tuatha de danaan

Eu juro que comecei a ler Delitto e Castigo, pra acompanhar o clube de leituras do maldito Alexandre, que fica botando minhocas literárias na minha cabeça. Mas não estou com muito saco pra ler em italiano ultimamente. Talvez porque eu esteja entrando em uma nova fase Irlanda da minha vida (já passei por várias). Desencavei uns livros que eu trouxe do Rio e que nem lembrava mais que tinha, e no momento estou lendo Kingdoms of the Celts – A History and Guide, de John King. Não tenho a menor idéia de quem é John King, se tem cacife pra falar desse assunto, se o livro pode ser levado a sério, mas eu realmente adoro esse assunto e gosto muito desse livro. Em breve contarei a história de Queen Medb e King Ailil, uma das minhas preferidas. E esse ano pretendo, de verdade, ir à Irlanda.

Matilda

E o livro do dia, e primeiro do ano, foi Matilda, de Roald Dahl. Já devo ter falado aqui de Roald Dahl umas trezentas vezes; adoro tudo o que ele escreve. Pena que só fui descobri-lo quando já era adolescente e estudava no Britannia. Não há livros melhores pra crianças espertas do que os seus. Um humor negro, uma sinceridade, umas analogias simplesmente geniais. Compartilho:

Capítulo 1 – The Reader of Books

It’s a funny thing about mothers and fathers. Even when their own child is the most disgusting little blister you could ever imagine, they still think that he or she is wonderful.

Some parents go further. They become so blinded by adoration they manage to convince themselves their child has qualities of genius.

Well, there is nothing very wrong with all this. It’s the way of the world. It is only when the parents begin telling us about the brilliance of their own revolting offspring, that we start shouting, ‘Bring us a basin! We’re going to be sick!’

School teachers suffer a good deal from having to listen to this sort of twaddle from proud parents, but they usually get their own back when the time comes to write the end-of-term reports. If I were a teacher I would cook up some real scorchers for the children of doting parents. ‘Your son Maximilian,’ I would write, ‘is a total wash-out. I hope you have a family business you can push him into when he leaves school because he sure as heck won’t get a job anywhere else.’ Or if I were feeling lyrical that day, I might write, ‘It is a curious truth that grasshopers have their hearing-organs in the sides of the abdomen. Your daughter Vanessa, judging by what she’s learnt this year, has no hearing-organs at all.’

I might even delve deeper into natural history and say, ‘The periodical cicada spends six years as a grub underground, and no more than six days as a free creature of sunlight and air. Your son Wilfred has spent six years as a grub in this school and we are still waiting for him to emerge from the chrysalis.’ A particularly poisonous little girl might sting me into saying, ‘Fiona has the same glacial beauty as an iceberg, but unlike the iceberg she has absolutely nothing below the surface.’ I think I might enjoy writing end-of-term reports for the stinkers in my class. But enough of that. We have to get on.

Matilda (Roald Dahl)

How the irish saved civilization

We know, again from the Gospels, the hatred of the Jews of the first century for the Roman tax collectors. By the time of Ausonius [sec. IV] that hatred was universal. But now I must ask a great concession of my readers: to pity the poor tax man, whose life was far more miserable than the lives of those who suffered his exactions. The tax man, or curialis, was born that way: Can you imagine the dawning horror on realizing that you were born into a class of worms who were expected to spend their entire adult life spans collecting taxes from their immediate neighbors – and that there was no way out?

But this was only the beginning of the horror. Whatever the curiales were unable to collect they had to make good out of their own resources! Who were these wretches, and how were they assigned their doom?

***

E agora fiquei com vontade de ler os outros livros da série Hinges of History. E esse também, que não faz parte da série mas tem cara de ser bom.

Vejam bem, não são tratados de História; são introduções, pontos de partida pra quem não sabe nada do assunto e quer saber mais. A narrativa é deliciosa, as curiosidades são muitas, a ironia é tanta. A-DO-RO.

relendo, e re-amando

I – The End of the World
How Rome Fell –
and Why

On the last, cold day of December in the dying year we count as 406, the river Rhine froze solid, providing the natural bridge that hundreds of thousands of hungry men, women, and children had been waiting for. They were the barbari – to the Romans an undistinguished, matted mass of Others, not terrifying, just troublemakers, annoyances, things one would rather not have to deal with – non-Romans. To themselves they were, presumably, something more, but as the illiterate leave few records, we can only surmise their opinion of themselves.

