blergh

Julho foi um mês lento, de pouquíssimo trabalho. Mas mal cheguei de viagem e já me entupiram de coisas novamente. É bom porque sem trabalho não tem grana, e sem grana não tem viagem nem livro nem jantar fora, e sobretudo porque eu estava com medo de agosto também ser um mês lento, já que muitas empresas fecham pra férias pelo menos dez dias. Mas não, aparentemente meu faturado esse mês vai ser normal. Não chega a compensar julho, mas também não é nenhuma tragédia.

O chato é que só tem coisa chata! A maioria das traduções que eu faço são chatas mesmo, mas sempre aparece alguma coisa de interessante, ou pelo menos engraçado, tipo catálogos de móveis ou cozinhas que são absolutamente hilários. Mas tenho tido uma série de coisas horripilantemente chatas pra fazer, e haja paciência. Com esse calor, então, trabalhar é muito muito chato. Então estou fazendo assim, ó: de manhã cedo, enquanto o calor ainda não é assassino, vou de bicicleta até a Coop comprar as verduras do dia ou pão fresco ou o iogurte que acabou. Volto pra casa, trabalho um pouquinho, dou uma limpada na casa se for preciso, trabalho outro pouco, preparo o almoço, comemos, trabalho de novo (porque se sentar pra ler eu durmo), e lá pras três, depois que o Mirco volta pra oficina, ligo a televisão no quarto, com o ar condicionado ligado. A programação das férias parece que é melhor do que no resto do ano, porque o meu gosto definitivamente não combina com o gosto dos italianos, que gostam é de ver mulher de biquini falando asneira sobre o jogo de futebol de ontem, ou de assistir a cantores decadentes cantando aquelas músicas velhas que são as mesmas há quarenta anos. Eu fico vendo séries. Começa com duas horas de The District, que não é o máximo mas também não é um horror. Depois tem aquela série com a Elaine do Seinfeld, que também não é o máximo mas dá pro gasto. Depois tem Two and a Half Men. Mudo de canal e tem The McLeod Sisters, uma série australiana cheia de cavalos, ovelhas e bichos da roça, bem legal. Depois tem reprise de Friends. E depois chega a hora do jantar.

Superprodutiva a minha vida atualmente.

barcelona – bastia

Despedimo-nos da Anna, que foi nadar, e deixamos o Edwin em casa editando as fotos do casamento de sexta. Fomos ao supermercado mais próximo fazer as nossas comprinhas básicas e tomar café num bar. Nós já adoramos um supermercado nas CNTP; viajando, então, nem se fala. Todas aquelas coisas estranhas nos deixam enlouquecidos. Acabamos comprando dois queijos parecidos com Minas, um outro tipo caciotta, um outro curado pro Mirco, umas fatias de jamón serrano, o presunto cru ótimo dos espanhóis, uns iogurtes pra agüentar até a hora do embarque. O supermercado fica no subsolo de uma espécie de galeria, e no térreo ficam um bar, um açougue, uma loja de fatiados, uma peixaria, etc. Quase tudo fechado, mas no bar várias velhinhas tomavam café e conversavam em catalão. Pedi um bikini (misto-quente) com suco de laranja e um pedaço de tortilla de patatas, porque embora eu já tenha visto a Anna fazer duas vezes a minha não sai direito, e não sei quando vou poder comer outra de novo. Voltamos pra casa, fizemos as malas, pesamos as malas (um e dois quilos abaixo do peso máximo permitido, respectivamente. Espartanos!) e demos tchau pro Edwin. Quando chegamos à estação um ônibus estava pronto pra sair pro aeroporto, e lá fomos nós.

Em Girona, uma certa confusão, porque neguinho acaba sempre passando das medidas com as bagagens e a fila pra pagar a multa era quilométrica. Nós também tivemos que entrar na fila pra pagar os 5 euros por cabeça do check-in feito no balcão, porque Girona não é Perugia e a garota da Ryan Air não perdoou. Acabei batendo papo com uma brasileira na fila, que mora em Perugia e contou uma história meio estranha. Totalmente previsível; não confio em mulher com cabelo tingido de AMARELO e com as raízes pretas aparecendo. Saímos do avião correndo pra ela não vir atrás de mim pegar meu telefone, como tinha dito que faria. Tô fora. Arianna chegou logo depois, nos deixou em casa, botei os queijos na geladeira, desfiz as malas, fiz duas máquinas de lavar roupa, reguei as plantas moribundas e sentei no sofá pra ler. Aaaaaaaaaah diliça…

