o general inverno

Rapaz, a coisa anda feia por aqui. O frio siberiano que bateu na última semana e não dá sinais de querer ir embora já matou uma cabeçada na Europa toda e paralisou países inteiros. A Itália, sempre despreparada pra catástrofes naturais, é um deles. Vários vilarejos de regiões onde normalmente não neva muito, como o Lácio (a região onde fica Roma), estão isolados do mundo. Muitos sem gás, água (porque a tubulação e os reservatórios, cheios de água congelada, simplesmente estouram) e eletricidade (suponho que devido à queda de árvores derrubando postes e fiação). Os tratores removedores de neve não dão conta porque caiu MUITA neve em muito pouco tempo, de modo que as ruas e estradas estão bloqueadas e o socorro – remédio, água, comida, cobertores – tem que chegar de helicóptero.

Linhas de trens foram interrompidas porque árvores caíram na rede elétrica; teve gente que passou dez horas mofando dentro do trem. Outros ficaram presos no trânsito, por exemplo, no anel rodoviário de Roma, porque nevou pra cacete na capital, coisa que acontece uma vez na vida outra na morte, a zotoridade ficaram todas correndo pra lá e pra cá feito barata tonta e ninguém sabia o que fazer. Moradores de rua morrendo de frio já tem dúzias. Encontraram motoristas de caminhão mortos congelados dentro das cabines onde normalmente dormem; aparentemente o combustível congelou nos canos, o aquecimento parou de funcionar e os caras congelaram enquanto dormiam. Muitos acidentes nas estradas por causa do gelo no asfalto. Em regiões mais frias, onde a água nos canos dos aquecedores congelou, neguinho saiu descongelando tudo com o secador de cabelo pra poder ligar o boiler de novo.

A gente aqui está bem protegido porque estamos em um vale, cercados por montanhas altas em ambos os lados, mas bem afastadas. Nevou aqui também no fim de semana, acordamos com tudo branquinho lá fora, mas algumas horas depois já tinha derretido tudo. Mas se a prefeitura não mandar passar os caminhões que jogam sal no asfalto, fica impossível dirigir; o asfalto vira uma placa de gelo gigante.

Aliás, essa coisa do sal foi um grande problema esse ano. Primeiro porque realmente essa enormidade de frio não foi prevista com a antecipação ideal, lógico, então as regiões onde normalmente não faz esse frio todo só tinham a quantidade de sal que é usada todos os anos, nos invernos “normais”. E com esse frio a quantidade de sal necessária é muito maior. Segundo porque houve uma grande greve de motoristas de caminhão logo antes dessa friaca chegar. Não só os supermercados ficaram vazios, sem mercadoria porque os caminhões não circulavam e portanto não entregavam, mas as prefeituras ficaram sem sal porque os caminhões que o transportavam também ficaram parados por dias a fio. Ou seja, uma combinação de fatores que resultou numa merda geral.

Hoje as escolas aqui de Bastia e Santa Maria estão fechadas por decretos municipais, embora não esteja nevando. Olhando pela janela a gente vê uns floquinhos bestas voando no vento forte, mas é a neve do Monte Subasio que o vento sopra aqui pra baixo, e não neve nevada. Ontem à tarde estava -5 em Città della Pieve às 5 horas; -3 graus em Perugia no mesmo horário. Fomos jantar na Arianna e na volta o termômetro do carro marcava -2, às 9 da noite. Dificilmente temos essas temperaturas aqui, a não ser de madrugada; enfrentar essa friaca de dia não é mole. Estou aqui enfurnada com a Carol em casa, vendo Rei Leão, todas encasacadas porque o aquecimento não dá conta (aqui não é que nem os EUA, onde as temperaturas dentro de casa permitiriam o crescimento de palmeiras; por aqui o gás custa muito caro e os termostatos vão até um certo ponto só, não dá pra botar modalidade tropical. Dentro de casa estamos sempre de moletom). Vai ser um longo dia.

a saga de morfeu

Estou sem dormir mais de cinco horas seguidas desde a primeira semana de gravidez. A Carol NUNCA dormiu direito, nunca, nunca, nunca.

Ontem foi assim: ela acordou cedo de manhã, não queria dormir depois de voltar da escola nem a porrada, tive que insistir MUITO e deixar que ela dormisse deitada em cima de mim, depois pra acordá-la foi um parto, resolvi mandá-la pra cama cedo com o Mirco pra poder sentar no sofá e ler um livro com calma. Deixei os dois na nossa cama, com Backyardigans na TV e o timer programado pra desligar em meia hora, porque o Mirco capota com a televisão ligada.

Dei boa noite e fui pra cozinha ligar a máquina de lavar louça e dar uma geral, tomar meu copão de água sagrado antes de dormir e coisa e tal. Foi eu acabar de sentar no sofá e ouço os passinhos dela vindo pelo corredor. A porta da sala abriu e lá vem ela, com a cara zangadíssima.

