pausa

A novidade do momento é a epidemia de estupros. Logicamente que os que ganham mais espaço nos telejornais são os estupros cometidos por estrangeiros, de preferência romenos, mas de vez em quando a coisa é temperada com um velho italiano babão que abusava de crianças. Logo depois o governo aprova uma medida que elimina a possibilidade de prisão domiciliar pra estupradores, além de outras coisas muito justas. Mas eu entrei nesse assunto pra contar mais um comentário do Berlusca quando essa onda de estupros começou: “é meio inevitável, porque as mulheres italianas são muito bonitas”.

Quem quer que esse homem morra levanta a mão.

update do update

Aí um deputado católico entope Roma de cartazes dizendo “deus existe e até os ateus sabem disso”. Segundo o que eu andei lendo, alguns cartazes foram inclusive pendurados em locais onde é proibido fazê-lo. Não precisa nem dizer que ninguém se mexeu pra contestar a coisa, apesar da mensagem deles ser muito ofensiva – quem são eles pra dizer o que eu penso ou deixo de pensar? Câncer de pâncreas e hemorróidas pra todos.

Se você mora aqui na Bota, faça um favor a você mesmo e vá ao No-Vat (leia-se Não ao Vaticano) dia 14 de fevereiro. Não posso ir por motivos, hm, logistico-biológicos, mas se você pode ir, vá. Vá.

update sobre a publicidade nos ônibus de gênova

Alguém tinha alguma dúvida de que a mensagem “a má notícia é que deus não existe, a boa é que você não precisa dele” não teria autorização pra ser estampada nos ônibus de Gênova? (vide post anterior)

A UAAR não escolheu Gênova por acaso: é a cidade do Monsenhor Bagnasco, um grandíssimo filho da puta com as idéias mais retrógradas que eu já vi na vida e que volta e meia solta uma asneira conservadora idiota. O cara é tão chato que já foi vítima de ameaças, não se sabe de quem, mas que infelizmente jamais se concretizaram (perdoem-me a vontade de ver uma carnificina rolando, mas é que o conservadorismo fossilizante desse país ME DÁ NOS NERVOS).

Pois bem: a empresa que produz aqueles adesivos que cobrem os ônibus de publicidade decidiu não aceitar o pedido da UAAR e não prosseguir com a propaganda. A desculpa oficial é a de que esse tipo de mensagem é ofensivo pra quem é religioso, o que vai contra a lei. Leia-se “nós também, como todo mundo, nos cagamos de medo da igreja, comemos na mão deles, se fizéssemos a propaganda iam dar um jeito pra que a gente perdesse todos os clientes e iríamos à falência, pra não falar da desmoralização que sofriríamos (provavelmente nossos amigos deixariam de falar conosco e tal), então achamos melhor dar essa desculpa da lei número tal e tal, foi mal aí”.