Não vejo a hora da Ryan botar vôos pra Paris saindo de Perugia. É Beauvais e não Paris, mas who cares?

barcelona

Saímos de casa tarde, decididos a visitar o Parc Güell pra ver mais coisas do Gaudí. Em vez de fazer o que a Anna disse segui as instruções do guia, e descemos uma estação antes. Tivemos que andar pra caramba, naquele sol líbico, e entramos pelo lado oposto do parque. Cheio de brasileiros. Quando finalmente chegamos na parte com as casinhas estranhas do Gaudí e tal eu já estava botando os bofes pra fora. Fila pro banheiro, italiana furando a fila e levando olhar radioativo da paca, muitas muitas fotos pois tudo era muito estranho, mais souvenirs, e descemos a colina pra pegar o metrô de volta pro centro.

Descemos na Sagrada Familia de novo porque tínhamos visto vários lugares legais pra comer ontem. Acabamos almoçando num all-you-can-eat logo atrás da igreja. Frango assado, muita salada, arroz integral, nada gostosérrimo mas pelo menos saudável e levinho, e por 10 euros por cabeça. Ainda saímos com uma banana e um pêssego na mochila. Pegamos o Passeig de Grácia, onde paramos pra uma soneca pós-prandial, e depois fomos parando na Casa Batlló, La Pedrera etc. E pra onde vamos agora? Pro Passeig de Sant Joan, lógico, via Avinguda Diagonal (demos uma volta danada). Deixei o Mirco dormir por mais de duas horas enquanto lia o meu Pérez-Reverte (La Piel del Tambor, falarei dele mais tarde) e admirava o pessoal que passava. Quando já era quase hora do jantar voltamos pra casa.

Tomamos nosso banhinho (eles não) e fomos a pé até a Ciutat Vella procurar um lugar pra jantar. Muitos restaurantes e bares fechados pra férias, e acabamos comendo em um restaurante argentino meio caro mas gostoso, sentados na calçada. Eu acho estranhíssimo estar de bermuda e chinelo jantando num lugar onde a conta sai uns 35 euros por cabeça, mas enfim. Batemos muito papo, trocamos figurinhas sobre o sistema de saúde espanhol e o italiano, rimos da filosofia da Anna e do Edwin que preferem pagar o aluguel de um apartamento velho do que comprar uma casa nova, pois isso significaria trabalhar mais (lembre-se de que ele trabalha só umas duas vezes por mês e ela 6 horas por dia, sem fins de semana), e caminhamos até em casa. Chegamos já devidamente digeridos. Li mais um capítulo do Pérez-Reverte e caí no sono.

barcelona

Acordamos com o Edwin batendo na porta perguntando se não estávamos com fome, porque ele estava. Tomamos café e depois saímos pra um passeio a pé pela Ciutat Vella. Achei tudo lindo, muito diferente da Itália. Passamos por pracinhas deliciosas, sempre cheias de ripongas, por vielas estreitas, por igrejas escondidas. Entramos na Iglesia de Santa Maria del Mar, onde estava rolando um casamento, e continuamos passeando pelo bairro Born. Tudo muito interessante. Fomos até La Rambla e entramos na Fnac da Plaça Catalunya e aproveitei pra comprar uma Mafalda, outro Pérez-Reverte e um outro romance histórico de um autor que não conheço. Lá pro que seria a nossa hora normal de almoço o Edwin começou a franzir o nariz tentando adivinhar se ia ventar à tarde ou não; decidiu que sim e que portanto eles iam à praia pra ele fazer windsurf. Nós continuamos rodando pela La Rambla, admirando a fauna local e os muitos turistas torrados pelo sol, e quando bateu a fominha viramos à esquerda num lugar que o Mirco conhecia e fomos catar um lugar pra comer. Os menus dos bares de tapas estavam ótimos, mas nenhum tinha ar condicionado, e tava MUITO MUITO calor. Então acabamos caindo na heresia: almoçamos num restaurnante italiano, com o ar condicionado soprando na nossa cara. Paciência.

