Dawkins

Em vez de levar o Dickens pra viagem, que pesa muito, levei The Blind Watchmaker, do Dawkins. Não consegui terminar porque estava sempre cansada demais pra ler na cama, mas já detonei a metade. E estou adorandooooooo. Porque é tudo o que você sempre quis saber sobre a vida na Terra, uma diliça. Fora que, já falei, sempre gosto de lembrar dos termos médicos e biológicos que já fizeram parte da minha vida mas hoje não mais.

Como é bom aprender! Tem gente que se realiza trabalhando. Eu acho uma bosta trabalhar, apesar de gostar do que faço. Se pudesse não trabalharia nunca, jamé, sai pra lá. Mas aprender coisas me deixa completamente doidona. Nessas horas eu fico querendo ter filhos crescidos pra discutir animadamente coisas como meiose, capacidade de replicação do DNA, RNA ribossomal e transportador, qual é o sentido da vida (o sentido da vida é mandar o DNA pra frente, e só, e quer missão mais nobre?).

***

Já mandei o pedido de inscrição pra universidade de novo. O documento que faltou no ano passado já chegou. Será que dessa vez vai?

e vamos aos livrinhos desse ano…

  1. Coraline (Neil Gaiman)
  2. Un Filo di Fumo (Camilleri)
  3. Pecore Nere (Kuruvilla, Mubiayi, Scego, Wadia)
  4. Tutti Giù per Terra (Giuseppe Culicchia)
  5. La Guerra degli Antò (Silvia Ballestra)
  6. Of Mice and Men (John Steinbeck)
  7. Cathedral (Raymond Carver)
  8. The War of the Worlds (H. G. Wells)
  9. Swallowing Grandma (Kate Long)
  10. Tre Cavalli (Erri de Luca)
  11. The Ghost Writer (Philip Roth)
  12. Ask the Dust (John Fante)
  13. A Short History of Nearly Everything (Bill Bryson)
  14. Il Birraio di Preston (Camilleri)
  15. Equador (Miguel de Sousa Tavares)
  16. Life & Times of Michael K (Coetzee)
  17. Cose di Cosa Nostra (Falcone)
  18. Il Cammello e la Corda (D. Seminerio)
  19. La Concessione del Telefono (Camilleri)
  20. The Cement Garden (Ian McEwan)
  21. La Vampa d’Agosto (Camilleri)
  22. Orality and Literacy (W. Ong)
  23. Sidetracked (Mankell)
  24. The Fifth Woman (Mankell)
  25. One Step Behind (Mankell)
  26. Firewall (Mankell)
  27. A Farewell to Arms (Hemingway)
  28. Il Libro Nero del Cristianesimo (Jacopo Fo & outros)
  29. Post Mortem (Patricia Cornwell)
  30. David Copperfield (Dickens)

Mr Phoda

“Miss Mowcher!”

I looked at the doorway and saw nothing. I was still looking at the doorway, thinking that Miss Mowcher was a long while making her appearance, when, to my infinite astonishment, there came waddling round a sofa which stood between me and it, a pursy dwarf, of about forty or forty-five, with a very large head and face, a pair of roguish grey eyes, and such extremely little arms, that, to enable herself to lay a finger archly against her snub nose as she ogled Steerforth, she was oblighed to meet the finger half-way, and lay her nose against it. Her chin, which was what is called a double chin, was so fat that it entirely swallowed up the strings of her bonnet, bow and all. Throat she had none; waist she had none; legs she had none, worth mentioning; for though she was more than full-sized down to where her waist would have been, if she had had any, and though she terminated, as human beings generally do, in a pair of feet, she was so short that she stood at a common-sized chair as at a table, resting a bag she carried on the seat. This lady; dressed in an off-hand, easy style; bringing her nose and her forefinger together, with the difficulty I have described; standing with her head necessarily on one side, and, with one of her sharp eyes shut up, making an uncommonly knowing face; after ogling Steerforth for a few moments, broke into a torrent of words.

