la tempesta

Rapaz, vou te dizer… Já ouvi falar e li em várias fontes que a Itália é o país campeão de raios no mundo, e acho bastante provável. Chove muito pouco, pra quem tá acostumado com o Rio, mas quando chove, socorro! Parece que o céu vai cair sobre as nossas cabeças! Cada trovoada de tremer a casa, ventos furaconídeos, agora há pouco começou a cair granizo e tive que botar as plantas pra baixo da varanda do vizinho de cima (porque planta suculenta é guerreira, mas não vamos exagerar). Fiquei, sei lá, quarenta e cinco segundos do lado de fora a quando entrei estava encharcada e congelada. O estabilizador do computador toda hora dá um apito, coitado.

O bom é que fica um silêncio… Os velhinhos e as crianças que passam a bella stagione na rua, falando muito alto como sempre, estão enfiados em casa. Normalmente a italianada fala tão alto que nem fechando as janelas com vidro duplo tem-se paz dentro de casa, mas com o tempo assim quem é que bota o nariz pra fora! Minha casa virou uma bolha. Na verdade essa é uma das únicas coisas boas do inverno: o silêncio. Porque eu odeio gritaria.

Ainda bem que eu acordei cedo e às oito e meia já tava na porta do supermercado (de bicicleta, lógico) pra comprar os tomates-cereja e o pão fresco pro almoço : P

bicicletta

Estou uma bicicleteira de marca maior. Desde que me demiti e estou em casa praticamente não pego mais o carro pra nada. Boto o iPod nas zoreia e atravesso o parque até o centro de Bastia. Quase todos os dias vejo uma lontra mergulhando no rio, enchendo o saco dos patos. Várias patinhas tiveram filhotes e rebolam nadando rio acima e rio abaixo, seguidas dos pimpolhos. Os cisnes ultimamente é que andam meio sumidos. Quando tá muito calor a bicharada fica toda embaixo da ponte, na sombra. E eu, como uma retardada, sempre esqueço de levar a máquina fotográfica pra passear.

Como é bom andar de bicicleta sem ter que ficar na paranóia de ser roubada! Nunca uso corrente, deixo a magrela encostada com as tantas outras na porta do supermercado, da farmácia, do banco, dos correios, e ninguém toca. Lógico que se a bichinha ficar lá largada por dias a fio eventualmente vai sumir, mas pra essas coisas assim mais light não tem nenhum problema. E como o trânsito de Bastia é, bem, insignificante, vou voando pelas ruas (porque eu não sei fazer nada devagar, vocês sabem) sem medo de ser atropelada (e consciente que se morasse em Roma ou Nápolis seriam oooooooooooutros quinhentos). Procuro sempre fazer o caminho mais longo possível na ida, porque na volta venho com a mochila cheia das compras do dia – chá gelado aromatizado com pêssego, suco de pêssego e manga, abobrinhas pra fazer um wrap de frango pro jantar – e ainda por cima organizo meu dia pra sair de propósito de casa mais de uma vez, pra passear bastante. Uma diliça! Em Cipresso não rolava, era longe demais de tudo. Agora até com sol senegalês dá pra sair de bici, porque o parque é todo sombra e no centro da cidade também tem muitas árvores, ao contrário do retão maldito pra chegar no apartamento onde morávamos antes.

O desafio agora é manter esse ritmo quando o tempo esfriar. Na Holanda neguinho anda de bicicleta o ano inteiro, faça chuva ou faça sol, ou seja, é fisicamente possível. Time will tell.

:))))))))))))))))))))

Bom, tá todo mundo se roendo de curiosidade pra saber como foi a Demissão Bombástica, e eu tô doida de vontade pra contar pra vocês. Então vou enfrentar a minha internet recém-instalada e já problemática, lentíssima e instável, e descrever a cena. Eu fico com frio na barriga de felicidade só de lembrar, imaginem escrever sobre. Munam-se de pipoca e divirtam-se. Os asteriscos indicam o que eu estava pensando. Todos os nomes são fictícios.

