oi

Não morri não. Digamos que é uma letargia pós-Paris. Porque Roma pode ser tudo na vida, mas Paris é Paris, né, vamos combinar. Qualquer coisa depois de Paris dá uma tristeza, uma desilusão, um desbunde ao contrário – um des-desbunde, digamos assim. Pior ainda é sair de Paris e pular direto pra Itália, o país mais provinciano do mundo.

Falando da Bota, o país anda em polvorosa por causa de duas coisas: o Superenalotto (a MegaSena daqui) que não saía há 6 meses, e ontem deu a um sortudo de Catania, na Sicília, a beleza de 101 milhões de euros, e a reforma na educação.

O plano de reforma foi desenhado pela ministra da educação, formada em direito numa faculdade do norte mas que se descambou até a Calábria pra fazer a prova da OAB deles, sacam. É como o cara que faz vestibular pra medicina vinte vezes, não passa pra nenhuma federal e acaba estudando na Estácio, onde é mais fácil passar (principalmente se você tiver o pistolão adequado). Entenderam o drama, né. Então: os vários pontos da reforma na verdade são muito confusos, porque a oposição de esquerda exagera na instrumentalização e a gente acaba não sabendo direito como a coisa funciona. Sei que pelo que eu entendi há pontos positivos e muitos negativos. Entre os pontos positivos estão o retorno da nota de comportamento, que permitirá reprovar alunos pouco civilizados, e a eliminação de cursos universitários idiotas, supérfluos ou com poucos alunos – aparentemente há 37 cursos ativados nesse momento com somente 1 aluno inscrito. Até aí tudo bem, sou supercontra o esquema de supermercados de cursos que rola por aqui, como no Brasil, e mais ainda a favor da abolição de pseudofaculdades tipo Estácio, Gama, Santa Úrsula, Wakigawas da vida. Chega de pagou-passou, né, convenhamos.

Também há pontos obscuros, como a eliminação do horário integral nas escolas, que parece que não é exatamente verdade mas que é conspiração da oposição, e o fechamento de sedes destacadas de escolas em lugarejos remotos que têm poucos alunos – parece que esses alunos serão remanejados para outras estruturas, de modo que ninguém ficará sem aulas.

Os pontos negativos, porém, são muito, MUITO sérios. O primeiro é um corte de 7 bilhões de euros para a educação, em todos os níveis. A desculpa do governo é que há professores demais, e tenho certeza de que nesse caso tem razão, há mesmo. Pra não falar da parte burocrática e administrativa. Aqui também tem muito funcionário público fantasma, que ganha salário e não trabalha, em todas as áreas, inclusive na educação. Mas o problema é o seguinte: a Itália gasta menos em educação do que TO-DOS os outros países europeus, e o resultado se vê claramente no ranking que sai todo ano sobre o conhecimento e a preparação dos alunos em cada país da União Européia. A Itália é lanterninha TODOS OS ANOS, em TODAS AS MATÉRIAS – história, ciências, a própria língua, língua estrangeira, informática, geografia, matemática. Então não seria melhor mandar embora todos esses professores a mais, e investir o dinheiro poupado em laboratórios nas escolas (porque não há), em sistemas de avaliação dos docentes, em cursos de atualização e especialização dos docentes, etc? A escola italiana é uma merda há muitos e muitos anos, nunca foi o centro das atenções de nenhum governo moderno, nem de direita e nem de esquerda, e precisa urgentemente de mais e melhores investimentos. E aí Berlusca vem com essa, porque precisa de dinheiro pra salvar os bancos e as indústrias nacionais da crise econômica – não preciso lembrar a vocês que ele é o maior industrial do país, dono de bancos, universidades particulares, lojas de departamento, jornais e revistas (que têm subsídio do governo), time de futebol, pra não falar das três redes particulares de televisão e de uma TV a cabo.

O segundo ponto é o retorno do professor único para todos os anos da escola primária. Primeiro que pra mim parece um método pra criar obediência a uma figura autoritária, e vocês sabem que eu tenho horror horror horror a autoridade de qualquer tipo. Segundo que hoje em dia ninguém tem mais capacidade de ensinar tudo; há que se especializar. E mandando embora os professores a mais sem contratar outros a idade média dos professores, que já é a mais alta DO MUNDO, não vai baixar nunca. Você acha que um professor italiano de 60 anos que ainda usa colete xadrez e tem dentes faltando na boca sabe ligar um computador ou entende alguma coisa de replicação de DNA?

