Acordei mas não consegui me levantar. Entrei em coma enxaquecoso até a hora do almoço, quando, IMBECIL, troquei de roupa e fui trabalhar. As aulas foram as mais longas da minha vida. Idiota. Repitam comigo: em caso de enxaqueca, NÃO SAIA DE CASA ATÉ QUE AS 48 HORAS DA CRISE PASSEM. NÃO SAIA DE CASA ATÉ QUE AS 48 HORAS DA CRISE PASSEM. NÃO SAIA DE CASA…
hm
Acho que finalmente estou entendendo o mecanismo da minha enxaqueca. Porque no meu caso tem a ver com o sono, mais do que com a alimentação. Desde a primeira crise anoto TUDO o que eu como, todos os dias, e nunca achei nenhum padrão que pudesse explicar a enxaqueca. Hoje acordei meio assim assim, à tarde tive que me dar uma injeção de Voltaren, e pesquisando na internet descobri que sono desregulado – pra mais ou pra menos – pode desencadear as crises. E comecei a reparar que quando durmo à tarde, nos fins de semana, ou durmo muito pouco, geralmente depois a crise vem.
O problema é que eu durmo no fim de semana porque durante a semana estou sempre agitada demais e não consigo dormir direito, nem em termos de quantidade nem de qualidade. O que fazer, ó céus…
Ai que maravilha se o tempo ficasse assim o ano inteiro! Depois de almoçar torta al testo com lingüiça na Arianna fomos dar uma volta em Santa Maria com os cachorros (só Leguinho e Demo, porque o Leo tá velho e não quer passear, além de nunca ter se acostumado à coleira. Fica todo paranóico, ô cachorro chato). Uma diliça. A dormidinha básica depois do almoço é muito mais justificada quando você sabe que caminhou quilômetros antes… ; )
Fomos jantar em um restaurante idiota em Rivortorto, idéia de jerico do Marco. Mas pelo menos domingo é dia de ver o Alessandro, o filhinho deles, que é um amor e muito engraçado. Pena que a probabilidade de continuar esperto durante o crescimento é muito pequena, no que depender dos pais. Michela NUNCA leva brinquedo nenhum pro garoto, que passa o tempo rasgando guardanapos. Moram numa casa sem livros, sem filmes, sem computador, sem esportes, sem música nenhuma além do Vasco Rossi, que é um dos muitos cantores italianos que gritam, sem fotos, sem bichos, sem viagem. E pensar que o garoto tem tanto potencial… Cacete.
Foi um sábado produtivo. Fui levar o lixo pra reciclar lá na Isola Ecologica, fui pegar minha saia preta lá nas napolitanas gordas de Santa Maria que consertam roupas, comprei speck fresco pra fazer um risoto com espinafre e scamorza pro almoço, passei no contador pra tirar umas dúvidas sobre o meu contrato. À tarde não fiz la-da porque estava cansadíssima; li e dormi. À noite fomos com Moreno e Marta comer sanduíche de peito de frango no Pans and Company e depois ver WTC. Só o Moreno mesmo pra me tirar de casa pra ver World Trade Center! Como era de se esperar, é um porre. POR-RE. E completamente desnecessário, lógico.
Detesto ver filme chato, fico de péssimo humor.
potocas
. Acabei de roubar um pepino gigante do vizinho lá da escola. Aquele que deixou todas aquelas ameixas lindas apodrecerem nos ramos. Da minha escrivaninha eu não vejo nada lá de fora, mas quando fui abrir a porta pro policial que veio pedir pra levarem embora o Renault Twingo da Elisa que estava estacionado em frente ao portão de outro vizinho, dei de cara com aquele pepinão pendurado (não riam). A planta do pepino é trepadeira (ho ho) e se deixar vai subindo toda vida (ha ha). Estava lá trepada no pessegueiro, toda florida. Não tô brincando, é um pepinão de uns 30 centímetros. Eu detesto, mas o Mirco ama – neguinho aqui adora pepino, as crianças ficam loucas – e o Leguinho idem, então não resisti e roubei. Há outros seus colegas ainda em fase inicial do crescimento, e já que estão crescendo todos pro lado da escola, vão todos acabar na minha geladeira. Com certeza é um destino melhor do que apodrecer no chão.