– Quê que foi?

– O papai dormiu!

– Ué, e daí? Dorme também!

– Não quero! Ele não pode dormir primeiro!

– E então o que você quer fazer?

– Quero dormir com você na minha caminha.

Lá se foi meu livro. Fomos pro quarto dela, liguei o umidificador, que tem uma porcaria de luzinha azul embutida forte pra caramba, deitamos na cama e ela começou a tradicional beliscação da minha mão, que eu ODEIO. E os olhões abertos olhando pra lá e pra cá.

– Carol, fecha o olho.

Nada. Vou lá desligar o raio do umidificador, porque pelo menos no escuro não há nada pra se ver e portanto nada pra distrair.

– Liga o negocinho, mamãe! Não tô vendo nada!

– Não é pra ver nada mesmo, tem que fechar o olho pra dormir.

– Eu quero ir na faixa. [o sling]

– Carol, por favor, vamos ficar abraçadinhas na cama pra dormir, vamos?

– Eu quero ir na faixa. [repetido vinte vezes]

Lá vai ela pra faixa. Vou sentindo que ela vai amolecendo, a frequência cardíaca e a respiratória baixando, mas nada de parar de me beliscar (ela só para de beliscar quando cai no sono).

– Carol, não aguento mais, eu tô andando com você nesse treco há meia hora, vamos pra cama.

– Liga o negocinho?

– Ligo, mas você fica olhando pras coisas e acaba não dormindo. Tem que fechar os olhinhos, combinado?

– Combinado.

QUARENTA E CINCO MINUTOS DEPOIS, ela finalmente cai no sono. Quarenta e cinco minutos de rolação pra lá e pra cá e muita beliscação na minha pobre mão ferrada pela psoríase. No total ela levou UMA HORA E MEIA pra pegar no sono. Meia hora depois de voltar pra minha cama ela me chama, pedindo pra ir pra caminha dela. Voltei pra minha cama mas ela acordou e me chamou de novo; acabei ficando direto na cama dela até de manhã, quando ela acordou às cinco pedindo a mamadeira. Consegui protelar até as sete, mas acabei não dormindo mais nada.

E depois eu ainda acho estranho quando às vezes acordo querendo me afogar numa piscina de Nutella ou desesperada pra matar um pão de forma inteiro com Philadelphia.

mais TMI

O outro livro que mencionei, completamente oposto ao Skinny Bitch, é o Deep Nutrition. Apareceu, como a maior parte das coisas interessantes que passei a conhecer nos últimos anos, num thread de comentários de um review na Amazon (se não me engano o review era do Wheat Belly). Fiquei muito curiosa e comprei no Kindle pra ler logo; varei a madrugada lendo. E fiquei de boca aberta.

A autora é médica e baseou o seu livro em inúmeros estudos científicos sérios, ao contrário das duas grosseironas de Skinny Bitch. Mas a teoria dela é uma coisa muito doida.

Basicamente a coisa tem como base histórica o dentista Weston Price, que, bolado com a quantidade de gente com dentes tortos na sua prática clínica, resolveu sair pelo mundo pra ver se a prevalência de problemas odontológicos era homogênea nas diferentes “raças” humanas (na época ainda se falava de raça). Descobriu três coisas: uma, que quanto mais “primitivas” as populações, menos problemas nos dentes as pessoas tinham. Duas, que quanto mais primitivas as populações, menos problemas de saúde em geral as pessoas tinham. Três, que quanto mais primitivas as populações, mais bonitas eram as pessoas.

Corta pro futuro, pra um cirurgião plástico chamado Dr. Marquadt, que desenvolveu uma “máscara”, uma espécie de template indicando os ângulos e as proporções ideais pra um rosto bonito. Não importa a qual etnia uma pessoa pertença, se ela for considerada bonita é porque o seu rosto se encaixa nessas tais proporções matemáticas, pois o corpo cresceu de acordo com as regras matemáticas da natureza. Então a teoria da autora do livro é que a beleza não está nos olhos de quem vê, mas sim em uma estrutura óssea do crânio bem feita e bem proporcionada, o que também resulta em dentes perfeitamente posicionados, sem se acavalar ou se afastar, sem falta de espaço pros sisos, sem problemas de mastigação ou respiração ou digestão, e de modo geral em menos problemas de saúde. Já essa primeira teoria me deixou perplexa, essa conexão entre beleza e saúde que aparentemente é uma coisa muito clara e mensurável.

Depois ela entra no assunto de epigenética, assunto do qual tenho ouvido falar muito na rede ultimamente e que me interessa assaz. Trata-se, de maneira muito resumida, de alterações nos genes que podem ser herdadas pelas gerações seguintes. Não estamos falando exatamente da história do Lamarck e da girafa, mas é quase isso. É uma coisa meio complicada e como a autora é médica ela vai fundo na parte biológica da coisa; pra quem não tem formação nessa área imagino que seja meio cansativo de ler, mas vale a pena. Aparentemente os genes respondem ativamente a alterações ambientais, representadas sobretudo pela quantidade de essa ou aquela substância química que é resultado direto do que a gente come. E essas respostas MODIFICAM os genes, que são então herdados já modificados pela geração seguinte. É interessante pra caramba, leiam que vale a pena.