O terceiro ponto é que muitos desses cortes vão cair pro lado da pesquisa, que já é um dos muitos pontos fracos da educação italiana. No lugar de cada 5 professores afastados por idade avançada, incompetência ou simplesmente por estar sobrando, só vai entrar UM pesquisador. A indústria italiana não é competitiva no resto do mundo porque não é inovativa nem eficiente, e eles vão cortar justamente a pesquisa! Cacetes estrelados, nem no Zaire, viu.

Por isso tudo, mas sobretudo pelos motivos errados (instrumentalização da esquerda e imbecilidade universal dos estudantes), as escolas e universidades estão em greve, ou pelo menos em estado de intenso tumulto. Aqui quando os estudantes resolvem protestar eles “invadem” as escolas e universidades. Acampam mesmo, levam comida, sacos de dormir, etc, e se apropriam dos prédios. Chama-se “occupazione” e acontece há muitos anos, é uma tradição no país. Aí o Berlusconi vai à TV dizer que não aceita esse tipo de comportamento, porque (e aqui ele tem razão, embora obviamente seus motivos sejam outros) tira o direito dos estudantes que querem ter aulas e fazer provas normalmente, e que pra impedir essa farofada toda vai falar pessoalmente com o Ministro dell’Interno pra que ative as forze dell’ordine (leia-se polícia e Carabinieri). Pronto! Revolução! Todo mundo nas ruas desafiando a polícia com cartazes, bonecos, faixas, broches, camisetas. Bola forésima do Cavaliere, coisa que achei ótima, lógico, pois o índice de aprovação desse governo anda em torno dos 70%, uma coisa absolutamente inacreditável (pra não dizer assustadora), e qualquer mijada fora do penico ajuda. Ele conseguiu piorar as coisas mais ainda dizendo, no dia seguinte, que nunca tocou no assunto polícia. Ooooooooooh o apocalipse! Ontem e hoje a TV não fez nada além de repetir, praticamente em loop, o famoso discurso sobre o uso das forze dell’ordine. Dupla bola fora: falar besteira e depois vir dizer, com a cara-de-pau que lhe é peculiar, que não falou nada daquilo, embora a cena tenha sido gravada e mostrada à exaustão. Continua assim, filhinho. Quem sabe finalmente a ficha cai, e, por tabela, o Cavaliere…

ken lee

Essa é velha e voces provavelmente ja’ viram, mas eu nao consigo parar de rir toda vez que escuto.

Virou a trilha sonora da viagem, porque a Lulu nunca tinha visto e depois que eu mostrei pra ela a mulher começou a desencavar umas musicas velhérrimas e cafonérrimas, das quais “I should have known better” foi a que mais colou. Fico o dia inteiro cantando essa coisa odiosa, na versao melo (circunflexo), ou seja, “me chamo bombeiro”.

Never mind.

paris

Depois da canseira de ontem, acabamos acordando tarde hoje e resolvemos pegar leve com a andação. Mas não só acordamos tarde como fomos dormir DE NOVO depois de tomar café! Reacordamos só à uma da tarde e saímos pra, tchã tchã tchã tchãaaaaaaaaa, catar um lugar pra comer antes de ir ao Musée de l’Orangerie, que hoje era grátis por ser o primeiro domingo do mês. Então pegamos a La Tour Maubourg até a Pont des Invalides, viramos à direita na Cours La Reine até a Place de la Concorde, pegamos a Rue Royale e seguimos até a Madeleine, aquela igreja que é bonita por fora e cafona por dentro. Embocamos no Boulevard des Capucines e enfrentamos o vento forte pra dar uma zoiada nas brasseries. Acabamos descobrindo um lugar bem legalzinho, chamado Capucine mesmo, no número 39. Tudo novinho, bonito, confortável, garçons simpáticos (fomos atendidos por um português, ou filho de portugueses, com cara de nerd), comida boa (sopa de legumes deliciosa e um filé com molho de pimenta acompanhado de batatas fritas sequinhas) e por um preço justo (17 euros por pessoa, sem bebida). Saímos felizes da vida e voltamos pela Royale de novo até o museu, que fica dentro do Jardin des Tuileries.

