o maior defeito italiano

(Não, não é falar gritando, que pra mim é gravíssimo).

Eu falei outro dia que o governo tá caindo matando em cima dos sonegadores de impostos. Aí resolveram dar uma blitz em Cortina d’Ampezzo, cidade de montanha famosa pelos VIPs e ricaços que frequentam a sua estação de esqui. Como sempre, havia muitos políticos e artistas. E choveram multas. Um cliente do Mirco estava lá e disse que viu oficiais da Guardia di Finanza de butuca na porta de joalherias e lojas de casacos de pele; o freguês que saía da loja com sacola na mão era parado imediatamente, tinha que mostrar os documentos, que depois serão usados pra cruzar os dados do valor da compra e da renda declarada pra ver se são compatíveis, e a nota fiscal.

Um dos personagens políticos mais odiosos da Itália, a plastificadérrima Santanché, reclamou, junto com muitos outros políticos, dizendo que essa blitz foi muito discriminatória, feita em Cortina “só porque é uma cidade rica” (maddai?), que foi uma coisa arbitrária e coisa e tal (provavelmente deve ter falado que foi coisa de comunista também, não sei), que prejudica o turismo da cidade e consequentemente a economia local. Ao que o responsável pela operação respondeu: imagina, nós fizemos foi muito bem à economia local, visto que o faturamento registrado foi 300% maior do que no mesmo dia no ano passado… Hohoho! (Claro, todo mundo que nunca bate nota fiscal começou a bater com medo de ser pego pela Finanza). Morri de rir.

Mas esse é um bom exemplo do que eu considero o maior defeito italiano: a mania de ficar puto da vida quando está errado. Cara, que ódio que isso me dá, vocês não têm noção! É o que acontece no trânsito, toda hora: o cara encosta o carro todo torto na baia do ônibus pra mulher descer pra comprar jornal na banca, o ônibus quer encostar no ponto e não pode, buzina, e o desgraçado no volante ainda fica puto! Bota a mãozinha pra fora, Italian-style, e pergunta “ma che cazzo vuoi?”. Como assimmmmmm? Tá errado, bota o rabo entre as pernas e cala a boca!

Uma vez, na nossa pizzaria preferida, entrou um fulano todo esbaforido avisando que tinha um guarda multando os carros estacionados na calçada. Veja bem, estamos falando de uma cidade com 15.000 habitantes, com um único sinal de trânsito, engarrafamento zero, nenhum problema pra estacionar o carro, mas TODO MUNDO prefere estacionar em lugar proibido só pra não ter que caminhar duzentos metros se parar um pouco mais longe. Então o guarda tava passando dando canetada na galera. Saiu todo mundo correndo da pizzaria pra tirar o carro da calçada – cena mais ridícula é difícil de imaginar – enquanto nós, que tínhamos parado meio longe mas logicamente em vaga permitida, ficamos lá rindo e comendo nossas pizzas quentinhas. Gradualmente o povo começou a voltar pras suas pizzas já frias, e de repente entra um muito puto da vida, as jugulares pulando, os amigos segurando, querendo brigar com o guarda porque ele não apitou antes de multar? Hein? Peraí, então o guarda tem que avisar antes de multar pra você ter tempo de tirar o carro? E você que estava com o carro EM CIMA DA PORRA DA CALçADA se acha no direito de ficar puto com o que quer que seja? Caraca, que raiva. Se eu tivesse um cacetete tinha ido lá dar umas porradas no cara. Vai ser incivil assim na China, putz!

Até hoje só levei uma multa, por estacionamento. O negócio é o seguinte: aqui as vagas sinalizadas com faixas azuis são a pagamento, e as brancas são gratuitas. Um dia estacionei na ruazinha em frente ao supermercado, numa vaga onde sempre parávamos quando íamos ao cinema em Bastia (hoje em dia moramos mais perto e vamos de bicicleta). Como depois das oito da noite não se paga pra estacionar nem nas vagas azuis, a gente parava o carro e ia embora, sem nem olhar pro parquímetro nem pra cor das faixas no chão, então eu simplesmente nunca tinha percebido que a tal da vaga era azul. No dia em que fui ao supermercado parei o carro e fui-me embora sem nem olhar também, exatamente como sempre fazíamos à noite. Quando voltei, exatamente 13 minutos depois, tava lá a multa no meu pára-brisas. Olhei imediatamente pras faixas azuis no chão, pensei “anta”, e dali fui direto aos correios pagar. Tenho o direito de ficar puta? Não, né, visto que eu estava errada, embora em boa fé; foi falta de atenção mesmo. Se fosse outra pessoa teria contestado na Justiça, usando essa ou aquela justificativa. Conheço duas pessoas que contestaram multa porque na foto do pardal não dava pra ver quem tava dirigindo, embora eles soubessem exatamente que eram eles mesmos no volante. É muito mau caratismo ou sou eu que sou moralista?

