intrigas

Hoje foi a chefe quem me abriu a porta. Com o cigarro aceso, lógico, às oito e quinze da manhã. E me recebeu com o seguinte comentário: M. está no hospital.

M. é a Imbecil Contábil Sênior.

A chefa tem a mania de contar a mesma história, em várias versões diferentes, pra pessoas diferentes, de preferência em tom confidencial pra neguinho achar que é especial porque ouve as fofocas em primeira mão. Mas esse é irmão desse, né, então fiz cara de ooooh! jura?, por quê, coitada?, etc. Parece que a mulher, que desmaiou do nada alguns meses atrás, estava com problemas emocionais – aqui tudo é “esaurimento nervoso” – e acabou sucumbindo aos poderes da mente. A chefa disse, como que horrorizada, que ela chegou ao ponto de mentir deslavadamente! Mentir! Tive que morder os lábios quase até sangrar pra não rir (a chefa é mentirosa compulsiva clínica, daquelas que não sabem mais o que é real e o que não é).

Gente, é manicômio de verdade, juro.

r

Fomos a Roma hoje. Daniele e Eun Hae tinham ido a Cisterna di Latina visitar o irmão dela, e aproveitamos pra ir de trem e voltar com eles de carro. Pesquisamos uma mostra qualquer que pudéssemos ver e achamos uma no Museo di Roma, atrás da Piazza Navona. É uma série de retratos de cardinais, nada de devastador mas mesmo assim vale a pena, sempre. Depois da mostra fomos tomar sorvete de maracujá na Gelateria della Palma, lóooooogico, e ainda fiz a maior propagandaça do maracujá propriamente dito quando a senhora do meu lado caiu na asneira de perguntar aos seus botões que fruta era. Eu não consigo deixar pergunta sem resposta, e não importa se a pergunta não foi feita pra mim. Então expliquei que é uma planta que dá uma flor linda (que ela conhecia, mas não sabia que fruta rolava, e se era comestível) e que o suco é muito refrescante, e que como sinto muita falta toda vez que vou a Roma passo religiosamente na Palma pra tomar o sorvete. Ela respondeu que vinha de sei lá onde (um subúrbio de Roma) só pra tomar sorvete lá de tão bom. E provou o maracujá, gostou e me agradeceu.

(meu outro sabor – porque na Itália ninguém toma sorvete de um gosto só – foi Variegato Nutella e Mou, mais ou menos sorvete de baunilha mal misturado com Nutella e doce de leite. Matem-se de ódio, crianças.)

Na volta paramos em Deruta pra comer numa pizzaria que o Daniele conhecia. Cara, o garoto tem muita grana, dois carrões de sei lá quantos mil euros na garagem, mas putz, vai viver mal assim na China! Mora mal (a casa é entupida de coisas velhas porque ele não joga nada fora, nunca), o carro que usa pra trabalhar é uma Lancia caindo aos pedaços dos anos 70, tudo o que você dá pra ele comer ele acha bom. A comida supernormal, nada de especial, e ele boooooooooom, lambendo os beiços. Muito estranha, a vida.

O dia passou rapidinho. Ainda lembrei de mandar um beijinho mental pra Isabella, mas foi só. Estávamos cansados quando chegamos em casa, mas felizes, porque Roma, vocês sabem…

r

Fomos a Roma hoje. Daniele e Eun Hae tinham ido a Cisterna di Latina visitar o irmão dela, e aproveitamos pra ir de trem e voltar com eles de carro. Pesquisamos uma mostra qualquer que pudéssemos ver e achamos uma no Museo di Roma, atrás da Piazza Navona. É uma série de retratos de cardinais, nada de devastador mas mesmo assim vale a pena, sempre. Depois da mostra fomos tomar sorvete de maracujá na Gelateria della Palma, lóooooogico, e ainda fiz a maior propagandaça do maracujá propriamente dito quando a senhora do meu lado caiu na asneira de perguntar aos seus botões que fruta era. Eu não consigo deixar pergunta sem resposta, e não importa se a pergunta não foi feita pra mim. Então expliquei que é uma planta que dá uma flor linda (que ela conhecia, mas não sabia que fruta rolava, e se era comestível) e que o suco é muito refrescante, e que como sinto muita falta toda vez que vou a Roma passo religiosamente na Palma pra tomar o sorvete. Ela respondeu que vinha de sei lá onde (um subúrbio de Roma) só pra tomar sorvete lá de tão bom. E provou o maracujá, gostou e me agradeceu.