A partir daí ela continua nas suas próprias pesquisas e observações, descobrindo que quanto mais uma população se mantém fiel às próprias raízes gastronômicas, mais saudáveis (e bonitas) são as pessoas, pois todas essas dietas “primitivas”, tradicionais, embora sejam muito diferentes entre si, têm as mesmas 4 características em comum (explico já), fornecendo portanto todos os nutrientes mais importantes pra que os indivíduos acumulem alterações epigenéticas favoráveis e as passem pra frente, tendo filhos saudáveis e bonitos e por aí vai.

Essas quatro características, que ela chama de Four Pillars of World Cuisine, são: 1) carne com osso, 2) miúdos, 3) alimentos fermentados e germinados, 4) verduras e frutas frescas e cruas. Ela dá explicações, exemplos e estatísticas muito, MUITO convincentes pra cada um dos pillars. Dá vontade de sair correndo pra fazer uma faxina na geladeira e dar um pulo no mercadinho da esquina pra começar logo a comer tudo diferente. Ela diz pra reduzir carboidratos se você quiser perder peso e dá uma série de explicações perfeitamente plausíveis pra isso, mas não corta nada (a não ser, lógico, farinha/arroz/cereais em geral refinados e açúcar de cana, além dos óbvios alimentos processados). Ela também enfatiza muito a importância de fazer exercício físico, e fala dos HIIT (high-intensity interval training), que é a base do Turbo Fire, de maneira positiva. Fala de como é importante fazer musculação, sempre dando explicações biológicas plausíveis. Lendo o livro me senti como nos primeiros anos de faculdade, quando eu ainda estava empolgadíssima com tudo aquilo, descobrindo como as coisas funcionam. Na verdade ainda acho fisiologia uma coisa interessantérrima, patologia idem; meu problema com a medicina é outro e assunto pra um outro post, talvez, um dia, quem sabe.

Enfim, o livro é uma das coisas mais interessantes que eu já li nos últimos anos. Aprendi muito sobre nutrição e genética, pra não falar de antropologia gastronômica, mas não conseguiria jamais colocar em prática. Detesto ter que lidar com qualquer outra parte de bichos que não seja tecido muscular. Não tenho paciência pra ficar fazendo caldo disso, caldo daquilo. Como vocês estão carecas de saber, sou totalmente frutofóbica e acho salada um negócio muito triste (prefiro verduras cozidas; como praticamente um brócolis inteiro por dia e uma quantidade enorme de espinafre, cenoura, repolho, alho-poró, couve-de-Bruxelas, abobrinha e tal). Tudo de fermentado que eu já experimentei achei intragável; alguns alimentos germinados até rolam mas fermentado não dá.

Normalmente não acho que existam fórmulas one-size-fits-all em termos de saúde porque cada um é cada um, mas as explicações que a autora dá são tão plausíveis e tão bem fundadas cientificamente que eu juro que acredito que esse modo de comer que ela promove faria bem a qualquer um. Mas eu não consigo porque sou chata pra comer e preguiçosa ainda por cima, de modo que não dá, de jeito nenhum. Então preciso arrumar, no meio dessa quantidade cavalar de informações, um sistema que funcione pra mim, levando em consideração meus dois maiores problemas food-related, a compulsão alimentar e a psoríase. Como eu disse pro Roberto num comentário ali embaixo, pra uma pessoa normal tudo isso pode ser uma palhaçada gigante, pois basta comer um pouco de tudo e pronto, mas pra quem é viciado em comida “um pouco de *inserir alimento não exatamente saudável*” equivale a “uma cheiradinha só” no caso do viciado em cocaína. Não existe. Porque depois que você começa não consegue mais parar. Então é melhor simplesmente abolir mesmo, passar longe, viver como se só chegar perto desses alimentos pudesse causar um choque anafilático mortal.

Essas duas semanas que passei sem carboidratos foram muito instrutivas. Entendi duas coisas: a primeira é que não quero viver sem carboidratos porque vou morrer de tristeza. A segunda é que é muito provável que o glúten seja mesmo o meu inimigo número um, tanto em termos de compulsão, porque qualquer alimento com trigo que eu como imediatamente liga a começão desenfreada, quanto em termos da psoríase, que voltou a piorar depois que reintroduzi pão e macarrão na dieta. Também reparei que quando enfio o pé na jaca no pão, macarrão ou biscoitos, fico mole depois, sluggish, como se diz. Vou fazer o teste de intolerância ao glúten porque se der positivo pelo menos o SUS daqui me passa alimentos sem glúten de graça (são caros pra cacete), mas independentemente do resultado vou tentar ficar longe dele. Andei pesquisando receitas de pães e saladas com grãos germinados e achei muita coisa interessante. Agora que temos um supermercado novo cheio de coisas exóticas e uma nova loja “alternativa” em Santa Maria, ambos vendendo coisas que ninguém nunca ouviu falar por aqui, tipo quinoa, milhete e ghee, vai ficar mais fácil. A parte mais difícil vai ser arrumar tempo pra fazer tudo isso, mas dá-se um jeito.

