ancora il freddo…

A coisa mais chata do mundo não é aula de matemática. A coisa mais chata do mundo não é filme da Xuxa, nem irmão que acende a luz do quarto enquanto você está dormindo, nem coceira na sola do pé, nem música sérvia. Dividindo o primeiro lugar da lista pacamanquiana de coisas mais chatas do mundo, juntamente com os Brasileiros Chatinhos que Moram na Alemanha e Se Acham OOOOS Alemães estão o frio e a neve.

Ao contrário da Luciana, desde a primeira vez que eu vi neve, já odiei. É bonitinho na hora, mas logo depois as ruas ficam imundas e a neve vira uma coisa cinzenta asquerosa. Fora que toda a complicação que a neve e o frio causam na sua vida já são suficientes, pelo menos pra mim, pra achá-la horrorosa, mesmo antes de virar a coisa cinzenta asquerosa.

Uma vez comentei com o Duduzão que a diferença entre o calorão e o frião é que o calorão te irrita, mas o frião, além de irritar, dói, e muda a sua vida. Pular umas ondinhas, jogar um balde de água na cabeça são suficientes pra aliviar o calor, pelo menos momentaneamente. Mas o frio não se alivia, meus queridos. Estando fora de casa não há modo de escapar, não importa o quanto você esteja bem coberto. Se estiver ventando, então, sai de baixo.

O ar frio corta o seu rosto, deixa a sua pele descascando e os lábios sangrando. Os olhos lacrimejam e o nariz escorre sem parar. As vias aéreas DOEM quando você respira. Suas extremidades (leia-se nariz, orelhas, mãos e pés) doem enquanto estão congeladas e principalmente durante o descongelamento. Uma vez fiz a burrice de entrar em casa num dia muito frio e entrar direto no banho mais ou menos quente. Putz grila, olhei pros meus pobres pezinhos e parecia que eu podia ver todos os capilares enlouquecento, dilatando feito doidos, comprimindo os tecidos adjacentes; a dor, a dor alucinante!!! E as orelhas, quando saem do ambiente gelado pra um ambiente “requentado”? Difícil conter a vontade de segurá-las, porque a sensação é a de que vão cair a qualquer momento.

O frio congela as portas do carro, que ficam difíceis de abrir. Se tiver chovido algumas horas antes, as ruas e estradas congeladas, ou mesmo nevadas, tornam o já pouco simples ato de dirigir (vocês já pararam pra pensar na complicação cerebral-motora que é dirigir? Né coisa fácil não, quéridos!) uma coisa de maluco. Outro dia fomos de carro até o Subasio. Com a Fiat Punto chegamos várias vezes a subir até o alto mesmo, e depois descer pelo outro lado, até Spello – um lindíssimo passeio, diga-se de passagem, com ou sem neve. Mas dessa vez, com a Volvo, que é muito mais pesada, depois de um certo ponto não conseguíamos mais nos mover. As rodas giravam em falso e o carro saiu completamente de controle. Mirco é bom de roda, mas na ladeira congelada não tem piloto que tire a coisa de letra. Levamos séculos pra conseguir virar o carro e descer, e ficamos bem uns 5 minutos atravessados na estrada porque o carro simplesmente quis ficar naquela posição.

No frio cavalar mesmo, até a gasolina congela. Na Sérvia, no caminho de Majilovac ao aeroporto, vimos dois caminhões parados porque o diesel havia congelado. E o freio de mão? Perdi a mania de puxar o freio de mão quando estaciono o carro, agora deixo o bichinho engrenado porque senão na manhã seguinte ele se recusa a sair do lugar.

E as roupas? E a chatura de carregar sempre dúzias de apetrechos a mais pendurados sobre o seu corpo? E o saco que é ter que tirar luvas, chapéu/gorro, cachecol, casaco, malha de lã, toda vez que se entra em um lugar aquecido? E o outro saco que é ter que botar tudo isso de novo quando se sai do lugar aquecido? E os cabelos, que não secam nem com reza forte? (lembrem-se que cabelo ruim e secador são coisas incompatíveis). Eu saio na rua de cabelo molhado mesmo, não tô nem aí. No máximo taco minha boina cinza por cima, mas normalmente não uso nada. Os italianos ficam todos escandalizados achando que eu vou pegar pneumonia.

(E aqui faço um adendo de caráter estritamente pessoal: chapéu é que nem pé, não existe UM bonito sequer).

E as mãos descascando, por mais creme Neutrogena formulado para pescadores noruegueses que eu passe? E a dor nas articulações dos pés, que começa com uma coceirinha básica e depois vira um joanete vermelho?

