leituras de 2018 – parte 7

Kindred (Octavia Butler)

Esse livro foi escrito há 26 anos, e não sei por que tá tendo esse revival agora. Confesso que não conhecia a autora até a Amazon me sugerir a leitura. Conta a história de uma mulher negra casada com um homem branco que um dia do nada vai parar no passado, numa fazenda de algodão no estado de Maryland, nos EUA, no século XIX, OLSEGE, numa época em que a escravidão era uma parada normal. Sendo negra, ela obviamente não pode fazer nada além de se encaixar no seu papel esperado de escrava, já que não sabe inicialmente como voltar pro seu próprio tempo.

Gostei do livro, mas não AMAY não. Tem uns trechos muito duros de ler, esse assunto é bem pesado, mas não achei tão avassalador quanto as criticas estão dizendo. Ficou em Curitiba, então não tem trecho pra copiar aqui. Vale a leitura, mas não foi divisor de águas pra mim não. Viagem no tempo por viagem no tempo, prefiro Outlander ;)

Storia di Chi Fugge e di Chi Resta (Elena Ferrante)

AINDA não gravamos um EPEPa sobre o terceiro e o quarto livros, mas quando você começa com a tetralogia, não consegue mais parar, a história é boa demais, as personagens são bem desenvolvidas demais. A fase adulta de Lenù e Lila é muito interessante, embora eu ainda prefira o segundo livro. Aguardem o próximo episódio, que será gravado custe o que custar.

Cominciai a non poterne più. Mi ricordai delle resistenze che aveva fatto Antonio quando l’avevo lasciato. Ma Antonio era un ragazzo, aveva ereditato la testa labile di Melina e soprattutto non gli era stata impartita l’educazione di Pietro, non era addestrato fin dall’infanzia a individuare regole nel caos. Forse, pensavo, ho attribuito un peso esagerato all’uso coltivato della ragione, alle buone letture, alla lingua ben governata, all’appartenenza politica; forse, di fronte all’abbandono, nemmeno una testa molto ordinata può reggere alla scoperta di non essere amata.

Em português, valeu Aline de novo:

Comecei a não aguentar mais. Lembrei-me das resistências de Antonio quando tinha decidido deixá-lo. Mas Antonio era um rapaz, tinha herdado a cabeça frágil de Melina e sobretudo não recebera a mesma educação de Pietro, não tinha sido adestrado desde a infância a identificar regras no caos. Talvez — pensei comigo — eu tenha atribuído um peso excessivo ao uso cultivado da razão, às boas leituras, à língua bem governada, à filiação política; talvez, diante do abandono, sejamos todos iguais; talvez nem mesmo uma cabeça muito disciplinada consiga suportar a descoberta de não ser amada.

leituras de 2018 – parte 6

An Astronaut’s Guide to Life on Earth (Chris Hadfield)

Esse foi o Thiago que me emprestou. Não está mais comigo, então não tenho como citar nenhum trecho.

É um livro interessante por vários motivos: ele descreve todo o processo pelo qual passou pra se tornar astronauta, toda a formação, as dificuldades e desafios e coisa e tal, e saber dos bastidores é SEMPRE maneiro. Além disso, realmente há coisas que podem ser aplicadas à vida cotidiana a partir de uma experiência assim, embora nada do que ele tenha dito seja realmente uma novidade – todo mundo sabe que checklists salvam vidas, que tentar olhar um problema de pontos de vista diferentes facilita a sua resolução, coisas assim. Mas o jeito dele escrever me pareceu tão, tão americano, embora ele seja canadense, sabe, aquela coisa tão tão de coaching, de autoajuda, de DÁ O MELHOR DE SI E NÃO DESISTE NUNCA GO GO GO GO GO! que no final eu já tava me irritando. Mas valeu a leitura, tem um monte de historinhas de bastidores bem legais. Claro que pra quem curte astronomia pra caramba, que não é o meu caso, é um prato cheio.

Storia del Nuovo Cognome (Elena Ferrante)

O segundo livro da tetralogia napolitana é delicioso, principalmente depois do cliffhanger no qual o primeiro livro nos deixou. Melhor do que ler aqui um comentário é ouvir o segundo É Pau, É Página sobre ele, por sinal um dos episódios mais legais que eu gravei até hoje.

Relendo as minhas notas no Kindle achei esse trecho genial, mas há muitos outros:

Portava sottobraccio i libri stretti con l’elastico, aveva il viso sciupato dalla tensione delle ore di scuola. Anche Alfonso nascondeva in petto don Achille, suo padre, malgrado l’aria delicata? Possibile che i genitori non muoiano mai, che ogni figlio se li covi dentro inevitabilmente? Dunque da me davvero sarebbe sbucata mia madre, la sua andatura zoppa, come un destino?

Na tradução em português, mais uma vez cortesia da Aline Bergamo:

“Levava debaixo do braço os livros atados com um elástico, tinha o rosto cansado pela tensão das horas de aula. Será que Alfonso também escondia no peito dom Achille, seu pai, apesar do jeito delicado? Será possível que os pais não morram nunca, que todo filho os carregue dentro de si inevitavelmente? Então de dentro de mim realmente brotaria minha mãe, seu andar trôpego, como um destino?”

leituras de 2018 – parte 5

Purple Hibiscus – Chimamanda Ngozi Adichie

Mais um livro que lemos no Clube do Livro da Mamilândia.