Ficamos meia hora na fila, encarando o vento forte mas não gelado e um chuvisco chatíssimo. O museu é bem pequeno, são umas 150 obras de grandes artistas: tem umas ninféias gigantes do Monet, uns Picassos, uns Modiglianis, uns Renoirs, uns Rousseaus (descobri que o Rousseau é o Paulo Coelho da pintura, ô sucesso mais desmerecido, pelamordedeus! O cara é um horror!) e tal. Interessante, mas acho que não vale a pena pagar o ingresso, então foi ótimo entrar de graça. Alguns dos Picassos que fazem parte deste acervo já tinham sido levados pra tal mostra que vai começar no Orsay depois que eu sair, mas como havia reproduções em tamanho real no lugar delas, deu pra apreciar legal.

Quando saímos o tempo não tinha melhorado nada, mas mesmo assim fomos novamente ao Champs Élysées catar uns livros de francês pra mãe da Lulu na Virgin. Desnecessário dizer que ela não achou o que queria, mas eu saí de lá com vários livros de exercícios de francês e quatro Astérix.

Pausa para o momento reflexivo-intelecto-lingüístico.

Toda vez que eu vim à França eu voltei pra casa prometendo a mim mesma que na próxima vez eu estaria falando francês. Já comentei aqui n vezes que eu considero não falar francês uma lacuna intelectual das grandes, mas dessa vez a coisa está me irritando de maneira fenomenal mesmo. Porque a Lulu fala MUITO bem e bate altos papos com todo mundo (aliás, parênteses, TO-DOS os vendedores e funcionários de TO-DAS as lojas e TO-DOS os restaurantes em que entramos, TO-DAS as pessoas que paramos na rua pra pedir informações, enfim, TO-DAS as criaturas, 100% francesas ou imigrantes, com as quais falamos foram incrivelmente simpáticas – não falo de não ser antipático, mas de ser ativamente simpático: puxar assunto, brincar, sorrir com sinceridade, perguntar que língua falamos, onde a Lulu comprou a bolsa dela, etc. Ponto pros parisienses, muito muito muito muito mais legais que os londrinos chatões). E apesar de eu entender muito bem o francês escrito e um tiquinho do francês falado, não ser capaz de falar essa língua que eu AMO e desse país que eu admiro pra cacete é MUITO frustrante. Então pretendo me aplicar seriamente e estudar e aprender a falar, pra virar gente.

Fim da pausa.

Na Fnac compramos CDs de música francesa (Lulu) e DVDs baratos (eu; Amadeus e O Advogado do Diabo). Entramos em várias lojas de óculos pra catar óculos escuros pras amigas da Lulu, mas não encontramos nada. Entramos na Yves Rocher pra ver se encontrávamos o sabonete líquido de figo e ginseng maravilhoso que tem aqui em casa, mas não achamos e acabamos comprando creminhos de amora, kiwi, pêssego. Paramos no Brioche Dorée pra comer tartelette de chocolate com banana e chocolate quente (eu) e brownie com mocaccino (Lulu), porque o Paul estava lotado, e de lá tocamos direto pra casa, seguindo o mesmo trajeto que fizemos ontem e babando de novo nos prédios das maisons de moda, um mais desbundante do que o outro.

Pausa para reflexão estética.

As francesas têm um charme natural inexplicável tão grande que dá vontade de matar. Completamente diferentes das italianas, que também são bonitas mas tendem a exagerar nas roupas, nos saltos, nas maquiagens, nos perfumes, nos cortes de cabelo bizarros (tipo franja lisa e o resto do cabelo todo de baby-liss, essas aberrações assim). As francesas não têm nada de particular. São elegantemente magras, mas as italianas também são. Têm cabelo bom, mas as italianas também. Normalmente têm a pele linda, que as italianas também têm. Mas enquanto que as italianas têm que se produzir pra ficarem elegantes, as francesas não fazem nada. Nada. Usam roupas bem básicas, bem cortadas mas simples, jogam uma écharpe no pescoço e saem lindando pelas ruas, sem fazer nenhum esforço. Malditas.

Fim da pausa.

E agora com licença que amanhã é dia de shopping (a lista de compras da Lulu ainda não foi totalmente dealt with) e por incrível que pareça já estamos com sono de novo.

paris

Acordamos mais ou menos cedo e fomos direto pra padaria aqui na rua transversal comprar pão. Um horror, indecisão total, todos os pães absolutamente maravilhosos, no final foi uma escolha de Sofia: abrimos mão do pão de nozes (pelo menos por enquanto) e pedimos uma minibaguette de sete grãos, além de quatro das madeleines que eu estava paquerando desde que chegamos. Levamos pra casa e tomamos nosso café, felizes da vida. Não preciso nem dizer que o pão tava divino.

