ô gente bizarra…

Tudo bem que os umbros têm fama de estranhos e fechadões, mas assim já é demais.

Simona entra no escritório dos tradutores dizendo que um dos alunos-zumbis, um daqueles que nem sorriem quando dou buongiorno e sempre respondem “nada…” quando pergunto o que fizeram de bom no fim de semana, resolveu aumentar as horas do curso. Das 30 horas iniciais, que em teoria seriam só pra melhorar as notas na escola, resolveu passar pra 50. Tá de sacanagem, falei. Ela: não não, a mãe telefonou dizendo que ele já começou as aulas de reforço na escola e acerta todas as respostas, os colegas perguntam o que ele está fazendo ali se sabe tudo, os professores acham ótimo, ele está cheio de autoconfiança e quer continuar com você porque disse que se deu superbem, que vocês conversam e coisa e tal. A mãe depois veio pessoalmente à escola pra falar comigo e confirmou a história.

Fiquei de boca aberta. O garoto nunca disse uma palavra além das respostas aos exercícios. Nunca riu, nunca fez uma pergunta, e das minhas piadas só ri educadamente. O progresso que eu notei foi pequeno e eu sempre achei que ele odiava as aulas e morria de tédio. Agora me vem com essa. Dá pra entender?

divagações

Tava lendo sobre a depressão pós-férias da Ane, que é, claro, completamente compreensível. A Julie também tem razão: dependendo das férias, é preciso tirar férias pra descansar das férias. Vocês entenderam.

O que eu queria dizer era sobre o comentário da Rosemary sobre esse post da Ane. Por que as pessoas acham que é só brasileiro que sofre longe de casa? Como se isso, aliás, fosse uma vantagem, uma qualidade? Será que neguinho acha que polonês que não mora na Polônia não sente falta de casa? Que japonês que foi morar no sul do Brasil não sente dor no peito quando vê o monte Fuji na TV? Que o congolês não chora à noite pensando na savana? Eu, hein! Tenho certeza que mesmo quem saiu de um lugar fodidíssimo e agora mora em um lugar “melhor” preferiria ter condições de ficar onde nasceu. Ninguém passa incólumo por uma experiência dessas, nem mesmo quem está melhor agora do que antes, no país natal. Que mania essa de achar que só brasileiro se emociona, só brasileiro é “ligado às raízes” (característica que eu acho uma bosta, por sinal), só brasileiro “é brasileiro sempre”! Não só não é verdade, como acho muito triste que não seja. Eu sinto falta do Rio, lógico, porque o Rio é foda e porque meus amigos são foda, mas, quer saber? Nunca fui brasileira típica, nunca fui “carioca da gema”, e acho isso ó-te-mo. Quando as pessoas perguntam se eu já virei italiana, eu digo: eu não virei nada, não deixei de ser nada porque nunca fui nada, eu não sou nem uma coisa nem outra. Eu sou eu.

Eu, hein!

Hoje é aniversário da Hunka. Todo mundo batendo palminha pra Hunka, êeeeeeee!

**

O telejornal mostrou cenas do jogo Brasil x Argentina falando da “nazionale carioca”. Ho ho ho. E que gol foi aquele do Kaká, hein?

**

Minhas plantas estão tão lindas que quando fico no computador por muito tempo trago uma delas pra escrivaninha, pra me fazer companhia.

cozinha

Eu gosto muito de cozinhar, e uma das coisas mais chatas de trabalhar tanto é a falta de tempo pra cozinhar com calma. Acabamos comendo um monte de porcarias enlatadas e de pacote, mas fazer o quê? Depois de 12 horas na rua a última coisa que eu quero fazer é passar horas cozinhando. Fora que nem dá satisfação cozinhar aqui, com essa falta de espaço e de organização lógica. Não tem lugar pra botar nada, fica tudo espalhado pelos armários, não tem um plano de trabalho pra apoiar os ingredientes todos juntos, fico indo e vindo feito uma barata tonta, sujando tudo. Depois de um certo tempo começa a me irritar. Essa semana a mulher da cozinha que vimos ontem vai me ligar com o orçamento. Dependendo do preço, pode ser que role, até porque eles vêm tirar as medidas todas e instalam pra você. Se não rolar, vai ser IKEA mesmo – o problema é que tem que ir láaaaaaaa em Florença, porque aqui perto não tem IKEA, alguém entendido vai ter que tirar as medidas direito pra gente, e montar. Vamos ver.