Zente, que delícia de livro. Que história fantástica, a começar pela ambientação toda diferente. A história se passa na Nigéria e tem várias palavras em línguas locais, um monte de frutas e comidas que desconhecemos (querendo, cê perde horas na Wikipedia pesquisando a culinária local), a descrição dela torna tudo muito palpável e você quase sente o cheiro daquele pedaço da África através das páginas. A história é uma delícia, é um coming of age com o toque de uma autora fantástica que vem de um país sobre o qual sabemos muito pouco.

Quem adivinhar quem é minha personagem preferida do livro ganha um beijo no próximo Pistolando ;)

“She walked fast, like one who knew just where she was going and what she was going to do there. And she spoke the way she walked, as if to get as many words out of her mouth as she could in the shortest time.

‘Welcome, Aunty, nno,’ I said, rising to hug her.

She did not give me the usual brief side hug. She clasped me in her arms and held me tightly against the softness of her body. The wide lapels of her blue, A-line dress smelled of lavender.

‘Kambili, kedu?’ A wide smile stretched her dark-complected face, revealing a gap between her front teeth.

‘I’m fine, Aunty.’

‘You have grown so much. Look at you, look at you.’ She reached out and pulled my left breast. ‘Look how fast these are growing!’

I looked away and inhaled deeply so that I would not start to stutter. I did not know how to handle that kind of playfulness.

‘Where is Jaja?’ she asked.

‘He’s asleep. He has a headache.’

‘A headache three days to Christmas? No way. I will wake him up and cure that headache.'”

Runaway World (Anthony Giddens)

Esse eu li pra pós, mas confesso que não gostei muuuito não. Sublinhei alguns bons insights, mas achei a leitura meio chatinha no geral.

At first sight, the concept of risk might seem to have no spcific relevance to our times, as compared to previous ages. After all, haven’t people always had to face their fair share of risks? Life for the majority in the European Middle Ages was nasty, brutish and short – as it is for many in poorer areas of the world now.

But here we come across something really interesting. Apart from some marginal contexts, in the Middle Ages there was no concept of risk. Nor, so far as I have been able to find out, was there in most other traditional cultures. The idea of risk appears to have taken hold in the sixteenth and seventeenth centuries, and was first coined by Western explorers as they set off on their voyages across the world. The word ‘risk’ seems to hav come into English through Spanish or Portuguese, where it was used to refer to sailing into unchartered waters. Originally, in other words, it had an orientation to space. Later, it became transferred to time, as used in banking and investment, to mean calculation of the probable consequences of investment decisions for borrowrs and lenders. It subsequently came to refer to a wide range of other situations of uncertainty.

The notion of risk, I should point out, is inseparable from the ideas of probability and uncertainty. A person can’t be said to be running a risk where an outcome is 100 per cent certain.

There is an old joke that makes this point rather neatly. A man jumps from the top of a hundred-storey skyscraper. As he passes each floor, on his way down, the people inside hear him saying: ‘so far so good’, ‘so far so good’, ‘so far so good’… He acts as though he is making a risk calculation, but the outcome is in fact determined.

Traditional cultures didn’t have a concept of risk because they didn’t need one. Risk isn’t the same as hazard or danger. Risk refers to hazards that are actively assessed in relation to future possibilities. It comes into wide usage only in a society that is future oriented – which sees the future precisely as a territory to be conquered or colonised. Risk presumes a society that actively tries to break away from its past – the prime characteristic, indeed, of modern industrial civilisation.

leituras de 2019 – parte 4

Superfreakonomics – Steven Levitt e Stephen Dubner

Eu gosto muito do primeiro livro, o Freakonomics, e gostei muito desse também. Ele mostra umas correlações nada óbvias entre coisas que você não suspeita que estão relacionadas, então sempre aprendo um monte de coisas. Sigo o podcast de mesmo nome e sugiro que vocês também ouçam.

Um trechinho bem curtinho mas que explica MUITA coisa:

“A pair of researchers named Kristen Schilt and Matthew Wiswall wanted to systematically examine what happens to the salaries of people who switched gender as adults. It is not quite the experiment we proposed above—after all, the set of folks who switch gender aren’t exactly a random sample, nor are they the typical woman or man before or after—but still, the results are intriguing. Schilt and Wiswall found that women who become men earn slightly more money after their gender transitions, while men who become women make, on average, nearly one-third less than their previous wage.”

The Girl on the Train – Paula Hawkins

Esse foi outra releitura, pra poder gravar esse Perdidos na Estante aqui (que por sinal ficou ótimo, if I say so myself).

Vou deixar um trecho bem curto e aparentemente insignificante, mas vale a pena ler, talvez ver o filme e depois ouvir o podcast, onde a gente comentou tudo muito bem comentado.

“Hollowness: that I understand. I’m starting to believe that there isn’t anything you can do to fix it. That’s what I’ve taken from therapy sessions: the holes in your life are permanent. You have to grow around them, like tree roots around concrete; you mould yourself through the gaps. All these things I know, but I don’t say them out loud, not now.”

leituras de 2018 – parte 3

L’Amica Geniale – Elena Ferrante

O que dizer desse livro?

