o bicho tá peganuuuu

Rapaz, tem tanta coisa acontecendo aqui na Bota que nem sei por onde começar. Acho mais fácil iniciar pelos acontecimentos trágicos e depois passar pra minha parte preferida, um pouco de saudável bible-bashing.

Há alguns dias, explodiu uma bomba em uma caçamba de lixo em frente a uma escola técnica de moda e turismo, praticamente frequentada só por meninas. Morreu uma das alunas e uma outra está muito grave no hospital. Foi em Brindisi, uma cidade do sul. Ninguém entendeu nada, mas todas as suspeitas caíram imediatamente sobre a máfia, por causa de uma série de fatos importantes: o sul é notoriamente território mafioso; a escola tem o nome de um famoso juiz da Divisão Antimáfia italiana, morto em um atentado tenebroso com uma quantidade absurda de explosivos, juntamente com a mulher e vários dos seus guardacostas; a explosão aconteceu no aniversário de 20 anos da morte do outro juiz que trabalhava com esse explodido – esse segundo juiz também foi assassinado, em frente à sua casa; naquele mesmo dia passaria pela cidade a caravana de uma organização chamada Libera (proparoxítona), que administra terrenos confiscados à máfia pra transformá-los em áreas produtivas em termos de agricultura; a menina que morreu (ou não; não tenho certeza) era filha de um “collaboratore di giustizia”, mais conhecido como “arrependido”, um mafioso que resolve abrir a boca e colaborar com a justiça. Um homem foi preso depois de analisarem imagens de câmeras de segurança próximas, mas depois foi liberado por falta de evidências. Outro homem parece ter sido identificado em outro vídeo, mas não sei mais em que ponto estão as coisas; como no Brasil, aqui também as notícias têm validade curta, especialmente se houver peixes grandes envolvidos ou for um assunto incômodo. O fato é que oficialmente não se sabe exatamente o que aconteceu, nem como (sabe-se somente que a caçamba de lixo onde foi colocada a bomba não deveria estar ali e foi posicionada pela pessoa responsável pelo atentado), muito menos por quem.

***

Depois dessa história horrível veio o terremoto, no dia 20. Pegou a zona da cidade de Ferrara, numa parte do país normalmente não considerada sísmica (a região onde eu moro, por exemplo, é mega sísmica). O terremoto foi MUITO intenso e aconteceu de madrugada, logicamente pegando todo mundo de surpresa. Cidadezinhas inteiras destruídas, mortos e feridos e gente que perdeu tudo, o de sempre. E como se não bastasse, ontem rolou outro – aliás, muitos outros, também muito intensos, não muito longe da área do primeiro terremoto. Pelo menos foi tudo durante o dia, um às nove da manhã e outro na hora do almoço, e por sorte também o pior do frio já passou, embora o calor ainda não tenha chegado. O terremoto terrível que atingiu a cidade de L’Aquila, em abril do ano passado, não só aconteceu de madrugada como pegou uma das regiões mais frias do país, o que dificultou muito mais a vida dos habitantes.

Nesse terremoto de ontem morreu gente também. E como sempre acontece nesses casos, aparece logo um podrezinho básico: os mortos incluíram operários estrangeiros clandestinos forçados a trabalhar mesmo em construções ainda não avaliadas pela Defesa Civil com relação aos danos causados pelo terremoto do dia 20, e dois padres idiotas que insistiram em entrar nas suas igrejas pra avaliar o estrago (esses imbecis não aprendem; no terremotão de 1997 em Assis aconteceu exatamente a mesma coisa. Putz grila, o país sofre com terremoto desde que o mundo é mundo, esses miseráveis ainda não entenderam que os tremores de assentamento continuam, às vezes com muita força, por meses a fio depois do terremoto-mor, e que as construções antigas, obviamente feitas sem nenhum sistema antissísmico, são frágeis? Vai ter prioridades erradas assim lá na casa do chapéu); e obviamente estão rolando altas discussões sobre por que até mesmo construções novas caíram, quando teriam resistido se tivessem sido feitas de acordo com as normas antissísmicas de construção. Acontece que o último terremoto naquela parte do país aconteceu há sei lá quantas dezenas de anos, de modo que o mapeamento das áreas sísmicas do país considerava essa zona da região da Emilia-Romagna como zona de baixo risco sísmico. Então os prédios eram feitos sem seguir essas normas. De quem é a culpa? A culpa é de alguém, afinal, ou é só uma fatalidade?