(meu outro sabor – porque na Itália ninguém toma sorvete de um gosto só – foi Variegato Nutella e Mou, mais ou menos sorvete de baunilha mal misturado com Nutella e doce de leite. Matem-se de ódio, crianças.)

Na volta paramos em Deruta pra comer numa pizzaria que o Daniele conhecia. Cara, o garoto tem muita grana, dois carrões de sei lá quantos mil euros na garagem, mas putz, vai viver mal assim na China! Mora mal (a casa é entupida de coisas velhas porque ele não joga nada fora, nunca), o carro que usa pra trabalhar é uma Lancia caindo aos pedaços dos anos 70, tudo o que você dá pra ele comer ele acha bom. A comida supernormal, nada de especial, e ele boooooooooom, lambendo os beiços. Muito estranha, a vida.

O dia passou rapidinho. Ainda lembrei de mandar um beijinho mental pra Isabella, mas foi só. Estávamos cansados quando chegamos em casa, mas felizes, porque Roma, vocês sabem…

apocalypto

Falei que fomos ver o diabo do filme ontem? Pois é. Chegamos cedo, compramos o ingresso e fomos comer piadina em frente aos correios. Como não tinha ninguém na fila da bilheteria e muito menos nas ruas, ficamos espantados com a cabeçada que apareceu pra ver o filme. Sala cheia.

Logo no começo neguinho começa a cochichar: que bicho é esse? Anta, eu respondi ao menino que estava ao meu lado. Não ele, coitado, que não tem a menor obrigação de conhecer a fauna tropical, nem de associar a anta dourada estilizada de Striscia la Notizia com o verdadeiro bicharoco.

Olha, o filme é estranho. Achei menos violento do que the Passion, pra dizer a verdade. Não sei por quê. Adorei ouvir aquela língua antiga e estranha, adorei ver florestas, a-do-rei maquiagem e figurino. Mas achei que ficou faltando alguma coisa. Acho que estava esperando alguma explicação a mais, mais conflito floresta x cidade, mais cidade, sobretudo, porque os figurinos são bárbaros (adorei os enfeites de nariz, de cobre). Mas não, ficou só naquela coisa de run, Forrest, run. Ficou faltando aquele it, sabe. Mas é um bom passatempo, vão lá ver, vão.

ho ho

O Mirco é um homem maduro, responsável, cheio de força de vontade e com sua própria consciência muito bem formada. Mas tem horas que ele parece uma criança.

Depois que achou Perugia-São Paulo no meio do carnaval por 750 euros, toda hora ele volta ao site pra ver a quanto está a mesma passagem agora. Hoje imprimiu a página com o novo preço, mais de 1600 euros, e escreveu embaixo algo do tipo, “Viu? Viu?”.

opá

Gianni e Chiara são dois amores, mas eles têm um lance irritante: não entendem certas coisas.

Tipo assim, eles têm casa praticamente paga, ambos têm carros comprados na concessionária do pai dela, têm empregos estáveis e bem pagos e mamãe e papai que ajudam com dinheiro, comida e frutas da horta. Mirco tem uma microempresa que luta pra sobreviver, pais estranhos que é como se não existissem, e um financiamento de 20 anos pra pagar um apartamento. Eu tenho um cachorro grande, um carro velho, um celular e alguns livros. Já tinha pedido aos nossos amigos pra não inventarem viagens mirabolantes esse ano porque não temos dinheiro pra mobiliar casa e viajar ao mesmo tempo. E aí eles vêm, completamente bocas-moles, soltar um verdão sobre ver o carnaval no Rio esse ano.

Que ódio!!!!!!!!!!! Vejam bem, é lógico que eu sinto falta do Rio, da família e dos amigos, é lógico que eu ficaria pra cima e pra baixo entre Zaire e Rio se pudesse, mas nesse momento minha prioridade é comprar o sofá que eu quero, e não o que eu consigo pagar. Mas eles sabem que o Mirco é doente e que basta tocar no assunto viagem que ele se sacode todo de êxtase, sabem que ele não recusa jamais um convite pra ir ali na esquina.