. Já estão pintando as paredes externas da casa nova, ou melhor, do prédio novo. Está ficando uma lindeza.
. Já comprei minha agenda Moleskine pro ano que vem. Junto com outro livro do Dawkins.
. Comecei The Gifts of the Jews, do Thomas Cahill, aquele que escreveu How the Irish Saved Civilization, um dos meus preferidos. Vamos ver se esse também é bom.
. Estou gripada, sem saco e com uma tradução enorme pra fazer. Que tal?
. Hoje o jantar vai ser frango de padaria. E o pepino do vizinho.
hmpf
Aproveitei que já tinha terminado uma tradução com data de entrega semana que vem, e li rapidinho, no trabalho mesmo, French Women Don’t Get Fat, de Mireille Guiliano. Una cazzaaaaaaaaaata. Sei lá, acho que eu estava esperando algo na linha dos livros de Peter Mayle, uma coisa mais culture clash, não sei. Mas o livro é cheio de francesismos, cheio da promoção do French lifestyle, mas não do modo divertentemente arrogante e resmungão dos franceses. Parece propaganda mesmo. Se você for contar quantas vezes aparece “we French women” no texto, vai dar vontade de vomitar. Mas a última gota foi mesmo “isotonic exercises are very French”. !!!!!!!!!!!!!!!
Vale só pelas receitas.
upla
Toda terça-feira vai ao ar o programa Le Iene, baseado no Reservoir Dogs de Tarantino. É apresentado sempre pelos mesmos dois cômicos espertos, rigorosamente de terno preto e gravata, e por uma songa-monga, que antes era a pernalonga da, hm, esqueci o nome, e agora é a Miss Itália de dois anos atrás, bela e com a pior dicção que eu já ouvi na minha vida. Os repórteres que fazem os “serviços” (as reportagens) são espertos, irônicos, e donos de uma cara-de-pau invejável. Na edição de ontem deveria ter ido ao ar uma reportagem sobre o consumo de drogas no Parlamento (comentado pela Ane), mas, ridículo dos ridículos, foi proibido de ser divulgado. A desculpa esfarrapada foi “para proteger a privacy dos políticos testados”, uma justificativa idiota já que os testes não foram identificados e foram jogados juntos num caixote, servindo puramente pra dados estatísticos. Censura pura. E sinceramente o fato disso não ter podido ir ao ar é mais grave do que terem achado droga no Parlamento.
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Sempre no mesmo programa, uma das minhas repórteres preferidas plantou-se na porta do Senado com um jornal de grande circulação nas mãos. Perguntava aos Honoráveis (aqui político de alto escalão ganha o título VITALÍCIO de Onorevole, cof cof) coisas simples, tipo quem é Mandela?, o que é e onde fica Guantanamo?, o que significa “Darfur: façamos alguma coisa, e façamos rapidamente”. As respostas foram as mais estapafúrdias, e a vergonha da repórter era evidente, enquanto tentava ajudar mas mesmo assim não saía nada. De Mandela disseram que era um político brasileiro. Guantánamo disseram ser no Afganistão, pronunciado Af-dsfasjdlasdfdjkfjweioruoif-tan. Darfur, aquela parte do Sudão onde neguinho está se matando há anos, virou um estilo de vida, esse estilo de vida apressado de hoje, uma tristeza, tudo é tão corrido.