De qualquer maneira, POR FAVOR LEIAM O LIVRO. Até porque estou desesperada pra falar dele com alguém mas não tenho ninguém :P Mas é muito thought-provoking, de verdade; no mínimo vai te deixar curioso/a pra pesquisar mais sobre nutrição.

Pra quem quiser mais informações, o site da autora é esse aqui.

leião!

And now she’s gripping the rail, waiting to see if I’ll do what fat Fanny Peatrow did to save herself. My own mother is looking at me as if I completely baffle her mind with my looks, my height, my hair. To say I have frizzy hair is an understatement. It is kinky, more pubic than cranial, and whitish blond, breaking off easily, like hay. My skin is fair and while some call this creamy, it can look downright deathly when I’m serious, which is all the time. Also, there’s a slight bump of cartilage along the top of my nose. But my eyes are cornflower blue, like Mother’s. I’m told that’s my best feature.

“It’s all about putting yourself in a man-meeting situation where you can-”

“Mama”, I say, just wanting to end this conversation, “would it really be so terrible if I never met a husband?”

Mother clutches her bare arms as if made cold by the thought. “Don’t. Don’t say that, Eugenia. Why, every week I see another man in town over six feet and I think, If Eugenia would just try…” She presses her hand to her stomach, the very thought advancing her ulcers.

I slip off my flats and walk down the front porch steps, while Mother calls out for me to put my shoes back on, threatening ringworm, mosquito encephalitis. The inevitability of death by no shoes. Death by no husband. I shudder with the same left-behind feeling I’ve had since I graduated from college, three months ago. I’ve been dropped off in a place I do not belong anymore. Certainly not here with Mother and Daddy, maybe not even with Hilly and Elizabeth.

“…here you are twenty-three years old and I’d already had Carlton Jr. at your age…” Mother says.

I stand under the pink crepe myrtle tree, watching Mother on the porch. The day lilies have lost their blooms. It is nearly September.

“The Help”, Kathryn Stockett

TMI!

Too much information! Estou ficando maluca!

A Fernanda deixou uma dica literária nos comentários outro dia, e ainda por cima fez a gentileza de me mandar o livro, que li em uma noite insone. Chama-se Skinny Bitch e tenho que admitir que odiei, pero no mucho.

Resumindo a ópera, elas dizem que pra emagrecer precisa virar vegano. Mas vamos por partes.

Odiei porque a linguagem é extremamente americana, extremamente arrogante, extremamente cheia de palavrões (olha que pra eu reclamar de excesso de palavrão é porque a coisa é excessiva MESMO), extremamente know-it-all, extremamente tudo de ruim. Não quero ser chamada de bitch nem de brincadeira e achei muito, muito desagradável a mania de chamar de idiota todo mundo que não segue os preceitos delas.

Odiei porque achei que o livro está cheio de incongruências, dando como certas informações que só estão certas na cabeça das autoras, sem absolutamente nenhuma referência científica (a parte dedicada à bibliografia só dá URLs, nenhum artigo peer-reviewed). Odiei porque elas não levaram em consideração coisas gritantes como o French Paradox e o Italian Paradox, pra não falar das dietas orientais – se produtos de origem animal fizessem tão mal à saúde assim, não existiria nenhum europeu ou asiático (fora os indianos) vivo na face da Terra. Se comer queijo, qualquer queijo, engordasse, como elas dizem de uma maneira muito agressiva em um certo ponto do livro, a França e a Itália já teriam desaparecido do mapa. Se pouco carboidrato fosse tão nocivo à saúde, os esquimós não teriam durado uma geração sequer. Se elas consideram qualquer carne carcaça, pois entra em putrefação assim que o animal morre, então por que não aplicar o mesmo raciocínio às plantas também, pois começam a morrer quando cortadas? Tudo muito dois pesos e duas medidas, sabe, e totalmente sem embasamento científico, o que me irrita profundamente, lógico, eu sendo totalmente anti-fé. Se querem que eu aceite alguma coisa, que me dêem uma explicação científica; esoterismo ou a Verdade Revelada por um ser superior (no caso, elas, teoricamente sabichonas) comigo não colam.