Inspecting the Roman soldiers now, we note the quiet authority of their presence, the polish of their person, the appropriateness of their stance – they are spiffy. More than this, there is an esthetic to each gesture and accountrement. All details have been considered – ad unguem, as they would say, to the fingertip, as a sculptor tests the smoothness and perfection of this finished marble. Their hair is cut with a thought to the shape of the head, they are clean-shaven to show off the resoluteness of the jawline, their dress – from their impregnable but shapely breastplates to their easy-movement skirts – is designed with the form and movement of the body in mind, and their hard physiques recall the proportions of Greek statuary. Even the food in the mess is prepared to be not only savory to the taste but attractive to the eye. Just now the architriclinus – the chef – is beginning to prepare the carrots: he slices each piece lengthwise, then lengthwise again, to achieve slender, elongated triangles.

We look out across the river to the barbarian hosts, who in the slanting, gray light of winter mass like figures in a nightmare. Their hair (both of head and face) is uncut, vilely dressed with oil, braided into abhorrent shapes. Their bodies are distorted by ornament and discolored by paint. Some of the men are huge and muscular to the point of deformity, their legs wrapped comically in the garments called braccae – breeches. There is no discipline among them: they bellow at each other and race about in chaos. They are dirty, and they stink. A crone in a filthy blanket stirs a cauldron, slicing roots and bits of rancid meat into the concoction from time to time. She slices a carrot crosswise up its shaft, so that the circular pieces she cuts off float like foolish yellow eyes on the surface of her brew.

How the Irish Saved Civilization, Thomas Cahill

***

O que eu não daria pra ver esse evento ao vivo!

XV

O rapaz acordou muito bem disposto no outro dia, estava, ou pelo menos parecia, restabelecido completamente. Os ares tonificantes de Santa Teresa produziram-lhe efeitos miraculosos.

– Até que enfim podia mandar ao diabo os xaropes e as tisanas que, de tempos a essa parte, lhe melancolizavam a vida e relaxavam o estômago. E, ainda metido entre os lençóis, na matinal preguiça das sete e meia, dispunha-se a filosofar sobre o ridículo episódio da véspera, quando um leve rumor na porta do quarto lhe desviou o curso das idéias. Era a menina que trazia o café.

Viu-lhe a pálida mãozinha medrosamente sordir por entre a fisga da porta mal cerrada, para depôr no chão, como era de costume, a chávena de porcelana. Amâncio, porém, desta vez saltou da cama e, correndo de gatinhas, a empolgou nas suas.

A mãozinha quis fugir, ele não consentiu, e com ela veio um braço que as folhas da porta arremangavam.

Começou a beijá-lo sofregamente, desde a ponta dos dedos até os biceps; enquanto Amélia, sempre escondida ia consentindo, toda ela arrepiada em cócegas.

– Um beijinho… pediu ele, mostrando o rosto.
– Logo!
– Com certeza?…
– Com certeza!

E a pequena desapareceu muito ligeira, – tique, tique, tique, pela escada.

Pouco depois combinaram a primeira entrevista. Ela subiria ao sótão, logo que a casa estivesse completamente recolhida. Amâncio que a esperasse no escuro e com a porta do quarto apenas cerrada.

O rapaz não pôde ficar tranqüilo nem mais um instante.

As horas nunca lhe pareceram tão longas e as conversas tão intermináveis. Um sobressalto feliz perturbava-o todo, tirava-lhe o apetite e não lhe permitia um pensamento que não fosse cair aos pés de Amélia.

Por maior caiporismo, o Dr. Tavares tinha essa noite uma visita que parecia disposta a não largá-lo. Era um velho de sua província, muito falador de política, apaixonado pelas eleições, pelos conservadores, mas que, nem à mão de Deus Padre, pronunciava os rr e os ss e dizia: “Os partido liberá, os senadô”, e outras barbaridades.

– Quando se irá este cacete?… pensava Amâncio, trêmulo de impaciência.

E o Tavares a puxar pelo demônio do homem, a fazer-lhe perguntas sobre perguntas e a despejar contra ele a sua retórica inexaurível.