Depois do almoço o meu bebezão precisa dormir, então paramos no Passeig de Sant Joan, por onde tínhamos passado ontem voltando pra casa, e sentamos na sombra. Os bancos estavam quase todos tomados, ou por velhinhos, ou por pais com crianças em carrinhos, ou por gente com cachorros. Fiquei lendo a minha Mafalda enquanto o Mirco dormia feito um mendigo no banco, e umas duas horas depois levantamos e fomos até a Sagrada Familia.

Na praça em frente um grupo de estudantes portugueses tocava e cantava músicas espanholas; tinha até um contra-baixo. Não entendemos o porquê da coisa, porque se ficássemos lá pra investigar perderíamos o horário pra visitar a igreja, e fiquei curiosa. Ah well.

Bom, acho que tudo o que há pra se dizer sobre a Sagrada Familia se resume em uma frase: é a construção mais bizarra do planeta terra. Não tenho a menor idéia do tipo de droga que o cara usava, mas era uma coisa muito muito power, porque vai ser esquisito assim lá em casa, vou te contar. Não é exatamente bonita, e nem pode, sendo tão não-convencional, mas é interessante, e vale a pena visitar. Qualquer foto que você achar no Google vai ser melhor do que as minhas, mas de qualquer maneira vá lá no Flickr dar uma olhada. Compramos os souvenirs habituais (marcadores de livros, ímãs de geladeira etc) e voltamos pra casa, a pé.

Anna e Edwin estavam prontos pra sair (leia-se com as mesmas roupas com as quais saíram de manhã, chinelo e camiseta): rolava uma festa de despedida da Irene, uma das meninas que conhecemos ontem, que é basca e depois de 2 anos em Barcelona está voltando pro norte. A festa era na casa do Luís, estudante de Direito que mora num apartamento microscópico, cuja varanda nua é maior do que a casa propriamente dita, mal localizado pacas mas tem vista de frente pra Sagrada Familia. Iluminada de noite é um espetáculo de se ver.

O legal dessa coisa de Couchsurfing é que você participa da vida quotidiana das pessoas. Você já foi a uma festa de espanhóis? Tenho certeza que não. Pois eu fui :P A festa era tipo americana, cada um levava uma coisa. Mas o lance estranho, além da molambice generalizada, era que cada um levava QUALQUER COISA, tipo o que tiver no armário, inclusive pacotes de batatas fritas já abertos, sanduíches com recheio faltando porque acabou a maionese, etc. A coisa da batata aberta deixou o Mirco chocado; italiano, especialmente da roça, é cheio de mumunha com essas coisas sociais e quando você come na casa de amigos leva sempre uma planta ou uma garrafa de vinho bom, mesmo que sejam amigões do peito e que o jantar seja só uma pizza comprada na esquina. Nós estávamos cansadíssimos e o povo nada de ir embora; a música tocando, o pessoal todo amontoado na varanda, um calor do cacete, gente fumando por todos os lados, gente que vinha nos cumprimentar com beijinhos (o Mirco tem horror e dá a mão pra apertar, eles ficam meio sem saber o que fazer), gente que vinha puxar papo falando em catalão, que obviamente não entendemos. O pouco espanhol que aprendi na faculdade e lendo foi-se todo nessa noite; o Mirco fala espanhol argentino, que me dá nos nervos, e por isso evita usá-lo na minha presença, de modo que ficamos ligeiramente isolados num canto, detonando a tortilla de patatas da Anna e os sanduíches de queijo e presunto que a Silvia levou. SÉCULOS depois o pessoal resolveu ir pra discoteca. Era uma da manhã. Céus! Eu não agüento nem mais meia hora acordada, Anna, socorro! Pegamos as chaves, montamos num táxi e voltamos pra casa.

bastia – barcelona

Normalmente o dia de uma viagem é um dia perdido. Hoje não. De manhã limpei a casa, passei roupa, fui ao supermercado comprar umas bananas pra levar, terminei um trabalho. Depois do almoço o Mirco ainda dormiu uma horinha, e depois a Arianna veio nos buscar, por um motivo muito simples: não sabíamos se o estacionamento do aeroporto de Perugia, que na verdade fica mais perto de Assis do que de Perugia, já estava cobrando ou não, e preferimos não arriscar.

