Pensei muito onde iria escrever esse post hoje, se aqui ou no Pistolando. No final das contas, decidi que a coisa toda partiu de uma reflexão minha que toca a política só tangencialmente, então escrevo aqui.
Essas eleições estão sendo tenebrosas pra qualquer um que tem um cérebro pensante e não tem sangue de barata. Toda a minha bolha esquerdopata gayzista podosférica está arrancando os cabelos, desesperada com a possibilidade de sermos governados por um troglodita que considera as minorias inferiores, desprezíveis e merecedoras de agressões e violência. Mas a coisa boa desse tipo de evento pavoroso é que a gente passou a conhecer realmente as pessoas que nos cercam. A maioria dos meus conhecidos que se declaram bolsominions eu já esperava – é bem o perfil mesmo. Outros me surpreenderam, mas confesso que são casos pontuais. O que me deixa triste não é ver que conheço tanta gente que vota neste grandíssimo saco de merda; o que fode comigo é mulher instruída estudada financeiramente independente que ainda não sabe o que é ser feminista (e consequentemente também não entende o que é machismo).
Ouvi hoje o nono episódio do podcast Maria Vai com as Outras, da Revista Piauí – recomendo fortemente que você assine a revista, ouça o MVCO e o Foro de Teresina, também deles. No comando está Branca Vianna, que entrevista duas mulheres em cada episódio (com a exceção do nono, que tem três entrevistadas), dentro do tema do programa. Então temos mulheres na ciência, mulheres em cargos de chefia, mulheres na saúde e por aí vai. As entrevistas são sempre muito boas, mas a Branca sempre termina perguntando à entrevistada se ela se considera feminista, e a resposta na maioria das vezes é não. Eu fico de boca aberta ouvindo, porque veja bem: as histórias são ótimas, são mulheres fortes, corajosas, que peitam as adversidades com a maior nonchalance, conseguem o que querem, correm atrás, ligam o fodam-se, navegam em ambientes costumeiramente masculinos como as donas da porra toda que são. São mulheres PODEROSÍSSIMAS. São mulheres que não existiriam sem o movimento feminista pra conseguir que pudéssemos estudar, receber herança, ter propriedades no nosso nome, votar, trabalhar fora, USAR FUCKING CALÇA COMPRIDA. Como é possível alguém ter uma vida tão rica, tão fora dos padrões mulherzinha fofinha submissa, e mesmo assim não achar que é feminista? Mulheres que em seus relatos reclamam de atitudes machistas no ambiente de trabalho, reclamam de ganhar menos, reclamam de assédio, reclamam de marido que não faz porra nenhuma em casa, gostariam que tudo fosse diferente – ou seja, na verdade anseiam por TUDO pelo qual o movimento feminista clama?
Essa semana eu me envolvi em muito mais tretas online do que deveria. Uma das piores foi a do funk cretino da campanha do Bozo. A hipocrisia começa no momento em que eles reclamam do funk como sendo indigno de receber fundos da Lei Rouanet (zzzzzzzzzzzzzz), porque não é arte, não é música, não é cultura, mas na hora de usar pra fazer propaganda desse Neanderthal de farda, serve, né? Seus merdas. Além da hipocrisia, as frases feitas, as idiotices repetidas à exaustão sem parar pra pensar nem meio segundo, são desesperadoras. Pra quem não sabe, a música diz que as mulheres de direita são lindas, enquanto que as de esquerda são peludas como cadelas e merecem comer ração de cachorro.
Se você não ficou sabendo da notícia, não sou eu que vou linkar aqui porque não quero dar click pra esse tipo de abominação; volte e leia o último período novamente.
E foi aí que eu entrei, pacificamente, eu juro, numa treta no Twitter comentando essa notícia. Vamos lá:
Bolsominions afirmando que a música não é ofensiva, porque diz que as mulheres de direita são bonitas, logo é um elogio.