INTERNO. SALA DO DEPARTAMENTO COMERCIAL, IMPROVISADO COMO SALA DE REUNIÕES. MANHÃ. TO-DO O PESSOAL REUNIDO. NA MESA DA CHEFA, EX-MESA DO ANDRÉ, DOCINHOS, SALGADINHOS E REFRIGERANTES.

[CHEFA ESCROTA] Fiquem à vontade, comam e bebam que estamos festejando!

[PACAMANCA] Festejando o quê?

[CHEFA ESCROTA] A saída do André, que se demitiu ontem. Gente, como eu sou azarada! Primeiro o marido da romena, agora o André, todos os filhos da mãe vêm parar aqui!

*Por que será, né…*

[CHEFA ESCROTA] Estamos festejando porque ninguém vai sentir a menor falta, né. Fala aí alguém do Comercial se vai sentir falta dele.

[CRISTIANA, A FALSA] Realmente… Era como não ter um Chefe do Comercial, nunca vi ninguém tão incompetente e desinteressado…

[CHEFA ESCROTA] Pelo menos agora podemos usar o banheiro!

[PACAMANCA] Mas foi ele mesmo que jogou as garrafas de plástico em todas as três privadas?

[CHEFA ESCROTA] Claro que foi. Também deu um chute na porta do carro da empresa, que tá lá a marca do sapato bem visível, e também roubou o celular do Alexandre.

[JACKIE, A CHEFA DOS TRADUTORES, QUE NÃO TEM NEM DIPLOMA UNIVERSITÁRIO, JÁ FOI FAXINEIRA E É SÓ POR ISSO QUE AGÜENTA A CHEFA ESCROTA HÁ QUATRO ANOS] Uma pessoa assim realmente não está boa da cabeça. Que homem horrível.

[CHEFA ESCROTA] Realmente. Imaginem que ele mentiu sobre o diploma universitário! Disse que era formado e não era, e quando a empresa que faz a certificação de qualidade foi analisar os diplomas descobriu que não era verdade e quase perdemos a certificação. Porque entre os chefes de departamento pelo menos 51% devem ter diploma universitário pra gente obter a certificação, sabem. Eu sou formada, a Jackie quase, só faltavam duas matérias *MENTIRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA ELA SÓ FEZ DOIS ANOS DE ENFERMAGEM*, e ele como chefe do Comercial tinha que ser formado também pra fazer a maioria. Mas não era. Aí nós começamos a ligar pras empresas onde ele trabalhou antes de vir pra cá pra perguntar se ele era formado *QUE MÉTODO MAIS IDIOTA; SE ELE MENTIU PRA CHEFA ESCROTA TAMBÉM PODERIA TER MENTIDO PROS EMPREGADORES ANTERIORES, NÉ*. Elisabeth, diz pro pessoal o que foi que te disseram no telefone.

[ELISABETH, QUARENTONA BONITONA, PIRANHA, MÃE DE DOIS FILHOS, SEPARADA DO MARIDO, NUNCA TRABALHOU, NÃO SABE FAZER NADA E PASSA OS DIAS PERAMBULANDO PELO ESCRITÓRIO ANOTANDO COISAS INÚTEIS E FOFOCANDO COM A CHEFA ESCROTA] Falaram que não querem nem ouvir o nome dele. Coisa realmente terrível.

[CHEFA ESCROTA] Ele me acusou de ter falsificado o currículo dele quando mandei pra empresa da certificação, vocês acreditam?

*NÃO SERIA A PRIMEIRA VEZ…*

[CRISTIANA A FALSA] Coisa horrível…

[CHEFA ESCROTA] Mas estou sentindo que esse ano vai ser o meu ano de sorte. Já nos livramos do marido da romena, do André, em agosto chega o sueco bonitão… Você viu o sueco bonitão, Leticia?

[PACAMANCA] Não.

[CHEFA ESCROTA] Ah, não sabe o que está perdendo. Aliás, você anda perdendo muita coisa ultimamente, não veio ao nosso jantar da empresa…

[PACAMANCA] Sou muito ocupada.

[CHEFA ESCROTA] A gente conhece os maridos e namorados de todo mundo, menos o seu.

[PACAMANCA] Você viu meu marido uma vez, no supermercado.

[CHEFA ESCROTA] Ah, é? Não lembro. Mas você não veio ao jantar porque teve que levar teu pai ao aeroporto, não foi?

