murder she wrote

Durante o feriado encontraram uma estudante americana morta na casa onde morava, pertinho do estacionamento onde eu paro o carro quando não consigo ir de ônibus pra Perugia. Do ladinho do prédio principal da Università per Stranieri, o Palazzo Gallenga. Meus colegas de turma nem sabem direito onde fica porque depois da reforma dos outros prédios praticamente todas nossas aulas foram transferidas pros novos edifícios. Mas eu estudei no Gallenga em 2002 e conheço bem a área; a casa da garota é visível do estacionamento.

Ela estudava Letras na outra universidade de Perugia, mas como quem pensa em estudante, estrangeiro e Perugia imediatamente pensa na minha faculdade, o clima anda muito estranho. Os acusados são a roomate americana da vítima, seu namorado italiano e um rapaz do Congo, muito conhecido na cidade por trabalhar como RP de muitas boates e pubs. Parece que as provas científicas são definitivas, embora esteja rolando uma história de álibis de ferro. O caso é que ela foi degolada. Degolada. A hipótese inicial é que ela teria se recusado a participar de uma noite de sexo, álcool e drogas, e por isso foi morta.

E daí que logicamente não se fala de outra coisa na cidade inteira, e em todo o país o comentário é como Perugia virou uma cidade invivível, cheia de estudantes idiotas que passam o dia bêbados coçando o saco e degolando colegas. Eu não moro em Perugia nem nunca morei, mas meus colegas dizem que não mudou nada nos últimos anos: a cidade sempre foi recheada de estudantes universitários, que realmente bebem muito como em toda cidade universitária, e os imigrantes não-estudantes não moram no centro e normalmente não têm carro, então de maneira geral não freqüentam o centro histórico. Quando vamos a Perugia à noite a cidade tá sempre entupida de jovens que ficam subindo e descendo a rua principal, como em toda cidade do interior que não oferece nada de melhor pra fazer. Eu não tenho medo de andar no centro à noite sozinha, embora haja vielas escuras que todo mundo evita – e, segundo dizem, sempre evitou. Então realmente não sei se a coisa tá pior ou melhor do que há dez ou vinte anos atrás. Mas o incidente foi muito desagradável, e logicamente a minha faculdade espera uma certa queda no número de inscrições pros próximos cursos de italiano pra estrangeiros.

un problema non indifferente

A Itália tem poucos imigrantes, quando comparada com a França, a Alemanha, a Áustria. Desses poucos que tem, mais poucos ainda são pretos, ao contrário de França e Inglaterra: como a Itália não tem ex-colônias, os imigrantes que chegam aqui não vêm por afinidade com a língua ou costumes, como “efeito rebote” do período colonial, por acordos entre países. Vêm porque basta atravessar o Mediterrâneo de barquinho – as ilhas menores da Sicília, como Lampedusa, estão praticamente na África. Então temos muitos marroquinos, alguns tunisianos. E muitos albaneses, que chegam do outro lado do mare nostrum.

Os albaneses são problemáticos porque têm sua própria máfia, muito mais cruel do que as italianas. Mas é uma imigração antiga, tanto é que há ilhas lingüísticas no sul do país onde falam-se dialetos albaneses há muitos séculos. Quase todos trabalham como peões de obra.

Os marroquinos são problemáticos porque seu muçulmanismo é atrasadíssimo, porque não aprendem nunca a falar italiano, porque as mulheres não trabalham, porque mandam todo o salário pro Marrocos pra sustentar as famílias que não trabalham e nunca têm dinheiro pra nada, porque cheiram mal, porque compram as carteiras de motorista, porque não têm seguro do carro e se se metem em acidente, é impossível tirar nenhuma indenização deles porque não têm nenhum bem em seu próprio nome, nunca. Marroquinos e tunisianos às vezes se envolvem em tráfico de drogas, nas grandes cidades. Mas nos pequenos centros são só chatinhos e normalmente não se metem em confusão.