E a impossibilidade de andar a pé na rua por causa do vento gelado? Essa é a pior. Eu adoro dirigir, mas como toda boa carioca sou acostumada a andar a pé pra lá e pra cá, subindo e descendo a Visconde de Pirajá pra “ver as modas”, parando pra comprar banana no cara que vende fruta na esquina, ou pra tomar um suco de fruta, ou um milkshake de Ovomaltine no Bob’s de Ipanema vendo os pivetinhos encherem o saco dos outros na calçada; correr na Lagoa todo dia, mesmo no inverno; poder parar pra conversar com alguém que encontrei na rua sem ter que fugir pra algum lugar fechado por causa do frio. Essa prisão automobilística é horrível, horrível.

non si capisce niente

Nao to entendendo esse inverno. Primeiro faz um frio cavalar, depois essas temperaturas invernais cariocas! Hoje sai so de malha de la por cima da blusa, e morri de calor. Fui até correr antes do almoço, de manga curta! Eu to achando otimo, claro, porque odeio frio (falo disso amanha, hoje tenho coisa pra fazer), mas o pessoal, mesmo achando a temperatura agradavel, acha, com razao, que essas perturbaçoes climaticas birutas nao podem ser sinal de boa coisa. Fora o fato que alteram o curso normal das plantaçoes, ou seja, pode ser que esses dias de sol e relativo calor causem problemas aos cultivos de coisas invernais, como o radicchio. Nos, brasileiros, que desconhecemos grandes variaçoes climaticas e por isso nao damos trela ao tempo que faz hoje ou amanha, nao costumamos prestar atençao a essas coisas. O tal do veranico no meio do inverno é so uma encheçao de saco; o calor excessivo num verao particularmente quente é so outra encheçao (pra quem tem que trabalhar, é obvio). Aqui, como em qualquer lugar onde variaçoes climaticas mudam a vida de um pais e de seu povo, a coisa toda ganha outras dimensoes. Engraçado isso.

Senta que lá vem pregação

Então vamos falar de cigarro. De novo.

Fumar é o ato de maior idiotice de que o ser humano é capaz. Jamais vou entender o que leva uma pessoa a sequer começar a fazer uma coisa que há anos se sabe que dá vários tipos de câncer, tem mil substâncias viciantes, causa impotência nos homens, destrói a microcirculação, deixa os dentes e as unhas amarelos, dá um bafo que chiclete nenhum do mundo é capaz de eliminar, deixa a pele envelhecida, os cabelos feios e fedorentos – e ainda por cima PAGA por isso! Maior exemplo de fraqueza eu realmente não consigo conceber. Depender de uma coisa que além de matar lentamente, fede, é absolutamente inexplicável pra mim.

Além de ser uma coisa idiota, é também um dos maiores exemplos de má educação e desrespeito pelos outros. Mesmo que o cigarro não fizesse mal, só o fedor deveria ser suficiente pra transformar o ato de fumar em uma coisa a se fazer escondido, isolado – como peidar. Se a premissa básica da vida em sociedade é não encher o saco dos outros pra que ninguém encha o seu, como é possível que seja aceitável um não-fumante voltar pra casa depois de um papo no pub, ou uma noite na discoteca, fedendo tanto que é preciso pendurar as roupas na varanda pra pegar um vento e perder o cheiro? Com o cabelo fedendo tanto que na manhã seguinte a náusea te persegue e não dá vontade nem de tomar café? Com os olhos lacrimejando por causa da merda da fumaça?

Todo o problema deriva do fato que quando um imbecil fuma (fumante = imbecil), está fazendo fumar todo mundo que está em volta. Porra, eu NÃO fumo, NÃO quero ficar fedendo, não quero aumentar as minhas já altas probabilidades genéticas de desenvolver um tumor de qualquer coisa, NÃO quero respirar essa merda de fumaça! Quer fumar? Vai fumar no SEU banheiro, trancado! Um banheiro que de preferência não seja usado por mais ninguém, porque o fedor permanece por horas a fio. Crie o seu proprio cubículo de idiotice e fique lá fumando como o idiota que você é, sem encher o saco de ninguém.

Aqui na Europa a coisa mais grave é que os fumantes se acham oooos reis da cocada. Pedir a alguém pra apagar o cigarro é como pedir, sei lá, pra plantar bananeira. Ficam te olhando como se fosse a coisa mais absurda do mundo. Como, absurdo? Absurdo é EU, que não tenho nada a ver com a história e sou muito melhor do que qualquer fumante (porque, como todo fumante é imbecil, já parte com pontos a menos, em qualquer situação. TODO fumante está errado quando fuma, SEMPRE, porque fumar é SEMPRE um ato imbecil, e portanto SEMPRE errado), ter que ficar fedendo por estar rodeada de gente idiota e fraca, que não consegue ficar uma hora ou duas sem acender aquela merda dentro de um pub ou boate!

