como eu ia dizendo…

Pouco antes de sair do Brasil a Carol começou a dormir civilizadamente (i.e. sem acordar de madrugada pra tomar mamadeira). E continuou assim pelos 10 primeiros dias de Itália. Aí os malditos molares que faltavam começaram a dar o ar da graça de novo, mas só de leve, sabe, só aquele tiquinho suficiente pra deixar a garota irritada, hiporéxica de novo e, consequentemente, com insônia fome-related. De modo que ando um bagaço.

Ela vira outra criança quando os dentes saem. Fica chata, chata, chata. Normalmente ela acorda de bom humor, distribui beijos pra todo mundo, incluindo as capas dos DVDs preferidos dela, brinca sozinha por um certo tempo, precisando só da minha companhia no mesmo cômodo, ou seja, dá pra levar. Mas quando os dentes saem, ela entra na modalidade Insuportável Plus Deluxe, e já acorda choramingando, não posso sair de perto dela nem um segundo, pede colo o dia inteiro mas reclama e me expulsa quando dou um beijo nela, não quer nem saber do pai, chora de cortar o coração quando entra no carro do avô pra ir pra casa da Arianna, não quer sair de casa, não come merda nenhuma e me deixa enlouquecida, e ainda por cima acorda de madrugada – qualquer hora entre 2 e 5 da manhã – pra tomar a mamadeira salvadora. Sacooooooooo! O pior é que por duas semanas não posso nem contar com a Arianna pra ficar com ela durante a tarde pra eu poder respirar, porque ela e Ettore estão na Romênia tratando de assuntos odotológicos (don’t ask). E o pior ainda é que não para de chover praticamente desde que chegamos, de modo que não podemos ir a lugar nenhum (ela não quer sair de casa mesmo, mas quando o tempo melhora eu forço um pouco a barra e ela vai, nem que fique só meia hora correndo na rua). Quando consigo convencê-la a sair de casa é pra passear no shopping – atenção para o singular.

Mas como tudo na vida tem seu lado positivo, veja só que beleza: como tenho muita, mas digo MOOOITA dificuldade pra pegar no sono, principalmente quando acordo de madrugada, acabo ficando com as noites livres. Não tenho pego muito trabalho porque não dá mesmo, trabalhar de madrugada pra mim é suicídio, não consigo me concentrar, não tenho saco, não quero. Então eu fico lendo até o sono bater, ela acordar de novo ou me dar vontade de malhar, o que vier primeiro. E nessa consegui ler Hunger Games em três dias, um livro em cada madrugada.

Tá, tá, não tem nada de original, Lord of the Flies, Battle Royale etc e tal, li um monte de reviews na Amazon e já sei de tudo isso. Mas Hunger Games é MUITO bom. Muito mesmo. Não vejo a hora de sair o filme (ou os filmes, sei lá).

a salvadora da pátria

A minha mais nova melhor amiga do mundo é a Fabiola. Não porque ela é brasileira, que como vocês já estão carecas de saber é muito pouco pra chamar alguém de amiguinho, mas porque ela é normal. Não é Jucileide, não é Michelly, não é Katylene, não é Suely Maria – é Fabiola. Uma pessoa normal, que fala italiano direito, condizente com alguém que mora aqui no Zaire há muito tempo. Uma pessoa normal, que tem amigos italianos, que não leva vida de gueto, que não veio pra cá caçar gringo. Uma pessoa que trabalha, que trabalhava direito no Brasil, que é estudada, que já morou em outros lugares, que gosta de viajar, que fala português direito (tá, tem o sotaque paulistano, mas a gente releva) – QUE FALA PORTUGUÊS DIREITO! Gente, uma pessoa normal. Vocês não estão entendendo. A Fabiola veio ao mundo pra me salvar do limbo intelectual botense.

A descoberta da Fabiola foi assim, ó: ela casou com o Petto (apelido do sobrenome), amigo/conhecido do Mirco (como todo o resto da cidade, que é um ovo). Toda a vez que cruzávamos com o Petto na rua o Mirco parava pra bater papo e depois, quando íamos embora, comentava que ele era um cara legal, que sempre tinha sido interessante e inteligente e coisa e tal. Mas não nos frequentávamos, por assim dizer. E aí o Petto casou com a Fabiola. E fez-se a luz.