Gente, não existe coisa mais linda do que morar perto do aeroporto – desde que não se ouça o barulho, lógico, que é o nosso caso. Não ouvimos nada, não vemos nada, mas poderíamos ir de bicicleta até a porta do avião, se quiséssemos. Coisa linda de mamãe. Nada de horas e horas de antecedência, porque viajamos com duas malinhas de mão completamente espartanas, com cuecas e camisetas contadas e muito espaço pras inevitáveis compras in loco. Sem bagagem de estiva o check-in é feito online e você passa direto pro gate.

[pausa para explicar o funcionamento das companhias low-cost pra quem não conhece] As pessoas sempre me perguntam como é possível que essas companhias aéreas consigam sobreviver cobrando tão pouco – as nossas passagens custaram 20 euros por cabeça, ida e volta, vocês já sabem. Bom, parte-se de coisas simples: é você mesmo que imprime o e-ticket, o cartão de embarque muitas vezes é um pedaço de papel tabajara que mais parece bilhete do jogo do bicho, se a tua mala pesar 50 gramas a mais do que o peso permitido você paga uma multa horrorosa, se quiser mudar a data ou o nome na passagem paga uma multa horrorosa, não tem lugar marcado no avião (o que te força a embarcar rapidinho pra não ficar longe dos seus companheiros de viagem; isso com certeza ajuda a Ryan Air a NUNCA atrasar), as poltronas não são reclináveis, são de couro pra facilitar a limpeza, se quiser um copo d’água pra tomar um remédio durante o vôo tem que pagar. As reduções de custo mais importantes são devidas ao fato de que muitas delas trabalham com aeroportos lá no fim do mundo, cujas taxas são muito mais baixas: a Ryan Air desce em Girona, que está a uma hora de Barcelona; em Beauvais, que está a uma hora de Paris; em Hahn, que está a uma hora de Frankfurt, e por aí vai. Lógico que eles ganham uma percentual do valor da passagem de ônibus do aeroporto até a cidade; os horários dos ônibus são sincronizados com os dos vôos. Além disso tudo eles têm parcerias com hotéis, agências de aluguel de carros, etc, e pra completar a coisa vendem cartões telefônicos e raspadinhas. Pronto, explicados os preços baixos. [fim da explicação]

O nosso caso foi meio diferente: não tinha escrito muito claramente no site que só cidadãos comunitários podem fazer o check-in online, que é grátis; em teoria o check-in no balcão custa 5 euros por pessoa, e como a nossa reserva foi feita junta o Mirco também teria que pagar, mesmo sendo comunitário. Mas como Perugia é uma bagunça, eles só agora estão aprendendo a trabalhar com volumes maiores de passageiros (a Ryan tem vôos pra Londres e Barcelona agora) e sobretudo como o funcionário que estava no balcão fazendo o check-in não era da Ryan Air, mas sim do aeroporto mesmo, o cara nem mencionou nada da taxa e depois do check-in passamos diretamente pro gate sem pagar nada. Uêba. Entre a nossa chegada ao aeroporto e a entrada no avião passaram 45 minutos. Di-li-ça.

Quando descemos em Girona já havia uns três ônibus esperando os passageiros pra levá-los ao centro de Barcelona. 21 euros por pessoa ida e volta, mais do que a passagem de avião. Coisas da vida. Descemos na Estació del Nord, que fica a 300 metros da casa dos nossos anfitriões, mas como a Anna só chegava do trabalho às oito e meia e o Edwin estava trabalhando (ele é fotógrafo de casamento, mas só trabalha duas vezes por mês), tínhamos uma horinha pra matar. Fomos pro Arc de Triomf, ali pertinho, puxando nossas malinhas levinhas. Sentamos na beira do Passeig Lluís Companys admirando o arco e vendo o pessoal passeando com cachorros, crianças, patins. As palmeiras que ladeiam o Passeig são habitadas por pequenas maritacas barulhentas, marcadas com colares azuis numerados. Os cachorros ficam enlouquecidos.