domingo frutífero

Depois de uma manhã na oficina, botando umas coisas em ordem, fomos almoçar na Arianna. Chiara pediu umas avelãs de presente, e começamos a catar as muitas que tinham no chão. Arianna já tinha colhido um saco inteiro, e no total deve ter dado uns quatro quilos de avelãs. Leguinho, que não é bobo, come não só a avelã propriamente dita mas inclusive a casca. E já que estávamos por ali, começamos a colher figos também – vou levar alguns pra Simona, já que eu não como e o Mirco não acha nada de especial. Aí passamos pra horta, e pegamos uns tomates, a última abobrinha, e muitas maçãs e peras. Ainda trouxemos um pedaço de planta de peperoncino, aquela pimenta vermelha italiana, pra botar pendurado na varanda pra secar. Depois bato no liquidificador e vira pó, que o Mirco sempre bota no molho de tomate. Também trouxemos ovos frescos, ainda quentinhos, e umas bananas que a Rita deu de presente pra Arianna mas, sendo fruta “exótica”, eles não são chegados. Como estavam mais pra maduras, e eu gosto de banana mais pra verde, me meti a fazer uma cuca de banana. Dessa vez mudei a receita da minha tia e botei banana amassada na massa também. Eu não como doce que não seja de chocolate, mas depois o Mirco vai servir de cobaia.

Depois de ver mais algumas cozinhas num show room em Perugia, fomos ao cinema ver Superman Returns. Os meninos não gostaram, mas eu gostei. Tudo bem que o Super tem toda a expressividade de um galho de figueira, apesar de ser um pi-téu, e tudo bem que a garota que faz a Lois Lane não é nada de particular, e tudo bem aquele corte de cabelo hediondo do filho da Lois, mas eu gostei. A abertura é maneira, e, admitamos, darlings, a musiquinha é de arrepiar os cabelos. Os efeitos são ótimos, e a história não é assiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim tão inverossível quanto parece – eu tinha acabado de ler o lance dos cristais no livro do Dawkins. Cristais “crescem” por acumulação uniforme de moléculas, inclusive copiando eventuais erros de posicionamento, que o Lex chamou de “copia a forma dos minerais ao redor”. Daí uma das teorias que diz que é possível que a vida na Terra tenha surgido a partir de um mineral. A cópia de eventuais erros seria o equivalente da mutação no DNA.

Mas viajei completamente na maionese. Gostei do filme, e fiquei com vontade de levar o Superpitéu pra casa.

:-)

Pra compensar a segunda aula com o Escrotão, a mãe de um aluno veio hoje falar comigo.

Não lembro mais se comentei aqui, mas devo ter comentado: um menino chamado Giulio que veio sozinho, de livre e espontânea vontade, ter aula de inglês porque acha que na escola não tem oportunidade de falar. Esperto, interessado, observador, com ele não falta assunto. Pois hoje a mãe veio me dizer que o menino vai voltar a ter aulas, só precisa ajeitar o horário com o da escola, e que, como foi à Áustria com os pais nas férias, comentou com a mãe que “está cheio de novidades pra contar pra Letizia”.

No início do mês veio um novo aluno de francês, recomendado pela Chiara, aquela outra menina esperta que melhorou as notas na escola. A mãe do garoto disse à Simona no telefone que a mãe da Chiara recomendou muito a escola, por causa do “milagre” que eu fiz com a Chiara (vocês conhecem a história, a garota é muito esperta e só precisava de uma mãozinha).