A Carol adorou ela. Eu adorei ela. Nos entendemos como se nos conhecêssemos há anos. Agora tenho alguém com quem usar expressões como “fulano não quer nada com a Hora do Brasil”, “Mario? Que Mario? Hohoho” e outras pequenas delícias desse tipo. E ela me deu um pão de mel que o Petto trouxe da Sicília, que tem logicamente outro nome e leva umas cascas de laranja cristalizadas hediondas no meio mas estava absolutamente delicioso. I love pão de mel. Ela vai me dar receita de pão de queijo. Ela vai me usar como beta tester dos pães de mel que ela vai fazer pra vender e ficar rica vendendo doce decente pra italianada. Fabiolazinha querida, eu te amo.

post retroativo de quando eu estava no rio

Era mais um dia de inverno polar no Rio de Janeiro quando atravessei a Epitácio Pessoa pra pegar meu 157 direção Gávea. O termômetro da rua, coisa que aliás deveria ser obrigatória em todas as cidades do mundo de tão útil, marcava gélidos 32 graus. Esqueço que no Rio até o friozinho é quente; você às vezes está de moletom em casa mas se tiver que dar oito passos a pé na rua vai acabar suando, é uma coisa esquisita. Nesse dia eu fui uma anta mesmo porque o sol estava brilhando, logo estava quente. Aqui não existe aquele sol invernal do hemisfério norte que tem a potência térmica de uma lâmpada de geladeira: o sol saiu, prepare-se pra derreter, não importa em que mês do ano você se encontre. Mas a anta aqui esqueceu disso e saiu de casa de manga comprida e calça.

Mas tudo bem, o Rio é uma cidade onde as pessoas tiram as roupas de inverno do armário quando é inverno e não quando esfria, ignorando solenemente a meteorologia em prol do calendário, até pelo prazer de usar roupas diferentes das coisas sem mangas e das sandálias que uniformizam todo mundo na maior parte do ano. De modo que vi gente de suéter e de jaqueta nas ruas, como se realmente o inverno carioca fosse digno de ser chamado assim.

Enfim. O 157 é a minha linha de ônibus. Pego-a há anos (até porque aqui na Lagoa não pecamos exatamente pelo excesso de opções…), desde quando a linha era Estrada de Ferro-Leblon e não Central-Gávea como se chama hoje. Pegava o 157 pra ir pro colégio e mais tarde pra ir pras aulas de italiano aos sábados. Hoje estava indo pra Gávea mesmo, pro Detran, pra dar início à prática pra renovar a carteira de motorista. O caminho da linha é delicioso: segue pela Epitácio Pessoa, vira à esquerda pra passar em frente àquela aberração que é a Cruzada, depois à direita na General San Martin, atravessa o Leblon inteiro, cai na Visconde de Albuquerque e vai seguindo até passar em frente ao Shopping da Gávea; o ponto final é a PUC. É uma linha tranquilíssima; os motoristas são muito gentis, param fora do ponto quando vêem que você está desesperada correndo pela calçada e não vai chegar ao ponto em tempo; na época em que eu ia à escola os motoristas conheciam todos os alunos e sabiam a que horas eles normalmente estavam nos pontos, chegando a esperar um pouquinho quando viam que estava na hora e os meninos não estavam lá. Os passageiros usuais também costumam ser tranquilos, na maioria estudantes, e a viagem é sempre muito light.

