O negócio por aqui anda feio. O Mirco anda trabalhando pra caramba, inclusive aos domingos; volta e meia cozinho pra turma inteira e levo o panelão de macarrão pra oficina porque eles fazem uma pausa de almoço menor pra dar conta do selviço (um saco cozinhar pra essa gente, essas merdas de muçulmanos não comem porco, o que torna a minha vida muito difícil já que um presuntinho ou um bacon dá um super tcham em qualquer comida, e ainda por cima tem um desgraçado que é alérgico a ATUM!!!). Mas um dos clientes dele hoje não abriu porque não tinham nada pra fazer. Quer dizer, o bicho vai acabar pegando pra cima da gente também, acho.
O problema é que o pacote de medidas que o novo governo resolveu implantar não resolve nada. Vejam só: aumentaram (e muito) os combustíveis, o que resulta em aumentos de preços de TODOS os produtos, já que tudo na Itália viaja de caminhão, ao contrário dos países mais civilizados da Europa, que dão preferência ao transporte ferroviário. Vão aumentar o IVA (o equivalente do VAT) de novo; já passou de 20 a 21% e há um novo aumento previsto pro ano que vem. Voltaram a instituir o IPTU pra primeira casa, que aquela anta do Berlusconi tinha tirado como medida populista, falindo um monte de prefeituras. Vão abolir as províncias, cortando custos burocráticos – mas todos esses funcionários públicos vão ter que ser redistribuídos de alguma forma, de modo que não sei até onde isso resolve o problema. Os aposentados agora serão obrigados a abrir conta no banco pra receber a pensão, o que gerou uma um bafafá enorme – é sabido que velho gosta é de contar os dinheiros e guardar embaixo do colchão; a maioria é semi-analfabeta e não entende o conceito de conta corrente, de banco, de juros, de nada. Estão todos furibundos. Vão cair matando em cima de quem trabalha “in nero”, ou seja, por baixo dos panos, sem nota fiscal – quer dizer, praticamente todo mundo, até porque a carga fiscal italiana é uma das mais altas do mundo e se você não der uma pulada de cerca aqui e ali não ganha o suficiente nem pra comer. Só pra ter uma ideia, eu faturo (faturar no sentido de emitir faturas, não de lucrar) menos de 10.000 euros por ano, porque só trabalho de manhã e mesmo assim olhe lá (tem que descontar o tempo pra levar a Carol na escola, arrumar a casa, fazer almoço, pegar a Carol na escola, fazer ginástica, fazer compras etc – aliás eu não sei como consigo trabalhar at all), e mesmo assim pago 50% de imposto de renda! Fora o INPS, que também pago do meu bolso porque sou profissional liberal. Legal, né? Só que eu não posso sonegar nem querendo, porque tudo o que eu faço de trabalho é por e-mail, ou seja, totalmente rastreável. Cornuta e bastonata, como se diz aqui.
Mandar a Igreja Católica pagar IPTU nem pensar, né. Cortar os salários dos professores de religião (que, como eu já expliquei, não precisam fazer concurso público, pois são escolhidos pelos bispos), pagos pelo Estado, não, né. Cortar o salário dos parlamentares não, né. Aliás, cortar o número de parlamentares e senadores e tudo o mais, já que a máquina política italiana tem mais funcionários do que o governo dos EUA! Depois reclamam quando a Alemanha, que é quem dá as cartas na União Europeia desde sempre, fica dando bronquinha.
O outro chefão europeu, a França, também não anda lá muito bem das pernas. A Espanha e a Grécia, os primeiros a ir pro brejo, no brejo permanecem. De Portugal ninguém nem fala, como sempre, pois tem a relevância do Espírito Santo (o estado, não o fantasma), ou seja, zero. Então agora tá todo mundo meio que torcendo pra Itália sair do buraco, porque é a única grande economia que ainda está mais ou menos de pé, embora cambaleando, e segundo os economistas quando a Itália falir, o euro acaba. O engraçado é que a Itália não produz praticamente nada; a sua única grande indústria é a Fiat, que recebe ajuda econômica do governo há anos pra não falir. Li em algum lugar que 97% – eu disse 97% – das empresas italianas são o que eles chamam de “conduzione familiare”, ou seja, administradas pelos membros da mesma família, e empregam menos de 12 pessoas (os números não são exatos porque não me lembro, mas dão uma boa ideia da situação). A Bota vive de turismo, que caiu bastante, e da indústria do luxo, que como todo mundo sabe não sofre grandes flutuações mesmo durante períodos de crise mas também não é um bom indicador da potência industrial de um país. Nesse universo de microempresas, as medidas econômicas do pacote lançado essa semana não vão ser exatamente uma bênção. Muita gente que ganha “in nero” não vai querer gastar o dinheiro com medo de ser descoberto – uma outra medida do governo foi proibir transações em cash acima de 1000 euros, forçando o uso de cheques, cartões de crédito e de débito, que são rastreáveis. Não podendo gastar pra não serem descobertos, o consumo vai cair. E com todo mundo guardando dinheiro em casa, os furtos em apartamentos vão aumentar.
É guerra, rapaziada.
UDPATE: Acabei de ficar sabendo da nova punhalada do governo: qualquer conta corrente ou poupança com mais de 5.000 euros parados vai ter que pagar 34 euros por ano se pertencer a pessoa física, 100 euros se pertencer a pessoa jurídica. Daqui a pouco vão começar a exumar as ideias da Zélia e confiscar a poupança tout court…