Ontem, depois do cinema, fomos pegar a Carmen e demos um pulo na nossa pizzaria preferida, pra beliscar umas coisinhas. A Carmen fuma (e depois se pergunta por que seus cabelos caem tanto e a pele é tão feia…), sabe que eu tenho HORROR a cigarro, e mesmo assim acende sempre um cigarro quando está comigo. Ontem discutimos feio porque eu pedi a ela que me fizesse a gentileza de não fumar na minha presença. Aí começa a argumentação ridícula e estúpida de quem não tem razão (lembrem-se, o fumante NUNCA tem razão):
– Mas se todo mundo aqui fuma, não é o meu cigarro que vai fazer a diferença…
Vai sim, cara-pálida. Gente pensando como você, em relação ao cigarro, ao papel de bala no chão, ao ato de furar fila, de não pagar multa, de corromper o policial, de não recolher o cocô do cachorro na rua, é que destrói uma cidade, um país, uma geração. Eu realmente não consigo entender qual é a dificuldade em sacar que pombas, cada um faz a sua parte e tudo vai bem; cada um faz o que dá na telha e acaba fodendo tudo. Qual é a dificuldade de entender uma coisa tão óbvia? Socorro!

Resultado: voltei pra casa irritada, fedorenta e intoxicada, com muita vontade de bater em alguém, de sair incendiando todos os campos de tabaco do mundo, de boicotar toda e qualquer manifestação de qualquer coisa que seja patrocinada por empresas de cigarro. Bando de feladaputa. Estragou a minha noite, de verdade. Uma merda de um rolinho de papel com coisinhas fedidas dentro, aceso numa ponta e com um idiota sugando a fumaça na outra, conseguiu estragar a minha noite.

Cada vez mais eu tenho nojo de pertencer à espécie humana. Se eu acreditasse em reencarnação, na próxima aceitaria ser qualquer coisa, menos um ser humano. Até uma barata serviria. Barata come mal pacas, mas pelo menos não fuma.

**

E passando pra outro assunto, porque esse do cigarro me deixa extremamente irritada, raivosa e violenta: o menu de Natal aqui na Umbria.

Aqui a ceia de Natal não é tão importante, e normalmente é à base de frutos do mar (aquela chatice cristã de não poder comer carne, blah blah blah. Na minha casa a gente comia lombinho, bom pra caramba…). O grande balacobaco é o almoço do dia 25. Aqui no interior do Cambodja o pessoal (leia-se as donas-de-casa, em italiano casalinghe) faz cappelletti e ravioli em casa. As superdotadas galinhas da Arianna, que botam dois ovos por dia cada uma, são as fornecedoras de parte da matéria-prima. Além dos ovos, a massa leva farinha de grano duro, numa proporção indefinida – vai no olhômetro mesmo. O recheio dos cappelletti, que são redondos, é de carne moída. O dos ravioli, aqueles com formato de travesseirinho, é espinafre com ricota. A massa é servida in brodo, ou seja, no caldo onde foi cozido o frango/peru/ganso/carneiro, e com parmesão ralado por cima, claro. Eu adoro todos os dois :)

Dia 25, na casa da Arianna, comemos os cappelletti in brodo e depois spaghetti al tartufo. A Stefania achou uns tartufos não sei onde, porque esse ano não choveu e os tartufos não só não se acham como custam os olhos da cara (algo em torno dos 3000 euros por quilo, o tartufo preto. O branco custa o dobro.), e fez um molhinho pra macarrão. Não é incomum aqui comer mais de um tipo de primo piatto. Em teoria as porções são menores, é claro – mas só em teoria.

Depois vêm as carnes, como sempre todas misturadas: tinha peru e frango cozidos (sem gosto de nada) e bistecas de carneiro empanadas e assadas no forno (eu me livrei de todo o empanado porque tinha limão, pra variar… Ô fruta desgraçada!). Como acompanhamento, alcachofras empanadas ao forno, cogumelos recheados na grelha, verdura cotta.