Nesse dia fui aproveitando o passeio sem pressa. Tinha saído de casa com tempo de sobra, just in case, e estava numa rara modalidade zen. Fui apreciando o Leblon, bairro com o qual não tenho muita familiaridade porque tudo na minha vida era e ainda é principalmente em Ipanema, mas a sensação reconfortante de saber o nome da próxima transversal é muito boa. Estava sentada no lado esquerdo do ônibus e por isso pude admirar as casonas lindas da Visconde de Albuquerque, ao longo do canal. Morar em casa no Rio deveria ser um baita dum privilégio, mas na verdade é meio coisa de louco porque se tem uma coisa que o Rio não é é uma cidade segura. Mas as casas são deslumbrantes e fiquei imaginando como será morar ali. Desci com alguns estudantes no sinal antes do posto que marca o início da Marquês de São Vicente e andei um bocadinho no sentido contrário até o posto do Detran, onde dei entrada na papelada, coisa de 10 minutos. Enquanto saía do posto liguei pra agência que faz os exames médicos e psicotécnicos e a mulher disse que eu podia ir direto pra lá; deu um endereço na praça e lá fui eu voltar pela Visconde de Albuquerque toda pra pegar a Ataulfo de Paiva no final e ir subindo até a praça, em vez de virar em uma das transversais e cair direto nela. Uma bela caminhada.

Passando pelos bonitos prédios ao longo do canal, com grandes varandas, enormes jardins e às vezes até palmeiras dentro das portarias, fiquei pensando em como explicar esse modo de viver pra gente como meus sogros. Como explicar uma palmeira dentro do perímetro do prédio? Como explicar a existência de porteiros e o fato de que eles costumam morar nos edifícios onde trabalham? E o lance de ter empregada doméstica morando com você em casa? O Brasil realmente não é pra principiantes; nada nesse país faz sentido, é impressionante. E tenho a impressão de que o Rio é particularmente incompreensível pra quem não mora aqui. E lá fui eu elocubrando assim até a esquina com a Ataulfo.

Gosto muito do Leblon. Se você não mora no Rio, deve conhecer o bairro das novelas do Manoel Carlos com suas Helenas. Eu não passeava por ali há anos; ultimamente ainda vou muito ao Shopping Leblon, mas como ele fica logo no começo do bairro, pra mim ele fica mais no final de Ipanema do que no vizinho da novela, de modo que eu realmente não botava os pés no Leblon Leblon mesmo há o maior tempão. Achei engraçado como o comércio é bem diverso do de Ipanema, que conheço de cor. As lojas de cadeias estão dentro dos shoppings, o Leblon e o Rio Design, mas nas ruas as lojas são bem diferentes. Achei tudo bem diferente de Ipanema, não sei explicar bem diferente como, mas é. Talvez só as lojas de frozen yogurt, que são populares no Rio já tem um tempinho mas esse ano estão se multiplicando como cogumelos, sejam um ponto em comum com Ipanema e o resto da Zona Sul. Prefiro mil vezes um sorvete normal a um frozen yogurt, mas gordo que é gordo não dispensa sorvete não importa que nome ou aspecto ele tenha, de modo que saí do psicotécnico e sentei na sorveteria na saída da galeria pra tomar um muy dietético frozen com gotas de chocolate e cobertura de chocolate.

Como é bom poder apreciar uma cidade assim! Sentadinha na calçada, observando a fauna local, comendo um negocinho qualquer. Melhor ainda quando você realmente gosta do lugar onde está, conhece as linhas dos ônibus pela cor, tem memórias associadas a praticamente tudo – o ponto da Ataulfo perto do Santo Agostinho, por exemplo, é onde eu pegava o 433 pra Tijuca quando dava aula na Telemar, nos tempos da faculdade, quando morava na casa da minha avó durante a semana. E foi ali que esperei meu 157 vermelhinho pra voltar pra casa.

O passeio terminou com uma típica atração turística carioca: de dentro do ônibus testemunhamos um roubo na calçada da Epitácio Pessoa. Vimos um cara sair correndo com uma bolsa verde e depois a dona da bolsa chorando sem saber o que fazer. Tcaem coisas que nunca mudam mesmo.