Pelo menos todas as opiniões que li até agora são muito positivas com relação ao trabalho dos socorros e da Defesa Civil. Pouquíssimo tempo depois do terremotão já havia barracas montadas pras pessoas que perderam as casas e já estavam sendo distribuídas refeições, roupas e remédios. O Twitter, que ainda não é muito usado pelos italianos, está sendo uma bela surpresa: muita da mobilização pra ajudar os envolvidos está rolando online, pois as linhas de telefone estão logicamente todas sobrecarregadas. Muita gente está liberando as próprias conexões wi-fi pra permitir que outras pessoas possam entrar em contato com o resto do mundo. Também online muitas pessoas e hotéis estão oferecendo um lugar pra dormir pra quem perdeu tudo. Está sendo uma experiência interessante pro país, que normalmente mostra muita solidariedade quando essas coisas horríveis acontecem (mas só quando essas coisas horríveis acontecem), e cuja população pela primeira vez está usando as redes sociais pra se ajudar mutuamente.

Enquanto isso, o asno do Presidente da República decidiu não anular a parada militar do dia 2 de junho. A visita daquele outro desgraçado do Papa a Milão também não foi cancelada. Facebook e Twitter estão fervendo com mobilizações pra tentar cancelar esses dois eventos completamente inúteis e usar o dinheiro pra ajudar as vítimas do terremoto e a reconstrução das cidades destruídas. Parece que não vai dar em nada, mas essa revolução online está tomando proporções assustadoras e espero que vire uma coisa real logo logo, porque estamos precisando. Enquanto não instalarem umas guilhotinas na porta do Senado em Roma o oba-oba vai continuar.

Mais sobre a política italiana, tipicamente italiana, amanhã.

paris

Esse ano, como o ano passado, será um ano de viagens com os MEUS amigos, já que os nossos amigos aqui da Bota não vão a lugar nenhum, nunca (a ideia deles de ir “pro exterior” é passar uma semana torrando sob o sol, fechados num resort cheio de funcionários italianos e comendo comida italiana em Sharm-el-Sheik, no Egito, cercados de outros turistas italianos). A primeira viagem do ano, então, foi a Paris, com a Raquel, que não estudou com a gente na faculdade mas é como se tivesse, a mãe dela e a filha, Marina, quase um ano mais velha do que a Carol e simplesmente a criança mais esperta e figuraça do universo inteiro.

Elas ficaram baseadas em Londres, onde uma amiga da Raquel está morando há alguns anos e onde ficará até o final do ano. Os planos incluíam voltarmos juntas de Paris pra cá, mas mixou tudo e acabou que passamos juntos só a semana em Paris. Mas foi ótimo mesmo assim, lógico – Paris e boa companhia, o que mais você quer da vida?

Elas chegaram de manhã e foram direto pro apartamento que tínhamos alugado, esse aqui. Ano passado ficamos nesse aqui, do ladinho da Torre, e foi ótimo, mas acabou sendo melhor ter ficado nesse outro maior dessa vez, apesar de algumas diferenças.

Vantagens da agência Meu Paris (que usamos no ano passado; o apartamento em que ficamos estava alugado esse ano) e do apartamento Eiffel 3&4, onde ficamos:
. Administrada por brasileiros, o que torna mais simples a vida de quem não fala outra língua, além de facilitar a compreensão dos conceitos de limpeza, chuveiro decente etc, que nem sempre fazem sentido pra estrangeiros.
. Organização de nível profissional: cada apartamento tem um fichário com todas as informações de que você pode precisar, como números de telefones úteis, estações de metrô, supermercados, farmácias etc mais próximas, como funcionam os eletrodomésticos, como fazer com o lixo e coisa e tal.
. Cozinha melhor equipada com zilhões de utensílios e, importantíssimo, Tupperware. Pelo menos no apartamento onde ficamos em agosto do ano passado.
. Localização absolutamente perfeita, a dez passos da Torre.
. Máquina de lavar roupa e secadora, 2-em-1.
. Telefone fixo, perfeito pra chamar táxi (e pra ligar pro Brasil grátis também).

