potocas

. Acabei de roubar um pepino gigante do vizinho lá da escola. Aquele que deixou todas aquelas ameixas lindas apodrecerem nos ramos. Da minha escrivaninha eu não vejo nada lá de fora, mas quando fui abrir a porta pro policial que veio pedir pra levarem embora o Renault Twingo da Elisa que estava estacionado em frente ao portão de outro vizinho, dei de cara com aquele pepinão pendurado (não riam). A planta do pepino é trepadeira (ho ho) e se deixar vai subindo toda vida (ha ha). Estava lá trepada no pessegueiro, toda florida. Não tô brincando, é um pepinão de uns 30 centímetros. Eu detesto, mas o Mirco ama – neguinho aqui adora pepino, as crianças ficam loucas – e o Leguinho idem, então não resisti e roubei. Há outros seus colegas ainda em fase inicial do crescimento, e já que estão crescendo todos pro lado da escola, vão todos acabar na minha geladeira. Com certeza é um destino melhor do que apodrecer no chão.

. Já estão pintando as paredes externas da casa nova, ou melhor, do prédio novo. Está ficando uma lindeza.

. Já comprei minha agenda Moleskine pro ano que vem. Junto com outro livro do Dawkins.

. Comecei The Gifts of the Jews, do Thomas Cahill, aquele que escreveu How the Irish Saved Civilization, um dos meus preferidos. Vamos ver se esse também é bom.

. Estou gripada, sem saco e com uma tradução enorme pra fazer. Que tal?

. Hoje o jantar vai ser frango de padaria. E o pepino do vizinho.

boas novas

Vanessinha, que trabalhava lá na agência mas saiu porque não é boba, me arranjou um trabalho de intérprete lá pros lados de Spello. Um grupo de americanos que queria visitar um frantoio, o lugar onde fazem azeite. A zona de Spello, Trevi, Foligno faz o melhor azeite do país, porque o terreno é rochoso e as condições de temperatura e umidade são ideais, então melhor que isso, só dois isso. Lá fui eu, depois do almoço, encarar a estrada vazia, pegar a mesma saída da superstrada que pego todo dia pra ir trabalhar, e virar na outra direção, pra ir subindo a colina coberta de oliveiras. Cada casona maravilhosa no caminho, e quando finalmente cheguei no tal lugar, caramba! Anta, não levei a máquina fotográfica. Um bosque delicioso, um casarão antigo lindo, e dois cachorros fofos, Ton Ton, velha e manca, e Teodoro, meio labrador e meio golden feito o leguinho, mas amarelo bem clarinho, e com a mesma cara de mongo. A proprietária é uma mulher simpática mas não muito, e o irmão é o clássico escrotão com voz rouca de fumador e unhas sujas. Estavam cortando fatias de pão pra botar na brasa pra tostar, e me explicaram a história: era um grupo de americanos, velhos, da Filadélfia, que deveriam ter parado pra comer alguma coisa na estrada ou no hotel, mas como o vôo atrasou saindo dos EUA, vieram diretamente do aeroporto de Roma até Spello. Estavam todos morrendo de fome, lógico, e o motorista ligou do meio do caminho avisando pro pessoal botar mais água no feijão (no caso, lentilha) porque senão a velharia cairia dura de fome. Então quando cheguei estavam todos meio ensandecidos cortando ensacados e queijo e pão e abrindo garrafas de vinho (Sagrantino).

Finalmente o ônibus chegou, e desce a velhacaria. Eu me dou bem com velhos, desde os tempos do hospital. Gosto de ouvi-los e troco altas idéias. Não foi diferente dessa vez: enquanto eles almoçavam bruschetta aglio e olio, capocollo e prosciutto crudo fatti in casa, queijo de leite de ovelha feito em casa, ensopadinho de javali, lentilhas e depois torta de maçã com geléia de amora, me faziam mil perguntas. Quem me conhece sabe que quando eu ligo o explicador, sai de baixo, ainda mais se o interlocutor dá sinais de interesse, então já viu: lá fui eu explicar como é feito o presunto e o que é o capocollo (eu sei porque já cansei de ver o tio do Mirco fazendo), de onde vêm essas lentilhas tão pequeninhas daqui (de Castelluccio di Norcia), que tem javali no bosque no cucuruto do monte Subasio, que são bichos danados e que se você encontrar com um enquanto estiver fazendo jogging no parque é melhor botar o rabo entre as pernas e sair correndo, que o Sagrantino só pode ser plantado na região em torno de Montefalco, porque é uma variedade de uva estreitamente ligada ao território geográfico (isso eu lembro porque explicava pros clientes do Fabrizio o Louco na loja, e porque toda hora falam disso na televisão), e por aí vai. Acabaram se tocando que tinha alguma coisa errada, que eu não podia ser italiana porque italiano não fala inglês, e ao mesmo tempo era muito estranho eu conhecer o processo de fabricação do capocollo com tantos detalhes, e quando falei que era brasileira, os velhinhos todos com as mãos nas bochechas, ooooooooooh! Que coisa! Você fala que nem eu! (e eu pensando, sai pra lá, porque não gosto do sotaque da Filadélfia). Pronto, começaram a chover mais perguntas, dessa vez pessoais, como você veio parar aqui?, eles são meio mafiosos mesmo?, é verdade que só pensam em comer?, é verdade que a religiosidade dos italianos é da boca pra fora?, você viu Under the Tuscan Sun?, seu namorado é parecido com o motorista? e coisa e tal.