O astral é bem legal, a cidade é cheia de jovens, o clima é de muita alegria e pouco trabalho. O problema é que Barcelona é uma cidade de ripongas. E eu odeio ripongas. Vejam bem, é calor, é cidade de praia e tal, mas nada justifica o molambismo. Pra quem está acostumado à pseudo-sofisticação (leia-se overprodução) dos italianos, que botam maquiagem até pra comprar pão no supermercado e andam de bicicleta e salto alto, esse desleixo excessivo incomoda. Eu não sou vaidosíssima mas também não gosto desse outro extremo, que beira a sujeira. Cabelos ensebados, roupas não passadas e claramente não muito limpas também, sandálias de dedo que dão chulé, you name it. Não gosto. Um rimelzinho não custa nada, se for à prova d’água consegue agüentar o calor e dá um aspecto mais arrumadinho, né. Eu não me pinto pra ir ao supermercado, mas também não vou de moletom e chinelo, que pra mim é roupa de ficar em casa. Mas tudo bem, cada um é cada um, il mondo è bello perché è vario, etc.

Chegamos na casa dos meninos às quinze pras nove, com o sol ainda brilhando lá fora. A Anna já tinha chegado e estava lavando a louça acumulada da semana. O apartamento é alugado, velho, com ladrilhos horripilantes no banheiro e chão de escritório dos anos 80, mas é bem localizado pacas: da janela da sala (que virou o nosso quarto) vêem-se as espirais da Sagrada Familia, a estação de metrô mais próxima fica a 5 minutos a pé, tem uma infinidade de supermercados, quitandinhas, verdureiros, restaurantes, cafés, bares pertíssimo, o clube onde ela faz natação também fica a 5 minutos a pé, etc. Ela é dermatologista e trabalha num hospital, que fica a poucas estações de metrô de distância, e num consultório particular, onde ela chega a pé ou de bicicleta.

As bicicletas: como Paris, Barcelona também tem um sistema de bicicletas genial. Você paga uma titica por ano – tipo 20 euros – e tem direito a usar, gratuitamente, as bicis do sistema Bicing. Há estações de bicicleta espalhadas pela cidade; você passa o seu cartão na máquina, ela diz qual bici liberou pra você, você vai lá, pega a magrela, anda meia hora grátis e depois disso tem duas opções, ou devolve a bichinha em outra estação qualquer e não paga nada, ou então continua com ela e paga uma microtitica por cada meia hora adicional. O resultado é que todo mundo anda de bicicleta, quase todo mundo as do sistema Bicing e pouquíssimos com as suas próprias. Por enquanto o serviço é só pra residentes, de modo que não pudemos usufruir. Uma pena, porque a cidade vazia de carros nesse período de férias vira um paraíso de ciclistas.

Banho pra tirar aquele cheiro de avião e ônibus, e fomos encontrar com umas amigas da Anna, no bairro de Grácia. Pegamos o metrô, limpo, pontual e com ar condicionado power. Descemos poucas estações depois, na Fontana, da linha 13, e andamos um pouco pelas ruas estreitas do bairro até achar as meninas. Uma delas, a Silvia, fala italiano, e ficamos batendo papo a noite toda. Apesar de estar cedo ainda pros padrões espanhóis, elas já tinham jantado, porque os restaurantes japoneses trabalham em horário japonês (leia-se civilizado; não consigo compreender jantar às dez da noite, por mais que me expliquem o lance da siesta etc). Eu, Mirco e Anna estávamos morrendo de fome e acabamos parando todos numa pracinha legal, cujo nome não me lembro, com uma torre estranha no meio, onde por acaso estava rolando um concerto de música clássica a céu aberto. Achamos mesas livres no lado oposto da praça, num bar de tapas, e lá fomos nós. A indefectível tortilla de patatas, minha preferida; um sanduichão de peito de frango com queijo de cabra e berinjela grelhada; croquetes de frango e batata; e o tradicional pa amb tomaquet, o pão esfregado com tomate tão típico da cozinha catalã. Conversamos até altas horas e depois, pra digerir, voltamos a pé pra casa. Uma bela caminhada, por ruazinhas escondidas mas sempre cheias de gente batendo papo, bebendo e comendo. E depois cama que ninguém é de ferro.

reunião de condomínio

O Mirco não tem paciência, e nem experiência com essas coisas, pois sempre morou em casa. Então depois do jantar ele se joga no sofá e me manda em missão condominial. Os outros vizinhos sempre perguntam, mas o teu marido nunca vem às reuniões, e eu sorrio educadamente e respondo simplesmente “não”.