Mas, como a grande maioria dos livros, obviamente excluindo Paulo Coelho e Dan Brown, há algo a se aprender nesse aqui. Apesar do tom sempre desagradavelmente agressivo, elas mencionam algumas verdades sobre o tratamento dos animais. Não só em termos de crueldade (essas partes eu pulo porque me dá vontade de vomitar), mas também da quantidade de substâncias químicas que acabam chegando na gente através dos produtos animais que comemos. Tudo bem que o caso americano é bem extremo; na Europa há leis severas quando o assunto é criação de animais, e eles são muito menos tolerantes aqui com alimentos geneticamente modificados e coisa e tal, e ainda se come de maneira muito mais tradicional, de modo que esses horrores que elas descrevem nos EUA precisam ser arredondados pra melhor quando se fala de Europa. Mas de qualquer forma todos esses são motivos válidos pra deixar de comer produtos animais, ou pelo menos a carne.

Eu não consigo, não consigo MESMO, não pretendo nem tentar porque já sei que não vai dar certo, viver sem ovo, mel e laticínios. Simplesmente não dá. Como ovo TODOS OS DIAS, ovo fresquinho das galinhas da minha sogra, que vivem num galinheiro grande e comem alface e cascas de fruta, felizes da vida. Quando as galinhas dela entram em greve, compro ovos orgânicos no supermercado, garantia de que pelo menos a galinha que os botou não come exclusivamente cereais ou ração de origem animal, coisas que ela não foi programada pra comer, mas sim vegetais. Não posso saber se a galinha foi criada no chão em vez de em gaiolas, porque ou você escolhe orgânico OU no chão (os ovos aqui vêm com um carimbo com um código indicando se são biológicos, de galinhas criadas na terra, de galinhas criadas em gaiola, qual o criador, em qual província etc, é bem legal), mas já é alguma coisa. Compro verduras e legumes orgânicos sempre que possível – nem sempre tem nos supermercados e os mercadinhos onde os produtores vendem diretamente ao consumidor ficam totalmente fora de mão pra mim, tenho que estacionar longe e ir andando, e nesse frio sinceramente não rola. No verão eu vou de bicicleta até a praça, proibida pra carros, e compro no hominho que planta ele mesmo, em pequena escala. Eu sinceramente não noto nenhuma diferença no sabor, mas pelo menos sei (ou espero) que ele use menos produtos químicos.

Também como queijo TODOS OS DIAS, no café da manhã. Quase sempre é um pedaço de Asiago ou scamorza pra derreter no pão, mas ao longo do dia às vezes também mando ver num cottage da vida no lanche, ou como proteína no jantar junto com espinafre no azeite e alho (juro que fica uma delícia). E tomo leite TODOS OS DIAS; simplesmente não consigo imaginar uma vida sem leite. Não é aquela coisa de “oh, se eu não tomar café de manhã eu não acordo”, ou “oh, se eu não tomar vinho no almoço parece que eu não comi”, esse negócio fanático que rola muito por aqui. Simplesmente acho a vida muito chata sem um copo de leite gelado com cacau sem açúcar. Chata, sabe, sem graça. Prefiro não viver sem.

Então vegano pra mim decididamente não rola, embora no caso delas haja a grande vantagem de poder comer porções maiores de carboidrato, porque senão você morre de fome. Mas não consigo, não quero nem começar.

Agora, ando paquerando o vegetarianismo há muito tempo. Em primeiro lugar porque realmente tenho pena dos bichos. Em segundo porque já como bem pouca carne mesmo, desde que vim morar aqui. Cortei a carne vermelha e de porco em outubro, quando comecei mais ou menos a seguir a dieta da psoríase, e não sinto a menor falta. Quero começar a cortar o frango também e ficar só no atum e no salmão, e gradualmente ver se consigo tirar tudo isso. Em terceiro lugar porque é facilmente compatível com a dieta da psoríase. Vai ser uma experiência interessante.

Amanhã ou depois falo do livro oposto a esse, o Deep Nutrition, que me deixou de boca aberta e acendeu aquela luz na minha cabeça, tudo fez sentido.

Beijomeliga.

da gorditude da alma

Continuando o assunto de ontem, hoje quero filosofar um pouco.

Todo gordo é infeliz por ser gordo e gostaria de ser magro. Se um gordo vier dizer pra você que está ok com o seu corpo, não acredite. É mentira. Ninguém, por mais hippie que seja, passa incólume pelo bombardeio antigordo, pró-magreza que há anos reina na nossa sociedade. Teria que ter um sangue de barata que nem um psicopata tem; não acredite.

Logo, todo gordo gostaria de ser magro. Mas esse ano (2011) eu me dei conta de que a ambição número 1 do gordo não é ser magro, é se libertar da alma gorda, da escravidão da comida e do trabalhão que dá perder peso. Só que eu não tinha organizado isso direito na minha cabeça. Só fui pensar seriamente no assunto quando li esse livro da Geneen Roth.