Basicamente todas as minhas amigas que leem me mandaram ler esse livro – na verdade a tetralogia toda, obviamente. Confesso que resisti por causa do hype, que quase sempre me decepciona. O livro demorou um pouco pra me pegar, mas quando engrenou, CHER ME ABANA! Que desenvolvimento fantástico de personagens! Que ambientação maravilhosa! Que riqueza de plot twists!

Se você ainda não leu, leia. Depois ouça os dois É Pau, É Página que já gravamos comentando os dois primeiros livros (os outros episódios sairão em algum momento, prometo).

Tem gente que diz que é “chick lit”, literatura de mulherzinha, mas tem que ser muito estúpido pra fazer uma afirmação dessas. Primeiro porque o conceito de chick lit já é idiota e menosprezante por si só; segundo porque esses livros falam de humanidade, de amizade, de sentimentos, de histórias de pessoas, tudo entrelaçado com uma realidade muito diferente da nossa, nos bairros pobres de Nápolis no século passado. Eu sou péssima de entrelinhas e sutilezas, portanto recomendo ouvir o EPEPa depois de ler, pra ter uns insights geniais que as minhas colegas de podcast ofereceram e entender um monte de coisas que podem passar batidas durante uma primeira leitura.

Vou botar aqui um trecho em italiano:

“Scoprii che mi piaceva moltissimo ballare, avrei ballato sempre. Lila invece aveva quella sua aria di chi vuol capire bene come si fa, e pareva che il suo divertimento consistesse tutto nell’imparare, tant’è vero che spesso se ne stava seduta a guardare, studiandoci, e applaudiva le coppie più affiatate.”

Traduzido em português:

“Descobri que gostava muito de dançar, dançaria sempre. Já Lila tinha aquele ar de quem quer entender bem como se faz, e parecia que sua diversão consistia apenas em aprender, tanto é que frequentemente ficava sentada, olhando, nos estudando, e aplaudia as duplas mais entrosadas.”

(um agradecimento especial pra Aline Bergamo, queridona, que me passou a tradução)

Eu amo esse parágrafo porque ele define perfeitamente a Lila, personagem com quem acabei me identificando mais ao longo da leitura (e coisa que quem ouviu os EPEPa sabe).

Depois que li o primeiro, engatei direto no segundo, no terceiro e no quarto, mas não vou comentar todos seguidos pra não ficar chato.

The Color Purple – Alice Walker

Sim, é ele mesmo, A Cor Púrpura. Lemos juntos pro Clube do Livro da Mamilândia, e foi extremamente doloroso, viu. É uma história terrivelmente triste mas também bonita, e cheia de insights brilhantes vindas das mentes de personagens com pouco estudo, humildes, sofridas, porém maravilhosas. Sintam o drama:

“Dear Nettie,

I don’t write to God no more, I write to you.
What happen to God? ast Shug.
Who that? I say.
She look at me serious.
Big a devil as you is, I say, you not worried bout no God, surely.
She say, Wait a minute. Hold on just a minute here. Just because I don’t harass it like some peoples us know don’t mean I ain’t got no religion.
What God do for me? I ast.
She say, Celie! Like she shock. He gave you life, good health, and a good woman that love you to death.
Yeah, I say, and he give me a lynched daddy, a crazy mama, a lowdown dog of a step pa and a sister I probably won’t ever see again. Anyhow I say, the God I been praying and writing to is a man. And act just like all the other mens I know. Trifling, forgitful and lowdown.
She say, Miss Celie. You better hush. God might hear you.
Let ‘im hear me, I say. If he ever listened to poor colored women the world would be a different place, I can tell you.”

Eu vi o filme, mas faz tanto tempo que não tenho mais quase recordação alguma, e ainda não decidi se vou continuar assim ou se vou arrumar o filme pra ver. Algo me diz que não tenho mais estômago pra esse tipo de filme; se o livro já foi assim doído, imagina o filme.

De qualquer forma, é um clássico e deveria ser leitura obrigatória pra todo ser humano.

leituras de 2018 – parte 2

How to Talk to Girls at Parties – Neil Gaiman, ilustrações de Fábio Moon e Gabriel Bá

Eu não sou muuuito de quadrinhos, mas esse foi uma sugestão dada no primeiro podcast que gravei ever, esse Jah! (que nem existe mais, virou tudo EPEP) aqui. Gostei, mas não ameeeeei não. É uma história bem estranha e surpreendente, bem estilo Gaiman. As ilustrações são lindíssimas. Leitura divertida, rapidinha.

The Shock Doctrine – Naomi Klein

Cara. Esse livro me deu um ódio, mas um ódio, MAS UM ÓDIO que puta merda. Li quase até a metade no avião voltando de Orlando, então imaginem a minha raiva com todo aquele canavial de capitalismo que eu tinha acabado de experimentar (em tempo: adoro a Disney, mas com parcimônia. MEJOOLGUEM)

Foi difícil escolher um trecho pra colocar aqui; dei highlight em uma cacetada de pedaços. A coisa toda me irritou tanto que larguei na metade. Pretendo ler o resto em 2019, pra alimentar mais ainda a minha raiva contra esse governo que está por vir.