E de sobremesa, só coisa que eu não gosto: panetone, pandoro (acho que é uma massa parecida com a do panetone, só que com muito mais manteiga, e sem essas drogas de uva passa e fruta seca. Engorda que é uma beleza.), biscoitos de pinoli, amaretti (biscoitos de amêndoa), torrone branco, torrone de chocolate (esse eu como), e provelmente outras coisas das quais não me lembro. Sei que passei depois a tarde inteira com vontade de comer um docinho gostoso, um sorvete, sei lá.

Pra beber, vinho tinto e branco, e depois um spumante, a grappa, o limoncello, etcétera. Tudo muito light.

Eu até que me comportei, até porque o menu não era exatamente o meu favorito. Fiquei mesmo nos dois pratos de massa, comi um cogumelo e só. Depois fomos ao cinema ver Mona Lisa Smile.

Ontem, que também é feriado na Itália (Santo Stefano), almoçamos na Arianna de novo. Dessa vez foram os ravioli, com molho de tomate, muito melhor do que in brodo. E duas linguiças na brasa – linguiça feita em casa, claro. Demos umas voltas a pé em Bastia pra digerir, em Perugia idem, depois cinema de novo (Hollywood Homicide), não depois de muita fila, de uma pizza horripilante na Spizzico, e depois a chatice com a Carmen na pizzaria.

E aí eu gostaria de mostrar a vocês um exemplo de fila italiana. Quando eu digo que italiano não faz fila, faz coágulos de gente amontoada sem nenhum tipo de respeito à ordem de chegada (até porque nem eles lembram quem chegou primeiro), neguinho acha que é exagero. Então lancemos um desafio: quem conseguir me dizer onde a fila começa e onde termina ganha um cartão-postal da Sérvia. E quem acertar quanto tempo levamos pra chegar à caixa e comprar os ingressos, ganha uma foto autografada do Legolas de chapéu.

jantar Sérvio

Sábado fomos jantar na casa do Dejan, eslavo que trabalha pro Mirco e que vai nos hospedar agora no reveillon. A família toda é muito simpática e educada, e está na casa dos pais do Mirco toda vez que rola balacobaco. O pai, Momo, é caminhoneiro e faz as revisões do caminhão na oficina do Mirco (e foi daí que surgiu a idéia de botar o filho dele lá pra trabalhar). Ele já rodou toda a Europa e o Oriente Médio de caminhão, e as suas aventuras no Iraque, no Kuweit e cercanias são de matar de rir. Afirmou categoricamente que as mulheres sírias são lindas (o que explica a minha estonteante beleza hohoho), que Damasco é linda, e me deixou com mais vontade do que nunca de conhecer toda aquela região. Pena que o momento não é dos mais interessantes.

A mãe, Zorika, trabalha numa empresa de arranjos de flores secas. Jelena (pronúncia iélena), mulher do filho mais velho, Mika, também trabalha lá. Quando eu e Mirco tivemos que ir à fronteira com a Eslovênia pra carimbar a bosta do passaporte, no ano passado, o Mika e a mulher também foram, porque ela tinha o mesmo problema burocrático que eu. Lembro que na época ela não falava nada de italiano e me parecia mais perdida que cego em tiroteio. Depois não nos vimos mais, mas ela já ficou mais esperta, já fala alguma coisa de italiano, e é muito simpática. Mostrou as fotos do casamento: a festa durou três dias e ela mudou de vestido milhares de vezes! (um mais cafona que o outro, diga-se de passagem. A moda cigana realmente nãaaao é pra mim). Eles são super jovens, tanto ela quanto o Mika são mais novos que eu. Ela fez escola técnica de farmácia na Sérvia, ou seja, não é nenhuma retardada, coisa que me deixou muito feliz: tô cansada de lidar com gente absolutamente ignorante aqui no interior de Madagascar.

O jantar foi super simples: entrada de frios, depois uma sopinha light com macarrõezinhos compridos demais pra ser comidos como sopa mas o caldo estava uma delícia, e depois carne de vitela e de carneiro com salada. Eles já partiram pra casa deles na Sérvia, e dia 30 vamos eu e Mirco ficar na casa deles. Se a festa de ano-novo for do mesmo estilo que a festa de casamento, eu já vi que vou me divertir horrores!

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Todo o mundo civilizado já viu The Return of the King, menos eu. Vocês sabem, aqui na Guatemala os filmes chegam com muito atraso, e dublados. Só me recuperei do trauma de ver TTT em italiano porque depois baixei o filme da internet em língua original, e de vez em quando revejo pra dar uma refrescada nas idéias. Mas pra quem já leu os livros milhares de vezes em Inglês, como eu, e sabe os diálogos de cor, ouvir tudo em italiano é o horror, o horror.