De barriga cheia, aproveitamos o dia lindo pra ir ao Musée Rodin (Rue de Varenne), já que muitas das esculturas de bronze ficam no jardim, maravilhoso, e passeio em jardim maravilhoso requer um dia lindo. Ficamos um tempão lá passeando, fazendo nada, curtindo o solzinho e os poucos visitantes, antes de finalmente entrar no museu propriamente dito. O acervo é ótimo; pra quem não sabe, não há só obras do Rodin (e da Camille Claudel, lógico), mas também tem algumas peças da coleção pessoal do escultor. Coisas lindas; o museu é bárbaro e vale muito a pena visitar.

Como tínhamos comprado o passeport, o ingresso combinado Rodin-Orsay, lá pra hora do almoço saímos do Rodin, pegamos o Boulevard des Invalides até o Quai d’Orsay e fomos catar um lugar pra comer antes de entrar no museu. Seguimos a Rue de Bellechasse nos afastando do rio, pra procurar lugares que não fossem armadilhas de turista. Acabamos comendo num lugarzinho bem legal, no número 12, administrado por um jovem casal de chineses (ou talvez fossem irmãos, não sabemos) incrivelmente simpáticos e sorridentes. O lugar é todo novinho, limpo, arrumadinho, e a comida estava ótima: quiche de espinafre com salmão pra mim, espinafre e queijo de cabra pra Lulu. O preço foi bem razoável, o pedaço de quiche é grande o suficiente pra matar a fome, ao contrário de outros lugares que vimos por aí, e os chineses são realmente simpaticíssimos. O detalhe: mesmo entre eles, falavam um francês impecável, coisa que eu acho hilária. De barriga cheia, finalmente tocamos pro museu.

Não estava lotado, mas mesmo assim tinha uma filinha que nós, com nosso passeport em mãos, evitamos completamente. Tivemos bastante tempo pra apreciar o museu, que é grande mas não gigante, mas acabamos batendo tanto papo sentadas ali no corredorzão central, vendo as figuras que passavam, que acabamos não vendo tudo. Lulu vai voltar na quarta-feira, quando vou embora, que é quando começa uma exposição do Picasso (que eu logicamente vou perder).

Na saída já estávamos com fome de novo e voltamos nos chineses pra comer um croque monsieur (uma espécie de misto quente com queijo gratinado por cima, que eu encarei valentemente e adorei) e sorvete de limão (Lulu). Tava meio friinho mas resolvemos ir bater perna assim mesmo, e fomos andando até a Place de la Concorde, onde estava rolando uma espécie de festival de comemoração dos 100 anos da indústria aeroespacial francesa, uma cabeçada danada. Além da cabeçada, a cada rajada de vento subia uma poeirada desgraçada, de modo que apertamos o passo até o Champs Élysées. Entramos na Virgin pra fazer xixi (só 20 centavos; alguns lugares cobram um euro), demos umas voltas, sentamos num banco pra observar a fauna, e quando finalmente cansamos atravessamos pro outro lado, pegamos a Rue Pierre Charron, viramos à esquerda na François 1ère e fomos reto até a Place du Canada. Dali até a Pont des Invalides é um salto, e uma vez atravessado o rio foi só pegar a La Tour Maubourg e depois a terceira direita, que é a nossa. Paramos num chinês pra jantar (eu fui modesta e só comi dois ravioli grelhados; a Lulu foi de sopa de tofu picante e dois ravioli de camarão no vapor) e voltamos pra casa.

Estávamos exaustas, até porque os livros nas lojas dos museus são inevitáveis e carregar peso por toda essa distância não é mole, e nossos pés estavam em chamas de tanto andar. Enquanto eu falava com o Mirco no telefone, que tinha comido uma sopa velha que tava dando sopa (hohoho) em casa desde que eu saí de lá e passou mal a noite inteira na casa da mãe dele, a Lulu deitou no sofá com a desculpa de que ia ver televisão. Ahã. Nem chegou a ligar a bichinha; capotou rapidinho e quando eu desliguei o telefone ela levantou feito um zumbi e foi zumbizando pra cama. Eu ainda li um pouco do Nicholas que comprei ontem, mas estou com soninho e estou indo dormir. Bonne nuit.