Os romenos não. Os romenos são um problema MUITO sério. Sempre foram, mas depois que a Romênia entrou na Comunidade Européia a coisa piorou a olhos vistos. Vêm todos pra Itália porque a língua é fácil de aprender pra eles, e com o novo oba-oba da CE a Bota está entupida deles. Não estou falando dos ciganos, que até os romenos mesmo desprezam, mas de romenos-romenos. Estão no topo das listas de crimes cometidos por estrangeiros, são os estrangeiros mais numerosos nas prisões italianas, são os reis da clonação de cartão de crédito e de picaretagens generalizadas. A maioria das prostitutas estrangeiras é de nacionalidade romena – algumas porque forçadas a se prostituir pelos romenos que as trouxeram pra cá, outras por falta de oportunidade. Eu só conheço 4: minha ex-faxineira, que parecia ótima até o dia em que o Mirco chegou em casa mais cedo e a encontrou com uma amiga fazendo a faxina (ora bolas, você tem a chave da minha casa, tem a minha confiança, sempre te paguei em dia, o mínimo que você pode fazer é perguntar antes se tem problema botar alguém que não conheço dentro de casa); a mulher de um amigo do Mirco, que é ligeiramente antipática; a garota que trabalhou comigo lá na agência e seu marido, que “roubou” a senha da esposa e entrou no site pra roubar tradutores e clientes. Eu sabia da história mas não o conhecia; o vi pela primeira vez no jantar de aniversário da Kate, mês passado, e a impressão foi a pior possível e imaginável. Sabe O cafajeste, o picareta por definição? E mal educado, fazendo cara de nojo quando chegavam os pratos, perguntando o que era “aquilo” na hora da sobremesa – uma coisa marrom com cheiro de chocolate, do que será que é feita, hein? Ainda por cima é supermachista e não quer que a mulher trabalhe nem saia sozinha. Ia sempre pegá-la no trabalho de carro, em vez de deixar que ela pegasse o trem com a Patrizia, que ia pro mesmo lugar. Pior: há anos não trabalha, vive de vender bolsas falsificadas e máquinas fotográficas de origem duvidosa no ebay. Hmmmmm. Então vocês vejam que apesar da amostra muito pequena, estatisticamente a coisa tá ruim pro lado deles, no meu score particular.

Essa semana um romeno matou uma mulher numa periferia de Roma. Escândalo, escândalo, só se fala disso. A direita, lógico, já tá enchendo o saco botando a culpa no governo porque “deixa entrar todo mundo”. Mas se os romenos agora são cidadãos europeus, não há como controlar a imigração, oras. Pede-se cooperação com o governo romeno, mas pra fazer o quê? Pra convencer seus cidadãos a não migrar? A se comportar direitinho?

Há algumas semanas falou-se do assunto em Terra!, um programa documentário bem feitinho que passa tarde da noite e só às vezes tenho forças pra assistir. Descobrimos que Bucareste é uma das cidades européias com menor índice de criminalidade, como testemunharam alguns italianos que vivem e trabalham lá. Ou seja, o maior produto de exportação da Romênia pra Itália são os filhos da puta. Legal, né.

Pra ninguém vir dizer que eu sou racista, preconceituosa et al., vejam aqui que não são só os italianos que sofrem com o Problema Romeno.

tordandrea d’assisi

Cidade de interior é uma coisa gozada mesmo.

Ontem fomos jantar em Tordandrea, uma frazione de Assis (terra da avó do Mirco). O Juri (leia-se Iuri), o agente de seguros e amigo do Mirco, mora lá e é o tesoureiro do novo time de futebol local. Ontem foi a apresentação oficial do novo time, que tinha ficado desativado por 16 anos, e teve festa, jantar na praça, prefeito, assessores. Parecia um capítulo de Tieta, só faltava o coreto na praça. Tudo levado muito a sério: televisão local filmando (nem sei em que canal passa), apresentador de microfone na mão, distribuição de galhardetes, relógios de presente aos patrocinadores, trilha sonora de Rocky Balboa, mulheres emperequitadíssimas e homems de colarinho da camisa levantado. Eu passei quase o tempo todo rindo, apesar do cansaço mental depois de dias estudando pras provas da semana que vem. A falta de opções de lazer na roça leva o povo a fazer escova no cabelo e se pintar e usar salto alto até pra ir de bicicleta pra praça pra ver a apresentação de um time tão chulé, mas tão chulé, que os jogadores são voluntários e não ganham um tostão. A compensação é que as crianças voltam pra casa sozinhas de bicicleta à noite, mas sinceramente não sei até que ponto vale a pena.

O jantar foi aquilo de sempre: antipasto com melão, prosciutto, bruschetta, salame, depois penne com um molho de carne delicioso, depois lingüiças na brasa com batatas no forno com alecrim, pão sem sal, uma torta bizarra de sobremesa (esses doces sempre sobram, inexplicavelmente neguinho cai de boca é na salada de fruta), vinho tinto bom na mesa.