[PACAMANCA] Foi. *MEU PAI TINHA IDO EMBORA DOIS DIAS ANTES*

[CHEFA ESCROTA] Um dia, quando você for menos ocupada, talvez dê pra você participar das coisas que a gente organiza.

[PACAMANCA] Aham. Bom, podemos voltar ao trabalho? Valeu.

***

INTERNO. SALA DO DEPARTAMENTO COMERCIAL, DE NOVO. DEPOIS DO ALMOÇO. TODO O PESSOAL REUNIDO NOVAMENTE.

[PACAMANCA] Pô, Chefa Escrota, de novo? Tenho muita coisa pra fazer!

[CHEFA ESCROTA] Você vai reclamar mais ainda quando souber sobre o que é a reunião.

TODOS EM PÉ EM VOLTA DA MESA DA CHEFA ESCROTA. PAULA, TRADUTORA DE ALEMÃO, ESTÁ EM PÉ AO MEU LADO.

[CHEFA ESCROTA] Eu quero saber o que vocês duas, Leticia e Paula, tanto reclamam.

SILÊNCIO

[CHEFA ESCROTA] Podem desembuchar, sou toda ouvidos.

[PACAMANCA] Cê tá com tempo pra ouvir? Porque a lista é longa.

[CHEFA ESCROTA] Pode falar.

[PACAMANCA] Vocês fumam o tempo todo, gritam o tempo todo, o telefone toca o tempo todo, a campainha toca o tempo todo e não tem ninguém pra abrir a porta, trabalhamos feito camelos, tavam 36 graus no escritório semana passada com aquele computador maldito queimando as minhas pernas… Quer mais?

[CHEFA ESCROTA] Eu quero saber mais. Porque a Jackie me contou que você andou falando mal da nossa agência pra outra agência em Perugia.

[PACAMANCA] Eu nunca fui a nenhuma agência em Perugia *MAS EM BASTIA SIM*

[CHEFA ESCROTA] Eu quero saber por que é que você foi esculachar o trabalho dos seus colegas.

[PACAMANCA] Não esculachei o trabalho de ninguém. Não é nossa culpa se as condições de trabalho aqui são ridículas.

[CHEFA ESCROTA] E você, Paula, que foi falar pro sueco bonitão, que pena que não dá pra falar a sós com você, senão eu diria pra você não vir trabalhar aqui!

[PAULA, MUITO NERVOSA] Eu não falei coisa nenhuma. Eu cheguei cedo como todos os dias, porque venho de trem, ele tava aqui e me cumprimentou, se apresentou, perguntou há quanto tempo eu tava aqui e eu falei que há alguns meses, mas que já tinha pedido demissão. Mais nada.

[CHEFA ESCROTA] Falou isso, mas pensou que se pudesse falar com ele a sós diria pra ele não trabalhar aqui!

[PAULA] Pensar, pensei mesmo, mas não falei.

[CHEFA ESCROTA] Então de agora em diante vocês duas fiquem com os pensamentos pra vocês mesmas e não digam nada!

[PACAMANCA, EM ARROUBO DE CORAGEM CAUSADA PELA RAIVA INFINITA] Pára de berrar. Porque por mim pessoas que berram seriam enforcadas em praça pública. Pára de berrar ou eu vou embora AGORA e deixo você falando sozinha.

COLLECTIVE CRINGE.

[CHEFA ESCROTA] Fala mais então, fala! Porque eu sei que você tem muito do que reclamar! Sei também que você tirou foto do meu escritório, e os meus advogados não estão muito felizes com isso.

[PACAMANCA] Sabe por que eu tirei foto? Porque quando eu conto que trabalho na terceira maior agência de tradução do país, sentada num escritório de 3×2 metros com outras três pessoas, com 36 graus de temperatura, numa escrivaninha tão pequena que meus poucos dicionários têm que ficar no chão, ninguém acredita. Tirei as fotos pra provar.

[CHEFA ESCROTA, IDIOTAMENTE SARCÁSTICA] Ah, a senhora então quer um computador especial que não esquenta! Vou mandar inventar só pra você!