**

Amanhã vou a Roma pegar o visto pra Sérvia. Engraçado foi a minha conversa telefônica com o cara do consulado, semana passada. A começar do fato que, no catálogo telefônico, ainda consta Embaixada da Jugoslavia, embora Jugoslavia não exista mais.
– Bom dia, eu sou brasileira e gostaria de ir à Sérvia [sintam a estranheza dessa afirmação], preciso de visto?
– Precisa sim, tem que trazer duasfotos3x4umacartadafamíliaquetehospedateconvidando carimbadaeassinadapelaprefeituradacidadelánaSérvia, blah blah blah
– Peraí, meu querido, vai devagar que eu tô anotando…
– Mas vocês brasileiros são tão rápidos pra jogar futebol, e você demora tanto pra escrever? [clássico comentário totalmente nada a ver, estilo o que tem o c a ver com as c… Até porque eu escrevo MOITO rápido, quem me conhece sabe.]
– …
– Então, a família que te hospedará tem que mandar uma carta te convidando, mas essa carta tem que ser carimbada e assinada na prefeitura da cidade deles.
– Ahn. [e eu pensando, sim, é bom mesmo eles criarem essas dificuldades, porque tem TAAANTA gente querendo ir passar o ano-novo congelando na Sérvia que se eles não segurarem a onda não tem lugar pra todo mundo! Not!!!]
– E mais duas fotos 3×4, e fotocópia do passaporte e do permesso di soggiorno.
– Ahn.
– E o passaporte original e o permesso di soggiorno original.
– [lógico, seu mongo] OK, ‘brigada…

Então amanha lá vou eu pegar o raio do visto. Aproveito pra fazer umas compritchas: tô precisando de leite condensado e farinha de mandioca pra fazer um cesto de salgadinhos e doces pra família da Marta, porque não tenho a menor idéia do que dar de presente pra eles no Natal. Então vou dar coisas de comer – quer coisa melhor? Aceito sugestões de cardápio. Até agora já pensei em quibe, coxinha de galinha, brigadeiro (já comprei o granulado), torta de limão e quadradinhos de laranja. Vou fazer tudo meia receita porque o que sobra de comida nessa época do ano não tá no gibi, e como além disso todo italiano é meio xenófobo alimentar, tenho medo deles não gostarem e todos os meus preciosos ingredientes tupiniquins irem pro lixo…

Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.

**

A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.

Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?

A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.

**

E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:

Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).

E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.

Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)

Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?

E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.

E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.

E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.

Essa noite sonhei com a minha avó e, depois, sonhei que eu tinha uma amiga chamada Klevin (socorro) e com o Sidney Magal. E vocês não podem imaginar o penteado que o Sidney Magal tinha no meu sonho. Acordei compreensivelmente assustada.

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A Ane, além de ter dado a receita do gnoccho lungo, que eu tô louca pra fazer, falou da solidariedade dos italianos. Eu acho que a coisa tá mais pra solidariedade dos romanos, porque aqui onde eu moro, no interior da Nigéria, o pessoal é super fechado e desconfiado, e na maioria das vezes fica na sua em vez de ajudar os outros. Prova disso foi o episódio em que conheci o Mirco: eu e Valéria caminhamos quase meia hora no frio, debaixo de um chuvisco iminente, carregando malas em uma estrada sem acostamento, carros passando a mil por hora e o único que parou foi o Mirco, com o seu caminhão velho, mas àquela altura já estavamos quase no albergue.

Talvez em outras situações seja mais difícil ignorar alguém que precisa de ajuda. Por exemplo, acho que se eu passasse mal no meio dos correios alguém iria acabar me ajudando, porque não dá pra simplesmente fingir que não viu. Mas o pessoal aqui é mais fechadão mesmo, mais acanhado até pra dar informação na rua. Pra mim, carioca acostumadíssima a dar e pedir informações sem o menor problema, a vida aqui no Zaire é meio complicada, mas a gente se acostuma a tudo nessa vida, né não?

