chove, aqui não, e mostra as temperaturas. Aqui fala-se de coisas estranhas como pressão, ventos (todos os ventos têm nome), há previsão do tempo pra toda a Europa, contam-se causos e curiosidades sobre essa imprecisa ciência que é a meteorologia.

O mais engraçado é que em muitos canais quem faz a previsão é um coronel ou marechal das Forças Armadas. No início eu achava estranhíssimo ver aqueles homens fardados, engomados e limpinhos explicando que vai chover no feriadão, que há neblina na Pianura Padana, que por causa do mar muito mexido a conexão marítima da Itália continental às Ilhas Maiores (Sicilia e Sardegna) foi interrompida, que por causa da neve intensa é obrigatório dirigir com correntes no Friuli, no Alto Adige, no Piemonte. Hoje já me acostumei, e até já tenho um preferido: o capitão Guido Guidi, um baixinho com MUITA cara de italiano que é uma simpatia.

Mas o melhor de tudo é o tipo de informação que eles dão. Porque acabam falando, como eu já disse, de ventos, de pressão, de massas de ar de formação complicada, e usam uns termos esquisitos que já viraram piada. Por exemplo: nos últimos dias a região central da Itália foi “interessada” por uma onda de mau tempo… Interessada ficava a sua avó!

Toda essa informação incompreensível vem, obviamente, ilustrada por imagens de satélite, gráficos estranhos, setinhas que se movem, símbolos absolutamente indecifráveis.

E a galera só querendo saber se vai dar pra ir al mare no feriado…

eventinho básico

E ontem foi dia de uma feira internacional de transportes em Verona. Lá fomos nós sair de casa às 6:30 da manhã, porque o Mirco ganhou convites de um fornecedor de tinta e, sabemos, de grátis até injeção na testa. São mais ou menos 4 horas de viagem. A estrada até Cesena é péssima, esburacadíssima, estreita, e ainda por cima interrompida em alguns pontos por causa de obras que se arrastam há anos. Mas o visual compensa: é um longuíssimo trecho elevado, como um viaduto mesmo, por cima do vale do rio Savio. A paisagem é deslumbrante, e é interessante ver como tudo vai mudando de aspecto à medida em que nos aproximamos da Emilia-Romagna, terra da Franzoca. As colinas emilianas são menos gentis, mais rochosas, os verdes são mais escuros; as casas não são mais grandes casas de campo feitas de pedra, mas de alvenaria. Depois de Cesena caímos na autostrada com 3 pistas em cada direção, e a viagem ficou mais fácil. Passamos por Forlì, por Faenza, por Imola (trânsito horrível porque ontem foi dia de corrida), passamos por fora de Bologna, pegamos a estrada na direção de Modena, cidade famosa pelo vinagre balsâmico, e chegamos a Verona.

A feira, no Riocentro lá deles, era muito menor do que se esperava pra uma feira internacional. Mas eu, com anos de experiência de congressos médicos, não vi nada de diferente dos nossos eventos, guardadas as devidas proporções: mulheres magras, bonitas e pouco vestidas apresentando furgões, stands oferecendo os onipresentes salgadinhos, batata frita, balinhas, café e refrigerante, vasos de flores já meio murchas espalhados por todos os cantos, gente fazendo fila pra tirar foto na boléia do caminhão, brindes inúteis distribuídos, muita papelada – panfletos, estudos, artigos de jornal e revista, propaganda, cartões de visita, posters, muitas sacolas de plástico e papelão. A viagem de volta foi mais tranquila porque o tempo melhorou, mas ficamos com fome até as 4 da tarde, pois não queríamos parar pra comer antes de Imola com medo de pegar a galera voltando da corrida. Queríamos ir ao cinema, mas faltou pique.

caninos brancos

Ontem passei pela minha primeira experiência dentística aqui na Itália. O lance é que eu não ia ao dentista há séculos, porque obviamente confio mais nos dentistas brasileiros, mas como a viagem ao Brasil não sai, decidi parar de empurrar com a barriga e fazer a limpezinha básica de sempre.

Devo confessar que tava com uma certa meda. Não medo “de dentista” em geral: nunca tive cárie e as únicas vezes em que tive que tomar anestesia foram pra arrancar um dente de leite que se recusava terminantemente a cair e pra tirar um siso. Ou seja, nada de traumas odontológicos. Mas as histórias que circulam por aqui sobre um famoso dentista-açougueiro em Assis me deixaram meio relutante. E o Mirco não ajudava muito quando dizia que seu dentista não tinha alguns dentes. Não preciso nem dizer o quanto é grande meu desprezo por dentistas com dentes mal-cuidados – só se equipara ao meu desprezo por médicos que fumam. Mas como não tendo tu, vai tu mesmo, e eu já tava ficando nervosa sentindo meus dentes sujos, ontem fomos lá limpar nossos caninos.