Eu não sei vocês, leitoras, mas acredito que embora todo mundo, homens e mulheres, gostem de ser considerados bonitos, acredito também que vocês, leitoras, não querem ser definidas somente pela aparência física. Estamos em 2018, afinal; o aspecto físico de alguém deveria estar começando a perder importância, não? Que tal a gente ir ajudando a corroer essa superficialidade gradualmente, até chegar o dia em que isso não vai fazer diferença alguma em termos de juízo de valor das pessoas? Hein?
Bolsominions afirmando que a letra da música não é ofensiva, pois nada mais é do que um dado de fato: feministas são peludas.
Olha, que preguiça que esses acéfalos me dão. Primeiro que generalizar dessa forma – “toda feminista é peluda” – é de uma desonestidade intelectual ímpar. Segundo que não é verdade, obviamente. Terceiro que NÃO É DA SUA FUCKING CONTA. O que diabos muda na sua vida se uma mulher raspa a caceta da perna ou não? Por que você, homem, não vê propaganda na televisão endereçada a você, mostrando um homem raspando a perna peluda com o pé apoiado na beira da banheira? Por que homem pode expor os pelos do sovaco onde bem entender, e nós mulheres somos tratadas como párias se fizermos a mesma coisa? Pelo é pelo – queratina, praticamente um nylon que cresce. Pelo, como praticamente todas as outras coisas que existem no universo, não tem valor intrínsico. Seu valor é o que nós damos a ele. Por que diabos pelo de homem e pelo de mulher têm valores diferentes? A gente sabe o motivo, mas não é disso que quero falar agora. Um dia ainda vou gravar um episódio só sobre isso, mas não vai ser hoje.
O que eu queria falar, na verdade, era isso: miga, você é feminista sim, só não sabe. O fato de você se depilar, o fato de você se maquiar, o fato de você ser vaidosa, o fato de você gostar de rosa, nada disso impede que você seja feminista. Não são essas coisas que nos definem, sabe. Feminismo é sobre escolha – faça o que você quiser, desde que isso não encha o saco dos outros. Quer se maquiar? Manda ver. Quer se depilar? Ótimo. Não quer? Pois curta o seu sovaco peludo, ninguém tem nada a ver com isso. A gente tem que parar com esses estereótipos cretinos, usados pelos homens como ferramenta de opressão e pra fomentar a rivalidade entre as mulheres. Para com isso AGORA, nesse minuto. Antes de criticar a aparência da amiguinha em voz alta, conta até dez. Você pode até pensar “que cabelo feio, benza zeus”, mas NÃO FALE EM VOZ ALTA. Pratique guardar isso pra você, até o dia em que esse tipo de pensamento nem vai passar mais pelo seu cérebro (ainda estou na fase um, de não comentar, porque não é da minha conta e não importa também).
Estou num grupo de podcasters mulheres e um assunto que volta e meia reaparece é esse aparente paradoxo entre feminismo e vaidade. Cara, não existe paradoxo nenhum, cada uma faz o que preferir, caceta, não é pra isso que lutamos? Na nossa sanha de romper com tudo o que o patriarcado nos enfia goela abaixo, esquecemos que ainda temos poder de escolha.
Esquecemos que ainda temos poder de escolha, esse é o conceito-chave. Escolha. Tudo se resume a escolha. Eu me irrito LOUCAMENTE quando ouço alguma mulher falando que “as feministas acabam esquecendo da feminilidade, da doçura, da meiguice”. ODEIO esse papinho. Não temos a obrigação de sermos femininas, doces, meigas, fofinhas. Nenhuma de nós tem a obrigação de ser bonita. Entendem? Vou repetir bem grande porque quando eu li isso pela primeira vez, foi um divisor de águas na minha vida:
NENHUMA DE NÓS TEM A OBRIGAÇÃO DE SER BONITA.