A loja do Fabrizio o Louco é meio que um ponto de informação a turistas ali na praça; toda hora entra alguém procurando um restaurante, um hotel, um banheiro, a caixa dos correios, uma tabaccheria pra comprar o bilhete do ônibus. Quando eu vejo que a pessoa tá mais perdida que cego em tiroteio, acompanho-a até onde deve ir. E fico triste quando me agradecem efusivamente dizendo que eu sou muito gentil: pombas, se a minha gentileza surpreende as pessoas, quer dizer que hoje em dia ninguém mais é gentil, e se isso não é motivo suficiente pra me entristecer, então me digam o que é. É como quando a gente freia antes das faixas de pedestre, quando tem alguém querendo atravessar (aqui quase não tem sinal de trânsito; atravessa-se na faixa de pedestres, e quem dirige tem a obrigação de parar pra você atravessar, embora isso quase nunca aconteça e, quando acontece, é com muita má vontade). A pessoa atravessa e normalmente agradece intensamente, e isso nos irrita (a mim e ao lanterneiro): é a nossa obrigação parar o carro, não haveria necessidade de agradecer tanto a alguém por fazer a sua obrigação, mas a coisa é tão rara hoje em dia que neguinho agradece, sorri, levanta o polegar; não em um modo desligadão, tipo valeu mermão, mas como se nós lhe estivéssemos fazendo um favor. Sintoma de que o mundo tá uma merda.

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E já que tá uma merda, continuemos a falar de comida que é bom e eu gosto. Vamos terminar a sessao cozinha italiana com a sobremesa e o que vem depois da sobremesa:

Aí depois de toda a comilança vem a fruta, pra limpar a boca. Normalmente maçã (mela), pêra (pera mesmo), kiwi, e agora nessa época do ano começa a aparecer a tangerina (mandarino).

E depois, de boca limpa, vem a sobremesa, conhecida com o nome muito generalizante de “dolce”. Um doce tradicional e que todo mundo conhece é o tiramisù, feito com queijo mascarpone, biscoitos Pavesini (sem gordura) molhados no café, ovos e chocolate em pó polvilhado por cima. Esse fim de semana vou ver se lembro de pegar a receita da Arianna, que é terrivelmente gostosa, e boto aqui.

Eles gostam muito de sorvete, no verão – e com razão, porque o gelato italiano é uma delícia, leve, colorido, ótimo. É muito comum alguém da família passar na sorveteria antes do jantar pra comprar um isoporzinho de sorvete, e a sorveteria dá as casquinhas de graça. Simpático, né? :)

Doces de colher são pouco comuns. Compota de fruta, eu só vejo de pêssego (pesca). Na verdade eles não gostam muito de doce muito doce. No sul do país a coisa muda de figura, e a galera abusa dos doces cheios de ovo e manteiga, mas aqui no centro do Gabão há coisas que eles chamam de doce, tipo os strufoli (doces típicos de Carnaval), que pra mim não são nem doces nem salgados. Acho uma bosta. Doce por definição tem que ser doce, né não?

E depois de tudo isso vem o café, sempre espresso, fortíssimo, e por isso mesmo só um dedinho no fundo da xícara pra neguinho não sair subindo pelas paredes de tanta cafeína. Tem gente, principalmente os mais velhos, que tomam caffè corretto, ou seja, “ajustado” com um pouco de bebida alcoólica, que pode ser grappa (aguardente de bagaço de uva, FORTÍSSIMA), licor de anis ou outra coisa igualmente horripilante.

E sabe que depois disso tudo muitas vezes ainda se toma um outro licorzinho qualquer, pra digerir? Um amaro, normalmente à base de ervas, podendo ser aromatizado com trufas ou outras coisas, ou então um limoncello gelado. O limoncello é um licor típico da costa amalfitana, ali perto de Napoli, feito com cascas do odioso limão amarelo marinado em álcool de cereais por não sei quanto tempo. É super forte, mas faz o maior sucesso com os turistas (e com os locais também). Eu tenho horror, claro, como a qualquer outra coisa que inclua o famigerado limão amalfitano em sua composição.

E aí no final das contas neguinho vai dormir, né, que ninguém é de ferro. Claro que nas grandes cidades todo mundo come uma besteira qualquer no almoço porque não há tempo nem pra respirar, mas aqui no interior o pessoal ainda tem um longo intervalo pro almoço (pausa pranzo) e volta pra casa pra comer, e sempre dá tempo pra uma dormidinha antes de pegar no batente de novo.