paris

Hoje tomamos café em casa, com as coisas que compramos no supermercado ontem. Alimentadas e de banhinho tomado, saímos de casa e viramos à direita, pra pegar o Boulevard Saint-Germain. Subimos e descemos a Rue de Rennes até Montparnasse and back vendo as vitrines, depois embocamos na Rue Vaugirard e seguimos, passando pelo Jardin du Luxembourg, até o Boulevard Saint-Michel. Ali, quase na Rue des Écoles, pertinho da Sorbonne, paramos pra almoçar num Pomme de Pain. Eu encarei um sanduíche de hamburger fininho com queijo raclette em pão quentinho e crocante, suco de laranja e iogurte aromatizado com baunilha; Lulu foi de quiche de brócolis com salmão e bolinho de limão (reparem que vou falar de comida O TEMPO TODO, mas vocês já sabem, né).

Dali fomos ao Musée National du Moyen-Age, ou Museu Nacional da Idade Média, a.k.a. Cluny (porque fica no Castelo e Termas de Cluny). O museu não é grande e também não é muito badalado, de forma que as hordas de japoneses bobinhos com luvinhas e risadas infantilóides não o freqüentam. Eu sou chegadaça numa Idade Média, que é o meu período histórico preferido, e fiquei babando. A atração principal deles é a tapeçaria da Dama com Unicórnio, que tem uma história interessante e uma simbologia com altas explicações e tal, mas todo o acervo é maravilhoso, pra não falar do próprio prédio. Também não vou comentar sobre a lojinha do museu. Lojinhas de museus são a minha perdição. Até hoje um dos meus objetos pessoais mais queridos é uma trousse que reproduz a tapeçaria de Bayeux, que comprei na lojinha do museu homônimo. Ai ai.

Bem alimentadas de arte e coisas lindas, andamos mais até o rio, parando pra tomar um sorvete de maracujá Berthillon num quiosque qualquer (o da Gelateria della Palma em Roma é melhor), e atravessamos a Pont au Change, que fica entre a Pont-Neuf e a Pont Saint-Michel. Atravessamos pra Rivoli, que subimos e descemos entrando e saindo de livrarias, e depois tocamos pro Carrousel du Louvre. A Lulu queria ir a uma loja que ela adorava, que vendia material de desenho e pintura, além de adesivos lindos pra parede, mas que descobrimos que virou o centro informático do museu, sei lá. Paramos pra comer nos restaurantezinhos lá da praça de alimentação, mas como era tarde pra almoçar e cedo pra jantar não tínhamos muitas opções. Acabamos caindo de boca em mini-hamburgers (hereges!!!). E aí, já exaustas, com sacolas pesadas cheias de livros e os pés doendo, resolvemos voltar pra casa, não sem antes tentar explicar pra um brasileiro perdido, que resolveu aproveitar a longa conexão pra Hong Kong e visitar Paris, como voltar de metrô e RER ao aeroporto. Algo me diz que o confundimos ainda mais, mas como tem que ser muito mongo pra não entender o transporte público de Paris, e de mongo o garoto não tinha nada (tinha vindo do aeroporto pro centro de táxi e não tinha entrado no metrô ainda), tenho certeza de que ele não perdeu o vôo.

Viemos caminhando ao longo do rio até a altura da ponte Alexandre III, pegamos o Boulevard de la Tour Maubourg, pegamos a nossa rua e demos de cara com a torre toda piscando e iluminada de azul. Ficamos pensando que mesmo a chatura do trabalho mais chato e do chefe mais irritante passa, ou pelo menos diminui, quando o sujeito volta pra casa “do selviço” e dá de cara com aquilo. Entramos no supermercado pra comprar água mineral, falei com o Mirco, que estava jantando no Gianni, pra tentar mostrar a torre pela webcam, mas a bichinha tava em greve (a webcam, não a torre), comemos e pronto, acabou-se o dia.

paris

A viagem pra Paris foi tranqüila. Eu e Lulu saímos com vôos diferentes, mas do mesmo aeroporto de Fiumicino, de modo que eu peguei o trem das 7:18 da manhã em Bastia e encontrei com ela em Roma, e dali pegamos a navetta até o aeroporto. Malas despachadas, fomos comer (lógico) e esperar a hora do embarque. Ela de Air France, eu de vôo de pobre com a Vueling, a low-cost espanhola, que achei ótima. Meu vôo atrasou meia horinha, depois levei o maior tempão pra chegar até o terminal dela no CDG, que era tipo exatamente no lado oposto do aeroporto, e depois táxi até o 7ème arrondissement, onde fica o apartamento que alugamos até quarta que vem.

