il terzo mondo è qui

Várias coisas bizarras vêm acontecendo por aqui.

Assim que chegamos do Brasil as notícias bombásticas eram duas, a violência num jogo de futebol em Catania, na Sicília, que resultou na morte de um policial, e o caso de uns pacientes que receberam órgãos transplantados de um doador, pasmem, HIV-positivo. Depois do barraco em Catania o campeonato da primeira divisão praticamente acabou, já que foi condenado a ser jogado no meio da tarde, durante a semana, e sem acesso do público. E depois do barraco do transplante começou uma blitz gigantesca em todas as grandes instituições de saúde do país, desencavando coisas horrorosas. Das quais, logicamente, não se fala mais nada.

Aí foi a quase-queda do governo, por uma diferença de poucos votos entre Câmera e Senado. Detalhe que quem fez a diferença, parece, foram um que vota em nome dos italianos no exterior e mais uns senadores vitalícios que não largam o osso.

Depois rolaram vários episódios seguidos de violência nas escolas: uma professora que acidentalmente fez um corte na língua de um aluno com uma tesoura (aparentemente o garoto não calava a boca e a professora ameaçou cortar a língua do menino. Mando a minha plena solidariedade.), um que apanhou do pai de um aluno porque mandou o garoto desligar o celular durante a aula, o garoto ligou pro pai dizendo que tinha apanhado, mesmo tendo vinte mil testemunhas do contrário, o pai veio e sentou o cacete no professor, e finalmente o diretor de uma escola que apanhou do pai de um aluno que não gostou das notas na caderneta.

Aí uma boa notícia: o governo mandou abolir a ridícula taxa que todas as operadoras de celular cobravam pra botar crédito no telefone. Eu tenho TIM, que pega até na lua mas é cara pra cacete, e sempre pagava 5 euros cada vez que comprava crédito. Desembolsava 50 euros e só ganhava 45 de crédito (esses 45 euros me duram em torno de três meses, mas mesmo assim é um gasto injusto, né). O governo exigiu garantias de que as companhias não vão aumentar as tarifas pra compensar a perda dessa mamata. Ahan…

Assim que nos mudarmos vou renovar meu permesso di soggiorno, já com o endereço novo. A partir de agora não se fazem mais filas longas quanto a Muralha da China na porta da Questura, “basta” mandar um envelope pré-impresso com os documentos necessários e o comprovante de pagamento da nova taxa de 70 euros. Só que nas grandes cidades surgiu um novo personagem ilícito: o cambista de envelopes pra renovar permesso di soggiorno. Você vai nos correios, pede um envelope, ouve um “acabou”, e é forçado a sair catando alguém que venda, a preços perfumados, uma merda de um envelope que em teoria o correio te dá de graça. Quando soube dessa história fui correndo à agência de Bastia pegar um envelope pra mim, mesmo estando tão no interior do Zaire que a idéia de ser cambista ainda não foi inventada. Nunca se sabe. Outra coisa legal é que como os pedidos de renovação são muitos, mas MUITOS, e como os correios italianos são de uma incompetência ímpar, vários envelopes sumiram. Foram parar no Limbo dos Correios Italianos. E enquanto isso os pobres coitados que gastaram 70 paus e tiveram que enviar inclusive o permesso original ficam a ver navios.

Por que eu não nasci na Dinamarca?

o miguel couto é aqui

Outro bicho que tá pegando é uma notícia que bem podia ser brasileira.