falação

Toda vez que venho ao Rio fico logorreica. Me dá uma coisa, um negócio, um treco, um troço, e quando vejo estou vomitando palavras vertiginosamente, embora mais lentamente do que o meu raciocínio, que está a mil, e falando besteira, fazendo mímica, imitando, fazendo vozes, caretas, revirando os olhos, mas sobretudo falando, falando o tempo todo, até a garganta reclamar e o fôlego faltar. Falo com o motorista de táxi, com a Dona Maria que vende coco na Epitácio Pessoa e com as babás que tomam conta das crianças, com o porteiro do prédio onde houve um incêndio, com a minha avó que está ficando surda, com os vendedores das lojas onde compro sapatos compulsivamente (OK, eu detono sapatos direto porque tenho as pernas tortas, piso errado e desgasto as solas de maneira desigual, ando dez pras duas e bato os calcanhares um no outro, vivo tropeçando e dando topadas), com a outra pessoa que está experimentando sapatos na mesma loja (esse ano cismei com a Outer, cacetes estrelados, que sapatos confortáveis e maneiros!) e com a qual troco pitacos, com o cara da Eldorado que dá pão de queijo de cortesia pra Carolina, com a manicure que eu nunca vi na vida e que me ajuda a decidir se boto Arranha-Céu, Tubinho ou Tapete Vermelho nas unhas.

A coisa só tem piorado desde que a Carol nasceu, pois só falo português com ela o tempo todo mas ela não responde nem ri quando eu repito uma fala de The Big Bang Theory. De modo que sinto realmente falta de dialogar em português, o que não acontecia, ou que acontecia de maneira menos intensa, antes dela nascer, quando a minha vida era 100% italiana.

O italiano gosta de falar, isso todo mundo sabe. Os umbros são um pouco mais fechados, mas se você puxar conversa dificilmente o interlocutor vai te ignorar. Mas no Rio a coisa assume outras proporções; acho que não existe carioca, nascido ou criado, que não goste de bater papo, não importa muito com quem, nem sobre o quê. O importante é falar, e o ato de intimidade imediata que isso cria.

Quando estivemos no Rio Sul com o Ettore e a Arianna, estávamos sentados num banco ali perto da New Order, no quarto piso, quando passou uma loura empurrando um Quinny com um bebê foférrimo e acompanhada de uma senhora que obviamente era sua mãe e de uma outra que falava inglês. A moça, lógico, se aproximou da Carolina, porque aquela cabelada toda que ela tem chama a atenção pra caramba e TODO MUNDO pára pra falar com ela, e logo começamos a papear. Ela se acocorou no chão, apoiou a mão no meu joelho e entramos naquela coisa de “pois é, menina, blah blah blah”, ela começou a falar de quando morava em Miami, conversamos sobre crianças que comem e que não comem, discutimos modelos de carrinhos, aqueles diálogos emocionantes sobre crianças e tal, até que as duas senhoras a chamaram e ela se levantou, deu um tchau e um sorrisão, e foi embora. Ettore e Arianna perguntaram se éramos amigas, de tão animada que tinha sido a conversa.

Tenho pra mim que essa falação toda, essa intimidade/cumplicidade imediata, tem algo a ver com o fato de que é normal passar o dia de biquini e Havaianas ou roupa de ginástica. Não dá pra ficar cheio de mumunhas e formalidades com Havaianas nos pés. O clima de praia eterna all-year-round simplesmente não é compatível com nove-horas. O Rio é a praia, até pra quem não gosta de praia, não põe biquini desde os 15 anos e não sai na rua de chinelos, como eu. A praia está entranhada na cidade, logo fala-se, muito, informalmente, alegremente, o tempo todo. Como eu amo falar, essa é uma das coisas das quais mais gosto no Rio. As outras são assunto pra outro dia.

de imigração e imigrantes

Quem ainda não sabe vai ficar sabendo logo logo do vídeo sobre a polícia francesa maltratando imigrantes. Googlem aí porque eu vi o vídeo no Twitter e não peguei o link. Aí começaram logo os comentários sobre os horrores da polícia, de estado controlador, de direitos humanos e aquela lenga-lenga de sempre. E aí eu comecei a pensar mais seriamente sobre o assunto e acho que a coisa merece ser discutida.

Eu sinceramente não vi violência absurda e voluntária no vídeo. Sim, houve arrastamento de crianças que estavam amarradas às costas das mães naquelas faixas coloridonas maneiras que as africanas usam muito – e que europeus não usam muito, o que pra mim significa que os policiais podem perfeitamente simplesmente não ter visto as crianças. O que eu vi foram policiais fazendo o papel deles, ou seja, removendo à força os protestantes (ou squatters, sinceramente não entendi direito a situação; só sei que essas pessoas estavam onde não deveriam estar e resistiram aos pedidos de sair dali, motivo pelo qual estavam sendo arrastadas embora). Não vi ninguém batendo em ninguém, ninguém jogando pedra nem bomba de gás em ninguém, ninguém dando porretada em ninguém. Não sei o que essas pessoas estavam fazendo ali, mas o fato é que não deveriam estar ali, e ponto final. Se você estaciona o carro onde sabe que não se pode estacionar, perde totalmente o direito de reclamar quando o rebocam, ou não?