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras,

Contorni (acompanhamentos): batatas são raras, e em purê, mais ainda, pra minha infelicidade. Além de ovófila, ou completamente batatófila e as como de qualquer maneira. A Arianna faz batata assim: cortada em pedacinhos bem pequeninhos, cozida em panela baixa e coberta, com pouca água e dois dentes de alho. Nesse ponto nós somos muito mais competentes, porque batatamos dos modos mais criativos possíveis. Mas eles têm uma receita batatal que ganha de longe de qualquer batata frita: as famosas patate arrosto, assadas no forno com azeite e alecrim… Os outros contorni mais comuns são verdura cotta, sendo que “verdura” pode ser qualquer folha cozida (espinafre, chicória, bietola), ou insalata, que vem invariavelmente já temperada, pra meu grande desgosto, e normalmente significa qualquer folha, menos a nossa maravilhosamente insossa alface comum, e tomate, aipo, finocchio – o odioso funcho – e mais nada. Essas nossas invenções saladíferas aqui não são muito bem aceitas: salada é salada e pronto. Aliás, insalata significa qualquer folha que sirva pra fazer salada: alface romana, alface crespa, radicchio, etc. Eu morro de raiva porque às vezes peço verdura cotta no restaurante mas quero saber qual verdura, pombas, eu como espinafre mas tenho horror a bietola – mas pra eles é tudo a mesma coisa, e quase sempre o garçom me olha com cara de espanto e diz, è verdura, signora, verdura è verdura, no? Haja paciência!

pão

E não esqueçamos do pão, que tem infinitas variedades, dependendo de onde se vai. Aqui no centro da Republica de Camarões – ou seja, Umbria, Toscana, Lazio e Marche – o pão é feito absolutamente sem sal, por motivos históricos (leia-se impostos altos demais sobre o sal, em tempos remotos, resultando em revolta dos padeiros que assim inventaram o pão sem sal). São aqueles pãezões enormes de um quilo, chamados filoni (no singular, filone), feios e com gosto de nada, e que já dois dias depois ficam secos, duros e incomíveis. Pra mim só serve pra fazer bruschetta, que no pão salgado fica muito estranha. No dia-a-dia como pão de forma mesmo, e de vez em quando uma baguete ou pãezinhos tipo francês que trago da loja quando sobram. O pão se usa como substituto da massa no jantar, e como acompanhamento pro secondo piatto. Italiano que é italiano não come sem pão. Eu acho um excesso de carboidratos desnecessário, e essa mania de comer com pão foi uma das poucas que eu não peguei por aqui.

Como eu estava dizendo, as variações do pão são muitas. A mais famosa é a piadina romagnola, uma massa folhada que leva ovo e gordura. Fica uma coisa achatada com cara de crepe mas com gosto muito particular – é ótima, diga-se de passagem. Come-se dobrada ao meio e recheada com qualquer coisa: linguiça aberta no meio, no sentido longitudinal, e assada na brasa ou na chapa, cogumelos, prosciutto crudo, mozzarella, rúcola, etc. Diferente da piadina, e na minha opinião iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinfinitamente melhor, é a já famosa (pelo menos aqui no blog) torta al testo. O testo é a plataforma refratária onde se assa a massa, que leva só farinha de trigo (que aqui se chama farina 00, doppio zero), água quente, sal, fermento e pecorino. Fica uma coisa de louco; quando a bicha está assando o ar fica com um cheiro que lembra o do pão de queijo… Como é mais alta do que a piadina, não se dobra, mas se corta em pedaços triangulares como se fosse uma pizza, e cada pedaço é dividido em duas partes, como um pão árabe, e lá dentro bota-se o recheio que quiser. Os mais tradicionais são capocollo (um embutido feito do músculo do pescoço do porco, DELICIOSO) e pecorino, e linguiça e erba (a famigerada verdura cotta; eu como sempre sem verdura, claro, já que ninguém nunca sabe me dizer que verdura é).

Secondi – seconda parte

Um outro longo capítulo de secondi são os substitutos da carne: as leguminosas, aqui chamadas legumi, ovos, queijo, frios. Tudo aqui leva tomate, inclusive as leguminosas, que são comidas sempre em forma de sopa, até porque o arroz branco que nós conhecemos não existe por aqui, é coisa exótica, de marroquino, de tailandês. Mas então. As lentilhas, prato comum nas festas de final de ano, viram sopa de lentilha, com molho de tomate na receita. Detalhe que os grãos de lentilha aqui são muito menores que os nossos, e dizem que a melhor lentilha do mundo, que tem grãos minúsculos, é a de uma cidadezinha chamada Castelluccio di Norcia, não muito longe daqui. Vendemos essa lentilha na loja, e agora no final do ano o que mais tem é gente entrando e pedindo le lenticchie di Castelluccio. O feijão mais usado é o borlotti, que parece um feijão-manteiga, uma das minhas grandes paixões, mas não é. Com o grão-de-bico (ceci), que eu ainda não aprendi a usar, eles fazem tipo uma sopa grossa, com alguns grãos deixados inteiros, com macarrão do tipo quadradinho – são como pequenos azulejos de massa, próprios pra sopa. A Arianna faz um grão-de-bico com quadradinhos que é de comer chorando.