“It all came back to Friedman’s single-minded message: everything went wrong with the New Deal. That’s when so many countries ‘including my own, got off on the wrong track.’ To get governments back on the right track, Friedman, in his first popular book, Capitalism and Freedom, laid out what would become the global free-market rulebook and, in the U.S., would form the economic agenda of the neoconservative movement.

First, governments must remove all rules and regulations standing in the way of the accumulation of profits. Second, they should sell off any assets they own that corporations could be running at a profit. And third, they should dramatically cut back funding of social programs. Within the three-part formula of deregulation, privatization and cutbacks, Friedman had plenty of specifics. Taxes, when they must exist, should be low, and rich and poor should be taxed at the same flat rate. Corporations should be free to sell their products anywhere in the world, and governments should make no effort to protect local industries or local ownership. All prices, including the price of labor, should be determined by the market. There should be no minimum wage. For privatization, Friedman offered up health care, the post office, education, retirement pensions, even national parks. In short, and quite unabashedly, he was calling for the breaking of the New Deal – that uneasy truce between the state, corporations and labor that had prevented popular revolt after the Great Depression. Whatever protections workers had managed to win, whatever services the state now provided to soften the edges of the market, the Chicago Schools counterrevolution wanted them back.

And it wanted more than that – it wanted to expropriate what workers and governments had built during those decades of frenetic public works. The assets that Friedman urged government to sell were the end products of the years of investment of public money and know-how that had built them and made them valuable. As far as Friedman was concerned, all this shared wealth should be transferred into private hands, on principle.”

Sabe quem segue os conceitos da Chicago School? Nosso futuro ministro da economia. Sabe todos esses direitos que temos hoje, todo esse patrimônio nacional? Vão sumir.

Quem mandou eleger o Grandíssimo Saco de Merda? Sifudê. Que ódio desgraçado que esse livro me deu, puta que pariu. A gente avisou, todo mundo que entende de história e economia avisou, E VOCÊS DESGRAÇADOS ELEGERAM ESSE BOSTA. Tomanocu seus minions idiotas.

livrinhos de 2018 – parte 1

Prometi que ia publicar a lista de livros que li esse ano, então aqui vai. Dessa vez não esqueci de nenhum, porque fui anotando no BuJo conforme ia terminando.

Alguns ficaram em Curitiba e estou escrevendo aqui da Itália, então quando eu não der um trechinho de destaque é porque não tenho acesso ao livro agora.

Coloquei links pra Amazon, mas procurem comprar em livrarias não-monstruosas, amores. Pra quem for do sul, as Livrarias Curitiba são simpáticas, administradas por uma família bacana e pagam às editoras em dia. Se forem à filial do Shopping Mueller, comprem com a Fernanda, a paraense, que ela é gente boa.

La Loca de la Casa – Rosa Montero

Foi uma releitura (li pela primeira vez em 2006). Adoro esse livro, a Rosa Montero tem uns insights muito bons sobre a vida em geral, embora fale bastante sobre o ato de escrever. Nunca escrevi nada de consistente, nenhum romance, coisa que ela descreve lindamente em diferentes momentos, mas me identifico mesmo assim. Ótimo pra treinar o espanhol, o texto é uma delícia de ler e não sei por que depois não li mais nada da autora. Vou aproveitar o ensejo e procurar outros livros dela.

“Pero estos sinsabores se compensan con la fabulación creativa, con las otras vidas que los novelistas vivimos en la intimidad de nuestras cabezas. José Peixoto, un joven narrador portugués, ha bautizado estos imaginarios conatos de existencia como los “y si”. Y tiene razón: la realidad interior se te multiplica y desenfrena en cuanto que te apoyas en un “y si”. Por ejemplo, estás haciendo cola ante la ventanilla de un banco cuando, en un momento dado, entra en la oficina una anciana octogenaria acompañada de un niño de unos diez años. Entonces, sin venir a cuento, tu mente te susurra: y si en realidad vinieran a robar la sucursal? Y si se tratara de una insospechada banda de atracadores compuesta por la abuela y el nieto, porque los padres del chico han muerto y ellos dos están solos en el mundo y no encuentran otra manera de mantenerse? Y si al llegar ante la ventanilla sacaran un arma improvisada (unas tijeras de podar, por ejemplo; o un fumigador de jardines cargado de veneno para pulgones) y exigieran la entrega de todo el dinero? Y si vivieran en una casita baja que se hubiera quedado aislada entre un nudo de autopistas? Y si quisieran expropiarles y expulsarles de allí, pero ellos se negaran? Y si para alcanzar su hogar tuvieran que sortear todos los días el galiatías de carreteras, organizando en ocasiones tremendos accidentes a su paso – conductores que intentan esquivar a la vieja y que se estampan contra la mediana de hormigón -, colosales choques en cadena que la abuela y el niño ni siquiera se detienen a mirar, aunque a sus espaldas estalle un horrísono estruendo de chatarras? Y si…? Y de esta manera vas componiendo rápidamente toda la vida de esos dos personajes, esto es, toda una vida, y tú te vives dentro de esas existencias, eres la vieja peleona pero también el nieto que ha tenido que madurar a pescozones; y en los pocos minutos que tardas en llegar a la ventanilla has recorrido años dentro de ti. Luego el cajero te atiende, recoge tus euros, firmas tus papeles y te marchas, y allí se quedan tan tranquilos la mujer y el niño, ignorantes de los avatares que han vivido.”

barba ensopada de sangue

Várias pessoas me recomendaram esse livro, nem lembro mais de todas, então agradeço coletivamente. O livro é muito legal, escrito de um jeito muito diferente. Altamente recomendado. Ah, é do Daniel Galera.