David Copperfield, Charles Dickens 

Acabei de ler Il Libro Nero del Cristianesimo. É fascinante. Especialmente o capítulo sobre as Cruzadas. Especialmente a Santa Inquisição. Especialmente a conquista espanhola na América do Sul, um dos episódios mais cruéis da história da humanidade, e devidamente abençoada pelo clero. Especialmente… Bom, o livro TODO vale a pena. Explicado muito bem, com exemplos muito, hm, ilustrativos, dá uma certa indigestão mas é altamente iluminador. A parte sobre a história contemporânea da igreja católica é particularmente interessante. Tradução minha:

 

A Igreja e os Negócios (pág. 269)

A Santa Sede tornou-se uma potência econômica que administra fortunas tão colossais quanto discretas na economia mundial.

Com os Pactos Lateranenses de 1929 entre o governo de Mussolini e a Santa Sede, foi resolvida a querela com o Estado italiano pela anexação dos territórios submissos ao Estato pontifício.

A convenção financeira liqüidava as pendências econômicas entre as duas partes através de um conspícuo depósito da parte do governo italiano e da cessão de uma grande quantidade de títulos acionários como indenização pelos danos sofridos pela Santa Sede com a anexação dos Estados ex-pontifícios à Itália e a conseqüente liqüidação de grande parte do eixo patrimonial eclesiástico.

Naquela época o Estado garantia ao Vaticano um subsídio anual de 3.250.000 liras.

Pouco depois o Estado italiano reconheceu ao Estado Vaticano mais uma indenização una tantum de um bilhão e 750 milhões de liras da época, entre dinheiro líquido e títulos.

Para administrar este imenso patrimônio, a Santa Sede recorreu a um laico, Bernardino Nogara, ex vice-presidente do Banco Comercial Italiano, que aceitou sob a condição de ter completa liberdade de investimentos em todos os lugares do mundo e em todas as maneiras que ele julgasse apropriadas, de modo “completamente livre de qualquer consideração religiosa ou doutrinal”. [o  negrito é meu.]

(…)

Em 1968, dez anos depois da morte do engenheiro Bernardino Nogara, nominado pelo Papa administrador especial da Santa Sede,e quarenta anos depois dos Pactos Lateranenses, as várias participações do Vaticano na indústria, nas finanças e nos serviços foram estimadas em oito bilhões de dólares.

Depois de Nogara, o Vaticano recorreu aos serviços de Sindona e depois, quando este deixou de ser freqüentável [N.T.: esse Sindona se envolveu até a raiz dos cabelos em inúmeros escândalos financeiros], aos de Roberto Calvi. Será preciso esperar a falência do Banco Ambrosiano [outro escândalo intergaláctico], depois da morte de Calvi, para descobrir o envolvimento colossal do Vaticano nos negócios ilícitos operados por Sindona e Calvi.

Roberto Calvi tinha se tornado presidente do Banco Ambrosiano em 1975. Era chamado “banqueiro de Deus”, por sua proximidade com o Ior [Istituto Opere Religiose, o banco principal do Vaticano do qual o Papa é o único acionário, e suspeito de envolvimento com os nazistas alemães e croatas] de Paul Marcinkus.

Calvi criou uma rede de estruturas formada por filiais off shore nas Bahamas, uma holding em Luxemburgo, sociedades piratas na América Central e cofres na Suíça. Ao longo dos anos criou um império que se desenvolveu assustadoramente e que se transformou em um ponto crucial não somente da lavagem de dinheiro sujo da criminalidade organizada (máfia), mas também de organizações internacionais de vários calibres: do tráfego de armas para a guerra das Ilhas Falkland até o apoio à ditadura de Somoza, pasando pelo financiamento do sindicato católico polonês Solidarnosc.

Quando a posição do “banqueiro de Deus” ficou insustentável, o Ior e o Opus Dei se retiraram, retirando todo o apoio a Calvi, que foi preso. Quando foi libertado fugiu para Londres, à procura de apoio internacional e ameaçando tornar públicos alguns documentos quentes que possuía.

