Outro dia admiti no Facebook que eu adoro all things zombies. Ano passado baixei, no Kindle, World War Z, que é absolutamente sensacional – uma série de entrevistas muito realistas sobre uma epidemia que transformou os seres humanos em zumbis. O outro livro do autor sobre o mesmo assunto, The Zombie Survival Guide, já não é lá grandes coisas, força um pouco a barra e tem várias piadas amarelas desnecessárias.
Meu filme preferido sobre esse assunto é, de longe, 28 days later, fenomenal, apesar do Cillian Murphy que pra mim tem uma cara de psicopata que vou te contar. Fotografia maravilhosa, roteiro excelente, várias cenas memoráveis. Altamente recomendável.
Ah, mas você não gosta de zumbis, ficção científica, ficção e coisa e tal. Não importa. O filme é ótimo com ou sem zumbis. Se preferir, substitua os zumbis por soviéticos malvados/terroristas árabes/mafiosos chineses/whatever. Mas assista, porque é muito bom. Muito bom porque é um mundo distópico muito bem aproveitado, e eu adoro uma distopia. Ótimos livros sobre o assunto são Oryx & Crake e The Year of the Flood, sobre o mesmo mundo distópico e, da mesma autora, o espetacular The Handmaid’s Tale, presente da queridíssima amiguinha eowyn. Esse último, em particular, não sei como ainda não foi transformado em filme, dado o imenso potencial estético e de roteiro. Daria um excelente filme do Guillermo del Toro. Outra distopia que li esse ano foi Wool, ótima dica do Cris Dias. Esse mundo distópico, bem original, é organizado em silos, onde as pessoas nascem, vivem, morrem e são recicladas como adubo, sem nunca saber direito como era o mundo antes dos silos, quem os inventou e construiu e por quê, o que ainda há lá fora.
Sou fascinada por distopias porque elas oferecem um leque imenso de oportunidades a serem exploradas, antropologicamente falando. Fora as coisas básicas, de nível prático, do tipo como sobreviver sem celulares, eletricidade, telefone, televisão, bibliotecas, escolas, GPS, hospitais e todas as instituições organizadas de uma sociedade estruturada, temos toda uma série de problemas típicos do ser humano quando no seu estado natural, bem Thomas Hobbes mesmo. Porque é quando o bicho pega que a gente sabe quem é quem. De modo que os dramas a serem explorados são muito intensos e interessantes; as regras mudam ou simplesmente deixam de existir quando só o que importa é sobreviver.
Desse ponto de vista, The Walking Dead está dando um show. Eu tinha visto alguns episódios no Rio esse ano, mas como não tinha pego a série no começo, não entendi nada e não achei muita graça além do fato do assunto ser zumbis. Devagarzinho estou assistindo desde o começo, e, acreditem em mim, é simplesmente uma das melhores coisas já feitas na televisão nos últimos tempos. Conflitos que em um mundo normal seriam resolvidos sem grandes problemas viram coisas enormes, escolhas de Sofia de verdade. Por exemplo: seu grupo capturou um rapaz que andava com um pessoal meio barra pesada, mas ele jura que só estava com eles pra ter mais chances de sobreviver. Ele está muito machucado em uma das pernas e não consegue andar. A fazenda onde o seu grupo está se escondendo está ameaçada por um exército de zumbis/soviéticos malvados/terroristas árabes/pés-grandes/alienígenas/Lucianos Hucks e você precisa fugir o mais rápido possível. Você não tem certeza sobre as intenções do rapaz, mas se ele for junto certamente atrasará o grupo porque 1) está com a perna fodida e 2) vai ter que ser vigiado o tempo todo. Por outro lado, ele é jovem e forte; se for um cara legal e a perna dele sarar, ele pode ser um valor agregado (lol) pro grupo. O que fazer? Deixá-lo amarrado no celeiro