londres e outros bichos

Como eu disse ontem, passamos uns dias em Londres semana passada. Já comentei aqui que a primeira vez em que estive lá não gostei da cidade, na segunda vez desgostei um pouco menos, e dessa vez já comecei a gostar. Claro que estar com gente do lugar ajuda, e em boa companhia nem se fala, mas não é só isso. Acho que à medida em que envelheço sinto cada vez mais falta de um pouco de cosmopolitismo – e da bagunça também, admito. Em Paris, quando fiquei responsável pela navegação, já que meus sogros não entendem nada de coisa nenhuma, nem de francês, nem de metrô, nem de mapas, e que o Mirco se perde até dentro do banheiro se deixar, notei que simplesmente ADORO a maluquice logística de cidade grande. Até em lugares onde o transporte público funciona igual à minha cara, como o Rio, me divirto horrores calculando rotas pra chegar em tal e tal lugar. Mas é o metrô mesmo que me deixa doida.

Vocês sabem como eu sou chegada num mapa. Não posso ver mapa que fico doida, não importa muito de onde seja. Tenho vários espalhados pela casa inteira: um de Paris na sala, um mapa-mundi adesivo na parede do corredor, um da França em forma de quebra-cabeças no escritório e mais um do Parque Nacional do Monte Subásio (o Monte Subásio é onde fica Assis), ímãs de geladeira e canecas com mapas de metrô, e já tem um tempo que estou de olho nesses aqui. Na casa da minha mãe no Rio tenho uma reprodução de um mapa antigo de Londres que aquela maluca da Tatiana me deu várias eras glaciais atrás. Gostaria imensamente de um mapa do Rio, mas até hoje só vi coisas tropicalmente cafonas e desisti de procurar (quem achar um bem estiloso e quiser me dar de presente, acho ótimo). Meu iPhone tem os mapas de metrô de tudo que é lugar do mundo, e volta e meia me pego estudando um ou outro só pelo prazer de olhar praquelas linhas coloridas cheios de nomes de estações que não conheço. Adoro nomes em mapas, adoro, adoro. Livro de fantasy pra mim sem mapa já perde vários pontos logo de cara.

Mas então. Qualquer deslocamento em cidade grande é complicado e demorado, mas é tão mais divertido. Sentar com um mapinha do metrô, escolher a estação de chegada, calcular a rota, levar em consideração as estações fechadas por um motivo qualquer, ler as placas nas estações, pra mim isso tudo é divertidíssimo e compensa até a chatice de ter que subir e descer escada com carrinho de criança.

E as lojas diferentes de tudo o que temos aqui? E os restaurantes “étnicos” (palavra idiota, putz)? Comemos um curry bem normal na véspera da viagem de volta e fiquei deliciada; aqui não tem nenhum restaurante indiano nenhum, os únicos diferentes são os chineses, todos uma merda. E as pessoas com as caras e cores mais diferentes, caminhando pela cidade? E o jeito completamente diferente de viver a cidade, dependendo de onde se vai? E, no caso de Paris, o desafio de pedir ou ler informações em uma língua que se conhece pouco? Fico toda arrepiada só de pensar :-) Eu sou um bicho urbano, não adianta. Na próxima encarnação vou vir como ratazana de metrô.

amiguinhos

No primeiro post do retorno depois do breve hiato blogal de quase um ano eu comentei que 2011 foi foda, e não no sentido positivo da palavra. Mas na verdade, apesar de eu estar há muitos meses me coçando inteira absolutamente sem parar o dia todo, foi um ano muito bom do ponto de vista dos amigos. Quase todas as viagens de 2011, e foram muitas, foram com os MEUS amigos, pela primeira vez desde que vim morar na Vaticália. E isso me faz muito bem. Sem ter passado tanto tempo com tantos amigos queridos (e isso porque teve muita gente que eu amo de paixão mas que não consegui encontrar, por um motivo ou por outro – em particular devo muitas desculpas à Newlands) provavelmente eu estaria ainda pior.