No dia 17 de junho de 1982 foi encontrado morto, enforcado embaixo da Blackfriars Bridge em Londres. A polícia inglesa arquivou o caso como suicídio. Somente em 1998, durante uma causa civil, um tribunal italiano declarou a morte de Calvi como homicídio porque as análises radiográficas do cadáver não mostravam nenhuma das lesões ósseas cervicais muito prováveis em caso de morte por enforcamento, por causa do contragolpe quando a corda se tensiona. A análise das unhas e das mãos de Calvi demonstrou que em nenhum momento ele tocara os tijolos encontrados nos seus bolsos, muito menos os andaimes que se encontravam por baixo da ponte. Ou seja, o banqueiro tinha sido morto antes (aparentemente a 100 metros da ponte, em um canteiro de obras) e depois o seu “suicídio” teria sido encenado.

O processo penal ainda está em andamento.

A secretária pessoal de Calvi morreu doze horas depois dele, “jogando-se” da janela da sua sala no Banco Ambrosiano. Michele Sindona (o mentor de Calvi), depois de ter encenado seu próprio seqüestro, foi preso e morreu em 1986 na prisão, depois de ter bebido um café com arsênico.

Il Libro Nero del Cristianesimo (Duemila Anni di Crimini nel Nome di Dio) de Jacobo Fo, Sergio Tomat e Laura Malucelli, editora Nuovi Mondi Media, 15,50 euros bem gastíssimos.

 

Não é uma coisa linda?

A Farewell to Arms, Hemingway

“Now we will drink the other bottle and you will tell me about the war.” He waited for me to sit down.

“About anything else,” I said.

“You don’t want to talk about it? Good. What have you been reading?”

“Nothing,” I said. “I’m afraid I am very dull.”

“No. But you should read.”

“What is there written in war-time?”

“There is “Le Feu” by a Frenchman, Barbusse. There is “Mr Britling Sees Through It”.”

“No, he doesn’t.”

“What?”

“He doesn’t see through it. Those books were at the hospital.”

“Then you have been reading?”

“Yes, but nothing any good”.

“I thought “Mr Britling” a very good study of the English middle-class soul.”

“I don’t know about the soul.”

“Poor boy. We none of us know about the soul. Are you Croyant

“At night”.

Count Greffi smiled and turned the glass with his fingers. “I had expected to become more devout as I grow older but somehow I haven’t,” he said. “It is a great pity.”

“Would you like to live after death?” I asked and instantly felt a fool to mention death. But he did not mind the word.

“It would depend on the life. This life is very pleasant. I would like to live forever,” he smiled. “I very nearly have.”

We were sitting in the deep leather chairs, the champagne in the ice-bucket and our glasses on the table between us.

“If you ever live to be as old as I am you will find many things strange.”

“You never seem old.”

“It is the body that is old. Sometimes I am afraid I will break off a finger as one breaks a stick of chalk. And the spirit is no older and not much wiser.”

“You are wise.”

“No, that is the great fallacy; the wisdom of old men. They do not grow wise. They grow careful.”

“Perhaps that is wisdom.”

“It is a very unattractive wisdom. What do you value most?”

“Some one I love.”

“With me it is the same. That is not wisdom. Do you value life?”

“Yes.”

“So do I. Because it is all I have. And to give birthday parties,” he laughed. “You are probably wiser than I am. You do not give birthday parties.”

We  both drank the wine.

“What do you think of the war really?” I asked.

“I think it is stupid.”

“Who will win it?”

“Italy.”

“Why?”

“They are a younger nation.”

“Do younger nations always win wars?”

“They are apt to for a time.”

“Then what happens?”

“They become older nations.”

“You said you were not wise.”

“Dear boy, that is not wisdom. That is cynicism.”

“It sounds very wise to me.”

“It’s not particularly. I could quote you the examples on the other side. But it is not bad. Have we finished the champagne?”

“Almost.”

“Should we drink some more? Then I must dress.”

“Perhaps we’d better not now.”

“You sure you don’t want more?”

“Yes.” He stood up.

“I hope you will be very fortunate and very happy and very, very healthy.”

“Thank you. And I hope you will live forever.”

“Thank you. I have. And if you ever become devout pray for me if I am dead. I am asking several of my friends to do that. I had expected to become devout myself but it has not come.” I thought he smiled sadly but I could not tell. He was so old and his face was very wrinkled, so that a smile used so many lines that all gradations were lost.

“I might become very devout,” I said. “Anyway, I will pray for you.”

“I had always expected to become devout. All my family died very devout. But somehow it does not come.”

“It’s too early.”

“Maybe it is too late. Perhaps I have outlived my religious feeling.”