O prédio é pequeno, somos poucas famílias, e mesmo assim tem gente que enche o saco. Eu tento não ser a primeira a reclamar pra não ser chamada de estrangeira chata, porque já sei que é isso o que acontece, e a coisa acaba descambando no argumento mais idiota do planeta (“se não gosta, volta pro lugar de onde você veio”). Na penúltima reunião eu estava decidida a esperar até que alguém mencionasse o lance da porta de entrada, e minha paciência foi recompensada: a vizinha gorducha do andar de cima (não a soldada, a do outro lado) falou exatamente o que eu queria dizer: PAREM DE BATER A PORTA DO PRÉDIO, PORRA! O edifício inteiro treme e não há a menor necessidade de bater, basta deixar que ela feche sozinha. É tão difícil? Dei um suspiro de alívio e concordei, animada. Mas jacaré parou de bater a porta depois disso? Não, né. Então eu perdi a paciência e botei um cartaz imenso na porta: Per l’amor del cielo, non sbattere la porta!!! PELAMORDEDEUS, NÃO BATAM A PORTA!!! Assim mesmo, com três pontos de exclamação, o que demonstra claramente o quão exasperada eu estava. Aconteceu o que eu já esperava: não só continuaram batendo a porta, como arrancaram o cartaz e botaram no meu escaninho.

Na sexta passada tivemos outra reunião, pra discutir o novo orçamento, feito pelo novo administrador (aqui não tem esse lance de síndico, quem administra normalmente é uma agência ou profissional liberal especializado, que não mora no prédio). O cara é um velho barrigudo, ex-professor, que fica puto da vida quando neguinho fala tudo junto e não se entende nada, e pede pra calarem a boca – meu ídolo. Depois de discutir os assuntos em pauta eu levantei a mãozinha, muito civilizadamente. Ele sorriu, deu uma piscadinha e me deu a palavra.

[paca] Na última reunião a Simona reclamou da porta batendo, vocês lembram. Todo mundo sabe que fui eu que coloquei o cartaz na porta, porque mesmo a gente tendo falado sobre o assunto as pessoas CONTINUAM batendo a porta. Não sei quem foi que teve a atitude infantil de arrancar o cartaz e botar no meu escaninho, e não quero saber. O que eu quero saber é qual é a dificuldade em NÃO BATER A PORRA DA PORTA. Vejam bem, o fato de que as pessoas não percebam, sozinhas, que fazer barulho incomoda os outros já é grave o suficiente. Mas quando outras pessoas reclamam e mesmo assim neguinho continua, realmente, crianças, é o cúmulo da falta de educação. O CÚMULO DA FALTA DE EDUCAÇÃO.

[senhora napolitana odiosa odiosa odiosa que fuma tanto que mesmo estando no andar de baixo e com as portas fechadas o cheiro chega aqui em casa] Não vamos fazer drama, acontece só de vez em quando…

[paca] Acontece vinte mil vezes por dia. Agora que estou de férias da faculdade e fico em casa o dia inteiro levo cada susto della madonna, porque quando batem com força o prédio inteiro treme.

[senhora napolitana odiosa] Sei lá, eu nunca escuto nada…

[paca] A senhora mora nos fundos e passa o dia com a televisão ligada ou no quintal. Todas as minhas janelas dão de frente pra rua e eu passo os dias trabalhando ou lendo; EU ESCUTO O BARULHO VINTE MIL VEZES POR DIA.

[Simona e a mulher do marechal confirmam]

[mulher do caminhoneiro do apartamento igual ao nosso, do outro lado] Sabe como é, às vezes a gente vem com as mãos cheias de sacolas de compras e não consegue segurar a porta…

[paca] Não precisa segurar a porta, ela fecha delicadamente sozinha. É SÓ NÃO BATER. A batida é voluntária, proposital, não é uma coisa passiva. Se a porta fez barulho é porque quem passou puxou com força, com vontade. E quem está com as mãos cheias de sacolas de compras tem que realmente se esforçar pra liberar dois dedinhos e puxar a porta.

[senhora napolitana odiosa, com quem eu nunca tinha falado antes] Sabe de uma coisa, estou achando ótimo que dessa vez eu vim à reunião, assim a gente passa a se conhecer [tradução: Agora já sei que você é um pé no saco que reclama de tudo]. A gente só precisa ser civilizado pra poder viver em harmonia, não é verdade. Não precisa se exaltar por coisas menores.