A história dela é mais ou menos a seguinte: depois de uns 30 anos de altos e baixos de peso, alternando dietas e pés na jaca, ela decidiu que não queria nunca mais fazer regime na vida, não aguentava mais. Passou um mês à base de cookies, só cookies, que era o que ela tinha vontade de comer. Engordou um pouco, mas não tanto quanto ela imaginava que teria engordado. Depois de um tempo ela viu que cookie não era uma comida mágica que resolvia todos os problemas do mundo enquanto era comido; a vontade de comer cookies passou e ela pulou pra outras comidas, cada vez mais saudáveis, até que se estabilizou no peso saudável dela (não o peso ideal no sentido de caber naquela calça que ela usava quando tinha 15 anos; um peso em que ela estava saudável e não precisava se esforçar pra manter). E então ela começou a desenvolver uma teoria sobre o ganho de peso, no caso das pessoas com compulsão alimentar: é a restrição que leva ao comportamento de binge eating (o pé na jaca). Na verdade nada mais é do que aquela velha história da grama do vizinho, do fruto proibido e tal. Tudo o que é proibido ganha, aos nossos olhos, um valor que na verdade não tem. Quando a sua dieta proíbe cookie, em um dia de leve descontrole emocional a primeira coisa que você vai ter vontade de comer é cookie, desesperadamente, como se comer um cookie resolvesse todos os problemas da sua vida no instante em que você está comendo o bichinho, e você vai comer todos os cookies que estiverem na sua frente, até vomitar. Pelo mesmo mecanismo, quando você decide que vai começar a dieta na segunda, no domingo você come feito um javali, como se pudesse estocar o prazer de comer pra usar durante a dieta, onde prazer não há.

Eu chorei rios lendo o livro, porque só um comedor compulsivo entende as maluquices de outro comedor compulsivo. Eu já fui pra garagem comer sorvete escondido da faxineira. Uma leitora da Geneen jogou fora um pacote de biscoitos mas voltou no outro dia pra pegar o pacote do lixo – detalhe, havia chovido durante a noite, então estava tudo ensopado e murcho – e comeu. O gordo come escondido de todo mundo, inclusive de si mesmo. O gordo perde horas planejando as escapadas, que desculpas vai dar pra se esconder num canto pra comer, as oportunidades de comer isso ou aquilo quando for aqui ou acolá, quando sabe que vai viajar fica semanas sonhando com as comidas que vai comer, fica nervoso quando tem comida proibida perto mas outras pessoas também, de modo que não pode cair de boca mas tem que esperar o pessoal sair, e, pior do que tudo isso, perde horas se sentindo o cocô do cavalo do bandido depois de ter comido o que não devia. Como me disse uma amiga, isso não é vida! Essa escravidão tanto da comida quanto da tristeza por comer demais é absolutamente terrível, desgastante. Desgastante. É uma coisa que consome uma quantidade enorme de tempo e de energia. É horrível, e é disso que o gordo quer fugir. O gordo quer usar o seu tempo e a sua energia pra fazer outras coisas que não comer, sonhar com comida, se sentir mal porque comeu, planejar as começões desenfreadas, planejar as desculpas, planejar a dieta, pesar comida, comer a comida que deve comer enquanto sonha com a que gostaria de comer. Porque, muito simplesmente, há coisas melhores pra se fazer na vida.

Por isso a técnica da Geneen envolve, entre muitas outras coisas, legalizar todas as comidas. Ela diz que quando fala isso nos workshops que organiza pra comedores compulsivos as pessoas entram em pânico. Como assim, elas se perguntam, como assim não existem comidas proibidas? Como assim, posso comer o que quiser? Eu vou comer até morrer! Não posso!

Pode, diz a Geneen. Um dos exercícios que ela dá consiste na pessoa comer uma comida que não come há anos porque é considerada proibida. Sei lá, um Cinnabon, por exemplo, aquela coisa medonha que americano adora e que tem mais calorias do que todas as refeições que um etíope come em um mês inteiro. Aí a mulher, que sonha com Cinnabon há anos mas há anos se proibiu de comer porque engorda pra cacete, a mulher que passa na frente da loja de Cinnabon quase chorando, sentindo o cheiro, a mulher que diz não quando alguém lhe oferece um Cinnabon mas só às custas de muita, muita disciplina, essa mulher vai lá e compra o Cinnabon, senta à mesa, se concentra pra curtir o momento, dá uma mordida… E não acha muita graça. Normalmente essas comidas proibidas acabam sendo muito menos gostosas do que a gente imaginava, pelo simples fato de que era a proibição que as tornava tão deliciosas na nossa imaginação.