Vantagens do apartamento em que ficamos esse ano, da Paris Attitude:
. Uma sala! Tudo bem que ficava no segundo andar e eu odeio escadas, principalmente quando tem criança no meio, mas ter um espaço pras crianças brincarem enquanto nós fazemos as coisas de adulto é muito bom. No apartamento do ano passado a mesa de jantar ficava dentro do quarto, de modo que se alguém quisesse ver televisão até tarde, por exemplo, não rolava porque incomodava quem estava dormindo.
. Um quarto a mais. SUPER desconfortável, lá no sótão, com teto inclinado onde eu batia a cabeça toda hora, e ao qual se chega subindo uma escada impossível de usar sem sapato porque machucava os pés (vejam as fotos), mas que veio a calhar porque como as camas dos quartos são estreitas, a Carol dorme mal pra caramba (e nós idem), rolando pra lá e pra cá e nos chutando a noite toda. Houve noites em que dormi com a Carol nesse quarto lá em cima, outras em que o Mirco dormiu com ela lá, outras em que eu dormi sozinha lá e o Mirco embaixo com a Carol, outras em que o Mirco dormiu lá em cima sozinho e eu com a Carol lá embaixo. Quebrou um mega galho.

Desvantagens desse apartamento desse ano:
. Cozinha velhusca e vagabunda, portas sem puxador, barulhentas ao fechar. Poucos utensílios, nenhum Tupperware. Fogão maldito por indução que desligava sozinho no meio do cozimento.
. Fica no Marais, que não é o meu bairro preferido pra ficar em Paris. A padaria logo em frente do prédio era uma droga. Há dois supermercados próximos e a estação mais próxima (Rambuteau) fica realmente DO LADO, mas é uma zona feinha, cheia de lojas de bolsas e sapatos com chineses atrás do balcão.
. Nada de secadora: tinha um microvaral de chão mas não tinha lugar pra botar, então ligamos o aquecedor dos banheiros, botamos cadeiras em frente e penduramos as roupas. Favelão total.

Tentamos manter os programas o mais infantis que pudemos, pra não torrar o saco das crianças. Elas se divertiram horrores no Louvre, correndo pra lá e pra cá e tentando reconhecer as estatuinhas primitivas de animais na parte de arte do Oriente Médio. Adoraram a Ménagerie, o zoológico da cidade, que não conhecíamos; não há animais grandes (felizmente, coitados), mas vale a visita só pela quantidade de bichos esquisitos que eu nunca tinha visto ao vivo antes, como o takin (que conhecia de documentários), a lebre da Patagônia, as tartarugas rajadas de Madagascar e outros. Fiquei assanhadíssima. O reptilário deles é bem legal também. O Muséum d’Histoire Naturelle é bem legal; a Carol ficou impressionadíssima com o esqueleto de baleia pendurado no teto e a procissão de bichos empalhados (misturados com alguns falsos mesmo) é muito maneira. O próprio prédio é lindíssimo.

Fomos ao D’Orsay, rapidinho. Fomos ver Notre Dame (eu e Mirco ficamos olhando as meninas na praça em frente enquanto a Raquel e a mãe dela foram visitar a igreja). Fomos a Monmartre ver a Sacré Coeur (eu e Mirco com as meninas brincando na pracinha enquanto a Raquel e a mãe dela foram visitar a igreja. Adoramos people watching; as caras das meninas enquanto viam – e ouviam – as crianças francesas brincando de Lego na praça eram impagáveis). Fomos à La Défense, que é sempre um lugar interessante, não só pela vista (tem uma Muji no shopping, yay).

E, claro, fomos à Disney Paris, que esse ano completou 20 anos. Chegar lá é facinho: fomos da nossa Rambuteau até Châtelet-Les Halles e de lá pegamos o trem pra Marne-la-Vallée/Chessy, a última estação da linha vermelha A4 da RER. Você desce praticamente dentro da Disney. Bom, Disney é Disney e não há muito o que dizer, mas vimos algumas diferenças: preços incrivelmente mais altos do que nos EUA, o que era de se esperar; vimos gente trocando os sacos de lixo das lixeiras, coisa que não se vê em Orlando; o parque é menor; encontramos muitos restaurantes do parque fechados (como assim?) mas acabamos comendo comida mexicana MUITO boa no Fuente del Oro. Não conseguimos ver o outro parque, o Walt Disney Studios, porque achamos que ia ser chato pras meninas. A Carol curtiu, mas menos do que eu estava imaginando; não gostou dos brinquedos mais barulhentos (como o do Buzz, do Pinocchio, do Peter Pan que estava muito escuro, o Piratas do Caribe) e adorou o Dumbo, o carrossel e a parada. O Disney Village parece ser legal, embora logicamente nada que se compare ao Downtown Disney de Orlando. Mas gostamos da experiência e pretendemos voltar, quem sabe um dia nos hospedando em um dos hotéis do parque, porque acabamos não vendo a parada noturna pois as crianças estavam moídas.