Por isso gostaria de agradecer de coração (baixou a pomba-gira da cafonice aqui, guenta firme que já já passa) aos meus calegas de faculdade que viraram irmãos, apesar da distância geográfica e desses anos todos. A viagem a Orlando com o povo todo foi maravilhosa, ri horrores, foi ótimo pras meninas e até o Mirco, o único gringo do grupo e cujo português capenga só dá o ar da graça depois de umas cervejas, se divertiu tanto que ficou puto com a Sabrina por ter engravidado de novo, porque ele queria ir à Disney agora em fevereiro outra vez. No Rio passei muitos fins de semana com Sabrina & Bernardo + Pfaender & Raquel, o que me fez muito bem, considerando o contexto bizarro geral da viagem, morte da minha avó, tia e prima filhas da puta, 300 kg a mais etc. Na casa deles me sinto como se estivesse na minha, e isso não tem preço. Revi outros queridos no churrasco de formatura (Oi Alexandre! Oi Pinho! Oi Curvelo! Oi AJUG!), e, apesar da situação esquisita (foi o dia em que a minha avó morreu, long story, don’t ask), foi muito bom encontrar com eles. Em outubro fomos a Boston com Sabrina e Bernardo de novo, e embora a Manu não tenha ido, o que tornou a viagem chatinha pra Carol, pra mim é sempre ótimo estar na companhia deles.

Semana passada, entre Natal e o réveillon, fomos a Londres. Ficamos na casa do Hiro e da Barbara, e foi ótimo. O Jonas ainda é pequeno e não fala, mas a Carol brincou muito com ele e, chiquérrima, passou horas correndo pra cima e pra baixo na rampa da Tate em vez da rampa da igreja da praça de Bastia Umbra. Bati altos papos muito construtivos e interessantes, como sempre, e espero que eles venham pra cá em breve pra gente repagar a hospedagem.

E em maio o Pfaender e a Raquel vêm pra Zoropa. Vamos passar uma semana juntos em Paris, que já sei que vai ser ótima (até porque não tem muito como estragar Paris, néam), e depois eles vêm ficar alguns dias aqui em casa. O Pfaender é como um irmão desde os tempos de faculdade, e a Raquel, que não era da nossa turma, virou irmã também (além de santa). A Marina é uma figura e a Carol vai se divertir. Estou contando os dias.

Então, meus queridos, só queria dizer que amo-vos todos e que agradeço muito muito muito mesmo por tudo. Tenho a impressão de que esse ano não vamos nos encontrar tantas vezes, mas também tenho a impressão de que vai ser, no geral, um ano melhor pra mim, então tá valendo. Beijos a todos.

*Fabio Jr mode off*

escolhas

Teve uma época em que eu achava que queria ser advogada, como praticamente todo o resto da minha família. Mudei de ideia pra medicina, embora até hoje ainda esteja procurando o que eu quero ser quando crescer. Mas acho que fiz bem em abandonar a ideia de fazer Direito, porque a quantidade de situações espinhosas nas quais eu venho reparando me deixa perplexa.

Outro dia li em algum jornal italiano a história de um casal italiano, que mora há muitos anos na França, que teve uma filha, à qual deram o nome de Andrea. Quando foram registrar a garota na Itália, deu merda: em italiano Andrea é nome masculino, o funcionário da prefeitura não tinha certeza se podia aprovar o nome ou não (na verdade há outras Andreas mulheres na Itália mas a coisa sempre cria confusão), relatou o fato à Província e o juiz não autorizou – aliás, mandou mudar pra Andrée (que não existe em italiano, detalhe) pra identificar o nome como feminino.

Fiquei dividida e não tenho opinião formada até agora. Não tenho dúvida de que os pais são duas antas que foram buscar sarna pra se coçar, né, vamos combinar; tudo bem que no resto do planeta inteiro Andrea é nome de mulher, mas na Itália não é, e os dois, sendo italianos, estão carecas de saber disso. Tenho ódio mortal de gente que dá nomes malucos aos filhos (e ódio particularmente mortal a quem dá nomes estrangeiros sem necessidade, principalmente quando as modificações ortográficas pioram ainda mais a coisa – veja-se o nome Katiusha, que eu já vi escrito italianizado Catiuscia porque o “sc” tem som de “sh”). Puxa vida, estamos falando de uma coisa séria, associada a você pelo resto da vida, uma palavra que você vai ouvir todos os dias trezentas vezes por dia, a sua identidade! Pelamordedarwin, um mínimo de bom senso! Eu conheço uma que tem um filho chamado Storm – mas vai te catar, né não?