Mas nos comportamos e comemos pouco. Eu estou uma vaca e o Mirco está com uma barriguinha em que todo mundo reparou, então estamos oficialmente de dieta. Merda.

enquanto isso,

na bota…

. Doze pessoas presas no hospital Silvestrini, em Perugia. Batiam o ponto pros colegas, amantes, cônjuges etc, que não iam nunca trabalhar. Rings a bell, doesn’t it.

. O último candidato a comprador da Alitalia, a AirOne, se retirou. Ninguém ama a Alitalia, ninguém quer a Alitalia, ninguém a chama de meu amor.

novas

Então tipo assim. Domingo passado almoçamos na IKEA, compramos uns negocinhos (poucos, poucos mesmo) e fomos pegar mamãe no aeroporto. Eu tirei essa primeira semana de férias, mas arrumei outro trabalho temporário justamente nesses dias e acabou que ela ficou conhecendo Foligno inteira enquanto eu dava aula meio período. E nesse exato momento estou trabalhando de casa, orientando minhas alunas online enquanto elas fazem os exercícios que eu preparei. Vejam bem: a Comunidade Européia está me pagando pra chatar com as minhas alunas em inglês. Eu adoro isso. Tomara que dê frutos, porque o clima lá no trabalho tá cada vez mais pesado.

Sexta-feira passada fui jantar com os outros tradutores, só os que não estão no lado negro da força, lá em Foligno mesmo (tava tendo a Quintana, a festa da cidade, com torneio a cavalo etc). Fofocamos tanto que não me surpreenderia se a chefa tivesse amanhecido morta na cama só de mau olhado, coisa que infelizmente não aconteceu. Acontece que no mês passado o tradutor de espanhol e a de francês fizeram MIL LAUDAS, vou repetir, MIL LAUDAS, com 80 horas extra, vou repetir, OITENTA HORAS EXTRA, e a chefa pagou CINCO EUROS POR HORA, vou repetir, CINCO EUROS POR HORA. Se eu tivesse feito esse trabalho todo e me tivessem oferecido cinco euros por hora eu juro que dava um tapão daqueles que estalam. Cacetes estrelados, cinco euros por hora é quanto ganha o aprendiz de faxineiro do Mirco, do Uzbequistão, que mal fala italiano e mal sabe varrer o chão. Vai ser filha da puta assim na casa do chapéu. Então rolaram vários estresses, dos quais estou relativamente imune visto que trabalho sozinha no andar de baixo, mas fiquei tão, tão, tão irritada quando soube da história que passei o dia inteiro rangendo os dentes. Eu é que já deixei bem claro desde sempre que não faço hora extra de tradução nem que a vaca tussa, e se quiserem que eu faça qualquer coisa depois das seis ou nos fins de semana quero ser paga por lauda e não por hora (lógico que nunca me ofereceram). Sei é que eu tenho que sair correndo dali antes que exploda de tanto ódio por aquela vaca.

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Mudando de pato pra ganso, mas não tanto, aqui na Bota os escândalos são tantos e tão ridículos que nem parece que eu saí do Brasil. Pra vocês terem uma idéia, não consigo nem escolher um pra comentar. Vou deixar pra Daíza que ela adora essas comédias botenses.

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Os hominhos estão instalando o ar condicionado aqui em casa nesse exato momento. Tínhamos encomendado o serviço pra um amigo de um conhecido há TRÊS MESES, mas ele simplesmente parou de atender o telefone e não respondeu a nenhuma mensagem que lhe mandamos. Mirco recorreu à loja que nos forneceu os eletrodomésticos da cozinha, e no dia seguinte o tal amigo do conhecido ligou dizendo que os aparelhos tinham chegado e perguntando quando poderia vir instalar. Só lamento, quérido, quem mandou não saber trabalhar. Custava ligar pra dizer que tava ocupado e que não sabia quando iria poder vir? Ô raça…