O único grande problema de Paris, além dos preços, lógico, é a falta de elevador e/ou escada rolante na imensa maioria das estações de metrô. Entendo que esse é um dos fatores que mantêm o povo magro, porque o que se anda e se sobe e se desce dentro das estações não tá no gibi, mas pra quem é cadeirante, tem dificuldades pra caminhar (a mãe da Raquel tem dores nos joelhos e sofreu um pouco), está com carrinho de criança ou simplesmente está cansado depois de um dia de trabalho, as escadas são de matar. No nosso caso fazíamos assim: eu e a Raquel levantávamos a barra de empurrar dos carrinhos e o Mirco levantava a parte dos pés, um carrinho em cada mão, e assim subíamos e descíamos as escadas. As meninas se acabavam de rir, se achando as princesas andando de liteira, e todo mundo ficava olhando e achando graça, mas não tinha outro jeito.

Eu particularmente não me canso nunca desse tipo de férias. O Mirco, habituado à vida na roça, fica logo estressado, e deixa toda a parte da navegação nas minhas mãos – ainda bem, porque eu adoro, como já cansei de comentar por aqui. Adoro aquela cabeçada toda, adoro ter que ficar fazendo roteiros e contando estações e programando baldeações, e sobretudo adoro mapas de metrô. Sou completamente tarada por mapas, de qualquer tipo, e os de metrô não são exceção. Adoro os nomes das estações, adoro a escolha de cores, fico imaginando a engenharia de trânsito louca por trás daquilo tudo, adoro, adoro. Então eu fico de copiloto, feliz da vida. E juro que não me canso, mesmo tendo que ajudar a levantar o carrinho. Posso passar o dia inteiro andando pela cidade, empurrando carrinho, subindo e descendo escada. Se estiver de sapatos confortáveis, posso andar até a lua sem reclamar, e as complicações normais de uma viagem, que são estressantes pro Mirco – tipo achar um restaurante decente, localizar a estação mais próxima, decidir que tipo de ingresso comprar etc – pra mim são só diversão.

E a viagem ainda teve uma cerejinha final: conseguimos, embora rapidamente, encontrar a Karla, uma americana que hospedamos no esquema de Couchsurfing antes da Carol nascer, e que está morando em Paris há três anos. Ela é um amor de pessoa e adorou ficar com a gente aqui no interior do Zaire, e fez um esforço de schedule pra nos encontrar. Levou baguettes e vários queijos fedorentos maravilhosos (e pretzels do Paul) e uma garrafa de vinho pro nosso apartamento e conseguimos bater um papo meio tabajara (porque as crianças interrompem toda hora) e rapidinho (porque a gente ia embora no dia seguinte e eu tinha que fazer as malas). Foi muito bom revê-la e legal manter esse contato – ela vai se mudar pra Los Angeles e já nos convidou pra visitar ;)

Nós voamos de easyJet dessa vez. Como sempre, deixamos o carro no estacionamento Park and Fly, que sai bem mais barato do que deixar dentro do aeroporto, e eles levam você de furgão até o aeroporto. Descemos em Orly e fomos de táxi até o apartamento; deu 35 euros, nada mal. A volta foi mais chata porque tínhamos que entregar o apartamento às 11 e o nosso voo só saía às 8 e meia da noite, de modo que passamos o dia inteiro no aeroporto, mas a Carol se comportou muito bem, correu, se cansou, dormiu pra caramba, acordou, lanchou, passou o voo desenhando e capotou assim que sentou no carro. Chegamos em casa quase uma da manhã, mas não importa. A viagem foi ótima.