***

Velho, tu tá obcecado com essa história de renascimento. Vira o disco. Por que é tão importante pra ti saber se existe renascimento?

É importante saber que não existe. Todo o resto parece certo pra mim, mas esse detalhe estraga tudo.

Escuta, nadador. A questão do renascimento nem é muito importante no budismo original. Rolavam altas macumbas no Tibete quando o budismo caiu lá de paraquedas e uma parte da doideira ficou. Mas não é como a reencarnação kardecista. Se tu entende que uma pessoa é só uma aglomeração dinâmica de estados mentais, a ideia de uma alma que pode reencarnar deixa de fazer sentido. O que renasce, arredondando de um jeito grosseiro pra tu entender, são esses estados mentais, que seguem em frente e se recombinam até certo ponto. Assim como teu corpo alimenta plantas e vermes se tu for enterrado no chão. Assim como os átomos do teu corpo são poeira de estrelas.

Os átomos do meu corpo podem ser poeira de estrelas, mas isso não quer dizer que há estrelas em mim.

Parem de falar como hippies.

Entendeu o que eu quero dizer, Bonobo? A estrela morreu, eu vou morrer. Não faz diferença. Os átomos não eram dela. Meus estados mentais não são meus. E que porra é essa de mente? Acho que é só um jeito espertinho de acreditar em alma. É o restinho da permanência que os budistas guardam embaixo da cama.

Criamos um monstro, Bife.

Eu avisei antes. O ideal é nem começar.

A vida não pode continuar depois da morte. Não pode. Seria ridículo. Se provarem que continua eu me mato.

Mas aí não ia adiantar.

Tu é uma peça mesmo. O desgraçado mais cético que eu já vi.

Não sou cético. Só não acredito em qualquer coisa.

Se Deus existisse ele ia se divertir contigo.

Leopoldo ergue a garrafa de vidro e soluça.

Um brinde à crença apaixonada de que nada disso aí existe.

***

Mas minha parte preferida foi a que me fez ter um ataque de riso na escola de dança da Carol. É meio longuinho mas vale a pena.

***

(…) Beta começa a latir para o Bonobo. Depois de uma dúzia de latidos ela para com a mesma falta de motivo com que havia começado, lambe os dentes, olha em volta como se também estivesse positivamente surpresa consigo mesma e senta no tapete. O Bonobo diz que ela está feliz. Ele também acha. Estão enrolando as palavras e desistindo de frases no meio do caminho. Escuta com clareza o que pretende dizer dentro da cabeça mas a boca deforma as palavras na hora de enunciá-las. Por um longo período ficam em silêncio, deixam a cachaça de lado, apenas olham o mar escuro e a praia iluminada e escutam a trilha sonora épica e os efeitos sonoros violentos do jogo eletrônico no quarto ao lado. Tem a sensação de que esse instante se prolongará indefinidamente, que nada mais acontecerá, como se o mundo tivesse atingido alguma espécie de estado final na cena insignificante que estão protagonizando. O Bonobo pergunta com a voz baixa e circunspecta se ele também está sentindo aquilo. Ele pergunta aquilo o quê. Não tá sentindo nada diferente mesmo?, o Bonobo insiste com o indicador esticado como uma antena e o olhar oblíquo de quem está atento a algum fenômeno muito sutil. Ele presta atenção mas não capta nada além do rumor das ondas, a palpitação de suas têmporas, o espaço girando sob o efeito da bebida. E de repente ele sente. O fedor mais horrendo que já sentiu na vida, uma pestilência quase pastosa de metano concentrado que o faz engasgar no meio da tentativa de gritar um palavrão. O Bonobo gargalha, desmonta da janela com um salto mortal incompleto, bebe um gole da cachaça e faz uma dancinha com a garrafa na mão berrando Peido radioativo rapaziada, vambora! A vida é uma life e a night é uma baby! Ele foge para o banheiro, mija e depois lava o rosto tentando se recuperar do efeito do gás nauseabundo.

Tu tá podre por dentro, Bonobo.

Eu tô é pronto. Vamo pra festa.

Ele ri até perceber que o Bonobo tá falando sério.

Tem uma festinha no Rosa que deve tá começando a ficar animada agora mesmo. Fechamento de temporada de um sushi bar que fica ali perto da pousada. Vamos voltar pro quiosque e pegar o meu carro.

Tu tem carro?

Tenho. Bora. Chama o Altair ali.