[paca, incazzatissima] NÃO SÃO COISAS MENORES. Faz barulho, treme o prédio, e sobretudo NÃO É NECESSÁRIO! Por que bater a porta se basta NÃO FAZER NADA PRA PORTA NÃO BATER E NÃO INCOMODAR OS OUTROS? É tão difícil assim não fazer nada?

[senhora napolitana odiosa, acendendo um cigarro] De repente são as crianças…

[paca, olhando pro cigarro com a cara mais nojenta que os músculos faciais humanos são capazes de reproduzir] Bom, em algum momento as crianças precisam ser educadas, né não.

[silêncio]

[paca] Tipo, se alguém disser pra elas que não se deve bater a porta, se elas forem minimamente obedientes e educadas não vão mais bater, né não.

[silêncio]

[velhinho administrador] Bom, a gente pode checar a mola, que de tanto baterem a porta já deve ter ido pras cucuias, e depois de regulá-la novamente de modo que a porta feche delicadamente sozinha ninguém vai ter mais desculpa pra batê-la. Vou botar um cartaz com a minha assinatura embaixo, e aí ninguém vai botar de volta no escaninho, ok?

**

O cartaz do velhinho diz assim: “bater a porta incomoda os outros e portanto é falta de educação. Pede-se a gentileza de deixar que a porta feche sozinha”. Hohoho.

A bateção não parou, mas diminuiu sensivelmente. Estamos na Itália, afinal.

ih-õh

Oficialmente nós não moramos na roça. Nosso bairro é “urbanizado”, apesar de que nos fundos da nossa rua tem um campo ELORME de trigo: há mais prédios que casas, muito estacionamento, um pequeno centro commerciale (uma espécie de galeria) com bar, farmácia, supermercado, lavanderia e alguns escritórios. Mas alguém, em algum lugar aqui perto, tem um galo. E o galo canta. Não é um problema; se não fosse o galo a me acordar seria o sol mesmo, como sempre, ou a passarinhada escandalosa que volta e meia aterrissa na varanda e começa a cantar aos berros (na Itália até os passarinhos berram). E dá aquele ar bucólico interessante. Não sei de quem é o galo, pois as casas do final da rua não têm galinheiro, mas suspeito de uma casa grande, em uma rua transversal sem saída, onde mora um casal de velhinhos. Velhinho italiano não pode ver um quadradinho de terra dando sopa que planta logo um pé de tomate ou enfia uma galinha. Prática louvável, pois pelo menos assim você sabe o que está comendo.

Mas eu queria falar era de outro bicho. Além do galo, em algum outro lugar alguém tem um asno. Todo dia de manhã o bicho dá a sua cantadinha. No começo eu nem reconhecia o barulho, porque criança crescida na cidade grande aprende a imitar o barulho pra sacanear outras crianças chamando-as de burras, mas aposto que a maioria nunca nem viu um de verdade. Então eu ouvia aquele lamento solitário lá longe e pensava, o que raio será isso, caramba. Quando perguntei pro Mirco ele respondeu na maior naturalidade: é um asno, ué. Como assim, Bial. Ele também nunca viu um, porque afinal estamos na roça mas não nas imensidões rochosas da Sardenha onde judas perdeu as botas, as meias e os protetores de calo do Dr. Scholl, e as velhinhas ainda vão de burrico visitar as vizinhas, que moram a quilômetros de distância. Mas ele jurou que era um asno, e quem sou eu pra discutir. Então agora a sinfonia matutina é: galo, passarinho escandaloso, asno, depois a soldada do andar de cima caminhando com a delicadeza de um tanque de guerra, depois o marechal dos Carabinieri do andar de baixo falando aos berros no telefone na varanda. Quem disse que a vida na roça era tranqüila…

hm

Tem uma propaganda passando agora na qual um cara aproveita a tarifa noturna com desconto pra ligar pra todo mundo, e no caso ele liga pra um restaurante e pede ovos de codorna pro café da manhã. Pronto! Não faço outra coisa além de pensar nos malditos ovos de codorna, que eu adoro e que aqui são difíceis de encontrar, e carésimos. À medida em que a viagem pro Rio vai chegando eu começo a ter essas desesperações nonsense – outro dia perdi horas estudando o menu do Outback – e a fazer listas. Cheguei ao cúmulo de já ter preparado uma das malas, a que vai cheia de roupas que não quero mais que depois a minha mãe se encarrega de doar por aí. Está lá, pesadona, num canto da garagem.

