socorro

Eu nunca vi um sistema educacional tão complicado e ineficiente quanto o italiano. Juro. Tudo bem que não conheço nenhum outro sistema educacional, mas cacete, nem no Sri Lanka pode ser tão esquisito assim, não é possível.

As crianças têm uma quantidade descomunal de dever de casa pra fazer. As provas são TODAS orais e todas na base da decoreba. Normalmente os assuntos estudados não têm nenhuma relevância prática. Nem teórica.

Não usam lápis, só caneta. E quando eu insisto pra que usem lápis, porque caderno rabiscado me dá nervoso, além de ser uma coisa idiota por princípio, pergunta se eles usam borracha? Eu nunca rabisquei nada em caderno nenhum, nem eu nem minhas colegas de turma. Escreveu e errou? Apaga. Imagina ficar com o caderno cheio de remendos de tinta azul! Aqui é supernormal.

Usam esse maldito caderno quadriculado. É um quadriculado microscópico que eu não consigo entender pra que serve. Como os quadradinhos são cinza, o caderno parece sujo.

TODOS seguram a caneta errado. TO-DOS.

TODOS escrevem como retardados, começando o zero de baixo pra cima, o oito pelo lado errado, o cinco de baixo pra cima, fazendo o um parecendo dois, o a feito com uma bolinha e depois uma perninha jogada assim de qualquer jeito. Tenho um aluno que usa o mesmo símbolo (algo como |) pra tudo: é j, p, q, f, l e t, tudo ao mesmo tempo. Pontuação não existe. Tem quem tenha dificuldade em desenhar o ponto de interrogação. Todo mundo com letra redonda, tão redonda que tudo se confunde e cansa os olhos ao ler. Não pulam linha, não fazem parágrafo, escrevem só de um lado da folha, não existe data nem cabeçalho. E essa mania maldita, maldita, maldita (e errada, segundo meu livro de lingüística) de assinar ou escrever sempre primeiro o sobrenome e depois o nome. Minha mãe é que tem razão: como é que esse país faz parte do G8 é um mistério.

a família buscapé na holanda

O dia estava delicioso. Chegamos cedo na Arianna pra almoçar, pra dar tempo de lavar os cachorros. Acabamos também lavando o galinheiro, colhendo manjericão pra fazer pesto, quebrando as primeiras nozes do ano e arrancando um galhão gigante da nogueira, que ficou meio partido depois do último vendaval e estava ameaçando a vida de pombos, coelhos, patos, perus, galos, galinhas e gansos. Colhemos pepino na horta, os tomates ainda não estavam bons, descobrimos uma árvore que dá uma fruta que não é nem pera nem maçã, e é incomível de tão dura e fibrosa, descobrimos uma nogueira jovem que nasceu sozinha sem ninguém convidar mas vai ter que ser transferida porque está fazendo sombra por cima das abobrinhas, Legolas sentou no meio da horta pra comer nozes, pegamos ovos quentinhos pra trazer pra casa, reguei as hortênsias de fora que estavam murchas murchas, e, hear, hear, ouvimos as aventuras de Arianna e companhia na Holanda.

Arianna e Ettore nunca fazem nada de interessante e por isso nunca têm nada pra dizer além de quem casou, quem separou, quem trocou de carro, quem pariu, quem morreu. Agora eles têm a famosa viagem à Holanda pra contar. Foram pra lá pela terceira vez esse ano, mas agora com os tios do Mirco, que nunca tinham andado de avião. Guerriero não é um palerma; foi motorista de caminhão por muito tempo e conhece a Europa inteira. Sabe fazer TUDO – consertar qualquer coisa, construir tudo, cozinhar o que você inventar – mas não é exatamente descolado, entende. Então estão os quatro na estação de trem sei lá de onde pra pegar um trem não sei pra onde, e mandam o Guerriero ir pedir informações – imaginem um homenzarrão com os dedos mais grossos que você já viu na sua vida, cara de bonachão, hérnia umbilical cutucando a camiseta, sem falar nem italiano mas somente a horrível variante dialetal de Santa Maria degli Angeli (Angioli, como dizem eles). Imaginem esse homem, que nunca andou nem de metrô, pedindo informações a um holandês. Volta ele dizendo que o trem que eles tinham que pegar era aquele mesmo que eles achavam que fosse. Embarcam e começam a conversar. Passa o tempo e Guerriero começa a rir sozinho. Perguntam o que foi, e ele, que obviamente não teve coragem de ir lá perguntar nada pro holandês, solta a seguinte pérola, rolando de rir da própria piada iminente:

– Encontrei um sujeito de Castelnuovo [um buraco aqui no interior do Belize, deve ter tipo dez habitantes] e ele disse que o trem era esse…

Meno male que o trem não tava errado. Do jeito que são enrolados, era capaz de irem parar na Arábia Saudita. De trem.

hmpf

Fomos ver Piratas do Caribe, finalmente. Quer saber? Achei uma bos-ta. A história que fim levou? Não tem. O sentido do roteiro, cadê? Sumiu. Diálogos espertos, onde estão? O gato comeu. Personagens bem feitinhos, rolam? Nem vem. Achei uma boooosta. É um murundu de efeitos especiais (muito maneiros, por sinal) e pronto. Na próxima vez fico em casa lendo um livro.

A chinesa do restaurante chinês de Bastia já teve cabelos louros. Hoje usa os cabelos presos numa trança escura, rabisca seu pedido em chinês naqueles bloquinhos vagabundos quadriculados que se usam por aqui, jamais faz uma nota fiscal e tem um italiano abominável. Hoje eu não estava com saco de cozinhar; Mirco sugeriu pizza mas eu não tava inspirada, então resolvemos pelo chinês. Liguei pro restaurante pra pedir que depois o Mirco passava pra pegar, e ela responde:

– Polonto.
– Pronto! Vorrei ordinare, da portare via.
– Dimi [que deveria ser Dimmi, com dois emes – aliás, deveria ser a forma de cortesia Mi Dica, já que ela não sabe com quem está falando e na dúvida é melhor ser respeitoso; vai que eu tenho 70 anos ou sou a mulher do prefeito?]
– Ravioli al vapore per due…
– Lavioli al vapole pe due…
– Riso cantonese per due…
– Liso cantonese…
– Pollo con le mandorle (frango com amêndoas, adoramos).
– Poi?
– Basta così.
– Bila cinese? [Birra cinese? = Cerveja chinesa?]
– No, grazie. Passa Balducci a prendere.
– Va bene, Alducci.
– Sì, sì.

***

Não sei quem foi que contou que essa maldita Bila Cinese que a gente sempre via em todos os chineses da zona é feita em uma fáblica gigantesca em Milão, que fornece Bila Cinese pra TODOS os restaulantes chineses do país. Tenho medo de saber o que tem dentlo…

:)))))))))))))

De hecho, escribir novelas es lo más parecido que he encontrado a enamorarme (o más bien lo único parecido), con la apreciable ventaja de que en la escritura no necesitas la colaboración di otra persona.

***

Qué hago yo aquí, me dije, en este apartamento extraño, en esta Torre absurda. Por qué me he venido con este tipo, con quien no consigo intercambiar dos frases. Peor aún, por qué demonios se habrá venido él conmigo, si en realidad no podemos entendernos, si en realidad no he podido seducirle con lo mejor de mí, que es lo que digo. No, si lo que sucede es que él se hubiera acostado con cualquiera, le hubiera dado igual una chica o otra, así son los hombres; claro, todo estaba ya previsto, desde que quedamos ya se suponía que íbamos a terminar en la cama, qué cosa más convencional y más estúpida, y él qué se habrá creído, él se debe de pensar que es irresistible porque es famoso y guapo y estrella de Hollywood, habrase visto cretino semejante. Y así, mientras el pobre M. dormitaba como un bendito junto a mí, me fui enconando con unas elucubraciones cada vez más furibundas, hasta que terminé asfixiada de ira justiciera.