O problema é que A PORRA DA IGREJA CATÓLICA DE MERDA NOS BOMBARDEIA NOITE E DIA COM PROPAGANDA EM TUDO O QUE É LUGAR, pedindo dinheiro (há uma taxa obrigatória, o otto per mille, ou 8/1000, que vai necessariamente pra igreja ou pro governo, você escolhe. Quando chega a época de fazer essa escolha somos massacrados por propagandas idiotas da igreja na TV, que eu duvido que sejam pagas, por sinal) e enchendo o saco. O problema é que aquela mala do papa TODA HORA aparece na TV e na mídia em geral, como se o que ele diz tivesse alguma importância concreta pra todo mundo que não é católico. O problema é que, sendo outro grandíssimo filho da puta, ele diz, sim, coisas ofensivas que vão inevitavelmente parar na mídia – como aquele dia infeliz em que, botando sua carinha de Palpatine na sua janela costumeira, soltou, o tato em pessoa, aquela pérola sobre o catolicismo ser a única religião verdadeira. Vá tomar no cu. O problema é que a igreja faz campanhas deslavadas contra a fecundação artificial, forçando casais estéreis a viajar pra outros países europeus pra poder ter filhos. O problema é que a igreja faz campanhas deslavadas contra a pesquisa com células-tronco, contribuindo pra atrasar o que pode ser um gigantesco avanço da medicina. O problema é que a igreja faz campanha deslavada contra a eutanásia, até hoje ilegal na Itália, forçando pobres coitados a vegetar por décadas mesmo contra a sua própria vontade expressa por escrito e mandando pra cadeia pais que, não agüentando mais ver o filho naquele estado, acabam cedendo ao bom senso e desligando os aparelhos. O problema é que a igreja declara abertamente que não dá o mesmo valor a casais casados só no civil e àqueles casados no religioso. O problema é que a igreja praticamente força todo mundo a se casar mesmo não querendo, visto que um casal que viva junto há cinqüenta anos e tenha doze filhos sem nunca ter se casado não é visto como núcleo familiar perante a lei; se um dos dois entrar em coma, por exemplo, é possível impedir que o outro tome decisões médicas por não ser considerado membro da família. O último governo de esquerda tentou mudar essa lei medieval, mas é lógico que não conseguiu. O problema é que, embora este seja oficialmente um país laico, hospitais, repartições públicas e escolas de norte a sul têm sempre um maldito crucifixo nas paredes. Pra ficar no meu microcosmos, aqui no prédio todo ano montam uma merda de um presépio gigante com direito a luzinha e agüinha, cuja conta é dividida igualmente por todos. Não precisa nem dizer que nós não fomos consultados – simplesmente ligam a merda do presépio na tomada e they take for granted que eu acho superlegal e estou superdisposta a dividir a conta de luz, por menor que seja.

Tudo isso pra mim, que não sou católica e nunca fui (uhuuu), é EXTREMAMENTE OFENSIVO. Eu também pago impostos, aliás provavelmente mais do que a maioria dos italianos – católicos, praticamente todos – que são mestres em sonegar. Eu também respeito as leis – com certeza mais do que a maioria dos italianos, incivis por natureza. Eu também vivo aqui. Eu também produzo riqueza pro país. Por que o comportamento claramente ofensivo desses filhos da puta contra nós, não-católicos, não é considerado tal? Por que é que, vivendo em um país oficialmente laico, eu tenho que aturar as conseqüências diretas e indiretas sobre a minha vida do que esses grandíssimos filhos da puta decidem?

É por essas e outras que o Mirco se desbatizou mês passado. Foi oficialmente excomungado. Só não mandamos emoldurar e penduramos na parede porque o cretino do padre escreveu bem quatro páginas cheias de baboseiras em vez de mandar uma folha só dizendo “fulano de tal é, a partir de hoje e a seu próprio pedido, considerado não membro da Igreja Católica Apostólica Romana, com as seguintes conseqüências: não pode ser patrinho de batizado [viva!], não pode ser padrinho de casamento [eba!], não pode receber os últimos sacramentos [uhuuu!], não pode ser enterrado em cemitério católico [yay!], já que foi oficialmente excomungado [atualmente uma das palavras mais lindas de qualquer dicionário, no meu entender]”. Inveja cor-de-rosa de um membro de um grupo do Facebook que tinha sido batizado no Vaticano e por isso tem um certificado de desbatismo cheio de mumunhas, com brasão e “VATICANO” escrito em letras garrafais no alto. Chiquérrimo.

Grandíssimos filhos da puta. Câncer de pâncreas com dores excruciantes pra todos eles.

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O lado positivo da coisa é que está-se falando muito mais sobre o assunto do que teria acontecido se os ônibus tivessem saído com a propaganda. A esperança é que esse absurdo tome proporções tão avassaladoras que seja possível realmente mudar alguma coisa, limitar oficialmente o poder da igreja, fazer com que passem a pagar impostos como todo mundo, a não meter o bedelho no coma vegetativo dos outros, essas coisas. Dedinhos cruzados, faz favor.

a chuva

Não pára de chover na Bota. No país inteiro. Aqui na Umbria entre ontem e hoje choveu mais do que normalmente chove no mês de dezembro inteiro. O riacho que atravessa Bastia, um afluente do Tibre, está furiosíssimo e as árvores das margens estão com água na altura dos sovacos. O Mirco hoje emprestou a empilhadeira pra prefeitura de uma cidade perto da oficina, porque eles tiveram que comprar uma quantidade avassaladora de sal pra jogar nas estradas de montanha e não tinham como descarregar. Muita gente lá pros lados de Todi foi orientada pela Defesa Civil a sair de casa porque havia risco de alagamento. O Arno, em Florença, já chegou ao primeiro nível de emergência. Veneza está submersa na maior acqua alta dos últimos não sei quantos anos.