Um repórter danado, que já fingiu ser imigrante pra arrumar emprego colhendo tomate e ganhando uma titica e dormindo em tenda no bosque, entre outras coisas, se enfiou num macacão azul e entrou num hospital como se trabalhasse pra cooperativa que faz os tais “serviços gerais”. Como a falta de pessoal de limpeza e manutenção é gritante, ninguém nem percebeu que ele não trabalhava na empresa: tá de macacão, vai trabalhar. E o que ele viu num dos maiores hospitais de Roma é de arrepiar os cabelos. Os pacientes são transportados pelo subsolo, às vezes, onde, aparentemente, há algumas salas de exames, e a tubação no teto é toda aberta, cheia de lodo, pingando aquela água nojenta em cima de quem passa. Entre outros problemas que eu nem lembro. Sabe o Getúlio? O Souza Aguiar? É mais ou menos aquilo. E aí a coisa desencadeou uma megablitz do Ministério da Saúde pra “apurar irregularidades”, que, logicamente, começaram a pipocar por todos os lados. Não achei fotos, mas também estou com preguiça de procurar.

enquanto isso…

Uma notícia em particular não sai dos jornais e dos telejornais desde o Natal: a morte de uma mulher, seu filho pequeno, sua mãe e uma vizinha de casa, em uma cidade do norte da Itália. A mulher que morreu era casada com um tunisiano, que foi imeditamente suspeitado, até porque vivia entrando e saindo da cadeia por tráfico de drogas. Todas as manchetes só falavam disso. Aí a primeira virada: o cara tinha ido pra Tunísia dez dias antes do assassinato. Todas as manchetes ficaram boazinhas de repente, doidas pra difundir a notícia que o magrebino não era culpado de coisa nenhuma, imagina se somos xenófobos. E finalmente a virada final: os assassinos foram dois vizinhos de casa. Ainda não entendi direito o motivo; aparentemente a família das vítimas fazia barulho, os vizinhos detestavam o tunisiano, entraram e casa e mataram todo mundo. O marido da vizinha morta sobreviveu, e foi ele quem denunciou os dois, que acabaram confessando. Os jornais de hoje dizem que os assassinos não demonstraram nenhum sentimento durante o depoimento. A mãe da assassina disse que ela foi estuprada quando era pequena e que tinha mania de ordem e limpeza.

Nós também temos Charles Manson, galera, tão pensando o quê.

r

Fomos a Roma hoje. Daniele e Eun Hae tinham ido a Cisterna di Latina visitar o irmão dela, e aproveitamos pra ir de trem e voltar com eles de carro. Pesquisamos uma mostra qualquer que pudéssemos ver e achamos uma no Museo di Roma, atrás da Piazza Navona. É uma série de retratos de cardinais, nada de devastador mas mesmo assim vale a pena, sempre. Depois da mostra fomos tomar sorvete de maracujá na Gelateria della Palma, lóooooogico, e ainda fiz a maior propagandaça do maracujá propriamente dito quando a senhora do meu lado caiu na asneira de perguntar aos seus botões que fruta era. Eu não consigo deixar pergunta sem resposta, e não importa se a pergunta não foi feita pra mim. Então expliquei que é uma planta que dá uma flor linda (que ela conhecia, mas não sabia que fruta rolava, e se era comestível) e que o suco é muito refrescante, e que como sinto muita falta toda vez que vou a Roma passo religiosamente na Palma pra tomar o sorvete. Ela respondeu que vinha de sei lá onde (um subúrbio de Roma) só pra tomar sorvete lá de tão bom. E provou o maracujá, gostou e me agradeceu.

(meu outro sabor – porque na Itália ninguém toma sorvete de um gosto só – foi Variegato Nutella e Mou, mais ou menos sorvete de baunilha mal misturado com Nutella e doce de leite. Matem-se de ódio, crianças.)

Na volta paramos em Deruta pra comer numa pizzaria que o Daniele conhecia. Cara, o garoto tem muita grana, dois carrões de sei lá quantos mil euros na garagem, mas putz, vai viver mal assim na China! Mora mal (a casa é entupida de coisas velhas porque ele não joga nada fora, nunca), o carro que usa pra trabalhar é uma Lancia caindo aos pedaços dos anos 70, tudo o que você dá pra ele comer ele acha bom. A comida supernormal, nada de especial, e ele boooooooooom, lambendo os beiços. Muito estranha, a vida.