Olha, eu detesto o Sarkozy. Acho-o ridículo, antipático, casado com uma mulher ridícula, e sobretudo parecido demais com o Berlusconi pro meu gosto. Detesto a direitona fanática xenófoba. Mas concordo com ele em muitas coisas (principalmente com a ideia maravilhosa de abolir essa palhaçada da burka no país inteiro. LIBERDADE RELIGIOSA MY ASS) e em alguns casos inclusive em termos de política de imigração. Acho de verdade que o direito à cidadania deve ser condicionado por váaaarias coisas. Totalmente de acordo com o sistema holandês: não fala a língua? Não pode pedir cidadania. Como é possível que uma pessoa que vive anos em um país e nunca se preocupa em aprender a língua local um dia se integre? E se não se integra, se não participa ativamente de nada no país porque não entende a língua, por que diabos quer a cidadania então, senão pela óbvia delícia de ter um passaporte europeu? E por que diabos mereceria a cidadania então, se a motivação está toda errada?

Não vou entrar no mérito da questão da pobreza dos imigrantes, as causas da imigração etc, porque todo mundo sabe mais ou menos o que rola, o lance das ex-colônias no caso da França, o lance da facilidade de acesso via mar no caso da Itália, o tipo de gente que imigra por causa da pobreza dos seus países e coisa e tal. O fato é que assim como os marroquinos de hoje não têm culpa do país ter sido explorado e fodido pelos franceses de antão, os franceses de hoje também não têm culpa pela exploração e fodição causadas pelos seus antepassados. De modo que estamos todos quites, ou não? E aí vem essa cambada toda de gente que não sabe fazer nada porque não teve formação nenhuma de nada se mudar pras banlieux e ficar jogando lixo na rua, traficando drogas e botando fogo em carros quando cortam a luz do prédio caindo aos pedaços onde moram. De novo: não vou entrar no mérito do por que essas pessoas não conseguem acesso a educação pra que possam ser alguém na vida e, talvez, se integrarem. Mas sei por experiência própria que muitas vezes elas simplesmente não querem nada com a Hora do Brasil.

Nenhum dos muitos marroquinos que já passaram pela oficina do Mirco tinha o seguro obrigatório do carro, apesar de serem todos legais aqui, e todos com a família também em situação legal. Isso significa que se eles batessem em alguém ou atropelassem uma pessoa que precisasse de cuidados médicos especiais e caros não cobertos pelo sistema público de saúde ou se matassem alguém em um acidente, a família da vítima receberia ZERO euros de compensação. Eu pago uma fortuna de seguro do carro todo ano, mesmo tendo um carro bunda e velho, mas se eu matar alguém num acidente o meu seguro paga uma grana pra família da vítima. É o mínimo, né não? Normalmente eles não têm absolutamente nada no nome deles, o que significa que eles podem praticamente fazer o que quiserem, pois literalmente não têm nada a perder. Uma vez achamos uma conta de luz de um dos marroquinos do Mirco jogada no chão toda amassada. O cara simplesmente não pagava as contas, que aqui chegam de 2 em 2 meses ou de 3 em 3, dependendo do serviço, e quando cortavam o serviço ele se mudava. Simples assim. Não pagam dívidas, pois a justiça não tem como correr atrás deles, penhorar bens, nada, pois bens não têm. Um marroquino pegou dinheiro emprestado do Mirco anos atrás (adiantamento de salário), tudo assinado, com documentos válidos legalmente e tal, e simplesmente parou de pagar a dívida na metade. Se o cara trabalha com carteira assinada, a justiça determina que uma percentual do salário seja automaticamente passada pro credor todos os meses. O que o fulano fez quando saiu a sentença favorável ao Mirco? Parou de trabalhar de carteira assinada, lógico. De modo que ele agora não só sonega impostos, porque trabalha por baixo dos panos (o chamado “in nero”), como também não paga a dívida com o Mirco. E isso porque estamos falando dos marroquinos, que de modo geral se comportam melhor do que os romenos, por exemplo.