Acabou que o que era uma hora de trabalho virou duas, porque depois do longo almoço ainda fomos ver os tanques de vinho (ainda não está na época da colheita das azeitonas, que começa no fim de outubro, e o frantoio estava fechado). Aprendi um monte de coisas sobre azeite que eu não sabia, os velhinhos faziam aaaaaaah, oooooooh, e no final ainda dei uma mão pro pessoal comprar azeite e vinho na lojinha. Não perdi a prática que ganhei com o Fabrizio, porque os velhinhos se entupiram de vinho e azeite. A dona do lugar acabou me dando de presente uma garrafinha do azeite, que é uma delícia, e uma garrafa de Sagrantino, que pra mim dá de mil a zero no Brunello di Montalcino. Quando subi no ônibus pra me despedir da galera e dar meu cartão pro guia, que me pediu, foi aquele auê: Ciau, Letitzia! Aren’t you coming with us to Sportoletti? No, darlings, I’m not, but have fun anyway and careful with all that wine!

Eu não sou tímida. Já fui, não sou mais. De qualquer forma nunca tive problemas pra falar em público, desde que eu saiba do que estou falando, lógico. Mesmo assim às vezes me espanto com a facilidade com que me transformo da chata de galochas reclamona e irritável que sou normalmente em um ser performático digno do significado do meu nome. Quando um dos velhos, que era um pouco menos velho, veio me dizer que eu era realmente uma letícia (muitos deles tinham estudado um pouco de italiano, e pelo menos sabiam perguntar onde era o banheiro), fiquei pensando, filhinho, vê-se que você não me conhece… A vida é uma coisa engraçada mesmo.

De qualquer maneira, 60 paus, uma garrafa de azeite e uma de ótimo vinho por 2 horas de trabalho divertido não é nada desagradável, sabe. E se vierem outras coisas assim e eu vir que consigo criar um certo nível constante de trabalho, adiós maluca sem pré-molares! Simona está se empenhando em encontrar um bom trabalho pra mim antes do fim de novembro, quando termina o período de prova do meu contrato, e durante o qual posso ser mandada embora ou ir-me embora eu, sem dar motivo nem aviso prévio. Imaginem o susto da criança se eu me despeço numa sexta dizendo olha só, segunda não volto, estou pedindo demissão… 12 turmas ficariam sem professor, e a agência sem tradutora The Flash. Que sonho…

argh

Se tem uma raça que eu detesto é vendedor.

Veja bem, o problema não é quem vende como profissão, mas quem se comporta como vendedor 24 horas por dia. C., a pessoa que agora é responsável pelas vendas na escola, é assim. Tem aquela fala tatibitati de quem quer falar com clareza pra te foder melhor, sabe, e fala coisas que obviamente não são verdadeiras, e me dá uma irritação tremenda só em escutá-la. Lógico que a coisa piora quando ela está efetivamente vendendo alguma coisa. Ontem, batendo papo com artificiais animação e gentileza com uma futura aluna em potencial, soltou a seguinte pérola: é que eu sou uma lingüista, sabe, e como lingüista sei que não adianta explicar só gramática, tem que falar também. Hein? Precisa ser lingüista, whatever that is, pra saber disso? E que lingüista é essa que fala “kleb” em vez de “club”? Mas faça-me o favor. De uma pessoa assim eu não compro nem bala Juquinha, imagina um curso de inglês de quase mil euros. Ouvia a garota falando e só pensava no Mirco, que é pior do que eu porque só entra em loja onde não tem vendedor, já que gosta de escolher sozinho. Eu ainda deixo pra lá, agradeço e despacho e acabo escolhendo sozinha, mas com ele não tem papo mesmo.