[PACAMANCA, INCRIVELMENTE IRRITADA] Deixa de ser idiota, Chefa Escrota, eu quero é condições de trabalho decentes! Nem os menininhos que fazem tênis pra Nike na China trabalham nesse calor, tenho certeza! E tem mais, quer saber, esse lugar é uma merda, é tudo uma merda. Detesto trabalhar aqui, odeio essa berração, essa fumação generalizada, odeio essa falta de organização, essas festinhas idiotas que vocês fazem, essas reuniões todo dia, toda hora, essa fofocalhada toda, essa mentirada toda, tipo quando a Michele saiu…

[CHEFA ESCROTA] O problema de vocês duas é que vocês não sabem o que é ser uma senhora. Eu fui uma senhora, uma lady, porque em vez de dizer que a Michele roubou dinheiro da empresa eu disse que ela tava deprimida.

[PACAMANCA, COM PRESSÃO ARTERIAL LÁ NOS CAFUNDÓS] Em primeiro lugar, não entra nesse assunto de quem é senhora e quem não é, porque eu ganho de você disparado, querida. Não sou eu que falo da minha vida sexual com os alunos, eu não grito, não fumo e não minto compulsivamente. Segundo que a palavra “deprimida” não foi bem o que eu ouvi. Pelo que eu me lembro, e minha memória é ótima, naquele dia você abriu a porta pra mim de manhã cedo e não falou nem bom dia, disse logo “A Michele enlouqueceu, está no hospital psiquiátrico”. Entre deprimida e maluca a diferença é bem razoável.

[CHEFA ESCROTA] Porque ela roubou dinheiro, mas eu preferi ser elegante e não contar essa coisa horrível pra vocês. Porque eu detesto gente que fala besteira, então também não falo.

[PACAMANCA, LEVANTANDO LIGEIRAMENTE O TOM DE VOZ] PFFFFFFFFFFFFFFFF Mas faça-me o favor, você mente até quando diz
que horas são! Mas o problema é, por que diabos a gente tinha que saber do que aconteceu? Isso é um problema de vocês, eu só quero chegar aqui, trabalhar e ir embora, por que tenho que ficar sabendo dessas intrigas malucas que vocês criam? NÃO ME INTERESSA, tenho mais o que fazer! Até porque toda hora alguém vai embora, então toda hora tem intriga maluca rolando.

[CHEFA ESCROTA, EM MOMENTO PARTICULARMENTE IDIOTA] Como assim, toda hora alguém vai embora? Quem é que foi embora?

[PACAMANCA, COM SORRISO SARCÁSTICO E CONTANDO NOS DEDINHOS ESBELTOS] Olha que a lista é longa, tá com tempo? Vanessa, Laura, Stefano, Roberta, Marcos, Susana, Cristina, Bruno, a garota da gráfica, a outra garota da gráfica, Rosana, Rosita, Máximo, Michela, Simona, a outra Laura, a cubana… Quer mais ou já tá bom?

[ELIANA, PUXA-SACO CHEFE DO DEPARTAMENTO DE PLANNING] Bom, tem que analisar pra ver o que essas pessoas fizeram…

[PACAMANCA, NO AUGE DA RAIVA] Mas faça-me o favor, estatisticamente não é possível que TODAS essas pessoas tenham feito cagada aqui dentro, mas será que você não percebe que o problema é você, Chefa Escrota? Nem a Ford tem um turnover de funcionários tão grande!

[CHEFA ESCROTA] Engraçado que há um mês atrás, quando você veio pedir aumento, não parecia tão descontente.

[PACAMANCA] Eu estou querendo me demitir desde que comecei a trabalhar aqui, querida.

[CHEFA ESCROTA] Mas veio pedir aumento do mesmo jeito!

[PACAMANCA] Quem trabalha bem merece ganhar bem, você não acha?

[CHEFA ESCROTA] Trabalhar bem! Hmpf! Você faz cada erro de tradução alucinante, mas o Planning não te diz nada porque são gentis!