Por outro lado, restam dois fatos sacrossantos: a liberdade de expressão, que inclui a liberdade de ser um babaca e de botar um nome babaca e/ou problemático no filho, e o princípio de autodeterminação, tão em baixa aqui na Vaticália, onde o Estado, por influência desses trastes da Igreja Católica, tem mania de meter o bedelho em todos os aspectos das vidas das pessoas. Pra não falar do fato que a justificativa dada pelo juiz, a de que Andrea é nome de homem na Itália, ignora solenemente que no resto do mundo – inclusive na França, país onde mora a garota – esse nome é feminino. Vai ser alérgico ao cosmopolitismo assim na China.

Outra história que me chamou a atenção foi essa aqui. Resumindo, a criatura é programadora em uma escola católica, é solteira, fez inseminação artificial pra engravidar e por isso foi mandada embora, com a justificativa de que o que ela fez não está de acordo com a doutrina católica, que ela deveria seguir conforme estabelecido no contrato de trabalho. A coisa toda é too stupid for words à primeira vista, mas na verdade rolam várias considerações marromeno complexas aí. Ela sendo programadora, esse comportamento “que vai contra a doutrina católica” *yawn* na verdade não tem a menor relevância em termos práticos, pois ela não tem nenhum contato com os alunos, que provavelmente não têm nem ideia de que ela existe. Também não sei se esse tipo de restrição maluca com justificativa religiosa escrita em contrato (por isso que eu continuo repetindo: liberdade religiosa my ass) é constitucional nos EUA – na Itália não seria, pelo menos teoricamente. Por outro lado, se ela assinou o raio do contrato significa que aceitou as condições descritas, malucas ou não, e teoricamente deveria estar disposta a se comportar come Dio comanda, whatever that is. Não gostou das regras? Vai trabalhar em outro lugar, ou então muda de religião. Tudo bem que coerência não é o ponto forte das religiões em geral, e menos ainda dos fiéis, que tendem a adotar só as regras que acham mais legais e fáceis de seguir, mas nesse caso trata-se de uma parada enorme!

Eu, sendo advogado de qualquer uma das partes envolvidas nas duas histórias ou o juiz que tem que decidir, jogaria a toalha. Normalmente eu tendo a punir a estupidez (inclusive quando sou eu mesma que cometo o ato estúpido), mas quando a coisa é muito complexa eu não sei o que fazer.

eu e o balé, o balé e eu

Eu sempre adorei balé clássico. Quando era pequena eu ia sempre ao Municipal porque um irmão da minha avó trabalhava lá e arrumava ingressos. Perdi a conta de quantas vezes já vi Copélia, Giselle, O Quebra-Nozes, o Lago dos Cisnes e alguns outro menos badalados. Adoro, adoro.

Fiz balé quando era pequena, até a pré-adolescência, mas sendo gorda, grandalhona e claramente desprovida de qualquer migalha de graciosidade, era óbvio que a coisa não era pra mim. Mas herdei algumas coisas dessa experiência breve, além dos pés “dez pras duas” que estragam todos os meus sapatos porque os calcanhares batem um no outro. Ganhei uma ótima propriocepção, ou seja, a capacidade de entender a posição das diferentes partes do meu corpo no espaço, e muito senso de observação. Vejo isso quando faço ioga com a Petulla, ou quando começo um novo DVD de ginástica que nunca vi na vida. Normalmente não preciso que a pessoa explique os detalhes do movimento ou da postura; percebo sozinha se estou fazendo direito e não costumo deixar nada de lado, porque peguei o hábito de observar o movimento ou a postura do outro da cabeça aos pés.

(Tudo isso seria muito mais útil se eu fosse uma pessoa naturalmente graciosa, mas não sou. O fato de conseguir reproduzir movimentos não significa que meus movimentos sejam fluidos ou leves; não são. Eu sou um rolo compressor.)

Outra coisa boa foi o ritmo. Se tem uma coisa que me enlouquece é ver gente que não consegue acompanhar o ritmo. Principalmente quando se fala de aeróbica, onde a música normalmente tem uma cadência bem marcada e o volume é alto. Não consigo entender; eu não consigo fazer os movimentos fora do ritmo nem tentando!