Em Roma, que é tudo na vida inclusive porque chove muito pouco, chove ininterruptamente há não sei quantas horas. Essa noite uma mulher morreu afogada quando passou com seu SUV por baixo de um viaduto e encontrou QUATRO METROS de água. Não conseguiu abrir as portas, nem as janelas (vivam os vidros que abrem com manivela), a água entrou, ela não conseguiu sair, e morreu.

No norte, escolas fechadas por causa da neve nas estradas, caminhões removedores de neve trabalhando a toda, perigo de avalanche nas áreas montanhosas.

No sul, as ilhas isoladas por causa do mar fortíssimo.

Segundo os meteorologistas, já se sabia que esse inverno iria ser pauleira porque as manchas na superfície do sol andavam muito poucas, o que significa menos atividade e portanto menos calor. Se é assim mesmo que a coisa funciona, não sei. O que eu sei é que estou ADORANDO poder trabalhar de casa, ao lado do radiador, ouvindo o pat-pat da chuva na janela. E adorando mais ainda me enfiar debaixo das cobertas depois do almoço pra dar aquela dormidinha básica que dias chuvosos exigem.

hohohoho

Vocês tão carecas de saber que eu praticamente não vejo televisão. Mas um dos nossos programas preferidos é Le Iene (que nada mais é do que o nome italiano de Reservoir Dogs. Don’t ask.), que passa às terças-feiras. Seguem a linha de jornalismo investigativo, mas sempre com muito humor e sacaneando muito os políticos. Ontem eles se superaram.

O lance é o seguinte: foi aprovada uma lei idiota contra a prostituição (todas as leis contra a prostituição são idiotas) cujo texto a um certo ponto diz que é proibido exibir-se em público usando roupas inequivocavelmente provocantes e cujo intuito óbvio é atrair clientes para a realização de meretrício. A repórter de Le Iene, então, fez uma coisa ABSOLUTAMENTE SENSACIONAL: foi aos estúdios da RAI e dos outros canais e pegou emprestadas as roupas que as Veline, Letterine etc (equivalentes das nossas chacretes) usam em programas atuais e do passado. Não sei se estou me explicando direito: ela foi ao setor de figurino dos diferentes canais de televisão e pegou roupas que todo o santo dia aparecem na nossa televisão, pois todo programa aqui tem mulheres seminuas rebolando coreografias idiotas num cenário tipo Qual É A Música. Vestida de top e microshort ou microsaia transparente cheia de canutilhos e bota de salto agulha e cano altíssimo, plantou-se na beira de uma estrada em Roma.

Pararam váaaaaarios carros, até porque só tinha ela, onde antes muitas prostitutas batiam ponto. Os caras paravam, perguntavam “quanto custa”, e ela, inocente “quanto custa o quê”, ao que respondiam “como o quê, quanto custa pra trepar”. Ela, muito cândida, respondia que estava esperando o namorado ou uma amiga pra ir ao cinema. Alguns mandavam-na praquele lugar, outros insistiam. Até que ela começou a ser parada pela polícia. Ela fez o teste várias vezes, com várias roupas diferentes, e foi parada pela polícia todas as vezes. Quando diziam que ela não podia ficar na rua vestida daquele jeito, ela respondia, “mas o senhor já viu essa roupa milhões de vezes…”.

Eu dava gargalhadas. Todos os nossos couchsurfers ficaram horrorizados com o tamanho minúsculo das roupitchas dessas beldades, quase todas namoradas de jogadores de futebol, e com a onipresença dessas garotas, inclusive em programas onde não tem o menor cabimento botar mulher rebolando. A reportagem chamou as chacretes de prostitutas com uma sutileza invejável. Genial.

relou!