Dessa vez o Gianni e a Chiara vão com a gente! Tem anos que eles tão programando uma viagem ao Rio mas acaba sempre aparecendo um problema qualquer. Dessa vez a passagem tá comprada e outro dia estudamos o guia juntos. É muito engraçado ler publicações turísticas sobre a sua cidade, de um ponto de vista totalmente alienígena. Além de ser engraçado dá fome, sabe como é, Gula Gula, Bar Lagoa, Mil Frutas, pão de queijo, etc. Tem dias em que eu daria um dedo por um pão careca com queijo Minas. Bom, falta pouco mais de um mês, tenho que ter paciência.

(Pra vocês não acharem que eu sou louca e que só penso em comida, não é bem assim. Claro que a prioridade é rever família e amigos, mas como essas coisas não interessam a ninguém eu prefiro falar de comida, que todo mundo gosta).

food for thought

A Cora escreveu um post sobre o discurso de Gettysburg e os comentários do povo acabaram sendo sobre história em geral. Também deixei meu pitaco, mas como depois fiquei matutando resolvi trazer o assunto pra cá.

Eu gosto de história, vocês sabem. Prefiro os períodos anteriores à pólvora, porque depois fica tudo muito Hollywoodiano, mas estudar fatos mais recentes nos faz entender muita coisa. Agora na faculdade fizemos Storia Contemporanea, de 1848 até a WWII, um período que eu acho chatérrimo mas que é muito esclarecedor. Como são coisas que todos nós estudamos na escola, é só dar uma revisão com um enfoque mais adulto, sem grandes traumas. O livro é enorme, mas como é uma releitura não fica muito pesado. Então nem pensei muito na coisa até que a Nicoleta, minha colega romena, veio comentar que estava apavorada com a prova (que eu não fiz ainda porque tive enxaqueca nas 48 horas anteriores e não conseguia nem abrir os olhos, quanto mais estudar) pois não sabia por onde começar. Como assim, Bial, perguntei. Foi aí que ela me lembrou que, sendo da minha idade, ela foi à escola no período da ditadura, e por isso só aprendia a história “photoshopada” da Romênia, com o Ceausescu como personagem principal e salvador da pátria. Hoje ela é cidadã européia e não sabe BISSOLUTAMENTE NADA sobre a história da Europa. Cazzo, não sabe nada de verdadeiro nem mesmo sobre a história do seu próprio país. Parece uma besteira cuja conseqüência mais grave é simplesmente precisar de mais tempo pra estudar pra prova, mas cara, é um lance MUITO sério.

Veja bem: não só fica mais difícil entender o que está acontecendo, ter uma certa visão do futuro e sobretudo sacar por que as coisas são como são hoje na Europa e no mundo, mas até coisas (relativamente) menores ficam prejudicadas. Fica faltando uma fatia enorme de bagagem cultural que ela deveria ter em comum com outros europeus (e ocidentais em geral, visto que a gente estuda basicamente história européia na escola), mas não tem. Quando alguém me diz que se chama Mario eu já sinto falta de alguém com quem compartilhar a piada amarela (Mario? Que Mario? Hahahaha etc), imaginem no caso dela, que não sabe nada sobre Napoleão, por exemplo! Vocês têm idéia do tamanho da lacuna cultural que essa mulher tem? Conseguem imaginar como seria a vida de vocês se não soubessem quem foi Napoleão? Quantas referências culturais ficariam faltando? Não teriam gostado de Master and Commander. Não teriam entendido os livros do Temeraire (repito: leiam, leiam, leiam). Não entenderiam o contexto, a história, o motivo, a importância de metade do acervo de qualquer museu ocidental. Do fusuê do 14 de julho em Paris teriam reparado só nas roupas da Carla Bruni. De quantas conversas, aulas, palestras, filmes, livros, fotos, quadros interessantes ficariam privados? Cara, é um pedaço ELORME de vida que simplesmente não está lá!

Tremo só de pensar. A vida sem saber não tem a menor graça.