(Isso também seria mais útil se eu fosse uma pessoa naturalmente graciosa, mas não sou. Logo, não sou capaz de dançar. Nada. Quer dizer, se eu tentar pelo menos fico no ritmo, mas sou uma coisa inolhável, não rola.)

***

Ontem fui ver o Quebra-Nozes dançado pelo Bolshoi no Opéra de Paris, que passaram no cinema em Perugia. Mirco e Daniele foram ver o Sherlock Holmes 2 (eu detestei o primeiro e não tenho intenção de ver a continuação) e eu fiquei lá, sozinha, com um monte de mães com filhas empolgadíssimas ensaiando piruetas nos degraus largos da escada enquanto o balé não começava. Achei uma ideia maravilhosa essa de passarem balés. O ingresso é caro (15 euros contra os 8 de um filme normal), mas é compreensível: eles pagam os direitos ma só passam uma vez, em um horário, logo é justo cobrar bastante. Eles fizeram uma programação bem legal, com todos os outros espetáculos transmitidos ao vivo (esse era gravado); achei que não ia dar ibope mas tava bem cheio, só com os lugares na fila do gargarejo dando sopa. Sim, o áudio é uma merda, não é a mesma coisa que ver ao vivo, lógico, mas quem não tem cão caça com gato, certo, Biscoito?.

Ainda não fui ver a versão que tenho em casa em DVD, também com o Bolshoi, mas suspeito que é a mesma que passaram ontem. O bailarino principal é com certeza o mesmo; nunca iria esquecer aquelas ventas abertas que lhe dão aquela aparência meio equina. Os figurinos são definitivamente os mesmos da minha versão. A impressão que eu tenho é que é mesmo a mesma versão, editada de maneira diferente, porque algumas tomadas em close eu tenho certeza de que não tenho.

Aí quando eu falei pro Mirco que eu adoro esse balé, apesar de não ser o meu preferido, e que tenho em DVD, e que o ingresso era caro pra cacete, ele perguntou “mas então por que diabos você vai ver a parada de novo?”. Balé é um negócio esquisito, sabe, como música clássica, mas com mais detalhes porque é visual e não só auditivo. Nas montagens tradicionais a música é a mesma, a coreografia é a mesma (ai de quem tocar nas coreografias do Petipa), os figurinos são mais ou menos semelhantes. Então apesar de ser tudo muito parecido, cada versão é única. Eu tenho um Lago dos Cisnes dançado pelo Nureyev que é um escândalo, porque o homem era de um universo paralelo, nunca vai haver outro bailarino como ele; até quem não entende nada da coisa enxerga a diferença abissal entre ele e o resto do mundo. Mas não gosto da Fonteyn como cisne. Tenho duas outras versões do Lago, uma com uma primeira bailarina espetacular e outra um pouco menos. Gosto mais do bailarino que dança com a bailarina um pouco menos, mas prefiro os figurinos e algumas coreografias um pouco alteradas da versão com a primeira bailarina espetacular. Um dos meus combos música-coreografia-figurino preferidos no mundo inteiro, ever, não é exatamente essa aqui mas é parecida, com a música um pouco mais acelerada e na versão para dois casais de bailarinos (a versão que eu tenho é mais legal ainda, acreditem):

Essa também é ótima, apesar do vestido horripilante, totalmente não-espanhol, e da péssima qualidade do vídeo. A coreografia é pra uma bailarina só e a mulher abala Paris em chamas.

a crise

O negócio por aqui anda feio. O Mirco anda trabalhando pra caramba, inclusive aos domingos; volta e meia cozinho pra turma inteira e levo o panelão de macarrão pra oficina porque eles fazem uma pausa de almoço menor pra dar conta do selviço (um saco cozinhar pra essa gente, essas merdas de muçulmanos não comem porco, o que torna a minha vida muito difícil já que um presuntinho ou um bacon dá um super tcham em qualquer comida, e ainda por cima tem um desgraçado que é alérgico a ATUM!!!). Mas um dos clientes dele hoje não abriu porque não tinham nada pra fazer. Quer dizer, o bicho vai acabar pegando pra cima da gente também, acho.