Felizmente achamos uma passagem milagrosamente barata saindo de Perugia, 750 paus. Chega em São Paulo, mas não é um problema. Então muito provavelmente rola Rio em fevereiro. Em tempo pra Sapucaí. Ainda não sabemos a data porque dependemos dos dois pimpolhos, que aliás têm tanto medo de voar que preferem pagar 300 euros a mais por cabeça e sair de Roma, a duas horas e meia de viagem daqui, do que pagar menos e partir do aeroporto de Perugia que fica a dez minutos de casa, só porque o avião que faz Perugia-Milão é pequeno. Ó céus! Como eles, além de todas aquelas facilidades descritas no primeiro parágrafo, podem se dar ao luxo de tirar vários dias de férias seguidos, vão antes. Diretamente pra Búzios, porque precisam descansar – eu precisaria de um coma induzido pra descansar, e mesmo assim tenho certeza que sonharia com fornos e cores de parede, mas eles, que têm casa praticamente paga etc etc, precisam descansar na praia torrando no sol. Então vão pra Búzios, e depois nos encontramos no Rio.

Eu e Mirco ficamos só uma semana. Não posso me dar ao luxo de gastar todas as férias de uma vez só, e principalmente não posso abandonar a escola às moscas, porque algo me diz que Christine não volta tão cedo. Então vai ser tudo corrido. Assim que souber direito a data, aviso-vos.

regali

Fui aos correios pegar o presente que a Marcinha mandou. Como o Mirco não só tinha esquecido completamente de me dizer que tinham deixado o recibo no escaninho, que os correios sempre deixam quando não tem ninguém em casa pra receber pessoalmente o pacote ou carta registrada, mas também perdeu o diabo do papelzinho, lá fui eu na agência munida só de documentos. Lógico que a mulher franziu logo o nariz.

– Mas sem o número do pacote como eu faço pra procurar?
– Senhora, outro pacote da Amazon com o meu nome eu tenho certeza que não existe, não tem como confundir.
– A senhora deve aguardar um instante que um outro funcionário vai lá dentro procurar.

De lá de dentro sai Bigode, marido da gerente do banco do Mirco, que é o carteiro aqui do nosso bairro. Pergunta como está Mirco, como está indo o apartamento novo, aquelas coisas. Volta lá pra trás e vai procurar de novo o pacote, que eu já tinha explicado que era uma coisa padrão da Amazon, uma embalagem de papelão assim e assado. Enquanto ele está lá atrás mergulhado em pacotes procurando o meu, meus olhos de lince vêem um envelope pardo pintado de verde, com meu nome e endereço escritos com a MINHA letra. Sendo retardada, apesar da visão aguçada, juro que por um momento me perguntei se tinha rolado um lance de dupla personalidade, de repente eu tinha alguma coisa a dizer a mim mesma e não tinha coragem de fazê-lo pessoalmente, sei lá. Aí finalmente as sinapses pegaram no tranco e lembrei que a Newlands tinha mandado uma coisa também. Ha! Fui aos correios pegar um livro e acabei papando outros dois! Porque Marcinha me mandou The Funny Farm, de Jackie Moffat, que estava, justamente, moffando na wishlist há décadas e tem um cachorro de gravata borboleta vermelha na capa, e Newlands mandou Papel Manteiga e aquele sobre Tolkien e C.S. Lewis, que aliás vieram recheados de coisas bubus como sapos, estrelas, bruxas-piratas e ilustrações roxas pro Mario Quintana. Além de uma carta verde que começa com “Queridona”.

Que dia feliz! : ))))))))

Melhor ainda: não tendo absolutamente nada pra fazer no trabalho, já que meus alunos de hoje cancelaram as aulas e não tinha nenhuma tradução pra fazer, das nove às dez li Papel Manteiga, que é meio poético demais pra minha cabeça mas tem algumas tiradas boas, receitas deliciosas e, claro, uma capa linda. E das dez até a hora de ir embora, às seis, li The Funny Farm. A autora parece mais americana do que inglesa, a julgar pelo senso de humor infantil, mas os bichos da fazenda são interessantíssimos. E tem fotos! De vaca, de cabrito, de porco, de vários cachorros, de uma raça de cabra praticamente extinta, típica da Ilha de Man, que a autora resolveu criar pra dar uma ajuda ecológica ao mundo – eles têm quatro chifres e são estranhíssimos. Estou aprendendo muito sobre parto bovino, inteligência ovina (nesse caso não há muito o que aprender) e preguiça canina. Como das 109 páginas que preciso traduzir até dia 25 já fiz 40, pode ser que hoje eu consiga terminar. É divertido : )