Ao contrário do que pode parecer, político ignorante e idiota não foi inventado no Brasil. Só temos nomes mais esdrúxulos, mas a farinha é toda do mesmo saco…
sopinhas
Uma das melhores coisas do inverno, se não a única boa coisa do inverno, são as sopinhas. Sempre que tomo sopa penso na minha avó, que é chegadíssima, e aqui a variedade não falta. Outro dia fiz sopa de ervilha, juntando um pedaço de abóbora como vovó faz, pra não ficar raspando na garganta. Diliça. E tem as minhas preferidas, as misturas de cereais e leguminosas: tem trigo, tem cevada, tem ervilha, tem vários tipos de lentilha, tem vários tipos de feijão, tem com cogumelo, tem com verdura desidratada, tem de tudo. A-do-ro. Quando um início de gripe ameaça chegar, claramente por causa do cansaço (vocês sabem que eu só adoeço quando estou deprimida e/ou incrivelmente irritada), então, é um bálsamo.
Nuovomondo
Fomos ver Nuovomondo com Gianni e Chiara em Foligno ontem, depois que voltei de Spello. Um filme esquisito, leeeeeeeento que dói, mas interessante e muito, muito, muito atual – conta a história dos italianos, melhor, sicilianos, que migraram pros Estados Unidos. Aqueles que saíam do meio dos cabritos, descalços e imundos, e passavam dias apertados no porão do navio até chegar na costa leste americana. Mais ou menos como acontece hoje com a cabeçada que chega de barquinho na Sicília.
O melhor do filme é que é todo falado em siciliano, com legendas em italiano. Pra quem lê Montalbano, como eu e Gianni, alguns termos são conhecidos, e demos muita risada ouvindo coisas tipo minchia!, vieni da mia!, qui sono, etc. Mas o ritmo é muito lento e se tivéssemos pego a sessão logo depois, teríamos dormido os quatro.
Mas o melhor veio depois: finalmente reabriu o Sfizio, depois de meses de reformas necessárias, porque antes era um buraco tenebroso. Simplesmente a melhor piadina do-mun-do. Toda vez que como coisas boas nesses lugares bizarros penso no meu irmão, que iria adorar esses negócios esquisitos. Tuco e Brunão.
boas novas
Vanessinha, que trabalhava lá na agência mas saiu porque não é boba, me arranjou um trabalho de intérprete lá pros lados de Spello. Um grupo de americanos que queria visitar um frantoio, o lugar onde fazem azeite. A zona de Spello, Trevi, Foligno faz o melhor azeite do país, porque o terreno é rochoso e as condições de temperatura e umidade são ideais, então melhor que isso, só dois isso. Lá fui eu, depois do almoço, encarar a estrada vazia, pegar a mesma saída da superstrada que pego todo dia pra ir trabalhar, e virar na outra direção, pra ir subindo a colina coberta de oliveiras. Cada casona maravilhosa no caminho, e quando finalmente cheguei no tal lugar, caramba! Anta, não levei a máquina fotográfica. Um bosque delicioso, um casarão antigo lindo, e dois cachorros fofos, Ton Ton, velha e manca, e Teodoro, meio labrador e meio golden feito o leguinho, mas amarelo bem clarinho, e com a mesma cara de mongo. A proprietária é uma mulher simpática mas não muito, e o irmão é o clássico escrotão com voz rouca de fumador e unhas sujas. Estavam cortando fatias de pão pra botar na brasa pra tostar, e me explicaram a história: era um grupo de americanos, velhos, da Filadélfia, que deveriam ter parado pra comer alguma coisa na estrada ou no hotel, mas como o vôo atrasou saindo dos EUA, vieram diretamente do aeroporto de Roma até Spello. Estavam todos morrendo de fome, lógico, e o motorista ligou do meio do caminho avisando pro pessoal botar mais água no feijão (no caso, lentilha) porque senão a velharia cairia dura de fome. Então quando cheguei estavam todos meio ensandecidos cortando ensacados e queijo e pão e abrindo garrafas de vinho (Sagrantino).