O problema é que o pacote de medidas que o novo governo resolveu implantar não resolve nada. Vejam só: aumentaram (e muito) os combustíveis, o que resulta em aumentos de preços de TODOS os produtos, já que tudo na Itália viaja de caminhão, ao contrário dos países mais civilizados da Europa, que dão preferência ao transporte ferroviário. Vão aumentar o IVA (o equivalente do VAT) de novo; já passou de 20 a 21% e há um novo aumento previsto pro ano que vem. Voltaram a instituir o IPTU pra primeira casa, que aquela anta do Berlusconi tinha tirado como medida populista, falindo um monte de prefeituras. Vão abolir as províncias, cortando custos burocráticos – mas todos esses funcionários públicos vão ter que ser redistribuídos de alguma forma, de modo que não sei até onde isso resolve o problema. Os aposentados agora serão obrigados a abrir conta no banco pra receber a pensão, o que gerou uma um bafafá enorme – é sabido que velho gosta é de contar os dinheiros e guardar embaixo do colchão; a maioria é semi-analfabeta e não entende o conceito de conta corrente, de banco, de juros, de nada. Estão todos furibundos. Vão cair matando em cima de quem trabalha “in nero”, ou seja, por baixo dos panos, sem nota fiscal – quer dizer, praticamente todo mundo, até porque a carga fiscal italiana é uma das mais altas do mundo e se você não der uma pulada de cerca aqui e ali não ganha o suficiente nem pra comer. Só pra ter uma ideia, eu faturo (faturar no sentido de emitir faturas, não de lucrar) menos de 10.000 euros por ano, porque só trabalho de manhã e mesmo assim olhe lá (tem que descontar o tempo pra levar a Carol na escola, arrumar a casa, fazer almoço, pegar a Carol na escola, fazer ginástica, fazer compras etc – aliás eu não sei como consigo trabalhar at all), e mesmo assim pago 50% de imposto de renda! Fora o INPS, que também pago do meu bolso porque sou profissional liberal. Legal, né? Só que eu não posso sonegar nem querendo, porque tudo o que eu faço de trabalho é por e-mail, ou seja, totalmente rastreável. Cornuta e bastonata, como se diz aqui.

Mandar a Igreja Católica pagar IPTU nem pensar, né. Cortar os salários dos professores de religião (que, como eu já expliquei, não precisam fazer concurso público, pois são escolhidos pelos bispos), pagos pelo Estado, não, né. Cortar o salário dos parlamentares não, né. Aliás, cortar o número de parlamentares e senadores e tudo o mais, já que a máquina política italiana tem mais funcionários do que o governo dos EUA! Depois reclamam quando a Alemanha, que é quem dá as cartas na União Europeia desde sempre, fica dando bronquinha.

O outro chefão europeu, a França, também não anda lá muito bem das pernas. A Espanha e a Grécia, os primeiros a ir pro brejo, no brejo permanecem. De Portugal ninguém nem fala, como sempre, pois tem a relevância do Espírito Santo (o estado, não o fantasma), ou seja, zero. Então agora tá todo mundo meio que torcendo pra Itália sair do buraco, porque é a única grande economia que ainda está mais ou menos de pé, embora cambaleando, e segundo os economistas quando a Itália falir, o euro acaba. O engraçado é que a Itália não produz praticamente nada; a sua única grande indústria é a Fiat, que recebe ajuda econômica do governo há anos pra não falir. Li em algum lugar que 97% – eu disse 97% – das empresas italianas são o que eles chamam de “conduzione familiare”, ou seja, administradas pelos membros da mesma família, e empregam menos de 12 pessoas (os números não são exatos porque não me lembro, mas dão uma boa ideia da situação). A Bota vive de turismo, que caiu bastante, e da indústria do luxo, que como todo mundo sabe não sofre grandes flutuações mesmo durante períodos de crise mas também não é um bom indicador da potência industrial de um país. Nesse universo de microempresas, as medidas econômicas do pacote lançado essa semana não vão ser exatamente uma bênção. Muita gente que ganha “in nero” não vai querer gastar o dinheiro com medo de ser descoberto – uma outra medida do governo foi proibir transações em cash acima de 1000 euros, forçando o uso de cheques, cartões de crédito e de débito, que são rastreáveis. Não podendo gastar pra não serem descobertos, o consumo vai cair. E com todo mundo guardando dinheiro em casa, os furtos em apartamentos vão aumentar.

É guerra, rapaziada.