Acaba que o cara é um amor, fez Medicina e se especializou em Odonto (há muitos anos atrás era assim que se fazia aqui), não tem dois dentes da frente porque nasceu sem (se chama “agenesia”. Lembro que meu primeiro cadáver, em Valença, tinha agenesia de um musculinho bobo da batata da perna…), fez vários cursos de especialização nos EUA, bate papo pra caramba, viaja pra burro, e tcham tcham tcham tchaaaaaaaaaam NÃO ME COBROU NADAAAA! Do Mirco cobrou 40 € em vez de 50, mas de mim, que sou “colega médica e ainda por cima brasileira” (a boa fama dos dentistas brasileiros é internacional, quéridos), não cobrou nada. ADOOOORO quando isso acontece, ainda mais quando estou completamente a seco no banco… ; )

Claro que o consultório do cara não é nenhuma chiqueza, não é todo tecnologicamente modernoso como costumam ser os dos nossos dentistas tupiniquins. Inclusive acho que ficaria muito estranho, já que o prédio dele fica na praça mais no alto de Assis, é super antigo e as salas são meio cavernas, como uma adega. Mas ele foi competente, usou todos os instrumentos aos quais estou acostumada, e ainda elogiou a minha técnica de higiene bucal. Mal sabe ele que 80% do mérito são da genética e dos antibióticos que tomei na tenra infância, que deixaram meus dentes menos brancos porém incrivelmente resistentes (como os do Mirco, que também nunca teve cárie).

weekend

Piano piano, devagar devagarinho, vamos voltando à programação normal.

O feijão com arroz de sexta foi ótimo. Sábado fomos ao cinema ver Gothika (gostei). Domingo a Renata, irmã da FeRnanda, e o marido Stefano estavam aqui procurando casa pra morar. Aproveitamos e depois dos respectivos almoços sograis fomos todos juntos visitar os descendentes diretos do meu espetacular cachorro.

Foi aí que a FeRnanda proclamou que, já que ela e Fabião estão indo morar em Ripa (o Mirco aprendeu a falar ripa na chulipa), e que há duas outras casas à venda por lá, a Renata e o Stefano TÊM que ir morar na menor dessas casas e eu e o Mirco TEMOS que comprar a outra, que fica fora dos muros da cidadela mas encostada neles – essa casa fora do burgo tem quintal, e eu PRECISO de quintal, vocês sabem. Então tá, respondi, ficou decidido, o novo consulado brasileiro na Itália vai ficar em Ripa. Falta só saber quem vai pagar a casa, já que dinheiro eu não tenho. Mas digam se não é um lugar divino, Ripa na Chulipa:

Voltando de Torgiano, ou seja, da oficina onde estão os cachorrinhos, resolvemos passar por Brufa em vez de pegar a estrada reta direto pra casa. Brufa é uma cidadezinha no alto de uma colina (classic), que pertence ao comune de Torgiano mas fica a meros 3 quilômetros daqui de casa – excrusive já fui a pé com o Legolas, que voltou com três metros de língua de fora porque a ladeira não é mole não. Fora uma fábrica de rações que fica no alto de uma das colinas do vale e estraga a vista, Brufa é um amor. Lindas villas espalhadas pelo verdejante vale, cipressos aqui e ali, esculturas modernas de aço inoxida… HEIN? O que fazem esculturas modernas (leia-se hediondas) em aço inoxidável, ferro ou madeira laqueada entre cipressos e villas centenárias?

Eu já tinha visto essas aberrações no meio da praça principal da cidade quando estive lá a pé, então lá fomos nós conferir.

A entrada da praça é esse trambolho de ferro que, além de ser horroroso, deve ter custado uma fortuna, segundo avaliações do lanterneiro, que trabalhou 5 anos em uma empresa import-export de ferro e sabe do que está falando. Dentro da praça, lá num canto, há uma… uma COISA em aço escovado que parece um biombo prateado, sem sentido nenhum. Uma mulher de lábios finos demais, uma senhora com ares de atarefada enfiada num moletom colorido, está saindo da sua casinha fofa perto da escultura. Abrimos a janela do carro e perguntamos se ela conhecia esse escultor ma-ra-vi-lho-so. E aí começa mais um episódio de Cenas Italianas:

Velha: “Não sei quem é não… Por quê?”
Mirco: “A gente queria bater nele, porque essas esculturas são horrorosas.”

Pronto! A velha se soltou:
“Aaaaaaaaaaah, nem me fala! Queriam botar esse mijador (referia-se ao biombo, N.d.R.) prateado na frente da minha casa, eu falei, só se passar por cima do meu cadáver!”
Mirco: “A senhora sabe se esse escultor mora aqui?”
Velha: “Quem mora aqui?”
Mirco: “Ele mora aqui?”
Velha: “Quem, eu? Eu moro logo ali, ó”
Mirco: “Não, o escultor!”
Velha: “Não sei não senhor, eu não entendo nada de arte.”
Mirco (rindo): “Mas e aquela entrada da praça, o quê que a senhora acha?”
Velha (se exaltando): “Oscena! (pronúncia “ochêna” e obviamente quer dizer obscena) Se tivessem botado um arco de pedras tinha mais a ver com a praça, mas aquele negócio de ferro é osceno
Mirco: “Eu acho que vou tirar umas fotos e mandar pro Striscia la Notizia, quem sabe eles não vêm investigar quem deu permissão pra estragar o visual assim?”
Velha: “Acho ótimo! Tem mais é que derrubar isso tudo mesmo! Coisa horrorosa! E o pavimento dessa praça? Todo feito com resto de pedras da prefeitura! A praça ficou toda torta, toda desnivelada, outro dia caiu uma velha aqui do lado! Mas… vocês não são parentes do escultor não, né?”
Mirco: “Deus me livre ser parente de alguém que faz um negócio feio desses!”
Velha: “Então tá… Agora dá licença que meu filho tá indo me levar ao cemitério.”

Ainda gargalhando, fomos embora. Desnecessário dizer que se tivéssemos ficado lá ela teria contado quem estava indo visitar no cimitério, há quantos anos morava ali na praça, teríamos trocado receita de ragù, ela teria nos convidado pra um café.