Mas o melhor foi quando a mãe de um aluno perguntou insistentemente onde estava a Simona, que pediu demissão semana passada – foi totalmente mobbed out, mas tudo bem – porque não agüentava mais o clima maléfico lá dentro. C. ficou sem saber o que responder, ainda mais quando a mãe do aluno disse que era uma pena, porque Simona era tão legal… E eu me segurando pra não rir, séria no meu computador, fingindo que não estava ouvindo. Ah, essas pequenas alegrias que a vida te dá…

que canseira…

A novidade da chefa maluca, a mitômana: há uns dois meses ela mandou embora Vanessinha, garota nota dez, sem motivo real. Na verdade foi Vanessinha que não agüentou a maluquice, achou vários motivos pra cancelar o contrato e se mandou. Achou emprego na segunda-feira seguinte, fazendo o que quer e o que estudou na faculdade, e está feliz da vida. Mas enfim. A chefa maluca resolveu contratar um tradutor fixo de francês, já que o M. é só estagiário. Ligaram pra tradutora, e ela estranhou a voz. Resolveu o que tinha que resolver com as novas meninas do Planejamento e pediu pra ser passada pra chefa. Perguntou, mas que fim levaram Vanessa e Laura? (Laura é aquela que fuma pra caramba e que gosta de música brasileira, muito gente boa). O que a chefa responde? Poderia ter sido QUALQUER COISA diplomática – redução de despesas, ela achou trabalho na área dela (turismo), voltou pra cidade dos pais. Mas não. Olha a margem: É QUE NÓS ABRIMOS UMA NOVA SEDE EM ROMA E MANDAMOS VANESSA E LAURA PRA LÁ.

?????????????

A situação está ficando crítica, porque obviamente trabalhar com gente completamente doida e, pior, capaz de tudo, inclusive de forjar provas pra demitir pessoas (ela demitiu o próprio irmão, muito provavelmente com provas plantadas), é muito, muito perigoso. Não sei o que fazer. Amanhã vou ao sindicato ver o que me aconselham. O detalhe é que S. já esteve lá pra se informar, e quando ouviram o nome da chefa deram uma risada. Iiiiiiiiiiiiiiiih você deve ser a milésima… Deixa eu ver o contrato… Ahahahahaha é aquele filho da puta do M., tenho certeza! Aaaaaah sabia! Então já viram.

Agora estou também proibida de fazer hora extra, pra “cortar as despesas” (era mais fácil ela vender o SUV da BMW que deve rodar dez metros por dia, visto que ela mora a dois minutos da escola). Só que acaba me penalizando, porque eu produzo mais do que todos os outros tradutores, logo me sobra mais tempo, logo durante esse tempo tenho que ficar em casa pra não custar muito. Entenderam a lógica? Os outros, que são lentos, não têm esse problema e podem fazer as horas extra que quiserem. Legal, né.

Tá na hora de comprar um outro Jimmy…

As Imbecis Contábeis

Fomos agraciados com duas Imbecis Contábeis lá na agência, a Sênior, que se veste como se tivesse acabado de fazer 18 anos, e a Júnior, que não tem pelos nas sobrancelhas (imagino que foram depilados até o seu total extermínio) e por isso as marca com lápis, e ainda por cima usa lápis labial MARROM sem preencher o contorno com batom nenhum. Mas seria tranqüilo se fosse só esse o problema delas, uma coisa puramente estética. O grande lance é que são duas múmias.

Imbecil Contábil Júnior liga pro ramal da Simona.
– Alô?
– Simona, o signor Tostapane (senhor Torradeira) quer falar com você.
– ???
– Signor Tostapane.
– Eu não conheço nenhum Tostapane. Não existe nenhum Tostapane.
– Ah, eu não sei quem é, mas sei que quer falar com você. Vou passar, tá?
– Alô? Bom dia, sou o signor Mazzatani.