Outras coisas importantes: só comer sentada, sem nenhum estímulo externo (TV, livro, música, computador etc), pra você realmente apreciar o que está comendo (pra mim essa é uma das coisas mais difíceis); treinar o cérebro a não desviar o olhar nem lançar desaforos quando se olhar pelada no espelho, um pouquinho a cada dia (essa, então, é impossível); aprender a diferenciar fome de craving (segundo ela, as pessoas nos workshops começam a rir quando ela diz isso, porque não sentem fome há anos, visto que passam o dia inteiro comendo) e a só comer quando se está com fome; só comer até a fome passar; e, o pulo do gato, quando estiver com fome, parar, pensar, definir EXATAMENTE o que você quer comer naquele momento, e comê-lo. Acordou de manhã morrendo de fome, parou pra pensar e decidiu que quer sorvete? Come sorvete. Ou frango assado? Come frango assado. Ou cookie? Come cookie. O lance, segundo ela, é comer sempre exatamente o que você está com vontade de comer, porque senão acontece o que eu sei que acontece mesmo porque comigo rola toda hora: você come o que sabe que DEVE comer e depois, não conseguindo tirar a comida desejada da cabeça, come a comida desejada TAMBÉM, cheia de culpa.

O livro tem um monte de exercícios e é muito interessante, e os depoimentos de outras pessoas com o mesmo distúrbio é muito reconfortante, porque você entende que a sua maluquice não é só sua, ou seja, não é maluquice, é uma doença propriamente dita. Não tem cura, porque é que nem alcoolismo e dependência de drogas ou jogo ou qualquer outra coisa: você pode nunca mais botar uma gota de álcool na boca, mas vai sempre continuar a ser alcoólatra, pois vai ter que passar a vida se controlando pra nunca mais botar a tal gota na boca. Não existe ex-alcoólatra, não existe ex-drogado, não existe ex-gordo. Existe alcoólatra controlado, drogado controlado, gordo controlado. Mas o controle é possível, pelo menos segundo a Geneen – e também segundo a dieta low-carb high-fat que a Maria mencionou, porque as gorduras boas mantêm os cravings sob controle. Teoricamente. Vamos ver qual caminho vai ser melhor pra mim.

gorda, sim, mas intelectual

Cara, juro que eu acredito que há poucas coisas piores na vida do que ser gordo. Porque logicamente você vai querer deixar de ser gordo, e a quantidade de informação discordante sobre o assunto é apavorante.

Estou quase no fim da Fase 1 da South Beach Diet. A Fase 1 são duas semanas muito hardcore de proteína, verduras e poucas gorduras boas. Nada de fruta (amém), nada de amido. Fica um tédio só, até porque estou combinando com a dieta da psoríase, então a lista das coisas que eu POSSO comer tem assim uns quatro itens. Saco.

A teoria é meio doida: você tem que ficar um tempo sem comer starches (amidos, que são os carboidratos do mal) pra poder perder a vontade de comer starches. Mas pra você conseguir ficar sem comer starches tem que superar a vontade de comer starches. Entendeu o horror de ser gordo?

Teoricamente a coisa funciona e depois de um certo tempo os cravings (aqueles desejos incontroláveis de comer uma coisa específica, que parece que se você não conseguir comer vai sair matando gente a paulada na rua) desaparecem. Estou esperando até agora. Não estou seguindo as receitas do livro porque eu teria que substituir tantos ingredientes por causa da psoríase que no final das contas saiu mais em conta eu só levar em consideração a lista das comidas permitidas, riscando as que não posso comer pela psoríase e inventando o que quiser com as outras. Posso ser sincera? Não estou sem energia, não me sinto fraca, não fico com mais ou menos fome (até porque o meu problema não é fome). Mas estou esperando até agora que passem os cravings.

Depois de uma reclamação no Facebook, a Maria foi lá dar uns pitacos no que virou uma longa conversa entre nós duas sobre esse lance da comida. Ela está vivendo sem amido há dois anos e achando tudo um mar de rosas; eu choro só de pensar na ideia. Mas como ela já está supersafa nesse jeito de comer, levei a sério a opinião dela: ainda estou com cravings porque não estou comendo gordura o suficiente. Não sou vidrada em azeite; como, mas regar comida com azeite pra mim não melhora tanto assim o gosto se eu já não for muito chegada na coisa to start with. Tenho pavor de abacate, infelizmente, porque é considerado superfood e tem gorduras de ótima qualidade. Não posso exagerar nas frutas secas, porque, sim, têm gorduras boas, mas também têm carbs. PUTA QUE ME PARIU! Daqui a pouco a gente vai ter que fazer que nem aquela fulana que falava que vivia de luz. Afe!