Até o guarda-livros que às vezes passava dias e dias sem dar uma palavra, estava essa noite disposto a falar pelos cotovelos. Ainda pilhara o chá e, repimpado na cadeira, com um brilhante a luzir num dedo, o ar satisfeito, os punhos bem engomados, taramelava a respeito dos seus projetos de casamento. “Sim, que ele, havia coisa de ano e meio, estava para desposar uma linda menina e de educação esmeradíssima. Já há que tempos a pedira!… Só esperava que a casa, onde trabalhava desde os seus quinze anos, lhe desse sociedade, como aliás, havia já prometido. – Ah! Toda a sua ambição era fazer família! Que vidinha melhor que a do casado?… o matrimônio era um complemento do homem… A gente enquanto moça não sentia a falta da esposa, mas depois?… quando chegasse a velhice?… Aí é que seriam elas! Não! não podia admitir um eterno celibato!… A vida do solteiro tinha seus encantos, tinha, para que negar?… os espinhos, porém, eram em maior número; se eram!…”

E citava os casos.

Amâncio retirou-se da varanda, sufocado de raiva. Preferia esperar no quarto.

Deram onze horas. Amelinha pediu licença e também se recolheu. Mme. Brizard, à cabeceira da mesa, já bocejava, entretendo os dedos a fazer pílulas das migalhas de pão que ficaram do chá; o marido, ao lado dela, estudava mecânica racional.

Veio finalmente o copeiro levantar a mesa e buscar o César para a cama. O guarda-livros apertou as mãos de todos e sumiu-se; o sujeito dos partido liberá, a despeito das insistências do amigo, despediu-se igualmente e, quando o advogado, que o fora acompanhar até o portão da chácara voltou à varanda, já não encontrou ninguém.

Em pouco a casa era toda silêncio e trevas. Então, Amelinha, deixou o quarto sorrateiramente, tirou as botinas, apanhou as saias e galgou a escada do sótão.

Amâncio, que a esperava na porta, logo que a teve ao alcance da mão, puxou-a para dentro, e deu uma volta à fechadura.

Casa de Pensão, Aluísio Azevedo
Editora Ática, 2a edição

XV

O rapaz acordou muito bem disposto no outro dia, estava, ou pelo menos parecia, restabelecido completamente. Os ares tonificantes de Santa Teresa produziram-lhe efeitos miraculosos.

– Até que enfim podia mandar ao diabo os xaropes e as tisanas que, de tempos a essa parte, lhe melancolizavam a vida e relaxavam o estômago. E, ainda metido entre os lençóis, na matinal preguiça das sete e meia, dispunha-se a filosofar sobre o ridículo episódio da véspera, quando um leve rumor na porta do quarto lhe desviou o curso das idéias. Era a menina que trazia o café.

Viu-lhe a pálida mãozinha medrosamente sordir por entre a fisga da porta mal cerrada, para depôr no chão, como era de costume, a chávena de porcelana. Amâncio, porém, desta vez saltou da cama e, correndo de gatinhas, a empolgou nas suas.

A mãozinha quis fugir, ele não consentiu, e com ela veio um braço que as folhas da porta arremangavam.

Começou a beijá-lo sofregamente, desde a ponta dos dedos até os biceps; enquanto Amélia, sempre escondida ia consentindo, toda ela arrepiada em cócegas.

– Um beijinho… pediu ele, mostrando o rosto.
– Logo!
– Com certeza?…
– Com certeza!

E a pequena desapareceu muito ligeira, – tique, tique, tique, pela escada.

Pouco depois combinaram a primeira entrevista. Ela subiria ao sótão, logo que a casa estivesse completamente recolhida. Amâncio que a esperasse no escuro e com a porta do quarto apenas cerrada.

O rapaz não pôde ficar tranqüilo nem mais um instante.

As horas nunca lhe pareceram tão longas e as conversas tão intermináveis. Um sobressalto feliz perturbava-o todo, tirava-lhe o apetite e não lhe permitia um pensamento que não fosse cair aos pés de Amélia.

Por maior caiporismo, o Dr. Tavares tinha essa noite uma visita que parecia disposta a não largá-lo. Era um velho de sua província, muito falador de política, apaixonado pelas eleições, pelos conservadores, mas que, nem à mão de Deus Padre, pronunciava os rr e os ss e dizia: “Os partido liberá, os senadô”, e outras barbaridades.