***

Imbecil Contábil Sênior liga pro ramal da Simona.
– Simo’, me ajuda a mudar uma informação no banco de dados dos tradutores?
– Agora não posso subir, diz o que é que eu te explico pelo telefone mesmo.
– Não, não, você tem que vir aqui porque eu não toco no banco de dados.
– Imbecil Contábil Sênior, você faz as faturas todos os meses, e a fatura sai automaticamente do banco de dados com o número de laudas e tal, como assim “não toco no banco de dados”?
– Não toco e pronto.
– Fala pelo menos o que precisa mudar.
– É que nós negociamos a nova tarifa pra todo o ano de 2006 [ESTAMOS EM SETEMBRO, ALÔOOOOU] e eu queria mudar essa informação.
– Quanto é o valor?
– X euros.
– E quanto era antes?
– X euros.
– …
– Você vai vir aqui me ajudar?

**

Imbecil Contábil Sênior e Júnior se lamentam do meu relatório mensal das horas trabalhadas. Como eu sou a única que trabalha tanto pra escola quanto pra agência, que são empresas diferentes, meu horário é sempre meio maluco e eu prefiro anotar tudo o que eu faço pra não ficar ouvindo depois, “o que você fez entre seis e seis e meia do dia tal?”. Então anoto TUDO: passei meia hora corrigindo dever de casa pro fulano, passei quinze minutos entrevistando um aluno e outros quinze corrigindo o entry test, perdi meia hora com a mãe de um potencial estudante, e coisa e tal. Imbecil Contábil Sênior acha tudo muito complicado, apesar do cálculo das horas extras ser feito diariamente, com subtotais por semana, e tudo devidamente checado pela Simona, que vai lá no registro dos estudantes checar se eu realmente dei aula àquele aluno naquele horário. Imbecil Contábil Sênior não precisa fazer nada além de, no máximo, refazer a soma das horas na calculadora e fazer meu cheque. Mas Imbecil Contábil Sênior diz que eu preciso avisar se fiz hora extra na agência ou na escola. Já falei mil vezes que minhas horas extras são SEMPRE na escola, porque eu tenho aula depois das seis (o fim do expediente) TODOS OS DIAS. Mas Imbecil Contábil Sênior diz que eu devo precisar direito isso porque senão complica o contracheque. Pergunto à Imbecil Contábil Sênior, mas complica por quê? A tarifa muda se quem me paga é a agência e não a escola? Imbecil Contábil Sênior diz que não. Pergunto se são contas diferentes no banco, pra escola e pra agência, e se portanto essa confusão interfere na contabilidade. Imbecil Contábil Sênior diz que não. Pergunto então por que diabos eu tenho que dizer se fiquei na escola ou na agência depois das seis? CHE CAZZO DI DIFFERENZA FA? Sugiro que, em caso de dúvida, basta trocar as horas: se hoje eu fiquei na agência das seis às seis e meia, porque até as seis estava na escola, finjamos que foi o contrário, que fiquei na agência até as seis e depois desci pra escola. Pode ser? Não, diz a Imbecil Contábil Sênior. Desisto e me sento à escrivaninha quase chorando.

like dissolves like,

já dizia meu professor de físico-química. Uma chefa idiota só pode estar rodeada de idiotas. Há vários novos idiotas na nova equipe da agência. Alguns são idiotas porque não têm quem os oriente, já que a chefa idiota mandou embora as únicas pessoas realmente competentes, ao mesmo tempo, e não ficou ninguém pra fazer um treinamento com os recém-chegados. E outros são só estúpidos mesmo. Hoje me perguntaram se eu queria ver a tradução em francês de um trabalho que estamos fazendo juntas, eu e J. Fiquei parada no telefone. Tipo assim, eu não falo francês, fofa, leio literatura, não manuais técnicos onde existem 20 palavras diferentes pra “parafuso”. O que raios eu faço com um documento em francês? Haja saco.

:-)

Pra compensar a segunda aula com o Escrotão, a mãe de um aluno veio hoje falar comigo.

Não lembro mais se comentei aqui, mas devo ter comentado: um menino chamado Giulio que veio sozinho, de livre e espontânea vontade, ter aula de inglês porque acha que na escola não tem oportunidade de falar. Esperto, interessado, observador, com ele não falta assunto. Pois hoje a mãe veio me dizer que o menino vai voltar a ter aulas, só precisa ajeitar o horário com o da escola, e que, como foi à Áustria com os pais nas férias, comentou com a mãe que “está cheio de novidades pra contar pra Letizia”.

No início do mês veio um novo aluno de francês, recomendado pela Chiara, aquela outra menina esperta que melhorou as notas na escola. A mãe do garoto disse à Simona no telefone que a mãe da Chiara recomendou muito a escola, por causa do “milagre” que eu fiz com a Chiara (vocês conhecem a história, a garota é muito esperta e só precisava de uma mãozinha).