Por isso que concordo pRenamente com o Sarkozy. Fez merda, cometeu crime, não pagou imposto, é inadimplente com o credor? Cidadania revogada. Ora bolas, vai tomar no cu! Quer ter o privilégio de ter passaporte cor de vinho? Comporte-se civilizadamente, como a maioria dos europeus se comportam. E digo privilégio não necessariamente porque passaporte europeu é uma coisa ótima de se ter, mas porque qualquer país do mundo no qual você não tenha nascido e que esteja disposto a dar a você os mesmos direitos de quem nasceu está te dando um presente, sim senhor. E fazer mau uso de presentes é uma parada muito desagradável, sabe.

avatar

Finalmente consegui ver Avatar, tipo depois de todas as pessoas do planeta. Moreno me emprestou o Blu-Ray e vi sozinha em casa, num dia em que a Carol tava na Arianna e eu precisava MUITO de uma tarde de ócio.

Decepção total. Veja bem, o visual é realmente fenomenal, os caras fizeram um trabalho espetacular, os bichos são maneiríssimos e coisa e tal, mas, putz… O roteiro. O roteiro matou o filme. A palhaçada inicial com o lance dos Marines já me irrita, sabe, essa coisa do militar americano que eu acho o horror dos horrores e tal. Mas quando aparece o comandante ou sargento ou sei lá o que com aquele sotaque de redneck, bronzeado, falando em gíria militar, cheio de cicatrizes de batalhas passadas e, a gota d’água, A PORRA DA CANECA DE CAFÉ ETERNAMENTE NA MÃO, eu quase desliguei a televisão. Que ódio! Que ódiooooo! Tanta tecnologia, tantos anos, tanto esforço, tanto dinheiro jogado no lixo! Com um roteiro maneiro, ou pelo menos não idiota, teria saído um filmaço-aço-aço, mas não. Que ódiooooo! Lógico que a coisa foi só piorando, aquela coisa do bom selvagem, do civilizado que se deixa civilizar pelos bárbaros, blah blah blah. Merda de desperdício de gráfica foda (a única cena que realmente achei ridícula foi aquela dos n’avi sentados no chão naquele ritual místico-religioso-babacóide deles, porque ficou parecendo ala coreografada de escola de samba, sei lá).

Enfim, o fato é que tem muito tempo que não vejo um filme decente. Só conseguimos ir ao cinema aos domingos, quando deixamos a Carol à tarde na Arianna, mas se só tem porcaria pra ver, não resolve muito. Achei Solomon Kane uma merda (jesus, quem é aquele ator canastrão? Socorro!). Adoramos O Segredo de Seus Olhos, mas tive que insistir muito porque o pessoal queria ver uma porcaria dessas comédias pastelão italianas que me dão instintos homicidas. Ainda não consegui arrastar ninguém pra ver Toy Story 3, mas também não sei se quero ver em italiano, sinceramente… Só me resta ficar re-re-re-re-re-re-re-re-revendo os que a Carol adora, Cinderela, Toy Story 2 e Shrek (a trip do Aladdin aparentemente passou).

guia para hackear línguas

Lembram que outro dia eu falei que tinha uma coisa legal de trabalho rolando? Pois essa coisa legal era a tradução do Language Hacking Guide do Brendan.

O Brendan trabalhou comigo naquele manicômio em Foligno e saiu correndo antes de adoecer, coisa que vários de nós deveríamos ter feito, mas não sem antes me apresentar ao Couchsurfing. De modo que tenho muito a agradecer a ele, como se não bastasse ele ter sido companhia sensacional nos poucos meses em que convivemos pessoalmente.