Não vou comentar que o apartamento é bárbaro, todo ajeitadinho, com vista pra torre e num dos bairros mais chiques do centro. Nem que tem wi-fi e duas padarias maravilhosas e dois supermercados logo embaixo de casa. Nem da sensação que é dizer “vamos dar um pulinho em casa pra escovar os dentes antes de ir pro Cluny”, nem que seja só por uma semana. Não vou comentar nada disso pra vocês não ficarem com inveja, tá. Olha como eu sou legal.

Então hoje fizemos assim: café da manhã num bar aqui na esquina, servidas por um búlgaro sarado: meia baguete com manteiga, um croissant delicioso, um chocolate quente idem, um suco de laranja marromeno. Passamos em casa pra escovar os dentes, no caminho comprei um poncho, que é a coisa mais prática do mundo, e rumamos pra torre. Porque nem eu nem a Lulu, que já veio aqui pelo menos umas vinte vezes, tinha subido antes. Ficamos uma meia horinha na fila e subimos. Lá em cima, além da vista deslumbrante já esperada, um vento gelado de dissecar a pele do rosto. Quando botamos o pé lá embaixo, deu uma rajada de vento e granizo que neguinho saiu correndo feito uns loucos pela rua, catando lugares pra se esconder, que não havia. Uma loucura! Até os soldados com seus fuzis foram se refugiar debaixo das estreitíssimas marquises dos quiosques de quinquilharias, coitados. Esperamos a coisa dar uma acalmada e saímos andando ao longo do Sena.

E aí começou a chover. Seriamente. E depois parou. Re-chovia, e re-parava de chover. Como não somos italianas e enfrentamos desaventuras meteorológicas com a maior nonchalance, confiando nos nossos macrófagos e linfócitos, continuamos andando ao longo do Boulevard Saint-Germain na maior naturalidade (eu sozinha teria que ficar checando o mapa toda hora, mas Lulu é praticamente uma local). Fomos parar numa creperia na Saint-André-des-Arts (Crêperie Saint-Germain, no número 23) onde a Lulu sempre come crepes, e entendi por quê. Feitas de farinha de trigo sarraceno, como a da minha creperia preferida em Perugia, são absolutamente divinas. Eu fui de espinafre com emmenthal e nozes, Lulu de espinafre com queijo de cabra e mel, e ainda dividimos uma de banana e chocolate de sobremesa (foi mal, hein). Suco de laranja espremido na hora, pra vitamina C fixar o ferro do espinafre, e lá fomos nós caminhar novamente.

Andamos muito, crianças. Muito mesmo. Babamos em doze mil vitrines, porque vitrine francesa é uma coisa, vocês sabem, não importa o que está sendo vendido. Fomos à livraria do Instituto do Mundo Árabe, que é uma loucura. Fomos até o Le Bon Marché, lá na casa do chapéu. E depois pegamos a St. Dominique desde o começo e viemos andando pra casa. Paramos no supermercado pra comprar víveres e jantamos croissant com queijo gouda e presunto (eu) e sanduíche de salmão e pepino (Lulu), acompanhados de suco de manga com maracujá (eu) e multifrutas vitaminado (Lulu), com biscoitos de chocolate (eu) e financiers de laranja com chocolate (Lulu) de sobremesa. Da série “como o diabo gosta”.

E amanhã não sabemos ainda o que vamos fazer. Queremos ir ao Cluny e ao Rodin, que não conheço. Lulu tem umas compras pra fazer. Eu tenho Astérix pra comprar. Mas não temos compromissos, sabe, viemos pra rodar mesmo e absorver um pouco de civilização. Foi mal aí, tá.

Bonne nuit, chéries.

ainda retornando

Cada vez que deixo o Rio parece que a coisa fica mais difícil. A cada vez noto como estou sentindo mais falta da minha cidade (que é um desbunde), da minha mãe do meu irmão da minha avó, da minha velha casa, do milk-shake de Ovomaltine do Bob’s. Não acho que seja um lance de estar ficando velha; acho que essa falta de estímulos intelectuais aqui no interior do Malawi é que acaba intensificando a nostalgia generalizada. Sinto falta de conversas inteligentes, e acabo sentindo falta, por tabela, de todo o resto. Quando me peguei analisando a reforma ortográfica com minha mãe e meu irmão me dei conta de que não há NINGUÉM aqui com quem eu possa falar de coisas desse tipo. Ficar repetindo e rindo dos diálogos em inglês de House e Lost e comentando os figurinos de The Tudors, como fiquei com a Newlands, aqui é impossível. Ter alguém brilhante como o meu irmão me explicando como anda o governo Lula e essa confusão da Grampolândia é um privilégio que aqui eu não teria nem pagando. Pra não falar do quanto eu sinto falta de dividir a mesa com gente que não se debruça sobre o prato e não lambe a faca.