Alcanzado este punto de enrabietamiento, decidí que no podía pasar ni un segundo más con semejante monstruo. Me levanté muy despacio, me vestí con un cuidado primoroso para no despertarle, recogí mis cosas y salí de puntillas de la casa con los zapatos en la mano. Recuerdo que tardé un tiempo infinito en cerrar la puerta del apartamento, para que el resbalón no restallara. Después, sintiéndome libre al fin como si me hubiera escapado de un campo de prisioneros, bajé y bajé por el vericueto de ascensores, con la cabeza greñuda, la ropa desarreglada, la boca laminada por los pitillos, los ojos despintados y corridos. Y cuando al fin alcancé la planta baja y salí a la calle, descubrí dos cosas desconcertantes: una, que era completa y cegadoramente de día (en ésas miré el reloj y comprobé que eran las diez y media de la mañana), y dos, que habían desaparecido los demás vehículos y mi coche estaba huérfano y abandonado encima de la acera, en realidad en mitad del parque, porque lo que había enfrente de la Torre era un parque lleno de señoras con carritos de niños paseando en la plácida mañana del domingo, y mi coche ahí trepado, espectacular en su color rojo y su soledad.

La Loca de la Casa, de Rosa Monteiro

Es-pe-ta-cu-lar. Se algum dia eu sentir falta de rezar pra alguém, vou fazer um altar pro meu DNA lingüístico que me permite entender coisas desse tipo assim, na língua original. Obrigada, DNA. Você é lindo e eu te amo (mas aquela parte da compulsão alimentar era mesmo necessária…?).

que canseira…

A novidade da chefa maluca, a mitômana: há uns dois meses ela mandou embora Vanessinha, garota nota dez, sem motivo real. Na verdade foi Vanessinha que não agüentou a maluquice, achou vários motivos pra cancelar o contrato e se mandou. Achou emprego na segunda-feira seguinte, fazendo o que quer e o que estudou na faculdade, e está feliz da vida. Mas enfim. A chefa maluca resolveu contratar um tradutor fixo de francês, já que o M. é só estagiário. Ligaram pra tradutora, e ela estranhou a voz. Resolveu o que tinha que resolver com as novas meninas do Planejamento e pediu pra ser passada pra chefa. Perguntou, mas que fim levaram Vanessa e Laura? (Laura é aquela que fuma pra caramba e que gosta de música brasileira, muito gente boa). O que a chefa responde? Poderia ter sido QUALQUER COISA diplomática – redução de despesas, ela achou trabalho na área dela (turismo), voltou pra cidade dos pais. Mas não. Olha a margem: É QUE NÓS ABRIMOS UMA NOVA SEDE EM ROMA E MANDAMOS VANESSA E LAURA PRA LÁ.

?????????????

A situação está ficando crítica, porque obviamente trabalhar com gente completamente doida e, pior, capaz de tudo, inclusive de forjar provas pra demitir pessoas (ela demitiu o próprio irmão, muito provavelmente com provas plantadas), é muito, muito perigoso. Não sei o que fazer. Amanhã vou ao sindicato ver o que me aconselham. O detalhe é que S. já esteve lá pra se informar, e quando ouviram o nome da chefa deram uma risada. Iiiiiiiiiiiiiiiih você deve ser a milésima… Deixa eu ver o contrato… Ahahahahaha é aquele filho da puta do M., tenho certeza! Aaaaaah sabia! Então já viram.

Agora estou também proibida de fazer hora extra, pra “cortar as despesas” (era mais fácil ela vender o SUV da BMW que deve rodar dez metros por dia, visto que ela mora a dois minutos da escola). Só que acaba me penalizando, porque eu produzo mais do que todos os outros tradutores, logo me sobra mais tempo, logo durante esse tempo tenho que ficar em casa pra não custar muito. Entenderam a lógica? Os outros, que são lentos, não têm esse problema e podem fazer as horas extra que quiserem. Legal, né.