Obrigada, amigas : ))))))))

reveilão + potocas

Eu não sou festeira. Aliás, estou ficando mais e mais anti-social à medida em que o tempo passa. Mas resolvemos que o ano novo vai ser aqui em casa, então eccomi. Vêm Daniele e Eun Hae, Moreno e a namorada Marta, grávida, e talvez Giuseppe, o contador do Mirco que é um amor de pessoa. O menu: peixe. Graças aos céus está praticamente tudo já pronto, no freezer gigante da Arianna: insalata di mare, a mistura de frutos do mar já temperada pra fazer com spaghetti, dois lagostins e muitos mexilhões por pessoa. Só vou precisar fazer a sobremesa, que vai ser sorvete Gigi. Vocês sabem que eu adoro cozinhar, mas essa cozinha idiota aqui de casa me irrita. Quando nos mudarmos vocês vão ver só, nossa casa vai virar uma filial do Gula Gula no interior do Zaire.

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O chão já está todo pronto, os azulejos da cozinha idem e ficaram lindos, os banheiros idem e não são lindos mas não tinha nada melhor. Semana que vem começam a pintar. Duas paredes cinza na sala. Mirco vai pintar um dos radiadores de vermelho, pra combinar com o quadro do Tin Tin que o Japa me deu e que a próxima criatura a encarar Rio-Roma vai trazer. Os móveis serão todos semi-vagabundos da IKEA porque se daqui a cinco anos eu me encher e quiser mudar tudo não vou ter remorsos financeiros. Casa não é museu imutável.

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Quero ver Apocalypto. Adoro pré-colombianos.

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Spaghetti aglio olio e peperoncino é uma das melhores coisas do mundo.

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Meu pai vem passar um fim de semana aqui em janeiro.

B+

Ontem acordei cedo, em jejum, peguei a Une (se escreve Eun Hae) e fomos pra Ponte San Giovanni. Deixei o carro estacionado numa transversal da avenida e pegamos o ônibus até o hospital. Acabei doando sangue sozinha porque era a primeira vez que a Eun Hae doava e precisou fazer uma consulta cardiológica. A minha entrevista com a médica com quem se bate papo depois dos exames iniciais (pra ver se tem anemia, infecção em curso, etc) foi uma coisa meio bizarra. Ela olhava os resultados no computador e me dizia:
– As transaminases hepáticas estão ótimas, nem exagerou no Natal!
– É que eu não gosto de comida de Natal, só como cappelletti.
Ela ajeita os óculos de leitura, volta à tela do computador, se vira pra mim com olhos de vampiro:
– Quantas plaquetas… Tantas… Lindas plaquetas! (juro. Literalmente: “Ma quante piastrine… Tante! Bellissime piastrine!”)
– Ahan.
– Tão bonitas, e tantas…
– Hoje não tenho tempo, doutora. (você pode doar só as plaquetas, mas demora pra caramba porque a máquina tem que fracionar o sangue)
– Não se esqueça que você só precisa esperar um mês depois de doar sangue inteiro pra doar plaquetas.
– Ahan.
– Só um mês.
– Entendi.
– Tem certeza que não dá tempo hoje?
– Doutora, eu não tenho tempo nem de me coçar, pra vir resolver outras coisas em Perugia tive que vir doar sangue pra não perder um dia de trabalho. Sinceramente, hoje não rola.
– Que pena, tantas plaquetas… Fica pro mês que vem.

Faltavam só os caninos alongados no seu sorriso.

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O resto do dia foi inútil. Na faculdade, o libretto não tinha ficado pronto ainda, só em janeiro. O cabeleireiro foi OK, e dessa vez Giuliana teve tempo de cortar direito, sem se afobar, porque o salão tava vazio. Almocei polpetta e legumes com a Eun Hae. A consulta médica durou 2 minutos e meio e custou 36 euros. A loja de produtos bizarros não tinha nada brasileiro. Resisti a um dos melhores sorvetes do mundo (a melhor sorveteria da Umbria fica em S. Maria, mas essa numa ladeira que sai da Piazza della Repubblica em Perugia também é o ó). Comprei bilhete de ônibus sem precisar porque tinha esquecido que já tinha um na carteira. Voltei pra casa correndo e terminei de ler 44 Scotland Street, de Alexander McCall Smith.