E dia primeiro de junho vou pro Rio. Êeeeeee!

domenica linguistica

A palavra em português que faz falta em outras línguas do dia é: FOFO (em italiano usa-se “carino”, mas quer dizer “bonitinho” também, não é exatamente a mesma coisa)

O false friend do dia é: BOATO (em italiano quer dizer “barulhão”)

A expressão maravilhosamente útil em italiano dia dia é: NULLAFACENTE (um particípio presente do verbo “fare”, fazer, juntado com “nulla”, que quer dizer nada. Literalmente, aquele que não faz nada. Que, veja bem, não é exatamente preguiçoso, é simplesmente alguém que não faz nada de útil na vida, não trabalha, não produz nada, e obviamente não paga nada também. Acho sensacional.)

perugia em guerra… tolinhos!

Acordei hoje de manhã com meu Facebook entupido de comentários dos meus ex-colegas de faculdade em Perugia, apavorados com a “guerrilha” que rolou ontem à noite na cidade.

Nós não frequentamos o centro histórico de Perugia há anos. Nos meus primórdios aqui no Zaire a gente ia bastante; às vezes ao cinema, às vezes só pra tomar um sorvete e dar uns rolés pelo Corso Vannucci (“Corso” é sempre uma rua de pedestres no centro histórico das cidades por aqui). No verão o Corso fica entupido de gente, jovens, velhos, casais com filhos, todo mundo subindo e descendo a rua, bem diversão de minhoca mesmo (“minhoca” sendo o termo que se refere ao pessoal “ali da terra” e que não tem nada de melhor pra fazer na vida a não ser desfilar, arrumadíssimos, pela rua principal). Ano passado fomos à Eurochocolate, um verdadeiro pesadelo, com Moreno, Marta e Petulla, que obviamente nunca tinha ido. Ao longo dos anos fomos notando que o público que frequentava o final do Corso (ou o começo, dependendo do ponto de vista), ali onde fica a famosa Fontana, considerada um dos mais belos chafarizes da Itália, estava ficando meio esquisito. A escadaria da igreja, bem em frente ao chafariz, ficava sempre povoada de “zeccheroni” (de “zecca”, carrapato, porque é gente que não toma banho) – ripongas, rastas, pseudopunks. Uma nuvem de maconha pairava no ar. E volta e meia ouvíamos histórias de brigas entre tunisianos e albaneses, rivais no tráfico de drogas que é muito intenso em Perugia, como em qualquer cidade universitária. Às segundas de manhã a escadaria acorda coberta de lixo e não é difícil encontrar seringas usadas. Não costumo ler jornais locais, mas às vezes ficávamos sabendo de bares depredados, brigas com gente que foi parar no hospital, vitrines quebradas e tal.

Pois ontem chegou a rolar tiroteio e uma pessoa foi esfaqueada. Quase todos os meus ex-colegas de faculdade estavam por ali, porque toda a vida social da cidade se dá no centro, e fiquei preocupada até ver que todos estavam bem, embora muito assustados. Nos comentários, muita gente comparando Perugia às favelas do Rio, de modo que achei que a coisa tinha sido realmente seríssima. Até que fui ver os vídeos do tiroteio que neguinho estava postando. Tipo esse.

Devo estar ficando surda e cega, mas não ouvi nenhum tiro nem vi nada de particularmente escabroso. Veja bem, não estou menosprezando o pânico das pessoas nem a preocupação dos habitantes, que estão gradualmente perdendo o centro histórico da cidade pros tunisianos e albaneses, estrangeiros que ninguém quer (nem eu). Eu já tenho pavor de gente gritando e ameaçando brigar, imagina ver, de verdade, uma pessoa ser esfaqueada na sua frente. Mas tenho a impressão que se o autor do artigo tivesse assistido a Tropa de Elite pensaria duas vezes antes de escrever “guerrilha”…

domenica linguistica

A palavra em português que faz falta em outras línguas do dia é: CAFONA (vai ter post sobre isso essa semana)

O false friend do dia é: INVESTIRE (em italiano quer dizer “atropelar”, além do normal “investir”)

A expressão maravilhosamente útil em italiano dia dia é: E MO’? (que pode ser “e agora?” ou “e aí?”, mais conhecido como “e o Kiko?”)

eu e os eosinófilos, os eosinófilos e eu

Aconteceu. Não é oficial, porque não fiz nenhum teste, mas os sintomas não deixam dúvidas: virei uma pessoa alérgica. Pior, uma alérgica pertencente à categoria de alérgicos que não sabem a que coisa são alérgicos. Sabe aquela pessoa que passa o dia espirrando, você pergunta se ela está resfriada e ela responde que não, é alérgica. Segue a pergunta óbvia, alérgica a quê?, e a pessoa responde “não sei o quê, sou só alérgica”. Essa sou eu.