[PACAMANCA] HOHOHOHO! Primeiro que todo mundo erra, e quando acontece elas me ligam imediatamente pra dizer que pulei uma linha ou faltou uma palavra ou outra coisa desse tipo, então não vejo por que não me chamariam se tivesse um erro horripilante como você tá dizendo. Segundo que apesar de ter inglês de native speaker eu não sou native speaker E VOCÊ SABE DISSO. Terceiro que eu quero ver outra pessoa traduzindo SESSENTA LAUDAS por dia, como eu já cansei de fazer, SESSENTAAAAAAAAAAAAAAAAAAA, num escritório a 36 graus, com dois dicionários de merda, uma escrivaninha de merda, uma cadeira de merda, com gente fumando e gritando do lado, e ainda por cima tendo que planejar aulas e falar com aluno porque não temos secretária, e não cometer erros. Quero ver! Me poupe, né. E não sei por que essa preocupação com qualidade agora, já que os trabalhos que fazemos são todos uma merda. Tipo os signos do zodíaco traduzidos em inglês como Twins, Scorpion, Bull etc, como eu sei que aconteceu. Porque você não é a única pessoa a ter espiões aqui dentro, e eu sei MUITO MAIS do que você imagina.

[CHEFA ESCROTA] Espiões, hah! Você diz que sabe de tudo, mas não sabe da missa a metade. O Marcos, que você fala que foi embora brigado com a gente, outro dia me escreveu se oferecendo pra traduzir pra mim!

[PACAMANCA] Da casa dele, não aqui, né. E sendo pago por lauda e não por hora, feito os funcionários marroquinos do meu marido. Porque a gente aqui ganha que nem operário lanterneiro. Você não se envergonha não? De dar um salário tão baixo? Porque eu me envergonharia de pagar essa merreca que você paga pra gente que faz um trabalho altamente especializado. Mas como você é a pessoa menos profissional que eu já vi na minha vida, não me espanto.

[ELIANA] O mínimo que você podia ter feito era ter sido um pouco mais ética e se demitir em vez de falar mal do seu trabalho.

[PACAMANCA] De fato, estou me demitindo nesse exato momento.

[CRISTIANA A FALSA, OFICIALMENTE A DIRETORA DA ESCOLA DE LÍNGUAS MAS QUE NÃO FAZ PORRA NENHUMA POR LÁ PORQUE
TRABALHA NO SETOR COMERCIAL. PULANDO NA CADEIRA COM CARA DE SUSTO E DESESPERO] MAS COMO É QUE NINGUÉM ME DIZ NADA!

*LEIA-SE ONDE VOU ACHAR OUTRA PROFESSORA ASSIM!*

[PACAMANCA] Porque ninguém sabia, só eu. Há meses.

[CHEFA ESCROTA NÃO DIZ NADA, FAZ CARA DE RAIVA MAS NÃO DE CHOQUE. MAIS UMA PROVA DE QUE ELA ANDAVA GRAVANDO NOSSAS CONVERSAS E JÁ SABIA DE TUDO].

[PACAMANCA] Acabamos? Posso voltar ao trabalho? Porque eu não sei vocês, mas eu tenho mais o que fazer.

***

INTERNO, SAUNA DOS TRADUTORES. CHEFA ESCROTA VEM TODA BOAZINHA OFERECER FÉRIAS À PAULA, EM VEZ DE CUMPRIR TODO O AVISO PRÉVIO. A PRÁTICA É DE PRAXE NA AGÊNCIA, PRA EVITAR CIZÂNIA.

[CHEFA ESCROTA] Você tá com tempo, Leticia? Quero falar com você.

[PACAMANCA] Não.

[CHEFA ESCROTA] Mas vez assim mesmo, a gente precisa conversar.

INTERNO, COZINHA, ONDE A MAIOR PARTE DAS REUNIÕES ACONTECE, IMPEDINDO ASSIM QUE OS TRADUTORES, QUE MORAM LONGE E NÃO VOLTAM PRA CASA PRA ALMOÇAR, POSSAM ESQUENTAR A COMIDA, E FORÇANDO-OS A COMER NA MESA DO TERRAÇO, SOB O SOL SENEGALÊS. CHEFA ESCROTA SENTA SUA BUNDA GORDA NA BANCADA DA PIA.

[CHEFA ESCROTA] Estou muito chateada.

SILÊNCIO.