– Quando se irá este cacete?… pensava Amâncio, trêmulo de impaciência.

E o Tavares a puxar pelo demônio do homem, a fazer-lhe perguntas sobre perguntas e a despejar contra ele a sua retórica inexaurível.

Até o guarda-livros que às vezes passava dias e dias sem dar uma palavra, estava essa noite disposto a falar pelos cotovelos. Ainda pilhara o chá e, repimpado na cadeira, com um brilhante a luzir num dedo, o ar satisfeito, os punhos bem engomados, taramelava a respeito dos seus projetos de casamento. “Sim, que ele, havia coisa de ano e meio, estava para desposar uma linda menina e de educação esmeradíssima. Já há que tempos a pedira!… Só esperava que a casa, onde trabalhava desde os seus quinze anos, lhe desse sociedade, como aliás, havia já prometido. – Ah! Toda a sua ambição era fazer família! Que vidinha melhor que a do casado?… o matrimônio era um complemento do homem… A gente enquanto moça não sentia a falta da esposa, mas depois?… quando chegasse a velhice?… Aí é que seriam elas! Não! não podia admitir um eterno celibato!… A vida do solteiro tinha seus encantos, tinha, para que negar?… os espinhos, porém, eram em maior número; se eram!…”

E citava os casos.

Amâncio retirou-se da varanda, sufocado de raiva. Preferia esperar no quarto.

Deram onze horas. Amelinha pediu licença e também se recolheu. Mme. Brizard, à cabeceira da mesa, já bocejava, entretendo os dedos a fazer pílulas das migalhas de pão que ficaram do chá; o marido, ao lado dela, estudava mecânica racional.

Veio finalmente o copeiro levantar a mesa e buscar o César para a cama. O guarda-livros apertou as mãos de todos e sumiu-se; o sujeito dos partido liberá, a despeito das insistências do amigo, despediu-se igualmente e, quando o advogado, que o fora acompanhar até o portão da chácara voltou à varanda, já não encontrou ninguém.

Em pouco a casa era toda silêncio e trevas. Então, Amelinha, deixou o quarto sorrateiramente, tirou as botinas, apanhou as saias e galgou a escada do sótão.

Amâncio, que a esperava na porta, logo que a teve ao alcance da mão, puxou-a para dentro, e deu uma volta à fechadura.

Casa de Pensão, Aluísio Azevedo
Editora Ática, 2a edição

entonces…

Terminei How To Be Good, de Nick Hornby – o mesmo de High Fidelity, aquele que é uma das coisas mais engraçadas que eu já li na vida e me fez gargalhar sozinha em plena Piazza della Cisterna em San Gimignano. Não é uma Brastemp, esse último livro. Tem seus momentos, mas não é lá essas coisas. Agora queria ler About a Boy, sempre dele, do qual já ouvi falar muito bem. Aliás, queria ler várias outras coisas – não sei se vocês repararam, mas clicando ali em cima no “read” de “will read for food” vocês vão parar numa longuíssima wishlist da Amazon inglesa.

Hint hint.

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Falando em livrinhos, há coisas boas pintando, muito boas. Aguardem e confiem.

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O trabalho vai bem, obrigada. Dou aulas de Português pra uma bichinha simpática que comprou casa em Natal, e de Inglês pra um endocrinologista em Perugia e pra um médico do trabalho e sua filha pequena que faz bico pra falar Inglês e me faz morrer de rir. A coisa importante é que eu me divirto dando aula. O endocrinologista é meio cri-cri, mas os outros alunos são engraçados e damos muita risada nas aulas. Agora parece que vou ter que fazer ditado (don’t ask.) pra uma estudante de Letras Português-Italiano que estudou em Portugal e no começo não queria nada comigo, porque precisava de um lusitano de verdade, mas visto que a oferta de portugueses aqui na área é escassa, pra não dizer ausente, vai acabar me encarando. A tese dela é sobre literatura portuguesa (ou de língua portuguesa, não sei direito porque a outra bichinha simpática, o coordenador pedagógico do curso, não me deu detalhes), não sei exatamente de qual período. Aqui comigo tenho O Cortiço, Casa de Pensão e uns contos do Machado. Vamos ver o que vai rolar.