Dessa vez a desculpa pro sumiço é o trabalho mesmo. Tudo o que eu não trabalhei no mês passado, que foi devagar quase parando, parece ter se acumulado, triplicado, em novembro. Vida de freelance é assim mesmo, não posso reclamar, só que vai chegando o final do mês e vai me dando uma canseeeeira…

O país está em turmoil. Não só por causa da crise, mas por problemas de política interna mesmo, pra variar. As últimas:

. Em um país normal, não seria necessário manter um órgão de vigilância pras televisões do governo, mas aqui precisa, porque a manipulação de informações é uma coisa estratosférica. Então a RAI tem uma comissão de vigilância pra que se assegure que as informações sejam imparciais (aham). Tradicionalmente, e muito compreensivelmente, o presidente dessa comissão é escolhido pela oposição. Nada mais óbvio, parece-me, sobretudo em um país em que o premier é dono dos outros três canais de televisão, que não estão sujeitos a nenhum tipo de controle em termos de imparcialidade, logicamente. Só que esse ano o Berlusconi não gostou do candidato que a oposição escolheu. Bateu o pezinho de anão e disse assim mesmo, “esse não rola”. E acabaram plantando um fulano que oficialmente é de centro-esquerda, mas que é um conhecido vira-casaca, marionetezinha básica, e a oposição se revoltou. Conversou-se e chegou-se à conclusão que quem merece o cargo é um outro fulano, de OITENTA E CINCO ANOS (lembrem-se de que estamos falando de uma direita que propagandeou a “mudança, a renovação” do corpo de políticos do país durante a campanha eleitoral. Berlusca tem 73 anos.). Só que o cara que foi eleito inicialmente também bateu o pé e disse, daqui não saio, daqui ninguém me tira. Em um país normal, nada disso teria acontecido, mas na Bota as providências pra atenuar a crise ficam de lado enquanto neguinho perde tempo discutindo sobre a comissão de vigilância da RAI.

. Uma escola desabou não sei onde lá no norte, se não me engano. Um estudante morreu e vários ficaram feridos. O comentário do Berlusconi sobre essa tragédia foi a seguinte pérola: foi uma fatalidade, poderia ter acontecido com uma casa ou um prédio qualquer. Só que não é bem assim que a banda toca: descobriu-se que a estrutura da escola não era fiscalizada há não sei quanto tempo e não passaria em nenhum teste de “habite-se” (sei lá como se diz “agibilità” em português) mais rigoroso. Pior: METADE, eu disse METADE das escolas italianas, e estamos falando de creche a escola superior, estão em condições precárias em termos estruturais. Em algumas regiões essa proporção chega a 80%. Fatalidade my ass.

. Ainda o Cavaliere, porque infelizmente ele é onipresente mesmo, vai gostar de aparecer assim lá na casa do caráleo. Sobre a crise, afirmou que parte da culpa é da sociedade, que precisa continuar consumindo, ora bolas. A culpa, segundo ele, não é dos bancos (ele é dono de banco), nem das indústrias (ele é dono de várias indústrias) e muito menos do governo. E a solução não está nas mãos de nenhuma dessas entidades, mas nas das pessoas, que precisam comprar mais. Aí o jornal L’Unità faz uma capa sensacional hoje: “Comamos brioches”. E Berlusconi diz que a imprensa (assim como os juízes, cujo poder foi vergonhosamente reduzido, como os sindicatos e como a oposição em geral) está fazendo complô contra ele.

Olha, eu juro que quando esse homem morrer vou tomar um porre de champanhe que vão ter que chamar o Iron Maiden pra tocar dentro do meu ouvido pra eu sair do coma alcóolico.

che te piasse una colica…

O fim de semana jornalístico foi marcado pela gafe (leia-se falta de educação extrema) do nosso amado Berlusca. Em visita à Rússia (ele é amigão do Putin), em meio a uma entrevista coletiva, perguntaram-lhe o que achava da eleição do Obama. Sua resposta, que quem quiser se dar ao trabalho pode encontrar no YouTube, foi: acho que ele e o fulano aqui (o presidente russo, se não me engano) vão se dar muito bem, pois têm muitas coisas em comum. Assim como ele, o Obama também é jovem, bonito e bronzeado.

Silêncio na sala. Algumas risadinhas amarelas.