Finalmente o ônibus chegou, e desce a velhacaria. Eu me dou bem com velhos, desde os tempos do hospital. Gosto de ouvi-los e troco altas idéias. Não foi diferente dessa vez: enquanto eles almoçavam bruschetta aglio e olio, capocollo e prosciutto crudo fatti in casa, queijo de leite de ovelha feito em casa, ensopadinho de javali, lentilhas e depois torta de maçã com geléia de amora, me faziam mil perguntas. Quem me conhece sabe que quando eu ligo o explicador, sai de baixo, ainda mais se o interlocutor dá sinais de interesse, então já viu: lá fui eu explicar como é feito o presunto e o que é o capocollo (eu sei porque já cansei de ver o tio do Mirco fazendo), de onde vêm essas lentilhas tão pequeninhas daqui (de Castelluccio di Norcia), que tem javali no bosque no cucuruto do monte Subasio, que são bichos danados e que se você encontrar com um enquanto estiver fazendo jogging no parque é melhor botar o rabo entre as pernas e sair correndo, que o Sagrantino só pode ser plantado na região em torno de Montefalco, porque é uma variedade de uva estreitamente ligada ao território geográfico (isso eu lembro porque explicava pros clientes do Fabrizio o Louco na loja, e porque toda hora falam disso na televisão), e por aí vai. Acabaram se tocando que tinha alguma coisa errada, que eu não podia ser italiana porque italiano não fala inglês, e ao mesmo tempo era muito estranho eu conhecer o processo de fabricação do capocollo com tantos detalhes, e quando falei que era brasileira, os velhinhos todos com as mãos nas bochechas, ooooooooooh! Que coisa! Você fala que nem eu! (e eu pensando, sai pra lá, porque não gosto do sotaque da Filadélfia). Pronto, começaram a chover mais perguntas, dessa vez pessoais, como você veio parar aqui?, eles são meio mafiosos mesmo?, é verdade que só pensam em comer?, é verdade que a religiosidade dos italianos é da boca pra fora?, você viu Under the Tuscan Sun?, seu namorado é parecido com o motorista? e coisa e tal.
Acabou que o que era uma hora de trabalho virou duas, porque depois do longo almoço ainda fomos ver os tanques de vinho (ainda não está na época da colheita das azeitonas, que começa no fim de outubro, e o frantoio estava fechado). Aprendi um monte de coisas sobre azeite que eu não sabia, os velhinhos faziam aaaaaaah, oooooooh, e no final ainda dei uma mão pro pessoal comprar azeite e vinho na lojinha. Não perdi a prática que ganhei com o Fabrizio, porque os velhinhos se entupiram de vinho e azeite. A dona do lugar acabou me dando de presente uma garrafinha do azeite, que é uma delícia, e uma garrafa de Sagrantino, que pra mim dá de mil a zero no Brunello di Montalcino. Quando subi no ônibus pra me despedir da galera e dar meu cartão pro guia, que me pediu, foi aquele auê: Ciau, Letitzia! Aren’t you coming with us to Sportoletti? No, darlings, I’m not, but have fun anyway and careful with all that wine!
Eu não sou tímida. Já fui, não sou mais. De qualquer forma nunca tive problemas pra falar em público, desde que eu saiba do que estou falando, lógico. Mesmo assim às vezes me espanto com a facilidade com que me transformo da chata de galochas reclamona e irritável que sou normalmente em um ser performático digno do significado do meu nome. Quando um dos velhos, que era um pouco menos velho, veio me dizer que eu era realmente uma letícia (muitos deles tinham estudado um pouco de italiano, e pelo menos sabiam perguntar onde era o banheiro), fiquei pensando, filhinho, vê-se que você não me conhece… A vida é uma coisa engraçada mesmo.
De qualquer maneira, 60 paus, uma garrafa de azeite e uma de ótimo vinho por 2 horas de trabalho divertido não é nada desagradável, sabe. E se vierem outras coisas assim e eu vir que consigo criar um certo nível constante de trabalho, adiós maluca sem pré-molares! Simona está se empenhando em encontrar um bom trabalho pra mim antes do fim de novembro, quando termina o período de prova do meu contrato, e durante o qual posso ser mandada embora ou ir-me embora eu, sem dar motivo nem aviso prévio. Imaginem o susto da criança se eu me despeço numa sexta dizendo olha só, segunda não volto, estou pedindo demissão… 12 turmas ficariam sem professor, e a agência sem tradutora The Flash. Que sonho…