Rapaz, tem tanta coisa acontecendo aqui na Bota que nem sei por onde começar. Acho mais fácil iniciar pelos acontecimentos trágicos e depois passar pra minha parte preferida, um pouco de saudável bible-bashing.
Há alguns dias, explodiu uma bomba em uma caçamba de lixo em frente a uma escola técnica de moda e turismo, praticamente frequentada só por meninas. Morreu uma das alunas e uma outra está muito grave no hospital. Foi em Brindisi, uma cidade do sul. Ninguém entendeu nada, mas todas as suspeitas caíram imediatamente sobre a máfia, por causa de uma série de fatos importantes: o sul é notoriamente território mafioso; a escola tem o nome de um famoso juiz da Divisão Antimáfia italiana, morto em um atentado tenebroso com uma quantidade absurda de explosivos, juntamente com a mulher e vários dos seus guardacostas; a explosão aconteceu no aniversário de 20 anos da morte do outro juiz que trabalhava com esse explodido – esse segundo juiz também foi assassinado, em frente à sua casa; naquele mesmo dia passaria pela cidade a caravana de uma organização chamada Libera (proparoxítona), que administra terrenos confiscados à máfia pra transformá-los em áreas produtivas em termos de agricultura; a menina que morreu (ou não; não tenho certeza) era filha de um “collaboratore di giustizia”, mais conhecido como “arrependido”, um mafioso que resolve abrir a boca e colaborar com a justiça. Um homem foi preso depois de analisarem imagens de câmeras de segurança próximas, mas depois foi liberado por falta de evidências. Outro homem parece ter sido identificado em outro vídeo, mas não sei mais em que ponto estão as coisas; como no Brasil, aqui também as notícias têm validade curta, especialmente se houver peixes grandes envolvidos ou for um assunto incômodo. O fato é que oficialmente não se sabe exatamente o que aconteceu, nem como (sabe-se somente que a caçamba de lixo onde foi colocada a bomba não deveria estar ali e foi posicionada pela pessoa responsável pelo atentado), muito menos por quem.
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Depois dessa história horrível veio o terremoto, no dia 20. Pegou a zona da cidade de Ferrara, numa parte do país normalmente não considerada sísmica (a região onde eu moro, por exemplo, é mega sísmica). O terremoto foi MUITO intenso e aconteceu de madrugada, logicamente pegando todo mundo de surpresa. Cidadezinhas inteiras destruídas, mortos e feridos e gente que perdeu tudo, o de sempre. E como se não bastasse, ontem rolou outro – aliás, muitos outros, também muito intensos, não muito longe da área do primeiro terremoto. Pelo menos foi tudo durante o dia, um às nove da manhã e outro na hora do almoço, e por sorte também o pior do frio já passou, embora o calor ainda não tenha chegado. O terremoto terrível que atingiu a cidade de L’Aquila, em abril do ano passado, não só aconteceu de madrugada como pegou uma das regiões mais frias do país, o que dificultou muito mais a vida dos habitantes.
Nesse terremoto de ontem morreu gente também. E como sempre acontece nesses casos, aparece logo um podrezinho básico: os mortos incluíram operários estrangeiros clandestinos forçados a trabalhar mesmo em construções ainda não avaliadas pela Defesa Civil com relação aos danos causados pelo terremoto do dia 20, e dois padres idiotas que insistiram em entrar nas suas igrejas pra avaliar o estrago (esses imbecis não aprendem; no terremotão de 1997 em Assis aconteceu exatamente a mesma coisa. Putz grila, o país sofre com terremoto desde que o mundo é mundo, esses miseráveis ainda não entenderam que os tremores de assentamento continuam, às vezes com muita força, por meses a fio depois do terremoto-mor, e que as construções antigas, obviamente feitas sem nenhum sistema antissísmico, são frágeis? Vai ter prioridades erradas assim lá na casa do chapéu); e obviamente estão rolando altas discussões sobre por que até mesmo construções novas caíram, quando teriam resistido se tivessem sido feitas de acordo com as normas antissísmicas de construção. Acontece que o último terremoto naquela parte do país aconteceu há sei lá quantas dezenas de anos, de modo que o mapeamento das áreas sísmicas do país considerava essa zona da região da Emilia-Romagna como zona de baixo risco sísmico. Então os prédios eram feitos sem seguir essas normas. De quem é a culpa? A culpa é de alguém, afinal, ou é só uma fatalidade?
Pelo menos todas as opiniões que li até agora são muito positivas com relação ao trabalho dos socorros e da Defesa Civil. Pouquíssimo tempo depois do terremotão já havia barracas montadas pras pessoas que perderam as casas e já estavam sendo distribuídas refeições, roupas e remédios. O Twitter, que ainda não é muito usado pelos italianos, está sendo uma bela surpresa: muita da mobilização pra ajudar os envolvidos está rolando online, pois as linhas de telefone estão logicamente todas sobrecarregadas. Muita gente está liberando as próprias conexões wi-fi pra permitir que outras pessoas possam entrar em contato com o resto do mundo. Também online muitas pessoas e hotéis estão oferecendo um lugar pra dormir pra quem perdeu tudo. Está sendo uma experiência interessante pro país, que normalmente mostra muita solidariedade quando essas coisas horríveis acontecem (mas só quando essas coisas horríveis acontecem), e cuja população pela primeira vez está usando as redes sociais pra se ajudar mutuamente.
Enquanto isso, o asno do Presidente da República decidiu não anular a parada militar do dia 2 de junho. A visita daquele outro desgraçado do Papa a Milão também não foi cancelada. Facebook e Twitter estão fervendo com mobilizações pra tentar cancelar esses dois eventos completamente inúteis e usar o dinheiro pra ajudar as vítimas do terremoto e a reconstrução das cidades destruídas. Parece que não vai dar em nada, mas essa revolução online está tomando proporções assustadoras e espero que vire uma coisa real logo logo, porque estamos precisando. Enquanto não instalarem umas guilhotinas na porta do Senado em Roma o oba-oba vai continuar.
Mais sobre a política italiana, tipicamente italiana, amanhã.