UDPATE: Acabei de ficar sabendo da nova punhalada do governo: qualquer conta corrente ou poupança com mais de 5.000 euros parados vai ter que pagar 34 euros por ano se pertencer a pessoa física, 100 euros se pertencer a pessoa jurídica. Daqui a pouco vão começar a exumar as ideias da Zélia e confiscar a poupança tout court…

o interior do zaire também é tupiniquim

Eu sempre reclamo que isso aqui é o interior do Zaire, e qualquer estrangeiro decente que mora aqui sabe que estou coberta de razão. Mas o Brasil tem horas que também testa a paciência da gente, vou te contar…

A irmã da Fabiola tá vindo pra cá pro Natal e resolvemos comprar cousas tupiniquins pros nossos respectivos pimpolhos e mandar entregar na casa dela, pra ela trazer. E daí começam as nossas duas sagas paralelas.

A minha saga

Fui lá no site, botei as minhas coisas no meu carrinho e fui fazer o check-out. Entrei com meu username e minha senha de sempre e quando vi a parada já tinha sido concluída, com uma mensagem de que o pedido estava feito. Fui checar o e-mail automático que me mandaram e vi que simplesmente diziam que estavam esperando o OK do banco. Só que vão ficar esperando até o próximo Big Bang, porque aquela conta não existe mais. Perdi HORAS tentando achar um jeito de alterar os meus dados bancários, mas nada. Então mandei tudo à merda; fiquei com preguiça de escrever pra eles reclamando e resolvi juntar as minhas compras ao pedido que a Fabiola estava fazendo pelo site da Livraria Cultura. Só que…

A saga da Fabiola

A Fabiola também tinha um cadastro antigo no site da Cultura. O cadastro deles tem um e-mail antigo dela, que não existe mais. Ela tentou fechar a conta, mas eles pediram a senha ligada ao tal e-mail; ela respondeu que não sabia mais a senha. Pra eles não mandarem a confirmação do pedido pro e-mail defunto, ela preencheu o formulário pra quem quer cadastrar um novo e-mail, mas não chegou nenhuma mensagem ao endereço novo. Lá vai a Fabiola escrever pra eles, avisando que a coisa toda é urgente porque a irmã dela tá vindo pra cá daqui a pouco, e eles escrevem de volta avisando que o pedido dela já está à disposição dela no Fashion Mall. Shopping do qual ela logicamente nunca ouviu falar, sendo de Americana e não tendo intimidade com o Rio (defeito grave, sabe, mas tudo beeimmmm). Uma googlada rápida e ela descobre que o shopping é o São Conrado Fashion Mall, no Rio. E ainda pedem pra ela preencher uma autorização de débito em conta corrente e mandar por fax. É mole ou quer mais?

Que beleza viver na era digital…

real steel ou o efeito avatar

Ontem fomos ao cinema, coisa que não fazíamos há MOITO tempo (ir ver Happy Feet 2 com um monte de crianças mal educadas não conta, néam). Vimos Real Steel, por sugestão minha – primeiro porque tem aquele pão do Hugh Jackson, segundo porque tem robôs boxeadores :-)

Vou logo avisando: o filme é uma merda. Parece que pegaram todos os clichês hollywoodianos desde a idade das cavernas, misturaram e salpicaram sobre o roteiro. Cada frase, cada lágrima, cada nota musical da trilha sonora é absolutamente previsível já desde os primeiros trinta segundos do filme. Mas, cacetes estrelados, os robôs são MUITO maneiros! Bem feitos pra cacete! Em momento nenhum sequer passa pela sua cabeça o fato de que você está vendo um belo de um CGI. Saí de lá com o mesmo nível de raiva que me deu quando fui ver Avatar (procurem o post na categoria “pipoca” porque estou com preguiça): uma tecnologia absolutamente phoda, um tema original que poderia ter dado uma história diferentaça, mas nãaaaaao… Prefere-se sempre tratar o espectador como retardado (vamos combinar que a maioria é mesmo) e juntar todos os chavões no mesmo filme, do filho não reconhecido ao amor reencontrado, com uma pitada de superação, um pouco de violência bem calculada, uma criança gênio que por acaso gosta da mesma coisa que o pai que ele nem conhecia, uma bonitona que se apaixona novamente pelo mocinho anti-herói… Que tédio.

Mas os robôs são maneiros. Quando sair em DVD vão lá ver se eu não tenho razão.