Descobrem que Altair desmaiou com o controle do video game nas mãos. Está meio sentado e meio deitado entre a parede e o piso de azulejos castanhos com o jogo travado na tela de Continue?. Tentam acordá-lo sem sucesso. Derramam um copo d’água na sua cabeça. O Bonobo dá uns tapas no seu rosto. Altair não dá sinal nenhum de que possa despertar. Decidem deixá-lo no apartamento, deitado de lado em cima do tapete do quarto, com a chave reserva bem à vista na mesa da sala. Troca de camiseta e tranca as persianas enquanto o Bonobo tenta contatar pessoas no celular. Tem umas amigas minhas que iam pra lá, diz. As amigas não atendem. Outro conhecido atende e diz que o pessoal tá chegando. Tá começando a esquentar. Ele deixa Beta sair e tranca a porta por fora. Andam a passos largos pela trilha e depois pela areia. Dessa vez as gaivotas em repouso saem correndo em direção à água e algumas levantam voo. O Bonobo olha por cima do ombro.

Tu viu que a tua cachorra saiu junto? Ela tá nos seguindo.

Nem fudendo eu ia deixar ela trancada lá com o Altair.

Já passa da meia-noite e a cidade está vazia. Caminham por cima da faixa central da avenida até a esquina do quiosque de Altair. O Bonobo entra no terreno chutando as latinhas vazias e dando pulinhos.

O que tu foi fazer aí, ô sequelado? Cadê teu carro?

O Bonobo se aproxima da carcaça do Fusca e começa a forçar a maçaneta.

Não é possível.

Quê?

Isso é o teu carro?

Sim. É o Tétano.

Esse troço anda? Achei que era ferro-velho.

Anda pra caralho. Só toma cuidado quando entrar.

O Bonobo consegue abrir a porta do motorista e se acomoda no banco. Ele dá a volta no Fusca e fica espremido entre o carro e o muro tentando abrir a porta do lado do passageiro. A maçaneta corroída precisa ser pressionada de um jeito bem certinho para acionar o mecanismo. A lataria está coberta de padrões fractais de ferrugem e tinta bege descascada. Do teto se projetam as duas forquilhas enormes de um suporte de bagagem capaz de acomodar um barco pequeno. Há furos e arestas pontiagudas por toda parte. Os pneus estão tortos, carecas e meio vazios. Entra com cuidado, tentando não se cortar. Do assento do banco do passageiro resta apenas uma armação de hastes de ferro maleáveis coberta por almofadas velhas e um papelão dobrado. O encosto de espuma mole está relativamente intacto. Em cima do painel há uma estatueta dourada de um buda sentado com um sorrisinho no canto da boca e lóbulos da orelha hipertrofiados caindo sobre os ombros. Assobia para Beta. A cachorra contorna o carro e sobe no colo dele com um salto. Ele a afaga, elogia sua disposição e a acomoda no banco traseiro, que está coberto por uma canga de praia do Grêmio. Vê a bateria acomodada atrás do banco do motorista no meio de um emaranhado barroco de fios elétricos. O Bonobo gira a chave na ignição. O motor do Fusca dá uma risada.

Demora um pouco pra pegar, mas depois que pega não apaga.

Na quarta tentativa o motor pega. O Bonobo acelera fundo e produz um ronco escandaloso até obter um par de explosões no escapamento.

Pega o meu tapa-olho ali no porta-luvas por favor.

Meu o quê.

Meu tapa-olho.

Abre o porta-luvas e encontra um tapa-olho feito de pano e elástico preto no meio de uma barafunda de lenços de papel usados, cartões, barras de parafina, camisinhas, uma estopa encardida, uns óculos de sol quebrados. O Bonobo pega o tapa-olho e o ajusta em volta da cabeça e em cima do olho direito.

É pra não enxergar duplo.

Somente então ele engata a primeira. O carro anda. O capim e os destroços do quiosque raspam no fundo. A sensação é de estar viajando dentro do próprio motor. Saem de Garopaba pela estrada estadual. Um carro cruza no sentido oposto e o asfalto iluminado surge sob seus pés através de um buraco no piso. O Bonobo ziguezagueia levemente na pista mas levando em conta seu estágio de embriaguez e o estado do veículo ele até que dirige de maneira reconfortante, compenetrado, em velocidade moderada, com a vista limitada pelo absurdo tapa-olho e debruçado sobre o pequeno volante de forma a quase encostar o nariz simiesco no para-brisa. Criaturas como uma vaca ou um ciclista ganham vida num clarão e voltam a ser assombrações quase no mesmo instante. Entram à esquerda no acesso da praia do Rosa. É necessário parar o Fusca quase totalmente para transpor os quebra-molas. O calçamento plano de lajotas dá lugar às ladeiras de chão batido. A embreagem do Fusca não retorna sozinha à posição normal depois de acionada. Para lidar com o problema o Bonobo amarrou um pedaço de corda de varal azul ao pedal e ao puxador da porta. A operação de tirar a mão esquerda do volante e puxar a corda no momento exato após cada troca de marcha é complicada e exige um tanto de ginga e sincronia. Nas manobras mais complexas o motorista lembra um titereiro controlando o boneco de um automóvel.

you are not so smart

Graças à Lara André, que além de salvar blogs indefesos contra terríveis malwares ainda dá ótimas dicas de livros e posta lindas fotos de bichos, baixei esse livro aqui no Kindle. É simplesmente a coisa mais interessante que já li nos últimos tempos.