O escândalo da semana é o acúmulo de lixo nas ruas de Nápolis, um fenômeno anual pelo menos desde que estou aqui. (engraçado que todo mundo que mora fora tem uma data de aniversário de chegada ao país, mas eu nunca me liguei nisso e não tenho a menor idéia de quando começar a contar.) O que acontece de verdade ninguém sabe, porque os telejornais são uma merda e não te dão nenhuma informação além da superfície muito superficial. O que se sabe é que TODO SANTO ANO, quando começa a esquentar, de preferência, começa a dar tilt no sistema de coleta de lixo da cidade, os caminhões não passam mais e o lixo vai se acumulando nas ruas. Os caminhões não passam porque não têm pra onde levar o lixo, porque os lixões foram sendo gradualmente fechados, mas o porquê disso tudo ninguém entende direito – até porque nenhuma outra cidade do país tem esse problema. A população não quer lixões nem sistemas de reciclagem ou de incineração, mas aí fica difícil. Reciclar, nem se fala: numa cidade onde NINGUÉM usa capacete quando anda de lambreta nem pára no sinal, imagina se vão ter a disciplina de separar o lixo, o que, convenhamos, é um porre. Tem que fazer, e eu faço mesmo sabendo de fontes seguras e várias que em Perugia juntam tudo de novo, mas eu faço, porque pelo menos tenho minha consciência limpa. Mas acho que napolitano nenhum do mundo conseguiria, nem sob ameaça de apocalipse iminente.

Todo mundo sabe que a máfia ganha as licitações de coleta de lixo no sul do país, mas que em vez de eliminar o lixo do jeito que deve, o que é caro pra burro (tipo, um litro de diluente que o Mirco usa na oficina custa mais pra eliminar do que o preço que ele paga quando compra), simplesmente joga a sujeira em qualquer lugar – em rios, lagos, campos, contaminando tudo. Mas esse lance de Nápolis é muito bizarro, até porque reciclar dá dinheiro. Sei é que todo ano é a mesma novela, e dessa vez até o presidente da república, aquele que não manda nada, resolveu dar uma dura no governo e pedir medidas mais sérias. Inclusive porque a coisa tá começando a feder de verdade, não só nas ruas mas também no bolso, porque a notícia está correndo o mundo e os turistas já começaram a cancelar as reservas nos hotéis…

Nápolis é quase irmã gêmea do Rio, impressionante.

curtas

As notícias quentes da bota:

. O escândalo da pedofilia numa escola na periferia de Roma. Alguns alunos de uma creche começaram a fazer desenhos estranhos e contar histórias muito cabeludas. Os pais se reuniram, levaram os filhos a uma psicóloga, e chegaram à conclusão que as crianças vinham sofrendo abusos sexuais por parte de alguns professores, de uma inspetora e de um frentista de posto de gasolina. Mas como as crianças são muito pequenas e não foram encontrados sinais físicos de agressões, está tudo muito confuso ainda. Uma história definitivamente bizarra e horripilante.

. A visita do idiota do papa ao Brasil. Outro dia teve até um especial Porta a Porta com aquela múmia baba-ovo do Bruno Vespa transmitindo direto de São Paulo. Como sempre, na platéia e nas reportagens sobre a ação benéfica da igreja com as comunidades carentes, uma concentração de gente feia e vulgar difícil de encontrar em outros lugares do mundo.

. A idiotíssima marcha Family Day, organizada em Roma pelos partidos de direita, católicos e idiotas, e que vai acontecer agora no próximo sábado, pra protestar contra a possibilidade de que casais que vivem juntos mas não quiseram se casar tenham os mesmos direitos de casais casados. A chamada união civil não é reconhecida na Itália, e o atual governo, de esquerda, está tentando passar uma lei que mude essa palhaçada. Mas não, porque o papa diz que é feio, que isso é uma ameaça à instituição “família”, que família de verdade é só a que se casa na igreja, com a noiva virgem de branco e pagando caríssimo pra conseguir uma igreja legal, que a culpa desse mundo horrível de hoje é dessa gente pagã que não se casa na igreja. Mavaffanculo tu e chi ti ha parturito, testa di cazzo che non sei altro.

. O vizinho de baixo, o tal marechal, finalmente terminou o gramado. Plantou uma oliveira jovem (porque as centenárias chegam a custar milhares de euros), rosas, cerca-viva. Até aí tudo bem. Mas ele botou anões no jardim. A-NÕES-NO-JAR-DIM. E um gazebo. GAZEBO!!!

. Outras duas pessoas se mandaram lá do trabalho. Um é o Stefano, gráfico, que um dia apareceu lá embaixo pra dar tchau e jogou a notícia-bomba pra mim e pra Christine: estou me mandando, daqui a pouco a vossa hora também vai chegar! A outra foi a garota que devia substituir a Roberta, também na parte de gráfica, que ficou tão pouco tempo que nem deu pra eu descobrir como se chamava. Christine já pediu demissão e trabalha só até o final do mês.