O dia passou rapidinho. Ainda lembrei de mandar um beijinho mental pra Isabella, mas foi só. Estávamos cansados quando chegamos em casa, mas felizes, porque Roma, vocês sabem…

r

Fomos a Roma hoje. Daniele e Eun Hae tinham ido a Cisterna di Latina visitar o irmão dela, e aproveitamos pra ir de trem e voltar com eles de carro. Pesquisamos uma mostra qualquer que pudéssemos ver e achamos uma no Museo di Roma, atrás da Piazza Navona. É uma série de retratos de cardinais, nada de devastador mas mesmo assim vale a pena, sempre. Depois da mostra fomos tomar sorvete de maracujá na Gelateria della Palma, lóooooogico, e ainda fiz a maior propagandaça do maracujá propriamente dito quando a senhora do meu lado caiu na asneira de perguntar aos seus botões que fruta era. Eu não consigo deixar pergunta sem resposta, e não importa se a pergunta não foi feita pra mim. Então expliquei que é uma planta que dá uma flor linda (que ela conhecia, mas não sabia que fruta rolava, e se era comestível) e que o suco é muito refrescante, e que como sinto muita falta toda vez que vou a Roma passo religiosamente na Palma pra tomar o sorvete. Ela respondeu que vinha de sei lá onde (um subúrbio de Roma) só pra tomar sorvete lá de tão bom. E provou o maracujá, gostou e me agradeceu.

(meu outro sabor – porque na Itália ninguém toma sorvete de um gosto só – foi Variegato Nutella e Mou, mais ou menos sorvete de baunilha mal misturado com Nutella e doce de leite. Matem-se de ódio, crianças.)

Na volta paramos em Deruta pra comer numa pizzaria que o Daniele conhecia. Cara, o garoto tem muita grana, dois carrões de sei lá quantos mil euros na garagem, mas putz, vai viver mal assim na China! Mora mal (a casa é entupida de coisas velhas porque ele não joga nada fora, nunca), o carro que usa pra trabalhar é uma Lancia caindo aos pedaços dos anos 70, tudo o que você dá pra ele comer ele acha bom. A comida supernormal, nada de especial, e ele boooooooooom, lambendo os beiços. Muito estranha, a vida.

O dia passou rapidinho. Ainda lembrei de mandar um beijinho mental pra Isabella, mas foi só. Estávamos cansados quando chegamos em casa, mas felizes, porque Roma, vocês sabem…

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Vocês sabem que eu adoro ler sobre a máfia. Normalmente máfia se refere à Cosa Nostra, siciliana. Mas vocês também sabem, porque eu estou careca de mencionar aqui, que a camorra napolitana também não é flor que se cheire e mata gente à luz do dia, em bares, lojas, supermercados, calçadas, praças.

Estou lendo Gomorra, livro de Roberto Saviano (logicamente ameaçado de morte infinitas vezes) sobre a máfia napolitana, que se chama camorra.

SE AINDA NÃO FOI TRADUZIDO PRO PORTUGUÊS, EU ME OFEREÇO PARA. Achem um editor que queira publicar, eu traduzo.

A gente acha que o crime organizado no Rio é um horror. Mas vocês não têm idéia do comprimento dos tentáculos da camorra. A Itália compra praticamente 60% das armas produzidas no mundo, que em parte a camorra usa e em parte troca por drogas ou vende. Compram diretamente dos arsenais dos países do ex-bloco soviético. Todo o mercado têxtil, TODO, TO-DO, está dominado pela camorra. Todas as roupas das grandes grifes italianas são feitas em Nápolis, em confecções de fundo de quintal com funcionários imensamente qualificados sem nenhum direito trabalhista e usando matéria-prima chinesa. Eles controlam INTEIRAMENTEEEEEE o mercado da construção civil, estão envolvidos com a eliminação de lixo (devidamente triturado e misturado ao cimento vagabundo dos imóveis que constróem), controlam a imigração ilegal, têm políticos de direita e esquerda na palma da mão, matam meninas com tiros no rosto e dissolvem cadáveres no ácido, testam novas remessas de AK-47 dando tiro nas vitrines à prova de balas das lojas (não importa, eles também são fornecedores de vidro), recrutam (e armam) crianças e adolescentes como aviões, velhos aposentados como mensageiros, fecham as ruas com carros e lambretas pra evitar que a polícia passe, usam granadas rotineiramente, sugam os subsídios da União Européia, jogam em barrancos e/ou queimam corpos de peões de obra que morrem freqüentemente em acidentes nos canteiros. Estão até aqui na Umbria, que dificilmente é vigiada pela polícia por ser uma região de população ínfima e que de indústria praticamente só tem comida e turismo, ou seja, terreno pouco fértil pros empreendedores camorristas. Desviaram BILHÕES que o governo deu pra reconstrução das cidades depois do terremoto de 97. Têm conexões com as máfias da Albânia, com o governo assassino de muçulmanos da Sérvia, com a Rússia. Dominam o mercado imobiliário na Espanha e concentram a entrada de drogas na Europa através do porto de Nápolis. Sem pagar impostos, claro.