[CHEFA ESCROTA] Estou realmente muito chateada, eu tava contando muito com você.

SILÊNCIO.

[CHEFA ESCROTA] Você não diz nada?

[PACAMANCA] O que raios você quer que eu diga?

[CHEFA ESCROTA] Você não tá chateada de ir embora?

[PACAMANCA, SURPRESA] Eu não!!!

[CHEFA ESCROTA] Então você tá feliz?

[PACAMANCA] CLARO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

[CHEFA ESCROTA] Me explica com detalhes do que é que você não gosta aqui.

[PACAMANCA] Odeio tudo. Não gosto de como vocês trabalham, não fui acostumada assim. Não gosto dessa bagunça, dessa fofocada, dessa fumação, dessa gritaria, da imbecilidade da secretária da contabilidade, da falsidade, do telefone tocando toda hora sem que ninguém responda, do fato que só tem um banheiro aqui em cima pra quinze pessoas, da cozinha sempre fechada enquanto você fofoca no telefone, da carga de trabalho excessiva, do salário. Não gosto de nada. Estou doente da cabeça aos pés, preciso sair daqui imediatamente.

[CHEFA ESCROTA E FALSA] Olha, se você quiser, eu tenho médicos ótimos.

[PACAMANCA, PEGANDO UM IOGURTE DE MORANGO DA GELADEIRA] Mas faça-me o favor, Chefa Escrota. Tenho certeza que no dia em que chegar em casa sabendo que não tenho mais que pisar aqui dentro vai passar tudo. Como passou a enxaqueca semanal no dia em que saí daquela escola maldita, onde aquele siciliano cretino não me pagava.

[CHEFA ESCROTA, INACREDITAVELMENTE IDIOTA] Então é definitiva?

[PACAMANCA, SEM ENTENDER A PERGUNTA CRETINA] O quê?

[CHEFA ESCROTA] A tua demissão.

PACAMANCA NÃO DIZ NADA, MAS SEU OLHAR É UM *LÓOOOOOOOOOOOOOOGICO* DESSE TAMANHO.

PACAMANCA SAI DA SALA, DEIXANDO A BUNDA DA CHEFA ESCROTA POUSADA SOBRE A BANCADA.

AINDA estou sem internet em casa. Don’t ask. Mas nao se afobem; ja’ ja’ a tia volta com a ribombante Historia da Demissao e muitos causos de hospedes exoticos. E agora a novidade é que eu sou laptopada e vou poder postar da California em setembro. Yay!

londres em numeros

. Incidencia de acne na populaçao chinesa local: 100%
. Numero de sorrisos recebidos em 4 dias: 0
. Percentual de pessoas lendo coisas no metro: 100
. Percentual de pessoas lendo Harry Potter and the Deathly Hallows no metro: 80
. Incidencia de pernas tortas na populaçao turistica japonesa do sexo feminino: 115
. Numero de metros quadrados do apartamento do Hiro: aproximadamente 13
. Numero de vezes em que o guarda-chuva foi aberto e fechado em cada dia: aproximadamente 20
. Numero de minutos perdidos tentando entender a merda do metro, em cada estaçao: em média 2
. Numero de vezes em que pensamos “Que saudade de Paris”, por dia: 25
. Numero de motoristas de onibus que olharam para nos e/ou fizeram algum gesto para mostrar que viram o Travelcard que mostramos: 0
. Numero de libras gastas em 4 dias: too many
. Grau de felicidade pelos museus gratis, em uma escala de 1 a 10: 15
. Grau de picantismo do green curry tailandes no almoço do primeiro dia, em uma escala de 1 a 10: 20
. Numero de ganchos e/ou prateleiras no chuveiro do albergue, pra apoiar toalhas etc: 0
. Numero de garotas legais no meu quarto do albergue: 4
. Incidencia de pessoas que andam descalças no albergue como se fosse super higienico: 80%
. Numero de punks bizarros vistos na rua: 2 (um deles de saia)
. Numero de quilometros percorridos a pé com Hiro e Barbara à procura de um pub com lugar pra sentar, no sabado à noite: aproximadamente 10

Bom, a novidade principal é que me despedi. Foi lindo, totalmente publica a coisa, com direito a teatrinho, irritaçao e merda no ventilador. Lin-do.