Meu aluno ruivo, aquele que melhorou muito a pronúncia e que a mãe comentou que vai todo feliz pras aulas, está cada vez melhor. Esteve na Irlanda em agosto e adorou a viagem. E me contou todos os detalhes em inglês, corrigindo a pronúncia direitinho. A mãe ficou toda boba quando eu disse que ele já conversa em inglês com uma certa facilidade, e me agradeceu longamente. E ele ficou todo vermelho, por baixo das sardas ; )

E a companhia de cruzeiros marítimos pra quem traduzi um monte de coisas mandou um e-mail parabenizando o tradutor (eu! eu!) pela qualidade do trabalho.

Se elogio pagasse, eu estaria com um apartamento na Piazza Navona…

inclua-me fora dessa

E hoje tive aula com o aluno mais escroto do mundo.

O cara tem uma malharia, faz suéteres. É conhecido na cidade por não pagar impostos, não fazer jamais uma fatura, usar material de décima qualidade e fazer produtos de qualidade duvidosa, vendidos por camelôs a imigrantes sem gosto e sem dinheiro. O galpão dele é ao lado do antigo galpão do concessionário do pai da Chiara, e ela contou que há alguns anos a Guardia di Finanza baixou no galpão do cara, de metralhadora em punho (adorei esse detalhe cinematográfico), pra vasculhar tudo. O cara sumiu por meses, sabe-se lá onde (provavelmente no Brasil, onde ele tem casa), e a multa chegou a dez milhões de euros.

Enfim. Eu não sabia de todo esse background quando conheci a figura. Entra esse hominho barrigudo, com cabelos tingidos de acaju, óculos Valentino horrorosos, sapato de pele de cobra. Fala boa tarde e passa por nós como um raio, indo direto lá pra cima, conversar com a chefa, deixando no ar um rastro de perfume em excesso.

Não é burro, lógico, senão não tinha feito a grana que fez. Disse que, se falasse inglês, seria a terceira potência mundial, depois dos EUA e da Rússia. Palavras textuais suas, e tive que me controlar pra não rir, lógico. Tem duas Ferraris, que ele dirige “em pista” nos fins de semana. “Andare in pista” e “fare shopping” são as únicas suas atividades recreativas – palavras dele. Então: não é burro, mas nem preciso dizer que não estudou nada, e por isso não entende nada. Eu falo devagar – JURO! – e ele nada. Boto a fita e ele reclama que falam rápido demais (não é verdade, cacete, é um livro didático!). Mas o pior de tudo é a mãozinha. Porque quando eu estou explicando uma coisa, normalmente pela décima vez, ele acha que entendeu (mas não), e começa a falar junto comigo, explicando a sua teoria. Além do horror de interromper os outros, que eu acho uma das coisas mais terrivelmente grosseiras do mundo, ele ainda levanta a mãozinha, como quem diz, deixa o papai aqui falar, filha. Caracaaaaaaaaaaaaaaaa! Cada vez que ele levanta aquela mãozinha eu me imagino em um desenho animado, pegando aquele braço peludo bronzeado nojento, dando um golpe de caratê e jogando o bicho no chão.

Como desgraça pouca é bobagem, ele quer ter aula todos os dias. Matem-me, por favor.

novos bichos

Almocei na casa da Simona hoje, e conheci Gilda, a cachorrinha que a companheira da veterinária do gato da Simona achou na rua, abandonada. É uma figura, totalmente pointer mas sem rabo, abana a bunda loucamente, te olha desconfiada com a língua de fora, é alegre. Mas não se dá bem com Pidocchio (piolho), a gata preta, que é surda e por isso não pode sair de casa.

Vou pedir pra Simona me mandar uma foto da Gilda pra botar aqui e vocês vão ver que simpatia : )

de onde viemos? pra onde vamos?