. De vez em quando me dá uma vontade hedionda de comer pão careca da Eldorado com requeijão e presunto. Mas aí eu como piadina com scamorza e speck e passa logo… ; )

. Também anda-se falando muito das eleições na França, e depois que o Sarkozy ganhou passaram a falar das férias que homem está tirando no iate luxuosíssimo do seu amigo bilionário, em Malta. O problema é que ele tinha falado que ia fazer um retiro espiritual depois das eleições…

. O tempo anda lindo e voltei a correr.

notícias da bota

Os assuntos que andam monopolizando a imprensa botense nos últimos dias são todos horríveis. Um é o número altíssimo das chamadas “mortes brancas”, mortes em acidentes no trabalho. Como em muitas outras estatísticas importantes, nesse quesito a Itália também é lanterninha na Europa. E estranhamente a Umbria é a região com mais alta incidência de acidentes de trabalho, pior do que a Campania (a região onde fica Nápolis). Ontem, em pleno feriado, dois operários que estavam montando a iluminação da igreja pra festa do santo daquele bairro caíram do guindaste. Ou melhor: caiu a “cesta” onde eles estavam trabalhando, matando duas mulheres, sogra e nora, que estavam saindo da igreja depois da missa e ferindo mais duas ou três pessoas. Há pouco tempo morreu um velho de mais de 70 anos, sempre em Nápolis, que estava trabalhando “in nero” (sem carteira assinada) em um andaime, pintando uma parede. Caiu, morreu, e quando a polícia chegou não tinha uma alma viva na rua – todo mundo com medo de se envolver na história.

Outra notícia desagradável é a falta de chuva no país durante o mês de abril, que normalmente é bem chuvoso. Já estão dando o alarme de estiagem desde agora, porque a previsão é de um verão horrendamente quente, como o de 2003, e sem água a coisa se complica mais ainda. Ontem deu uma chuvidinha muito chulé, mas os riachos continuam secos e o risco de blecaute em pleno verão, quando todo mundo vai estar com ventiladores e aparelhos de ar condicionado ligados, é alto.

Mas o horror dos horrores foi mesmo a morte de uma garota no metrô de Roma. Ela morava na periferia e estava indo trabalhar numa sorveteria no centro quando foi agredida por duas romenas enquanto descia do vagão. Uma das romenas estava com um guarda-chuva na mão, que usou pra bater na garota. E, pasmem, um dos, cacete, como se chama, um dos arames do guarda-chuva entrou no olho da menina, que morreu depois de uns dois dias de coma e várias cirurgias. O circuito interno de vídeo do metrô permitiu a identificação das duas romenas, prostitutas, que àquela altura já estavam na região de Marche, aqui perto. Estavam escondidas num mix de barraco e galinheiro, mas um vizinho viu, as reconheceu e chamou a polícia. A que efetivamente agrediu a garota tem dois filhos pequenos na Romênia, e a outra é menor de idade.

Por último houve a condenação de Annamaria Franzoni, acusada de matar o filho Samuele em um chalé em Cogne, lá no fim do mundo, no meio das montanhas no norte da Itália. O crime aconteceu há cinco anos, e há cinco anos o assunto toda hora aparece na televisão, em livros, em revistas. Porque a casa era superisolada e pelos cálculos da polícia ninguém teria tido tempo de entrar, matar o garoto com um objeto que nunca foi encontrado e sair de casa sem ser visto no curto período de tempo que a mãe levou pra acompanhar o filho maior até o ponto de ônibus, pertinho da casa. O crime ficou conhecido como “il delitto di Cogne” e quando saiu a sentença essa semana – 16 anos de prisão pra mãe, ainda que as provas sejam mais exclusivas do que inclusivas: não pode ter sido mais ninguém, só tinha a mãe em casa, foi a mãe – o país parou. Eu não sei nem o que dizer, não tenho opinião formada, porque é uma história muito bizarra. Ainda mais porque logo depois da morte do garoto a Franzoni anunciou na televisão que ela e o marido pretendiam ter outro filho, o que realmente aconteceu. Houve uma série de erros da polícia e da perícia, e todas as provas do caso são muito estranhas e suspeitas. Foram chamados técnicos de outros países pra dar pitaco, mas aparentemente a confusão era tanta que não se chegou a nenhuma conclusão definitiva. A impressão que todo mundo tem é que nunca ninguém vai saber o que realmente aconteceu. Tipo o ataque epilético do Ronaldo na Copa, lembram.

vuole un calendalio cinese, signola?