O lance é que o Brendan é um aprendedor de línguas. Tipo assim, o que você faz da vida, meu filho? Aprendo línguas. In loco. Não é ótimo? Não consigo imaginar outra profissão mais legal no mundo. E ele escreveu um e-book ensinando qualquer um a aprender línguas fácil e rápido como ele, usando métodos… hm, diferentes, dos quais tenho certeza que você nunca ouviu falar. E eu tive a honra de traduzir pro português, aprendendo muito no processo porque sou gramaticófila assumida e nunca confiei muito em métodos “comunicativos”. Mudei de ideia radicalmente e só estou esperando a Carolina se ajeitar com o sono pra eu poder me jogar de cabeça no francês (porque, vamos combinar, nenhum método do mundo, a não ser talvez a aplicação de um chip diretamente no lobo frontal, funciona quando você dorme em média 4,5 horas por noite, né).

A coisa funciona assim: quando você compra o guia, ele vem em várias línguas (cujo número vai aumentar em setembro), de modo que você pode comparar a versão na sua língua com a versão da língua que estiver estudando – isso ajuda muito, como qualquer pessoa que já leu Harry Potter em outras línguas pra aprender porque já sabe o livro de cor e salteado está careca de saber. Você também ganha um exclusivo conjunto de worksheets com “deveres de casa” e checklists pra ajudar você no percurso. Mas não é só isso! Tem também um arquivo em Excel com listas de palavras pra você aprender, tudo explicadinho no manual. Mas tem mais! Muitas entrevistas com outras pessoas que aprenderam línguas usando métodos não-convencionais e contam as suas experiências ao Brendan. Então veja só: o manual em várias línguas (o original em inglês e traduções em português, francês, italiano, espanhol, alemão e polonês, por enquanto), mais as worksheets, mais o arquivo em Excel, mais as horas de entrevistas interessantíssimas, custa só 49 dólares. Ridículo, inclusive porque ele dá uma lista bem longa de recursos grátis online pra aprender línguas, todos já devidamente bookmarkados ou baixados como apps no meu iPhone, obrigada. O preço vai aumentar em setembro porque vão ser adicionadas váaaaarias outras línguas e vão rolar muitos updates de links, algumas seções vão ser aumentadas etc – e se você comprar agora os updates depois são de grátis.

De modo que eu recomendo al-ta-men-te.

ajudinha

Lá vou eu pedir ajuda aos universitários de novo. Dessa vez é uma coisa meio específica.

Estou traduzindo um jornalzinho interno de uma multinacional com uma “filial” italiana bem desenvolvida, de modo que a empresa tem um time de futebol bem organizado que joga regularmente contra times de outras empresas. Esse jornalzinho interno, depois de traduzido pro inglês (que é o que eu estou fazendo), vai circular na casa-mãe americana e na filial inglesa. Só que o jornalzinho segue totalmente o esquema italiano, principalmente com relação ao futebol, de modo que não sei exatamente como proceder.

Funciona assim: qualquer jornalzinho, de escola, de paróquia, de cidade pequena etc tem o que eles chamam de “pagella”, ou “boletim escolar”, dando notas aos jogadores. Trata-se sempre de um parágrafo curto pra cada jogador, beeeem irônico, e termina com um apelido merecido naquela ocasião. Então, por exemplo, um cara que jogou muito bem e estava em todos os lugares ao mesmo tempo foi apelidado de Homem-Aranha. O parágrafo fica mais ou menos assim:

SOBRENOME 8 [o sobrenome vem sempre em maiúsculas e seguido da nota, normalmente sem nada separando]: Já pendurou as chuteiras oficialmente há muito tempo e o físico não é mais o mesmo, mas sem ele o time não teria vencido – o cara estava em todos os cantos ao mesmo tempo! Sensacional a defesa contra o Fulano. HOMEM-ARANHA

SOBRENOME 5: A vida de casado aparentemente tem lá suas consequências… Como as coisas mudaram, Sobrenome! Quem te viu, quem te vê! Praticamente dormindo em campo, só acordou quando Beltrano fez aquela falta assassina no Fulano. Ou pode ser que ele tenha acordado quando a esposa entrou no estádio… CASANOVA ADORMECIDO

E por aí vai. Tchutchuca, não é mesmo. Superengraçado, ha ha ha. A minha pergunta é: um texto desse tipo faz algum sentido na Inglaterra ou nos EUA? Existe algo ainda que remotamente parecido no mundo anglófono? Melhor dizer pro cliente cortar essa parte ridícula que não interessa a ninguém, até porque fala-se de jogadores italianos que ninguém das outras filiais deve conhecer, ou traduzo assim mesmo e foda-se o mundo que não me chamo Raimundo? Tenho pra mim que as pessoas vão ver esse SPIDER-MAN no final de um parágrafo louco e pensar WTF?, amassar o jornalzinho e jogá-lo fora lindamente, but that’s just me. Se alguém me der uma luz sobre o assunto, agradeço.