O episódio foi comentado no mundo todo, e quando repórteres americanos vieram tomar satisfações e perguntar se ele não pretendia se desculpar com o neopresidente, Berlusca se ofendeu e disse que as pessoas estão perdendo o senso do ridículo e que ninguém tem mais senso de humor.

Eu não posso nem ver a cara desse homem sem ter vontade de vomitar.

oi

Não morri não. Digamos que é uma letargia pós-Paris. Porque Roma pode ser tudo na vida, mas Paris é Paris, né, vamos combinar. Qualquer coisa depois de Paris dá uma tristeza, uma desilusão, um desbunde ao contrário – um des-desbunde, digamos assim. Pior ainda é sair de Paris e pular direto pra Itália, o país mais provinciano do mundo.

Falando da Bota, o país anda em polvorosa por causa de duas coisas: o Superenalotto (a MegaSena daqui) que não saía há 6 meses, e ontem deu a um sortudo de Catania, na Sicília, a beleza de 101 milhões de euros, e a reforma na educação.

O plano de reforma foi desenhado pela ministra da educação, formada em direito numa faculdade do norte mas que se descambou até a Calábria pra fazer a prova da OAB deles, sacam. É como o cara que faz vestibular pra medicina vinte vezes, não passa pra nenhuma federal e acaba estudando na Estácio, onde é mais fácil passar (principalmente se você tiver o pistolão adequado). Entenderam o drama, né. Então: os vários pontos da reforma na verdade são muito confusos, porque a oposição de esquerda exagera na instrumentalização e a gente acaba não sabendo direito como a coisa funciona. Sei que pelo que eu entendi há pontos positivos e muitos negativos. Entre os pontos positivos estão o retorno da nota de comportamento, que permitirá reprovar alunos pouco civilizados, e a eliminação de cursos universitários idiotas, supérfluos ou com poucos alunos – aparentemente há 37 cursos ativados nesse momento com somente 1 aluno inscrito. Até aí tudo bem, sou supercontra o esquema de supermercados de cursos que rola por aqui, como no Brasil, e mais ainda a favor da abolição de pseudofaculdades tipo Estácio, Gama, Santa Úrsula, Wakigawas da vida. Chega de pagou-passou, né, convenhamos.

Também há pontos obscuros, como a eliminação do horário integral nas escolas, que parece que não é exatamente verdade mas que é conspiração da oposição, e o fechamento de sedes destacadas de escolas em lugarejos remotos que têm poucos alunos – parece que esses alunos serão remanejados para outras estruturas, de modo que ninguém ficará sem aulas.

Os pontos negativos, porém, são muito, MUITO sérios. O primeiro é um corte de 7 bilhões de euros para a educação, em todos os níveis. A desculpa do governo é que há professores demais, e tenho certeza de que nesse caso tem razão, há mesmo. Pra não falar da parte burocrática e administrativa. Aqui também tem muito funcionário público fantasma, que ganha salário e não trabalha, em todas as áreas, inclusive na educação. Mas o problema é o seguinte: a Itália gasta menos em educação do que TO-DOS os outros países europeus, e o resultado se vê claramente no ranking que sai todo ano sobre o conhecimento e a preparação dos alunos em cada país da União Européia. A Itália é lanterninha TODOS OS ANOS, em TODAS AS MATÉRIAS – história, ciências, a própria língua, língua estrangeira, informática, geografia, matemática. Então não seria melhor mandar embora todos esses professores a mais, e investir o dinheiro poupado em laboratórios nas escolas (porque não há), em sistemas de avaliação dos docentes, em cursos de atualização e especialização dos docentes, etc? A escola italiana é uma merda há muitos e muitos anos, nunca foi o centro das atenções de nenhum governo moderno, nem de direita e nem de esquerda, e precisa urgentemente de mais e melhores investimentos. E aí Berlusca vem com essa, porque precisa de dinheiro pra salvar os bancos e as indústrias nacionais da crise econômica – não preciso lembrar a vocês que ele é o maior industrial do país, dono de bancos, universidades particulares, lojas de departamento, jornais e revistas (que têm subsídio do governo), time de futebol, pra não falar das três redes particulares de televisão e de uma TV a cabo.

