O outro livro que mencionei, completamente oposto ao Skinny Bitch, é o Deep Nutrition. Apareceu, como a maior parte das coisas interessantes que passei a conhecer nos últimos anos, num thread de comentários de um review na Amazon (se não me engano o review era do Wheat Belly). Fiquei muito curiosa e comprei no Kindle pra ler logo; varei a madrugada lendo. E fiquei de boca aberta.
A autora é médica e baseou o seu livro em inúmeros estudos científicos sérios, ao contrário das duas grosseironas de Skinny Bitch. Mas a teoria dela é uma coisa muito doida.
Basicamente a coisa tem como base histórica o dentista Weston Price, que, bolado com a quantidade de gente com dentes tortos na sua prática clínica, resolveu sair pelo mundo pra ver se a prevalência de problemas odontológicos era homogênea nas diferentes “raças” humanas (na época ainda se falava de raça). Descobriu três coisas: uma, que quanto mais “primitivas” as populações, menos problemas nos dentes as pessoas tinham. Duas, que quanto mais primitivas as populações, menos problemas de saúde em geral as pessoas tinham. Três, que quanto mais primitivas as populações, mais bonitas eram as pessoas.
Corta pro futuro, pra um cirurgião plástico chamado Dr. Marquadt, que desenvolveu uma “máscara”, uma espécie de template indicando os ângulos e as proporções ideais pra um rosto bonito. Não importa a qual etnia uma pessoa pertença, se ela for considerada bonita é porque o seu rosto se encaixa nessas tais proporções matemáticas, pois o corpo cresceu de acordo com as regras matemáticas da natureza. Então a teoria da autora do livro é que a beleza não está nos olhos de quem vê, mas sim em uma estrutura óssea do crânio bem feita e bem proporcionada, o que também resulta em dentes perfeitamente posicionados, sem se acavalar ou se afastar, sem falta de espaço pros sisos, sem problemas de mastigação ou respiração ou digestão, e de modo geral em menos problemas de saúde. Já essa primeira teoria me deixou perplexa, essa conexão entre beleza e saúde que aparentemente é uma coisa muito clara e mensurável.
Depois ela entra no assunto de epigenética, assunto do qual tenho ouvido falar muito na rede ultimamente e que me interessa assaz. Trata-se, de maneira muito resumida, de alterações nos genes que podem ser herdadas pelas gerações seguintes. Não estamos falando exatamente da história do Lamarck e da girafa, mas é quase isso. É uma coisa meio complicada e como a autora é médica ela vai fundo na parte biológica da coisa; pra quem não tem formação nessa área imagino que seja meio cansativo de ler, mas vale a pena. Aparentemente os genes respondem ativamente a alterações ambientais, representadas sobretudo pela quantidade de essa ou aquela substância química que é resultado direto do que a gente come. E essas respostas MODIFICAM os genes, que são então herdados já modificados pela geração seguinte. É interessante pra caramba, leiam que vale a pena.
A partir daí ela continua nas suas próprias pesquisas e observações, descobrindo que quanto mais uma população se mantém fiel às próprias raízes gastronômicas, mais saudáveis (e bonitas) são as pessoas, pois todas essas dietas “primitivas”, tradicionais, embora sejam muito diferentes entre si, têm as mesmas 4 características em comum (explico já), fornecendo portanto todos os nutrientes mais importantes pra que os indivíduos acumulem alterações epigenéticas favoráveis e as passem pra frente, tendo filhos saudáveis e bonitos e por aí vai.
Essas quatro características, que ela chama de Four Pillars of World Cuisine, são: 1) carne com osso, 2) miúdos, 3) alimentos fermentados e germinados, 4) verduras e frutas frescas e cruas. Ela dá explicações, exemplos e estatísticas muito, MUITO convincentes pra cada um dos pillars. Dá vontade de sair correndo pra fazer uma faxina na geladeira e dar um pulo no mercadinho da esquina pra começar logo a comer tudo diferente. Ela diz pra reduzir carboidratos se você quiser perder peso e dá uma série de explicações perfeitamente plausíveis pra isso, mas não corta nada (a não ser, lógico, farinha/arroz/cereais em geral refinados e açúcar de cana, além dos óbvios alimentos processados). Ela também enfatiza muito a importância de fazer exercício físico, e fala dos HIIT (high-intensity interval training), que é a base do Turbo Fire, de maneira positiva. Fala de como é importante fazer musculação, sempre dando explicações biológicas plausíveis. Lendo o livro me senti como nos primeiros anos de faculdade, quando eu ainda estava empolgadíssima com tudo aquilo, descobrindo como as coisas funcionam. Na verdade ainda acho fisiologia uma coisa interessantérrima, patologia idem; meu problema com a medicina é outro e assunto pra um outro post, talvez, um dia, quem sabe.