Tá na hora de comprar um outro Jimmy…

na bota

a coisa ferve. Porque o papa falou algo que irritou os muçulmanos – não tenho idéia do que foi, nada do que aquele cretino diz me interessa – e agora a direita está desperadinha, com medinho que ataquem o papinha. E acusa a esquerda de não proteger o papa. A esquerda responde o que tem que responder, diplomaticamente, que é mais ou menos “mas quem falou em deixar o papa sozinho? Jamais!”, quando na verdade estão pensando “se jogam uma bomba no Coliseu vai ser culpa desse idiota e ainda tenho que ficar babando o ovo… Político sofre!”. O Prodi, que está na assembléia geral da ONU em NY, não vai estar presente na próxima votação de sei lá o quê no Senado, e a direita ataca. A esquerda responde: mas queriam o quê, que ele largasse a ONU em um momento tão crítico? A minha pergunta é: quem seria tão idiota de largar uma assembléia na ONU em NY pra votar besteiradas em casa? Eu, hein.

Rosa Montero

Comecei a ler La Loca de la Casa, da Rosa Montero, em espanhol. Mas não consigo me concentrar porque ando cansada, preocupada e irritada, tudo lavorativamente falando. E quando estou assim não tenho saco nem pra ler. Sinal que a coisa é grave, bicho.

Fico vendo South Park pra dar uma animada. E comendo piadina com prosciutto crudo e scamorza, que é tipo assim a coisa máaas gostosa do mundo.

Giovanni

Finalmente fui comer no bendito Giovanni, ontem à noite. O restaurante foi o Moreno quem descobriu, e fica, perdoem-me a expressão mas é a única que cabe, LÁ NA CASA DO CARALHO. Mirco já foi várias vezes com o Moreno, que virou cliente cativo, mas por um motivo ou por outro eu nunca consegui ir com eles. Dessa vez fomos, no meio de um toró desgraçado, depois de uma tarde na IKEA de Florença. A estrada faz doze milhões de curvas e passa por cidadezinhas com três, quatro casas. É mais ou menos lá pros lados daquele buraco de Sellano, onde eu e Mirco nos perdemos há uns dois anos quando fomos fazer um orçamento a domicílio. Pois o restaurante do Giovanni, que é sardo, fica num buraco chamado Verchiano.

O Giovanni é um quarentão grisalho muito distinto e educado, de voz mansa e ares profissionais. Já trabalhou em hotéis cinco estrelas e diz-se que entende do riscado quando o assunto é comida. O menu é que nem o do Sparafucile, em Foligno: você come o que tiver, porque o menu é fixo, diferente a cada dia. Ele começa sempre com uma tábua de queijos e frios, rigorosamente um pedacinho/fatia pra cada comensal. E ele explica pacientemente o que é cada tipo de queijo, qual deve ser comido com mel e qual com geléia (aqui, ó, só como doce com salgado se apontarem um revólver na minha cabeça e disserem ou come ou morre), qual salame é de cervo, qual é de ganso, qual é de javali. Os queijos eram, se minha memória não falha: um pecorino (de ovelha), uma caciotta (de vaca), um caprino (de cabra), um com nozes (DELICIOSO), um com azeitonas, que doei pro Mirco, um com pimenta-do-reino e um picante delicioso, com peperoncino. Os salames eram esses que falei acima, mais uma mortadela que foi igualmente doada ao Mirco, um salame toscano estranho mas delicioso, e uma fatia de capocollo, um embutido típico umbro (em outras regiões se chama lonza ou coppa, mas não é tão bom, foi mal aí) que é muito gostoso. Depois duas porções pequenas de primo: ravioli com recheio de queijo e trufas e molho branco (gostoso, mas tinha um toque de pera no recheio que não tinha nada a ver) e depois tagliatelle com molho de lebre (gostoso, mas não GOSTOOOOOOOSO). Eu dispensei as carnes, que eram carne de porco com molho de uva (quero matar quem inventou essa mania de botar fruta na comida) e carneiro com molho de trufas. Mirco disse que não estava nada de particular. O doce era basicamente chantilly com molho de frutas vermelhas, que obviamente dispensei também, dada a ausência de cacau. Tudo acompanhado de um ótimo Cabernet Sauvignon do Vêneto. O Moreno todo todo, se achando oooooo gourmet, e eu pensando, cacetes estrelados, vale mesmo a pena pegar uma hora de estrada pra comer queijinhos? Porque o resto a Arianna faz melhor, na boa. Eu, hein.