Sempre detestei o assunto alergia. Detesto coisas idiotas, e alergia é uma reação exagerada – logo, idiota – do seu corpo a coisas que não fazem mal a uma imensa parcela da população. Nunca fui alérgica a nada na vida, mas aparentemente conforme a idade vai avançando, meu corpo vai me traindo mais e mais.

A primeira vez foi há mais ou menos um mês, quando fui visitar os pais da menina israelense da turma da Carol. Eles moram literalmente depois da casa do caralho, lá nas colinas; o lugar é deslumbrante, mas eu, que já tinha acordado com o nariz entupido e achei que fosse um início de gripe, fiquei com o nariz completamente tapado depois que cheguei lá. Pode ter sido qualquer coisa: ciprestes, feno, pólen, pois roça tem uma cacetada de alergênicos. Só comecei a pensar que pudesse ser alergia quando os olhos começaram a arder e quando vi que quando tentava assoar o nariz, não saía nada, ou seja, era um edema da mucosa e não produção excessiva de muco. Xinguei todos os meus eosinófilos, um por um, mas no dia seguinte passou e esqueci do assunto.

Ontem tive o mesmo problema, que pelo jeito vai continuar por um bom tempo porque hoje acordei toda entupida de novo. Só consigo desentupir o nariz com um remedinho da Vick que é viciante e desconfortável de usar, praticamente um jato de eucalipto narinas acima que ainda deixa um sabor residual na garganta. E os olhos estão ardendo de novo.

Alergia é uma coisa difusa por aqui. Não sei se tem a ver com o fato da exposição aos agentes alergênicos ser esporádica, porque é só nesse começo de primavera que as plantas produzem pólen feito doidas. Fato é que o negócio é tão sério que em alguns canais aparece, além do homem do tempo, o homem do pólen, que dá previsões “meteorológicas” específicas sobre a presença do pólen. Você olha o mapa da Itália, procura a sua região, lê a legenda e sabe se o lugar onde você mora vai estar entupido de pólen nos próximos dias ou não. Sempre achei isso divertidíssimo, embora entendendo perfeitamente a utilidade pra quem sofre de alergia crônica. Agora vou ter que passar a prestar atenção também. E vou ter que ir conversar com a substituta da minha médica vesguinha (é uma pediatra siberiana que está no lugar dela; já a conhecia porque o filho dela tem mais ou menos a idade da Carol e brincaram juntos algumas vezes no parquinho) pra ver o que ela pode me dar pra aliviar essa merda. Não dá pra ficar jogando eucalipto na fuça o dia inteiro e piscando os olhos como um recém-nascido pra espantar a ardência, e, pior, não dá pra viver com o nariz entupido, que acabei de decidir que é o sintoma mais irritante do mundo, dentre todos os que existem, junto com a coceira. Acho que nem vou fazer teste de nada porque as coisas que devem estar causando a minha alergia são inevitáveis – essa zona é cheia de ciprestes, tem feno em tudo que é lugar, as árvores TODAS jogam coisinhas alergênicas no ar – de modo que seria só por curiosidade mesmo. Vamos ver o que a siberiana vai dizer…

domenica linguistica

A palavra em português que faz falta em outras línguas do dia é: FRESCURA

O false friend do dia é: PALESTRA (em italiano quer dizer “academia de ginástica”)

A expressão maravilhosamente útil em italiano dia dia é: AMBARADAN (ou AMBARADAM), que significa confusão, monte de coisas. Tipo: “já resolvi todo aquele ambaradan, tá?, não precisa se preocupar”.