Vocês não tão entendendo.

rings a bell

A coisa em Nápolis tá pegando fogo. Até bala perdida eles também já estão adotando. Daqui a fechar túnel pra assaltar a galera presa dentro é um pulo, cês vão ver.

Inclusive já tem gente pedindo ajuda do exército. Sounds familiar, doesn’t it.

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Aí o Striscia la Notizia outro dia mostrou como inclusive os policiais à paisana andam de moto sem capacete – TODO MUNDO em Nápolis anda de moto e lambreta sem capacete. E hoje mostraram novamente a foto dos dois à paisana montados na mesma moto e sem capacete, e leram no ar a explicação que um dos colegas dessa mesma força especial da polícia mandou por e-mail: se eles usassem, seriam confundidos com assassinos, porque só quem comete crime e precisa esconder o rosto usa capacete em Nápolis.

E olha que eles nem têm Rosinha e Garotinho.

ho ho

O clímax do dia foi o programa Le Iene, falando sobre a construção da linha TAV (Treno Alta Velocità). Tipo assim, uma comédia, se não fosse trágico. O projeto TAV custa na Itália muitíssimo mais do que nos outros países europeus onde já existe. Não houve licitação, mas concessão, que, olha só, foi dada à empresa de um ex-Ministro da Infra-Estrutura. No meio tem a Ferrovie dello Stato, tem a Fiat, tem subsidiárias da FS, tem empresas privadas. O projeto foi feito igual à minha cara e alguns trechos já tiveram que ser refeitos. O impacto ambiental é grave em algumas áreas. A coisa já saiu com uma dívida tão grande que, pensem, SE A ITÁLIA TIVESSE COMUNICADO QUE NÃO TINHA 66 BILHÕES DE EUROS PRA BANCAR O PROJETO, NÃO TERIA ENTRADO NA COMUNIDADE EUROPÉIA. Tão sacando a gravidade da coisa? Fica melhor ainda: o órgão que controla as obras pertence, tchãrãaaaa, não a terceiros imparciais, como seria de se esperar em qualquer país civilizado, mas aos diretamente envolvidos. E a divisão de 40% de fundos bancados pelo governo e 60% pela indústria privada é uma mentirona, porque essa indústria privada pegou empréstimo… do governo!

Gente, isso aqui é só um Brasil que come mais macarrão. Juro.

passa-parola

Por sorte essa semana todos os últimos estudantes cancelaram tudo ao mesmo tempo, e posso voltar pra casa em um horário mais humano. O que significa passar na Rita pra comprar verdura fresca pra grelhar pro jantar. Também significa receber recado de uma das minhas ex-alunas, as Oche Farmaciste. Essa até que é a menos oca, anzi, é boazinha e sei que gostaria de aprender inglês direito. A gente já tinha se encontrado na Rita antes porque ela trabalha na Farmacia Comunale ali perto. Uma amiga sua precisava de um professor de inglês pra filha, deixou recado com ela, que, não sabendo meu telefone, deixou recado com a Rita, que deixou recado com a Arianna, que me ligou avisando. Roça é isso.