Beijo no coração.

carolina e o sono

Como eu disse, muito obrigada pelos conselhos. “Chill out” foi o melhor que eu recebi, de um leitor cuja filha começou a dormir direito do nada. Como segundo a minha mãe tanto eu quanto meu irmão só fomos dormir decentemente aos 4 anos, presumivelmente sem que ninguém tenha mudado nada na nossa rotina, é possível que essa coisa de dormir mal seja uma fase que um dia vai passar espontaneamente, até porque eu já tentei tudo o que li/ouvi/pesquisei/inventei sobre o assunto, fora deixá-la chorar.

De qualquer maneira, a Carol começou a dormir melhor. Do nada. Começou dormindo direto duas noites seguidas, sem que eu tivesse feito nada de diferente, e acordando de madrugada no resto da semana mas caindo no sono de novo no máximo meia hora depois e sem fazer a confusão toda dela de me arranhar, fazer down dog, ficar passando os pés nas barras do berço pra fazer barulho, essas sandices suuuuperlegais de aturar de madrugada. Na manhã do segundo dia ela só acordou pra tomar a mamadeira às oito da manhã, e como parecia estar bem desperta aproveitei o ensejo e não a coloquei de novo pra dormir. Adiantei o almoço, adiantei a soneca da tarde e adiantei o jantar e a hora de dormir à noite. Ficamos nesse esquema a semana passada toda, eu acordando a coitada às nove e meia da manhã, dando almoço às onze e meia, meio-dia, ela tirando a soneca de uma a duas e meia mais ou menos, lanchinho logo depois, jantar às seis, no máximo seis e meia e cama às nove. Ela continuou acordando de madrugada, mas no mesmo esquema de levar menos tempo pra pegar no sono e sem arranhar a minha mão toda me levando à loucura. Em duas ocasiões ela vomitou a mamadeira TO-DA junto com o jantar e acabou indo pra cama de barriga vazia. Eu achava que ela acabaria acordando com fome lá pra meia-noite, mas ela aguentou firme e só mamou às seis, que é o horário de café da manhã de pedreiro dela. Não tem coisa mais nojenta do que a sua camisola e o seu cabelo pingando vômito de espinafre e mozzarella de búfala, mas pelo menos o vômito serviu pra gente saber que ela consegue dormir só com o jantar, sem a mamadeira depois. De modo que a mamadeira da noite foi sumariamente abolida, totalmente sem traumas.

Já faz duas semanas que ela pega no sono sozinha, sempre, sem encher. Ainda não tenho uma amostra grande o suficiente pra comprovar estatisticamente se ela dorme melhor quando vai pra cama mais cedo, mas aparentemente é isso mesmo. A minha teoria é a de que quando fica cansada demais ela não consegue fazer nada direito, nem mamar e nem dormir. O cansaço também acaba comigo, fico (mais) insuportável e demoro (mais ainda) a pegar no sono, mas infelizmente não me impede de comer; aparentemente, portanto, ela é muito parecida comigo no quesito resistência física à falta de descanso. A diferença é que ela precisa de muitas horas de sono, enquanto que pra mim bastam poucas, mas boas. Hoje ela dormiu às OITO e venho notando que chegar até as nove é um pequeno suplício pra ela. Acho que vou deixar que ela durma mais meia hora de manhã pra ver se ela aguenta firme até as nove, porque ir pra cama às oito da noite é sacanagem, o Mirco chega em casa às oito e meia… Agora são dez e meia e ela deu uma chorada mas parou sozinha. Vamos ver o que a madrugada dirá.