brinquedos

Entreter criança não é mole. Como diz a minha mãe, é mais cansativo que quebrar pedra. E isso porque a Carol é uma criança light, brinca bem sozinha por períodos de tempo admiráveis, tem boa capacidade de concentração e não precisa mudar de brincadeira a cada dez segundos, não é birrenta. Mesmo assim ficar enfurnada com ela em casa não é mole, e infelizmente esse ano foi cheio de dias de enfurnamento porque o tempo ficou uma merda por meses a fio. As alternativas não são muitas. Posso levá-la pra correr em algum lugar fechado, tipo o Ipercoop. Ou pra brincar num lugar como o Ramba Zamba (“como” não é o termo certo, já que só tem o Ramba Zamba num raio de muitos quilômetros quadrados), que é uma espécie de casa de festas que não abre só pra festa, digamos assim; tem brinquedão gigante, cama elástica e outras coisas maravilhosas cansadoras de criança, mas é carinho, não tem as fulaninhas que tomam conta das crianças, ou seja, tenho que ficar em pé na entrada dos brinquedões de olho nela, e ela fica brincando sozinha porque não conhece as outras crianças que estão lá e obviamente as crianças que a gente conhece não vão a lugar nenhum, nunca. Essas duas alternativas são altamente cansadoras, mas conseguir acertar o timing delas é meio complicado, como todo mundo que tem criança sabe: quando ela acorda depois do almoço tem que lanchar pra não ficar com fome na rua em horários esdrúxulos, e comer leva horas; troca de roupa, sai de casa, volta porque esqueceu o cachorro de pelúcia, prende na cadeirinha do carro, vai pra lá, solta da cadeirinha do carro, entra, ela fica tímida no início e perde uma meia hora colada na minha perna sem coragem de sair correndo, corre, brinca, cansa, e pouquíssimo tempo depois está na hora de voltar correndo pra casa pra ela jantar e tomar banho. É uma trabalheira danada pra pouco tempo efetivo de diversão. Então acabamos ficando em casa, muito frequentemente.

Em casa as alternativas são limitadas porque eu não sou uma mãe artista que fica inventando brinquedo do-it-yourself. Então ela pinta/desenha um pouco na mesa da sala, depois quer ler uma história, depois brinca na cozinha dela fazendo chá pra deus e o mundo, depois quer que eu fique tocando o pianinho de brinquedo enquanto ela dança vestida de Bela, e depois não tem mais nada pra fazer.

Entram os brinquedos da Orchard Toys.

Como muitas das coisas lindas da minha vida ultimamente, descobri na Amazon. Obviamente não lembro mais o que estava procurando, mas eles sugeriram esses brinquedos e fiquei apaixonada. Comprei logo um monte, que vou tirando do armário um a um conforme os outros vão cansando. Na verdade quando eu vou me cansando, porque ela ainda não aposentou nenhum definitivamente.

Os jogos são ótimos, inteligentes, pra criança realmente aprender brincando. Feitos no Reino Unido e não na China, o que por si só já conta pontos no meu score, são robustos, inclusive as caixas, porque pais não-chatos deixam a criança guardar os próprios brinquedos, o que significa que as caixas apanham bastante, coitadas. Bem coloridos, os desenhos são alegres mas não cafonas, as regras simples pra criança começar a aprender a seguir regras e entender o conceito de esperar a sua vez, enfim, maravilhosos.

Um dos preferidos da Carol é esse, o Dotty Dinosaurs.

Cada cartela é um dinossauro e tem dois lados, um com formas e outro com cores, pra duas brincadeiras diferentes. Tem dois dados, um pras formas e um pras cores; você escolhe o do jogo que quiser jogar. Por exemplo, se quisermos o jogo das cores deixamos os dinossauros com as cores viradas pra cima, jogamos o dado das cores, pegamos a cor que saiu no dado e colocamos no lugar no dinossauro. Uma espécie de bingo das cores, por assim dizer, e o mesmo com as formas. Quem completar o dinossauro primeiro é o vencedor. CLARO que o ideal é que várias crianças joguem juntas, mas mesmo só nós duas é divertido (pelo menos nas primeiras vinte vezes). Mas nessa ela aprendeu toda as formas, há muito tempo. E você pode brincar de falar as cores em outra língua, por exemplo.

O queridinho atual é o Spotty Dogs, pra aprender a contar.