A outra novidade é que estou sem internet em casa, entao nao sei quando vou poder contar direitinho a historia da demissao. Mas daqui a pouco eu volto.

provas

Nem comentei a prova de inglês, né.

Ganhei um 27/30. O problema é que essa professora, que é famosa na faculdade por ser completamente maluca, não dá aula, ela entra na sala e começa: como se diz fatura em inglês? E documento de transporte? E hipoteca? E petróleo bruto? Distribuiu uma xerox com uma lista de termos de business, muito, MUITO específicos, e quer que neguinho decore aquilo.

A prova escrita foi na segunda. O sistema de segurança parecia coisa dos exames de Cambridge: todo mundo arrumado por ordem alfabética, as cadernetas idem, bolsas e celulares no fundo da sala, documento de identidade sobre a carteira. A prova dividida em partes, cada parte com um limite de tempo e ninguém podia sair antes. Eu doida pra terminar logo aquela chatice e ir pro trabalho porque tinha uma aula às dez, mas não deu. O legal é que a minha parte escrita era uma carta… de demissão. Hohohoho!!!

A prova oral foi na quarta. Ela comentou que não tinha feito nenhuma correção na minha prova escrita e saiu perguntando o que eu fazia, o que eu queria fazer da vida, etc. Depois passou pra parte dos malditos termos de business, e é lógico que eu só sabia as coisas mais comuns, que toda hora traduzo, como fatura, procuração, responsabilidade legal, bens móveis e imóveis, mas muita coisa eu não saberia dizer nem em português. Quando eu falei No clue pela segunda vez ela falou, infelizmente aqui a senhora bombou. Os outros dois professores da banca olharam bem pra cara dela e começaram a perguntar outras coisas mais normais, que eu sabia. E depois de conversar mais sobre outras coisas que não tinham nada a ver mandaram que eu saísse da sala porque nunca tinham se deparado com um caso semelhante e não sabiam que nota me dar. Demoraram quase 15 minutos (eu estava lendo o último do Camilleri, então nem me afobei) e quando voltei pra sala me disseram: senhora, se a senhora tivesse assistido às aulas e decorado as palavras (e eu pensando, quando quiser saber o que significa uma palavra que se eu nunca encontrei até hoje, mesmo lendo a quantidade de coisas que eu leio e traduzindo a variedade de coisas que eu traduzo, eu vou ao dicionário, né, fofa) teria tirado 300 em vez de 30, mas infelizmente só podemos dar 27. Eu falei que não tinha problema, que visto que a minha carta de demissão da prova escrita era exatamente o que eu vou escrever na semana que vem, o que significa que em outubro vou poder assistir às aulas, vou poder participar do curso de inglês do segundo ano. Ela ficou toda pimpã e perguntou se eu gostava de literatura. Falei que já li praticamente todos os livros da lista (também, são todos clássicos) e ela se acendeu toda, tomara que a senhora consiga freqüentar o curso.

E ontem fiz a última prova do verão, Estudos Culturais. Como passei o sábado fazendo um trabalho pro Flash e depois lendo Harry Potter, e domingo lendo Harry Potter e fazendo escova no cabelo, só deu pra estudar ontem de manhã mesmo, antes da prova, que foi ao meio-dia. Eu tinha assistido a algumas aulas ano passado, e cheguei inclusive a fazer a prova, mas como não tinha número de matrícula acabou não valendo. A apostila era mal escrita pacas, repetitiva e cheia de nomes, e foi uma manhã chatíssima. Mas eu só não respondi a uma pergunta, que aparentemente pra ele era importante porque me deu 26. Tá ótimo. Os dois que fizeram prova antes de mim, que não só freqüentam as aulas mas não trabalham, tiraram 22.

enquanto isso,

na bota…

. Doze pessoas presas no hospital Silvestrini, em Perugia. Batiam o ponto pros colegas, amantes, cônjuges etc, que não iam nunca trabalhar. Rings a bell, doesn’t it.

. O último candidato a comprador da Alitalia, a AirOne, se retirou. Ninguém ama a Alitalia, ninguém quer a Alitalia, ninguém a chama de meu amor.