Enfim, o livro é uma das coisas mais interessantes que eu já li nos últimos anos. Aprendi muito sobre nutrição e genética, pra não falar de antropologia gastronômica, mas não conseguiria jamais colocar em prática. Detesto ter que lidar com qualquer outra parte de bichos que não seja tecido muscular. Não tenho paciência pra ficar fazendo caldo disso, caldo daquilo. Como vocês estão carecas de saber, sou totalmente frutofóbica e acho salada um negócio muito triste (prefiro verduras cozidas; como praticamente um brócolis inteiro por dia e uma quantidade enorme de espinafre, cenoura, repolho, alho-poró, couve-de-Bruxelas, abobrinha e tal). Tudo de fermentado que eu já experimentei achei intragável; alguns alimentos germinados até rolam mas fermentado não dá.
Normalmente não acho que existam fórmulas one-size-fits-all em termos de saúde porque cada um é cada um, mas as explicações que a autora dá são tão plausíveis e tão bem fundadas cientificamente que eu juro que acredito que esse modo de comer que ela promove faria bem a qualquer um. Mas eu não consigo porque sou chata pra comer e preguiçosa ainda por cima, de modo que não dá, de jeito nenhum. Então preciso arrumar, no meio dessa quantidade cavalar de informações, um sistema que funcione pra mim, levando em consideração meus dois maiores problemas food-related, a compulsão alimentar e a psoríase. Como eu disse pro Roberto num comentário ali embaixo, pra uma pessoa normal tudo isso pode ser uma palhaçada gigante, pois basta comer um pouco de tudo e pronto, mas pra quem é viciado em comida “um pouco de *inserir alimento não exatamente saudável*” equivale a “uma cheiradinha só” no caso do viciado em cocaína. Não existe. Porque depois que você começa não consegue mais parar. Então é melhor simplesmente abolir mesmo, passar longe, viver como se só chegar perto desses alimentos pudesse causar um choque anafilático mortal.
Essas duas semanas que passei sem carboidratos foram muito instrutivas. Entendi duas coisas: a primeira é que não quero viver sem carboidratos porque vou morrer de tristeza. A segunda é que é muito provável que o glúten seja mesmo o meu inimigo número um, tanto em termos de compulsão, porque qualquer alimento com trigo que eu como imediatamente liga a começão desenfreada, quanto em termos da psoríase, que voltou a piorar depois que reintroduzi pão e macarrão na dieta. Também reparei que quando enfio o pé na jaca no pão, macarrão ou biscoitos, fico mole depois, sluggish, como se diz. Vou fazer o teste de intolerância ao glúten porque se der positivo pelo menos o SUS daqui me passa alimentos sem glúten de graça (são caros pra cacete), mas independentemente do resultado vou tentar ficar longe dele. Andei pesquisando receitas de pães e saladas com grãos germinados e achei muita coisa interessante. Agora que temos um supermercado novo cheio de coisas exóticas e uma nova loja “alternativa” em Santa Maria, ambos vendendo coisas que ninguém nunca ouviu falar por aqui, tipo quinoa, milhete e ghee, vai ficar mais fácil. A parte mais difícil vai ser arrumar tempo pra fazer tudo isso, mas dá-se um jeito.
De qualquer maneira, POR FAVOR LEIAM O LIVRO. Até porque estou desesperada pra falar dele com alguém mas não tenho ninguém :P Mas é muito thought-provoking, de verdade; no mínimo vai te deixar curioso/a pra pesquisar mais sobre nutrição.
Pra quem quiser mais informações, o site da autora é esse aqui.