O segundo ponto é o retorno do professor único para todos os anos da escola primária. Primeiro que pra mim parece um método pra criar obediência a uma figura autoritária, e vocês sabem que eu tenho horror horror horror a autoridade de qualquer tipo. Segundo que hoje em dia ninguém tem mais capacidade de ensinar tudo; há que se especializar. E mandando embora os professores a mais sem contratar outros a idade média dos professores, que já é a mais alta DO MUNDO, não vai baixar nunca. Você acha que um professor italiano de 60 anos que ainda usa colete xadrez e tem dentes faltando na boca sabe ligar um computador ou entende alguma coisa de replicação de DNA?

O terceiro ponto é que muitos desses cortes vão cair pro lado da pesquisa, que já é um dos muitos pontos fracos da educação italiana. No lugar de cada 5 professores afastados por idade avançada, incompetência ou simplesmente por estar sobrando, só vai entrar UM pesquisador. A indústria italiana não é competitiva no resto do mundo porque não é inovativa nem eficiente, e eles vão cortar justamente a pesquisa! Cacetes estrelados, nem no Zaire, viu.

Por isso tudo, mas sobretudo pelos motivos errados (instrumentalização da esquerda e imbecilidade universal dos estudantes), as escolas e universidades estão em greve, ou pelo menos em estado de intenso tumulto. Aqui quando os estudantes resolvem protestar eles “invadem” as escolas e universidades. Acampam mesmo, levam comida, sacos de dormir, etc, e se apropriam dos prédios. Chama-se “occupazione” e acontece há muitos anos, é uma tradição no país. Aí o Berlusconi vai à TV dizer que não aceita esse tipo de comportamento, porque (e aqui ele tem razão, embora obviamente seus motivos sejam outros) tira o direito dos estudantes que querem ter aulas e fazer provas normalmente, e que pra impedir essa farofada toda vai falar pessoalmente com o Ministro dell’Interno pra que ative as forze dell’ordine (leia-se polícia e Carabinieri). Pronto! Revolução! Todo mundo nas ruas desafiando a polícia com cartazes, bonecos, faixas, broches, camisetas. Bola forésima do Cavaliere, coisa que achei ótima, lógico, pois o índice de aprovação desse governo anda em torno dos 70%, uma coisa absolutamente inacreditável (pra não dizer assustadora), e qualquer mijada fora do penico ajuda. Ele conseguiu piorar as coisas mais ainda dizendo, no dia seguinte, que nunca tocou no assunto polícia. Ooooooooooh o apocalipse! Ontem e hoje a TV não fez nada além de repetir, praticamente em loop, o famoso discurso sobre o uso das forze dell’ordine. Dupla bola fora: falar besteira e depois vir dizer, com a cara-de-pau que lhe é peculiar, que não falou nada daquilo, embora a cena tenha sido gravada e mostrada à exaustão. Continua assim, filhinho. Quem sabe finalmente a ficha cai, e, por tabela, o Cavaliere…

alitalia

O lance é o seguinte: pelos motivos de sempre a Alitalia está, perdoem-me o francês, fodida e mal paga. Então todo mundo anda há meses metendo o bedelho pra decidir o que fazer com a bichinha.

Quando foi anunciado o flop total da companhia a Air France-KLM fez uma proposta, cheia de amor pra dar. A Air One, que também é italiana, fez outra, mas eu ouvi da boca de aeromoças e funcionários de terra da Alitalia que se a Air One ganhasse a parada e comprasse a Alitalia a coitada faliria de novo rapidinho, visto que a Air One aparentemente não tem dinheiro nem pro papel higiênico dos banheiros. O governo da época, de esquerda, começou as negociações com a Air France-KLM, até porque não tinha mais ninguém no páreo pra comprar o elefante branco. Aí começou a campanha eleitoral.