à espera dos zumbis? Matá-lo logo com um indolor tiro na fuça pra poupá-lo de um fim horrível nas mãos dos zumbis/soviéticos malvados/terroristas árabes/pés-grandes/alienígenas/Lucianos Hucks? Levá-lo com você? Se as duas opções preferidas pelo grupo forem as primeiras, que direito todo mundo tem de decidir o que fazer com a vida de outra pessoa? Mas, por outro lado, não existem mais juízes nem tribunais e é cada um por si. Outro exemplo: sua mulher fica grávida, e nem ela sabe se está grávida de você ou do seu melhor amigo, que achou que você estava morto e acabou virando o namorado da sua mulher. Aborta ou não aborta? É justo dar à luz uma criança nesse mundo pós-apocalíptico? Mais do que isso, é justo jogar mais esse fardo sobre os ombros do grupo, mais uma boca pra alimentar e pra proteger nesse mundo pós-apocalíptico? É justo com o seu filho mais velho, que precisa desesperadamente de orientação enquanto cresce nesse mundo pós-apocalíptico? Por outro lado, um bebê simboliza esperança, a ideia de que algumas coisa nunca vão mudar, mesmo nesse mundo pós-apocalíptico, e pessoas precisam de esperança. E agora, José, nesse mundo pós-apocalíptico?
O seriado é cheio de encruzilhadas morais assim. Às vezes a escolha feita dá certo; às vezes não. Ninguém é (só) o que parece, tudo é relativo, tudo precisa ser contextualizado. Estão aproveitando muito bem dilemas desse tipo e o elenco é FENOMENAL. O ator principal é simplesmente sensacional e merece todos os Grammys a que concorrer, porque realmente dá um show. E pensar que ele é inglês! Com seu sotaque caipira americano perfeito, deve ser parente do Hugh Laurie, que também enganou todo mundo com seu sotaque americano. Todos os outros atores são ótimos. A maquiagem dos zumbis é maravilhosa, e tão realista que alguns atores chegaram a chorar de nervoso durante a “transformação” na cadeira de maquiagem (perdi o link da entrevista). Os efeitos especiais todos são muito, muito bons. Estou adorando, e isso porque assisto meio de lado, enquanto trabalho, ou seja, perco muito dos diálogos. Vão na fé que vocês vão gostar.
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Coisas que eu acho chatas nesses seriados: toda mulher é magra e linda e ninguém usa cabelo curto. Cara, a PRIMEIRA coisa que eu faria em caso de apocalipse, qualquer que fosse a causa, seria raspar a cabeça. Jamais conseguiria correr de zumbis/soviéticos malvados/etc com o cabelo suado colado na nuca, caindo na cara, entrando na boca. Conseguir manter a cabeça menos imunda é bem mais fácil quando os cabelos são poucos. Imagina eu correndo dos zumbis e me preocupando se vou conseguir achar condicionador na próxima farmácia abandonada que encontrar? E todo mundo usando calça jeans? Jesus, é simplesmente a roupa mais desconfortável do mundo, com aquelas costuras duras, a sua incrível capacidade de esquentar feito uma desgraça no calor e deixar as suas pernas geladas no frio, o seu peso quando molhado. De jeito nenhum! Roupa pós-apocalíptica é moletom ou legging (nesse caso as cariocas já estariam preparadas, já que esse é um dos uniformes perenes de qualquer mulher que mora no Rio de Janeiro).
Eu não sei se duraria muito num mundo desses. Não sei se aguentaria ficar imunda 24 horas por dia; juro que pra mim isso seria pior do que o pavor dos zumbis/Lucianos Hucks/alienígenas. A comida também seria um problema, lógico; lembro a alegria dos personagens quando viram uma cesta de batatas na fazenda do Hershel. “Nunca pensei que ficaria tão feliz ao rever uma batata”, diz um deles. Um mundo pós-apocalíptico é um mundo com poucos carboidratos; eu prefiriria a morte nas mãos de um Luciano Huck.