Os ovos são mal aproveitados, na minha opinião. Sou super ovófila: adoro ovo mexido, frito, cozido, quente. Aqui normalmente se comem os ovos cozidos e regados com azeite (claro), ou então como omelete.

E os queijos? São tantos que nem dá pra mencionar. Aqui na zona onde eu moro eles fazem alguns queijos muito bons, particularmente a caciotta, um queijo macio e mais puxado pro doce, que eu amo, e os pecorinos, de leite de cabra, um mais gostoso que o outro. Tem também o stracchino, queijo cremoso que não chega nem aos pés do nosso requeijão (que dirá do Catupiry!), e os “formaggini”, queijinhos tipo Polenguinho, que são ótimos pra dissolver na sopa, nham nham. Em casa eu uso muito Philadelphia, porque sinto falta de queijo cremoso mas não acho nada decente…

Secondi – prima parte

As carnes são quase sempre grelhadas ou cozidas, difícil achar alguma coisa frita. O nosso refogadinho básico de cebola alho e óleo aqui vira cenoura, cebola e aipo, e nada de deixar dourar, é só pra dar uma esquentada leve. Picadinho quase não se faz, e quando rola é com muito molho de tomate, que é aproveitado pra pasta do primo; e quase sempre é de carneiro (agnello). Bichos estranhos são servidos quase sempre assados: coelho (coniglio), pombo (piccione, é HORRÍVEL), ganso (oca), pato (anatra), javali (cinghiale). Os cortes de carne são totalmente diferentes, eu não entendo nada, só reconheço bistecca (que eu considero carne de milésima categoria, cheia de nervos, peles e tendões), a famosa fettina di vitello (um filezinho fiiiiino, anêeeemico, triiiiste), costeletas (raras), rosbife, linguiça na brasa. Muito comum é o peito de frango já empanado, pronto pra fritar, mas eles não fritam num monte de óleo como nós fazemos, mas chegam até a usar papel-manteiga no fundo da panela antes de botar pouco óleo pra esquentar. Frango assado quase não se faz, e quando se faz, o bicho é seeeempre despedaçado antes ou depois de ir ao forno. Eu achava que era maluquice da Arianna, que tem um alicatão de cortar frango e sai despedaçando tudo, cortando ossos ao meio, de forma que os pedaços ficam pequenos, mas cheios de lascas de osso. Mas comendo na casa de outras pessoas vi que é mania deles mesmo. Nunca vi um frango assado (ou ganso) chegar inteiro na mesa, coitado. Quanto aos frutos do mar, aqui na Umbria, como já comentei várias vezes, são artigo de luxo. Peixe peixe mesmo quase não se come, a galera não gosta muito, sendo mais chegada aos outros frutos do mar. Acham-se facilmente no supermercado filés de merluzo e outros peixes congelados, prontos pra cozinhar; postas de peixe-espada (que eu adoro), frutos do mar limpos, preparados prontos pra macarrão, com lula, camarão, mariscos, polvinhos. Muito comum é a receita de lula recheada: o recheio é de farinha de rosca (pan grattato) temperada com o caldinho onde foi cozida a lula. Como sempre, entopem de limão, o que torna o prato absolutamente incompatível com o meu paladar.

Uma coisa que eu aprendi aqui foi a comer linguiça, coisa que eu sempre odiei com todas as minhas forças. É bastante provável que eu não goste da linguiça brasileira, muito mais gorda e menos temperada, mas não sei, já que desde que comecei a comer a bichinha não voltei mais ao Brasil. Mas aqui eles a usam de várias maneiras, e não só na brasa ou no feijão (alias, no feijão pra eles é coisa exótica): ou cortadas ao meio no sentido longitudinal e passadas na chapa, ou então tirando a carne da pele e refogando como se fosse carne moída, pra fazer molho de tomate, pra usar como topping de pizza, pra fazer o molho (salsa) norcina, cuja receita já dei aqui… Praticamente toda vez que eu como pizza peço uma que tenha linguiça, pra matar minha vontade de uma carninha básica, e ela NUNCA vem cortada em rodelas como no Brasil, mas sempre fora da pele, em montinhos espalhados sobre a pizza (sbriciolata, literalmente esmigalhada, ou seja, em migalhinhas. Bonitinho, né? :)

Outra mania deles é de comer vários tipos de carne ao mesmo tempo: linguiças na brasa com ganso assado e talvez umas bistecas… Ou então misturam carne de carneiro, vitelo e linguiça na mesma panela, pra fazer o molho de tomate do macarrão de domingo.