Fiz um curso de roteiro cinematográfico com a Newlands há muitas eras glaciais atrás, e destrinchamos O Silêncio dos Inocentes cena por cena, fala por fala, close por close. Nunca mais consegui ver um filme sem fazer esse tipo de análise. Não, não tira a graça da coisa, muito pelo contrário: hoje sou capaz de apreciar de verdade um roteiro bem escrito, de entender como um bom diretor faz diferença, de identificar de maneira mais ou menos certeira de quem é a culpa quando o filme é uma merda.

Um dos meus livros preferidos é Orality and Literacy, que explica, entre muitas outras coisas, como é impossível voltar a pensar como analfabeto depois que você aprende a ler e escrever (falo de ler e escrever direito, não de gente que não entende o que lê e que só sabe escrever o suficiente pra garranchar “pagar ceguro do carro hoge” no calendário). Saber ler e escrever direito muda o seu modo de pensar, e você nunca mais vai conseguir voltar atrás. Não dá pra desaprender a pensar dessa nova maneira; não é possível voltar atrás.

Esse livro também é assim, do tipo que muda paradigmas. Você começa a ver com outros olhos a sua relação com os outros, com a mídia, com as suas próprias emoções. E nunca vai conseguir voltar a ser aquele pobre inocente (leia-se otário) de antes, porque quando o seu cérebro sabe que está sendo enganado, o engano acaba. Não sei se estou conseguindo me explicar direito, mas leiam porque é MUITO interessante. Ainda nem terminei, mas estou achando tão sensacional que resolvi compartilhar aqui em vez de escrever o post que está na minha cabeça há meses (vou ver se escrevo essa semana ainda).

Um trecho, que nem é o mais interessante do que li até agora mas acho que exemplifica bem a nossa idiotice nativa:

“In 1970, psychologists Bibb Latane and John Darley created an experiment in which they would drop pencils or coins. Sometimes they would be in a group, sometimes with one other person. They did this six thousand times. The results? They got help 20 percent of the time in a group, 40 percent of the time with one other person. They decided to up the stakes, and in their next experiment they had someone fill out a questionnaire. After a few minutes, smoke would start to fill the room, billowing in from a wall vent. They ran two versions of the experiment. In one, the person was alone; in the other, two other people were also filling out the questionnaire. When alone, people took about five seconds to get up and freak out. Within groups people took an average of 20 seconds to notice. When alone, the subject would go inspect the smoke and then leave the room to tell the experimenter he or she thought something was wrong. When in a group, people just sat there looking at one another until the smoke was so thick they couldn’t see the questionnaire. Only three people in eight runs of the group experiment left the room, and they took an average of six minutes to get up.

The findings suggest the fear of embarrassment plays into group dynamics. You see the smoke, but you don’t want to look like a fool, so you glance over at the other person to see what they are doing. The other person is thinking the same thing. Neither of you react, so neither of you becomes alarmed. The third person sees two people acting like everything is OK, so that third person is even less likely to freak out. Everyone is influencing every other person’s perception of reality thanks to another behavior called the illusion of transparency. You tend to think other people can tell what you are thinking and feeling just by looking at you. You think the other people can tell you are really worried about the smoke, but they can’t. They think the same thing. No one freaks out. This leads to pluralistic ignorance – a situation where everyone is thinking the same thing but believes he or she is the only person who thinks ti. After the smoke-filled room experiment, all the participants reported they were freaking out on the inside, but since no one else seemed alarmed, they assumed it must just be their own anxiety.

The researches decided to up the ante once more. This time, they had people fill out a questionnaire while the experimenter, a woman, shouted in the other room about how she had injured her leg. When alone, 70 percent of people left the room to check on her. When in a group, 40 percent checked. If you were to walk along a bridge and see someone in the water screaming for help, you would feel a much greater urge to leap in and pull them to safety than you would if you were part of a crowd. When it’s just you, all the responsibility to help is yours. The bystander effect gets stronger when you think the person who needs help is being harmed by someone that person knows. Lance Shotland and Margaret Straw showed in a 1978 experiment when people saw two actors, a man and a woman, pretending to physically fight, they often wouldn’t intervene if the woman shouted, “I don’t know why I ever married you!” People helped 65 of the time if she instead shouted, “I don’t know you!” Many other studies have shown it takes only one person to help for others to join in. Whether it is to donate blood, assist someone in changing a tire, drop money into a performer’s coffers, or stop a fight – people rush to help once they see another person leading by example.

One final, awesome example is the Good Samaritan experiment. Darley and Batson in 1973 got a group of Princeton Theological Seminary students together and told them to prepare a speech on the parable of the Good Samaritan from the Bible. The point of the parable is to stop and help people in need. In the Gospel of Luke, Jesus tells his disciples about a traveler who is beaten and robbed then left to die along a road. A priest and another man walk past him, but a Samaritan stops to help even though the man is Jewish and Samaritans weren’t in the habit of helping out Jews. After filling out some questionnaires, with the story fresh in their minds, some groups were told they were late to give the speech in a nearby building. In other groups the subjects were told they had plenty of time. Along their path to the other building an actor was slumped over and groaning, pretending to be sick and in need of help. Of the seminary students who had plenty of time, about 60 percent stopped and helped. The ones in a rush? Ten percent helped, and some even stepped over the actor on their way.