Você roda a seta e vê o número que saiu. Por exemplo, se saiu o 3, tem que pegar uma carta com o cachorro que tem 3 pintinhas. Do outro lado da carta tem o desenho de uma caminha de cachorro, com 1, 2, 3 ou nenhum biscoito de ossinho. No final contam-se os ossinhos das cartas que cada um tem e quem tem mais ossinhos é o vencedor. Ainda tá cedo pra ela aprender a somar, lógico, mas ela adora contar e se diverte horrores.

Os quebra-cabeças deles também são geniais. Temos esse maior, o do avião, que ela AMA e já monta com o pé nas costas, e esse, menor, bom pra viajar e que ainda por cima tem dois lados, ou seja, dois em um. O legal é que tem tanta coisa interessante no desenho que dá margem a várias conversas. Que cor é o ônibus? Qual é o número da placa/do avião? Como se chama o moço que dirige o ônibus/avião? E a moça que tá na escada do avião pra receber os passageiros? O que a gente precisa mostrar pra moça pra poder entrar no avião? Pra onde você já viajou de avião? Que bichos você tá vendo no ônibus? Enfim, as possibilidades são infinitas. Pra não falar da facilidade de inventar histórias se baseando nos desenhos: era uma vez um macaco que dirigia um ônibus cheio de bichos…

Nem são tão caros assim, considerando quanto são bem feitos e quantas horas de distração (e aprendizado) oferecem. Sugiro altamente.

quem sou eu? onde estou?

Me mudaram pra Suécia e não me avisaram?

Fui ao Ipercoop hoje aproveitar as promoções de primavera pra comprar plantas. Tinha um certo tempo que eu não ia porque tenho estado enrolada durante a semana e no fim de semana a coisa é inviável de tão lotada. Como a manhã hoje foi tranquila e às nove e meia eu já tinha feito ginástica, tomado banho, levado a Carol na escola e dado uma agilizada no almoço, resolvi dar um pulo por lá.

A primeira surpresa veio no carrinho, que estava com um pequeno suporte de plástico branco perto da barra onde seguramos. Minha primeira reação foi “Genial, botaram um porta-celular nos carrinhos!”, imediatamente seguida de “Anta, claro que não é pra celular, é pequeno demais pra um iPhone e grande demais pros telefones velhos que muita gente ainda usa, tipo Startac”. Entrei pronta pra perguntar o que diabos era aquilo, e qual não foi a minha surpresa ao encontrar um stand com duas mulherzinhas vestidas de amarelo bem na entrada do supermercado. Atrás delas, uma espécie de estante cheia de coisinhas parecidas com celulares. Pra variar, a maioria das pessoas passava batido; eu parei pra perguntar o que era. E o que era, senhoras e senhores, é uma das coisas mais lindas do mundo.

Trata-se de um leitor de código de barras portátil. Funciona assim: você chega no supermercado, passa o seu cartão fidelidade no leitor de código de barras fixo dessa espécie de estante, o sistema escolhe um leitor portátil pra você e acende uma luz verde embaixo dele pra você identificar qual é. Você vai lá, pega o bichinho, bota no suporte do seu carrinho e começa a fazer as suas compras. Cada coisa que você comprar você passa no leitor portátil antes de botar no carrinho. Quando você chega na caixa já está com todos os itens devidamente passados; só precisa apertar de novo o botão do leitor portátil pra ativar o laser, de modo que ele seja lido pela caixa self-service, e depois é só seguir as instruções na tela – usou alguma sacola de plástico ou não, confirmar o valor, forma de pagamento, senha do cartão se for cartão, enfiar o dinheiro se for cash. A maquininha cospe a nota fiscal, que você tem que passar num outro leitor de código de barras na saída, e pronto. CLARO que muita gente vai se enrolar e no começo vai acabar tendo fila do mesmo jeito enquanto o fulaninho procura o botão certo, cata o óculos no buraco negro da bolsa pra poder enxergar o display e coisa e tal, mas, caramba, cês tão entendendo o nível da revolução? Tão entendendo a magavilha que vai ser viver livre do medo de cair na caixa mais lerda do supermercado inteiro? Tão entendendo a coisa linda que vai ser depois que neguinho se acostumar e fizer o processo todo de olhos fechados, gastando tipo uns 30 segundos no total pra pagar as compras?

Pro mundo ficar perfeito agora só falta abolirem as zonas diferentes dos DVDs e todos os países passarem a utilizar exatamente o mesmo modelo de tomada.