Vocês tão carecas de saber, e eu também, que eu não sou retardadinha e tenho mais cultura e céLebro do que 90% dos italianos, que são o povo mais chucro do planeta, e por isso me sinto muito sozinha aqui. Meus amigos são os amigos do Mirco, chucros e ignorantes, apesar de muito legais, e as conversas inevitavelmente giram ao redor de comida, carros, comida, roupas, comida, quem casou, comida, quem morreu, comida. Meus colegas de faculdade já são melhorezinhos, mas como todo adolescente é idiota por natureza e eles ainda estão saindo da adolescência, estão em fase de desidiotização, pra não falar do fato de que, sendo caipiras, têm muito pouca experiência. De tudo. Adoro-os todos e me divirto com eles, mas certos tipos de conversa e de reflexão requerem um mínimo de experiência e maturidade que eles não têm.

Veja bem, não estou reclamando-ando-ando e não me arrependo de coisa nenhuma; estou só constatando que toda escolha tem um revés. O revés da minha é esse: solidão intelectual. Além da falta do milk-shake de Ovomaltine do Bob’s, claro.

por que eu não pretendo mais voar com a TAM

Vou repetir: eles são inacreditavelmente simpáticos e amáveis e prestativos. Todos eles. E eu conheço gente que trabalha na empresa (um pessoalmente, outra não). Mas não dá.

Não estou nem falando da comida ruim, da lerdeza dos comissários de bordo, cujos carrinhos freqüentemente colidem no meio do corredor por ficarem num vai-e-vem eterno à procura de coisas que ficaram faltando, nem das pouquíssimas telas e do filme único, quase sempre uma merda, nem do uniforme mal acabado, tampouco dos nomes duplos hediondos de todos os funcionários (tipo Anderson Rodrigo, saca), muito menos do inglês pavoroso do presidente da companhia nos vídeos que mostram nos vôos Rio-SP, e nem da dicção imperdoável da maioria das comissárias de bordo (as que não falam cinqüeiiiinta falam feito favelada malandra), que aliás são feias de doer. O problema é a falta de profissionalismo.

Vocês viram o que aconteceu comigo na ida. No meu caso em particular não houve muito problema, pois eu estava indo pra casa da minha mãe, onde ainda tenho roupas, então nada do que eu estava levando nas malas era crucial pra minha sobrevivência. Mas e se fosse? E se eu tivesse perdido o vôo pra Milão e por isso perdido também o pro Brasil? Não bastando isso ter acontecido comigo, o Mirco, prevenido que é, suspeitou que a mesma coisa poderia acontecer com ele, já que o vôo era idêntico. Tentou ligar pra lá pra ver se dava pra resolver, e não conseguiu. Mandou fax pra agência através da qual compramos a passagem, pra ver se eles conseguiam entrar em contato com aTAM, sem resposta. Mandou carta registrada, que foi ignorada solenemente. E a coisa aconteceu com ele também. Por sorte ele já estava escaldado e chegou tão cedo no aeroporto que o problema foi resolvido antes do vôo encher, e ele embarcou com a bagagem e sem ter que sair correndo até o gate feito um desesperado. Agora adivinhem o que houve na volta? Exatamente a mesma coisa. Quando chegamos em Milão a menina no check-in também não nos encontrou na lista dos passageiros. E disse, como já tinha dito o Stefano no dia em que saí de Roma, que sempre acontece isso com a TAM: eles simplesmente esquecem de mandar a passagem pra companhia que faz a outra perna. Legal, né! O problema é recorrente, eles não resolvem, e fica por isso mesmo. Nenhum pedido de desculpa, nenhum upgrade como compensação, nenhum telefonema pra saber se foi tudo bem, bissolutamente nada.

Agradeço aos funcionários pela simpatia e pelos sorrisos, mas essa foi a primeira e última vez que voei com a TAM. Saudades da Varig.