O assunto da semana é a revolta da comunidade chinesa de Milão. O lance começou com uma multa que uma comerciante chinesa levou por estacionar em fila dupla pra descarregar a mercadoria. O negócio começou a esquentar e a mini-revolta dos chineses terminou com 20 policiais e 10 chineses feridos e muitas bandeiras da China abanadas das janelas. Então começou-se a falar mais seriamente sobre o assunto.

Agora de manhã, vendo Omnibus na La 7, o único canal que presta, acabei me divertindo porque chamaram aquela idiota da Mussolini, fascistona que além de fascistona é uma completa imbecil (pra não falar do cafonismo, como diz o Mirco), e nunca tem a menor idéia do que está falando. Ela começou com aquela velha história que os chineses se fecham em guetos e “empurram” os donos da casa pra outras zonas da cidade. Realmente os chineses não têm o menor interesse em se integrar e tendem a formar, realmente, “enclaves” dentro das cidades onde vão – mais ou menos como as mil Little Italies na costa leste dos Estados Unidos, como o Bexiga em São Paulo, como os bairros tradicionalmente italianos em Buenos Aires, sacam. Mas o que o apresentador do programa, e os outros convidados, alguns de esquerda, tentavam fazer com que ela entendesse é que, cacete, se ninguém tivesse vendido as lojas e as casas aos chineses, eles não teriam como se estabelecer ali, certo? Se os milaneses realmente pusessem o interesse da cidade acima da salvação do próprio bolso, não venderiam suas propriedades. Se os chineses estão ali é porque alguém vendeu os pedaços de terra pra eles. E se abriram lojas e mais lojas é porque o governo permitiu, certo? Porque a fiscalização aqui é severa e se você não tem a autorização da prefeitura colada na parede a polícia desmantela tudo rapidinho. Por que o governo (no caso específico de Milão, de direita há 20 anos) dá autorização aos chineses pra abrir uma loja atrás da outra no mesmo bairro, favorecendo a formação da Chinatown milanesa? Será que é porque eles sempre pagam tudo cash? (não pagam impostos, todo mundo sabe disso, e só trabalham com dinheiro vivo. Tenta só pagar com cartão de crédito o seu jantar no restaurante chinês pra ver se cola).

Outra coisa engraçada é que a julgar pelas estatísticas nenhum chinês se machuca, fica doente ou morre, jamais, porque não aparecem nunca nos hospitais ou necrotérios italianos. A polícia toda hora estoura um banco ou um hospital clandestino, porque os chineses não participam da vida italiana de jeito nenhum, e quando ficam doentes ou precisam abortar ou amputar um pé ou arrancar um dente procuram ajuda de clínicas clandestinas chinesas, invariavelmente improvisadas e imundas. Isso tudo me fez lembrar o primeiro parágrafo daquele livro ó-te-mo sobre a máfia de que falei há algum tempo, com os corpos congelados dos chineses caindo de um container no porto de Nápolis, com destinação à sua pátria pra serem enterrados. Outro dia na TV entrevistaram um funcionário do porto de Nápolis que disse que oficialmente nunca houve nenhum episódio desse tipo, mas que uma vez que é sabidíssimo que chineses não morrem, simplesmente desaparecem – certidão de óbito de chinês é que nem enterro de anão, ninguém nunca viu – é claro que os corpos saem do país ilegalmente, e portanto a história do container é mais do que provável.

Eu não gosto dos chineses. São sujos, isolacionistas, e sobretudo não têm nenhum respeito pelos direitos humanos ou dos animais ou pelo ambiente, o que é, pra mim, um defeito hediondo. Mas o que mais me assusta é que não dão importância ao lazer. Um povo que só pensa em trabalhar é MUI-TO AS-SUS-TA-DOR. Só que temos que admitir que a invasão chinesa não é forçada. Nenhum chinês chega com um revólver na cabeça de ninguém dizendo “vende a loja senão eu ablo tua baliga com uma peixeira!”. Se comprou, é porque alguém vendeu. Se se instalou, é porque alguém deixou. Se não morrem de fome é porque compramos seus produtos tabajara nos camelôs e não pedimos nota fiscal, é porque vamos aos seus restaurantes (pelo menos aqui na Itália o problema da sujeira é improvável porque a fiscalização sanitária é severíssima. Única vantagem concreta de morar em um país cuja vida gira ao redor da comida) e pagamos o arroz cantonês e o frango com amêndoas e bambu em dinheiro e não reclamamos quando não dão a notinha.

Como sempre, nos afogamos na nossa própria merda.