Muitas de nós não seremos jamais. Eu nunca fui vaidosa; a sensação que tenho desde sempre, não sendo bonita, é a de que usar maquiagem seria meio como usar Band-Aid pra curar fratura exposta, sabe. Adianta porra nenhuma, é desperdício de tempo, de energia e de dinheiro, e só vira fonte de frustração. A parte mais difícil é aceitar QUE TÁ TUDO BEM NÃO SER BONITA (eu ainda não consegui, embora repita isso pra mim mesma todos os dias, várias vezes por dia). Todas nós temos qualidades independentes do nosso aspecto físico. Eu não tenho obrigação de ser bonita (felizmente). EU NAO TENHO OBRIGAÇÃO DE SER BONITA. Também não tenho obrigação de ser fofa e meiga. Se essa fosse a minha natureza, ainda assim eu seria feminista – existem feministas fofas e meigas, conheço várias. Mas tá tudo bem ser fofa e meiga se a gente for assim naturalmente; a partir do momento em que nos anulamos e viramos esse personagem fofo e meigo pra caber num padrão, numa expectativa que a sociedade (leia-se o patriarcado de merda) tem de nós, aí ferrou tudo, aí nos rendemos. Aí perdemos, playboy.
Essa volta toda foi só pra repetir que eu fico muito chateada quando vejo mulheres claramente feministas dizendo que não são. Fico mais chateada ainda porque os conceitos negativos normalmente associados ao feminismo, e que fazem com que muitas mulheres sejam veementes na sua rejeição ao feminismo, são completamente inventados, idiotas e desprovidos de sentido, como os malditos pelos, a vaidade, a doçura. Muitas mulheres rejeitam o feminismo porque acham que ser feminista é não poder ser vaidosa, o que implica, automaticamente, que não ser vaidosa É UMA COISA INTRINSICAMENTE RUIM. Não ser vaidosa não é nem bom e nem ruim, simplesmente é. Não ser bonita não é nem bom nem ruim, simplesmente é. Não raspar o sovaco não é nem bom e nem ruim, simplesmente é. Nenhuma dessas coisas tem qualquer valor intrínsico. Você não é obrigada a parar de raspar as pernas pra ser feminista, assim como eu não sou obrigada a ser bonita pra poder existir nesse mundo. Parem com essa sandice, pelamordeCher.
Feminista não tem que ter sovaco cabeludo, mas se quiser, pode. Feminista não tem que ser baranga, mas se quiser, pode. Feminista não tem que ser promíscua, mas se quiser, pode. Feministas estão aí pra que você, amiga, possa usar maquiagem SE QUISER, e não usar quando não quiser, pra que você possa dar mais que chuchu na serra feliz da vida depois do divórcio, pra que você tenha um cargo de chefia se for competente o suficiente, pra que você possa se divorciar se o seu marido for um merda, pra que você possa casar com uma mulher, se quiser, pra que você possa escolher não ter filhos, se não quiser.
Feminismo é sobre ter escolha. Se você, leitora, acha que a mulher tem que poder escolher o que ela bem entender, você é feminista sim, é feminista pra cacete. Aceita que dói menos. E seja bem-vinda ao clube.
P.S.: Aqui vai uma listinha de podcasts com mulheres no elenco, nem todos com temática feminina ou feminista, pra vocês se deleitarem.
Olhares
Ponto G
Pretas na Rede
Sobre História
Dragões de Garagem
Pílulas de Beleza
Bora Marcar?
Dibradoras
Mulherio
PodProgramar
As Mathildas
Baseado em Fatos Surreais
É Pau, É Play
É Pau, É Página
HQ da Vida
Conexão Feminista
O Que Assistir
E, é claro, o Pistolando, que eu faço junto com o Thiago, e o Papo Cético, do qual faço parte do elenco fixo agora, e que também tem a Estrela como membro fixo.
Tem mais, tem muito mais. Se estiver interessado, vai lá no Twitter e procura por #mulherespodcasters. Tá cheio de mulher foda produzindo conteúdo foda. São todas feministas – mesmo as que ainda não sabem que são.