“My own only comes at night.”

“Then too you are in love. Do not forget that is a religious feeling.”

“You believe so?”

“Of course.” He took a step toward the table. “You were very kind to play.”

“It was a great pleasure.”

“We will walk up stairs together.”

hemingway

Comecei a ler Hemingway, A Farewell to Arms, que eu tinha em casa há muito tempo mas nunca tinha lido. Dois dos meus alunos vão ter que falar sobre esse livro na prova de inglês do vestibular deles aqui, então resolvi me capacitar pra dar uma ajudinha melhor.

Não sei se gosto ou não gosto de Hemingway. Ainda não decidi. As descrições e os diálogos são poderosos, mas também podem ser irritantes. Miss Barkley é um pé no saco, a clássica oca giuliva. Já sei o que acontece no final do livro, porque é uma das partes analisadas pelo livro de literatura de língua inglesa dos meus alunos, e sinceramente não sinto pena nenhuma. Mas vamos ver como vai ser a história até essa mala chegar ao ponto de morte…

Ontem li rapidinho o último Camiller, Vampa d’Agosto. Os meninos do curso de narração tinham avisado que o final era decepcionante, mas eles não tinham gostado muito do livro propriamente dito. Eu gostei. Achei engraçado e bem amarradinho. Como sempre, o que menos me interessa é a história; os personagens e sobretudo o ambiente siciliano são tão surreais e hilários que nem me importa o que está acontecendo, e me perco em meio aos nomes e sobrenomes dos personagens com prazer. Ótima leitura.

E então voltei a ler Mankell, que eu tinha parado porque faltava o quarto livro. Finalmente chegou, então comecei de onde tinha interrompido: The Man Who Smiled. A impressão que eu tenho é que o sueco é uma língua simples, com poucas frases subordinadas, períodos curtos e poucas metáforas. Foi a mesma impressão que tive lendo The Bookseller of Kabul. Alguém me corrija se eu estiver errada.

E durma-se com essa merda de festa…

il cammello e la corda

O tal Il Cammello e la Corda é um livro meio estranho, porque faz um vai-e-vem cronológico entre a Sicília romana dos primeiros anos de Cristianismo e a época atual. O autor, Seminerio, não tem o mesmo charme do Camilleri, mas as descrições são interessantes, e os personagens idem. Saldo positivo, mas não é um livro assim ooooooooooh. Pra passar o tempo.

A editora é a Sallerio, de Palermo, que também publica os livros do Camilleri e vários outros autores sicilianos, então a sensação é a de estar em casa, mesmo mudando de autor. Interessante ver que o ponto de vista não muda muito – aparentemente o povo siciliano, independentemente da província que se está levando em consideração, é muito homogêneo como personalidade, e muito consciente disso. É sempre muito interessante ler autores sicilianos, de Sciascia a Camilleri a outros que provavelmente ainda vão cruzar o meu caminho.

E comecei Life & Times of Michael K, do Coetzee. Já tinha lido o seu Disgrace, que me fez chorar porque tem muitas cenas de sofrimento animal, mas tinham me falado tanto desse que resolvi dar uma outra chance. É estranho, mas estou gostando. Parece com outra coisa que eu já li mas não me lembro direito o que é.

:))))

Comecei ontem a ler Equador, do Miguel Sousa Tavares. Uma delíiiiiiicia de livro! Trouxe o menino comigo em novembro passado, mas só lembrei que ele existia quando fui à livraria semana passada, comprar um guia de Hong Kong pro Homem Mais Feio do Mundo, e vi o livro na seção “altamente recomendados”. A versão italiana tem a mesma capa da Nova Fronteira, que acredito seja a mesma original portuguesa, não sei e não me interessa, mas foi por isso que bati logo o olho e imediatamente me deu coceira de vontade de ler. Não me arrependi: hoje dois alunos faltaram e devorei metade do livro nessas duas horas de folga forçada. Os personagens são deliciosos, vivos, interessantes, as florestas tropicais parece que estão aqui do lado, sinto o cheiro da clorofila, a umidade sufocante, o cecê dos angolanos que trabalham na colheita do cacau, Wagner tocando no gramofone do Luís Bernardo. Estou amando.