So the takeaway here is to remember you are not so smart when it comes to helping people. In a crowded room, or a public street, you can expect people to freeze up and look around at one another.

Knowing that, you should always be the first person to break away from the pack and offer help – or attempt escape – because you can be certain no one else will.”

and now to something completely different

Olha, esse povo zen me tira do sério. Vocês acham (aham dona Alice) que eu sou muito radical, mas eu não tenho ideias radicais, o lance é que defendo radicalmente as ideias que eu considero corretas. Vejam só se neguinho não anda levando esse negócio de vida alternativa e natureba muito a sério: num grupo que acompanho no Facebook porque volta e meia aparece alguma coisa interessante, alguém abriu um thread perguntando aos outros se viam algum problema em deixar o filho “smash” um montinho de batata-doce amassada em vez de bolo na sua festa de aniversário de um ano, porque ela é “contra o açúcar”. Cara, na boa, eu mandar essa mulher tomar no cu pra deixar de ser mala sem alça é ser radical? Ou radical é ela e por isso mesmo é uma mala? Eu não tenho tolerância com gente intolerante, infelizmente. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, né não? Tento não comer (nem dar à Carol) coisas horrorosas cheias de açúcar, gordura trans e coisa e tal, mas não posso deixar que isso governe a minha vida, né não? Sou patrulheira da gramática e de nada mais.

Então vamos mudar de assunto porque não tenho saco pra discutir parto com quem não entende nada do assunto e entra em transe sexual quando está parindo; se tem uma coisa que eu detesto é riponga era de aquário.

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Estou lendo um livro que o meu amigo Marc, ítalo-americano e referente do círculo de Perugia da UAAR, me recomendou. Tenho com ele as conversas mais interessantes da minha vida, atualmente; passamos de filologia a filosofia e história com a maior naturalidade, e como lemos coisas muito diferentes, embora tenhamos muitos interesses em comum, acabo sempre aprendendo alguma coisa com ele (e ele comigo, espero). O último livro que ele me recomendou foi esse, The Swerve, que fala da importância da redescoberta de um poema de Lucrécio que aparentemente mudou o rumo de hm, tudo. Ainda estou bem no comecinho, e é prosa interessante e bem escrita mas que tem que ser lida com atenção, mas já sublinhei várias coisas. A julgar pelo rumo que o livro está tomando e pelo resumo que o Marc me deu, é uma versão singular do How the Irish Saved Civilization, que eu AMO de paixão e vivo relendo. A história desse poema, em particular, é bem interessante, e acaba caindo no lance do quanto a religião é absolutamente desnecessária se simplesmente aceitarmos que somos pó de estrelas e isso deveria dar e sobrar, mas quando terminar o livro vou ter mais detalhes pra comentar esse aspecto específico do livro. Enquanto isso copio aqui dois parágrafos que sublinhei integralmente agora há pouco.

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Benedict did not absolutely prohibit commentary on the sacred texts that were read aloud, but he wanted to restrict its source: “The superior”, the Rule allows, “may wish to say a few words of instruction”. Those words were not to be questioned or contradicted, and indeed all contention was in principle to be suppressed. As the listing of punishments in the influential rule of the Irish monk Columbanus (born in the year Benedict died) makes clear, lively debate, intellectual or otherwise, was forbidden. To the monk who has dared to contradict a fellow monk with such words as “It is not as you say”, there is a heavy penalty: “an imposition of silence or fifty blows.” The high walls that hedged about the mental life of the monks – the imposition of silence, the prohibition of questioning, the punishing of debate with slaps or blows of the whip – were all meant to affirm unambiguously that these pious communities were the opposite of the philosophical academies of Greece or Rome, places that had thrived upon the spirit of contradiction and cultivated a restless, wide-ranging curiosity.

All the same, monastic rules did require reading, and that was enough to set in motion an extraordinary chain of consequences. Reading was not optional or desirable or recommended; in a community that took its obligation with deadly seriousness, reading was obligatory. And reading required books. Books that were opened again and again eventually fell apart, however carefully they were handled. Therefore, almost inadvertently, monastic rules necessitated that monks repeatedly purchase or acquire books. In the course of the vicious Gothic Wars of the mid-sixth century and their still more miserable aftermath, the last commercial workshops of book production folded, and the vestiges of the book market fell apart. Therefore, again almsot inadvertently, monastic rules necessitated that monks carefully preserve and copy those books that they already possessed. But all trade with the papyrus makers of Egypt had long vanished, and in the absence of a commercial book market, the commercial industry for converting animal skins to writing surfaces had fallen into abeyance. Therefore, once again almost inadvertently, monastic rules necessitated that monks learn the laborious art of making parchment and salvaging existing parchment. Without wishing to emulate the pagan elites by placing books or writing at the center of society, without affirming the importance of rhetoric or grammar, without prizing either learning or debate, monks nonetheless became the principal readers, librarians, book preservers and book producers of the Western world.

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É ou não é interessante pacas?