Berlusconi saiu logo jogando pedras pra todos os lados: Air France não, imagina, a nossa companhia de bandeira não pode ir parar nas mãos dos malvados franceses, Alitalia é nos-sá, ahá, uhú, vamos dar um jeito, afinal somos italianos e não desistimos nunca. Pois bem; o maldito Cavaliere dos infernos foi eleito, como todo mundo está careca de saber (menos ele, que fez um transplante de cabelos bárbaro e de careca não tem mais nada), começou com as suas palhaçadas de sempre, as leis personalizadas pra tirar o dele da reta, a pantomima dos soldados nas ruas* etc. Passado esse furor inicial, voltou-se ao assunto Alitalia. Continua tudo na mesma, porque ninguém quer aquele traste. A Air France-KLM soltou um verdão de novo, assim como quem não quer nada, refazendo a proposta. E então agora o governo está achando ótimo e já está tudo praticamente acertado, a Alitalia vai ser vendida pra Air France-KLM e vai passar (talvez) a se chamar Compagnia Aerea Italiana.

A pergunta que não quer calar é por que raios o acordo inicial foi violentamente desmantelado pelo Cavaliere Calvo se agora ele começa as negociações todas de novo. O problema é que o acordo atual é menos vantajoso para os funcionários e para as finanças da empresa, e a oposição, junto com os sindicatos, está puta da vida, com razão, suspeitando de mutretas várias. Só o deus sabe o quanto o pessoal do alto escalão está ganhando com essa história.

*Isso é assunto pra outro post, aguardem.

de novo

Queria postar sobre isso ontem, mas me embolei com o trabalho e não deu. Foi melhor assim, porque hoje de manhã fiquei sabendo de umas coisas que confirmam que não é maluquice minha.

O lance é o seguinte: essa semana o governo deu o pontapé inicial ao projeto que coloca militares nas ruas de algumas grandes cidades italianas, teoricamente pra aumentar a segurança dos cidadãos. A minha dúvida não era se os militares realmente resolveriam o problema ou não (é LÓGICO que não), mas se era necessário. A resposta também é não, do meu ponto de vista. Apesar de não morar em cidade grande, ocasionalmente vou a Roma e não percebo, nem de longe, aquela sensação de perigo iminente e o instinto de fight or flee que você sente no Rio assim que bota o pé fora de casa. As histórias de crimes que aparecem nos telejornais me parecem incrivelmente sensacionalistas, nunca vêm acompanhados de estatísticas e pra mim são simplesmente coisas que acontecem em qualquer grande cidade do mundo. Mas eu achava que era só eu.

Aí, hoje, no telejornal da La7 (o único canal aberto que não pertence ao Berlusca nem é indiretamente controlado por ele), deram umas estatísticas sobre as causas de morte na Itália. Em primeiro lugar, tchan-tchan-tchan-tchan, acidentes de trânsito. Lógico. Mais pra baixo na classificação temos o que eles aqui chamam de “mortes brancas”, mortes de trabalhadores no local de trabalho devido a negligência ou por não usar equipamentos de segurança. O primeiro detalhe é que as mortes no trânsito são OITO VEZES mais numerosas do que os homicídios, e as mortes brancas, se me lembro bem, três vezes mais numerosas do que mortes matadas. O segundo detalhe é que essa mesma pesquisa, feita por um centro estatístico de todo respeito, mostra que o número de homicídios vem caindo constantemente nos últimos anos. Se além disso você considerar que uma parte importante das mortes matadas estão relacionadas com a máfia, coisa que o exército não conseguiria resolver nem rezando pra todos os santos do mundo, vê-se que os soldados estão nas ruas só pra aparecer mesmo e pros velhinhos acharem que estão superseguros, que é exatamente o objetivo do governo.

Mesmo que o exército conseguisse efetivamente resolver alguma coisa (e já sabemos que não consegue), veja bem: em uma cidade como Roma a proporção é de um soldado pra cada 7.500 habitantes. Mó ajudona, né não! E mesmo que resolvesse, a presença deles é temporária. Mandemos os criminosos em hibernação, e que só acordem depois que o exército for embora!

Militarizar cidades que não estão em estado de emergência de criminalidade nem em guerra civil é a coisa mais demagoga que existe no mundo. Mas tá todo mundo achando ótimo, claro. Enquanto isso o governo faz cortes nos gastos com a polícia; policiais distribuem folhetos de protesto nos engarrafamentos nos pedágios (todo mundo indo al mare), mas isso não aparece nos canais da Rai, muito menos, é claro, nos do Berlusconi.

Esse país tá me cansando, não sei se vocês já perceberam.