Meu aluno ruivo, aquele que melhorou muito a pronúncia e que a mãe comentou que vai todo feliz pras aulas, está cada vez melhor. Esteve na Irlanda em agosto e adorou a viagem. E me contou todos os detalhes em inglês, corrigindo a pronúncia direitinho. A mãe ficou toda boba quando eu disse que ele já conversa em inglês com uma certa facilidade, e me agradeceu longamente. E ele ficou todo vermelho, por baixo das sardas ; )

E a companhia de cruzeiros marítimos pra quem traduzi um monte de coisas mandou um e-mail parabenizando o tradutor (eu! eu!) pela qualidade do trabalho.

Se elogio pagasse, eu estaria com um apartamento na Piazza Navona…

inclua-me fora dessa

E hoje tive aula com o aluno mais escroto do mundo.

O cara tem uma malharia, faz suéteres. É conhecido na cidade por não pagar impostos, não fazer jamais uma fatura, usar material de décima qualidade e fazer produtos de qualidade duvidosa, vendidos por camelôs a imigrantes sem gosto e sem dinheiro. O galpão dele é ao lado do antigo galpão do concessionário do pai da Chiara, e ela contou que há alguns anos a Guardia di Finanza baixou no galpão do cara, de metralhadora em punho (adorei esse detalhe cinematográfico), pra vasculhar tudo. O cara sumiu por meses, sabe-se lá onde (provavelmente no Brasil, onde ele tem casa), e a multa chegou a dez milhões de euros.

Enfim. Eu não sabia de todo esse background quando conheci a figura. Entra esse hominho barrigudo, com cabelos tingidos de acaju, óculos Valentino horrorosos, sapato de pele de cobra. Fala boa tarde e passa por nós como um raio, indo direto lá pra cima, conversar com a chefa, deixando no ar um rastro de perfume em excesso.

Não é burro, lógico, senão não tinha feito a grana que fez. Disse que, se falasse inglês, seria a terceira potência mundial, depois dos EUA e da Rússia. Palavras textuais suas, e tive que me controlar pra não rir, lógico. Tem duas Ferraris, que ele dirige “em pista” nos fins de semana. “Andare in pista” e “fare shopping” são as únicas suas atividades recreativas – palavras dele. Então: não é burro, mas nem preciso dizer que não estudou nada, e por isso não entende nada. Eu falo devagar – JURO! – e ele nada. Boto a fita e ele reclama que falam rápido demais (não é verdade, cacete, é um livro didático!). Mas o pior de tudo é a mãozinha. Porque quando eu estou explicando uma coisa, normalmente pela décima vez, ele acha que entendeu (mas não), e começa a falar junto comigo, explicando a sua teoria. Além do horror de interromper os outros, que eu acho uma das coisas mais terrivelmente grosseiras do mundo, ele ainda levanta a mãozinha, como quem diz, deixa o papai aqui falar, filha. Caracaaaaaaaaaaaaaaaa! Cada vez que ele levanta aquela mãozinha eu me imagino em um desenho animado, pegando aquele braço peludo bronzeado nojento, dando um golpe de caratê e jogando o bicho no chão.

Como desgraça pouca é bobagem, ele quer ter aula todos os dias. Matem-me, por favor.

hm

Revolução lá na agência hoje. Depois da minha aula que termina às dez, subi pra traduzir e caí na reunião geral, com as novas meninas que estão trabalhando no planning, no lugar da Vanessinha, que fez muito bem em sair daquela gaiola das loucas e já achou emprego em Perugia, e da Laura, que ganha mais e se estressa menos escrevendo horóscopo pra jornal. Várias mentiras foram soltas no discurso da chefa, como sempre, inclusive a loucura de que todo mundo lá dentro se dá suuuuuuuuperbem. Mas pelo menos ganhamos cadeiras novas. Ainda estamos desconfortáveis, porque as escrivaninhas são altas demais e meus cotovelos estão cobertos de calos, além da dor nos ombros. Mas melhor do que nada.

Então agora estamos com um setor de planning com três meninas completamente inexperientes: uma é amiga da chefa, o que não é boa coisa, e, nunca tendo trabalhado de verdade na vida, é completamente lenta e zen, despreocupada demais pra um trabalho desses. As outras duas jamais fizeram nada de parecido na vida. Vamos ver no que vai dar. Ainda bem que só fico lá em cima por algumas horas por dia…