A mutant gene in a beaver is just a change in one letter of the billion-letter text; a change in a particular gene G. As the young beaver grows, the change is copied, together with all the other letters in the text, into the beaver’s cells. In most of the cells the gene G is not read; other genes, relevant to the workings of the other cell types, are. G is read, however, in some cells in the developing brain. It is read and transcribed into RNA copies. The RNA working copies drift around the interior of the cells, and eventually some of them bump into protein-making machines called ribosomes. The protein-making machines read the RNA working plans, and turn out new protein molecules to their specification. These protein molecules curl up into a particular shape determined by their own amino-acid sequence, which in turn is governed by the DNA code sequence of the gene G. When G mutates, the change makes a crucial difference to the amino-acid sequence normally specified by the gene G, and hence to the coiled-up shape of the protein molecule.

These slightly altered protein molecules are mass-produced by the protein-making machines inside the developing brain cells. They in turn act as enzymes, machines that manufacture other compounds in the cells, the gene products. The products of the gene G find their way into the membrane surrounding the cell, and are involved in the processes whereby the cell makes connections with other cells. Because of the slight alteration in the original DNA plans, the production-rate of certain of these membrane compounds is changed. This in turn changes the way in which certain developing brain cells connect up with one another. A subtle alteration in the wiring diagram of a particular part of the beaver’s brain has occurred, the indirect, indeed far-removed, consequence of a change in the DNA text.

Now it happens that this particular part of the beaver’s brain, because of its position in the total wiring diagram, is involved in the beaver’s dam-building behaviour. Of course, large parts of the brain are involved whenever the beaver builds a dam but, when the G mutation affects this particular part of the brain’s wiring diagram, the change has a specific effect on the behaviour. It causes the beaver to hold its head higher in the water while swimming with a log in its jaws. Higher, that is, than a beaver without the mutation. This makes it a little less likely that mud, attached to the log, will wash off during the journey. This increases the stickiness of the log, which in turn means that, when the beaver thrusts it into the dam, the log is more likely to stay there. This will tend to apply to all the logs placed by any beaver bearing this particular mutation. The increased stickiness of the logs is a consequence, again a very indirect consequence, of an alteration in the DNA text.

The increases stickiness of the logs makes the dam a sounder structure, less likely to break up. This in turn increases the size of the lake created by the dam, which makes the lodge in the centre of the lake more secure against predators. This tends to increase the number of offspring successfully reared by the beaver. If we look at the whole population of beavers, those that possess the mutated gene will, on average, tend therefore to rear more offspring than those not possessing the mutated gene. Those offspring will tend to inherit archive copies of the self-same altered gene from their parents. Therefore, in the population, this form of gene will become more numerous as the generations go by. Eventually it will  become the norm, and will no longer deserve the title “mutant”. Beaver dams in general will have improved another notch.

The fact that this particular story is hypothetical, and that the details may be wrong, is irrelevant. The beaver dam evolved by natural selection, and therefore what happened cannot be very different, except in practical details, from the story I have told. (…) You will notice that in this hypothetical story there were no fewer than 11 links in the causal chain linking altered gene to improved survival. In real life there might be even more. Every one of those links, whether it is an effect on the chemistry inside a cell, a later effect on how brain cells wire themselves together, an even later effect on behaviour, or a final effect on lake size, is correctly regarded as caused by a change in the DNA. It wouldn’t matter if there were 111 links. Any effect that a change in a gene has on its own replication probability is fair game for natural selection. It is all perfectly simple, and delightfully automatic and unpremeditated. Something like this is well-nigh inevitable, once the fundamental ingredients of cumulative selection – replication, error and power – have come into existence in the first place.(…)

The Blind Watchmaker (Richard Dawkins) – Chapter V – The power and the archives (o negrito é meu)

**

Eu acho tudo isso de uma beleza indescritível. Como é possível alguém precisar de deus sabendo de todas essas coisas? A vida é infinitamente mais bonita vista pela biologia do que pela religião. Qualquer uma. É chocante de tanto que é bonita. Chocante.