Bom, oficialmente a Fase 1 termina no domingo, e a partir daí posso começar a introduzir starches gradualmente e em pequenas quantidades. Mas, como eu já disse antes, as farinhas são um poderoso gatilho de começão desenfreada, então vou tentar ficar sem. Batata não pode pela dieta da psoríase. Sobra o arroz, que segundo a Maria eu deveria abandonar também, mas, caramba, que vida triste é a vida sem arroz! Eu prefiro macarrão a arroz, então talvez tente usar massa de arroz, sem glúten, mas um franguinho ao curry com um arroz esperto é tudo de bom, e sem o arroz esperto pra absorver o molhinho o bicho fica sem graça que dói. De modo que ainda vou pensar no assunto e decidir se abandono totalmente ou não todos os carboidratos que não vierem de verduras. De qualquer maneira, a minha resolução pra próxima semana vai ser desencalhar os sopões com leguminosas que tenho congelados, dando como janta pro Mirco e pra Carol, e fazer um novo sopão só de verduras pra tomar inclusive como lanche ou pra quando bater o comedor, pelo menos entope logo o estômago e não dá pra comer mais nada nem querendo.

A Maria me deu esse link aqui, que ainda não explorei por inteiro, mas já achei um mundo de coisas interessantes nesse post aqui. Lá no final ele fala de como exercícios que trabalham mais de um grupo muscular ao mesmo tempo são mais eficientes porque liberam mais hormônios blah blah blah Whiskas sachê (vão lá ler, eu já comprei o livro e depois faço um review aqui), e lembrei que o programa de musculação da Chalene, o ChaLEAN Extreme (ignore o trocadilho pelamordedarwin), funciona assim, embora eu não acredite que ela tenha desenvolvido o programa com esse propósito específico em mente, porque não tem nada disso escrito em lugar nenhum do livro que vem com o programa. O fato é que o ChaLEAN Extreme (CLX pros íntimos) funciona de verdade; pegar peso é um saco e a terceira fase do programa tem umas combinações de movimentos doidas que gordo não consegue fazer, tipo plank position com triceps extension, hello?, então larguei. Agora estou fazendo Turbo Fire, que eu AMO e pretendo completar direito, pra depois fazer a versão híbrida TF + CLX. Segundo o autor do livro que o dono do blog mencionou, quem vai me fazer emagrecer é o CLX e não o superaeróbico e anaeróbico TF. Staremo a vedere.

Aí, nos reviews da Amazon, que atualmente são a minha mais importante fonte de informação sobre absolutamente tudo, apareceu alguém criticando o tal livro e mencionando o famosérrimo The China Study, que eu já quase comprei mas desisti. E logo depois apareceu alguém dizendo que o China Study já foi jogado pra escanteio pela autora de Wheat Belly (olha o trigo dando o ar da graça maléfica aí de novo). Só nessas horinhas pesquisando essas coisas rapidamente eu já aprendi uma tonelada de coisas.

Eu não sou, definitivamente, intolerante ao glúten, mas essas quase duas semanas sem já deram uma melhorada bem significativa na coceira do couro cabeludo e das pernas, as escamas do couro cabeludo diminuíram de tamanho e agora parecem “só” uma caspa mesmo (antes saía cada pedaço de pele do tamanho da unha do meu mindinho), o interior das orelhas não está mais parecendo pele escaldada. Uma conhecida do meu irmão se curou da psoríase eliminando o glúten. Então acho que vou tentar seguir por esse caminho, embora eu ache que não seja capaz de viver sem amido que nem a Maria. Tenho a impressão que vou acabar ficando com os grãos alcalinizantes da dieta da psoríase (quinoa, milhete e amaranto) e, se der, um arrozinho de vez em quando pra eu não morrer de tédio.

Amanhã vou falar de não-dieta, senão esse post aqui vai ficar comprido demais e vocês vão acabar me mandando praquele lugar.
Beijomeliga.

para todo mal há multa

Foi só eu falar que nunca tinha sido multada e pronto, fui.

Hoje foi uma manhã atarefadíssima: deixei a Carol na escola, fui aos correios pagar uma conta pro Mirco, fui à acupuntura em Perugia, de lá fui direto pra Assis pro Commissariato pedir informações sobre a renovação do meu permesso di soggiorno, passei na livraria pra pegar a primeira impressão-teste (não sei como se chama isso em português) de um livro que eu traduzi pra fazer as últimas correções e estava voltando pra casa, apertadíssima pra fazer xixi, quando fui parada pela polícia. Me pegaram com o radar a laser.

Eu estava vindo pela Via Campiglione, “il Campiglione” para os íntimos, uma estrada que sai lá do meio do monte onde fica Assis e vai direto pra Bastia sem passar por Santa Maria. Saindo daqui pra Assis a vista da Basílica é linda, dos fundos, que normalmente não é a parte mais fotografada. Vindo de Assis pra Bastia, primeiro tem uma ladeira em descida (lógico, porque Assis fica no alto e Bastia na fundo do vale) em meio a oliveiras e vinhedos, que depois vira um retão, e só lá pra frente é que aparecem algumas casas e hotéis. Não entendo o limite de velocidade de 50 km/h, porque apesar de ter casas e hotéis eu NUNCA vi ninguém andando a pé por ali, porque não tem comércio nenhum a não ser uma loja de material de construção. Mas sempre respeitei. Hoje, apertadíssima e com pressa de começar a preparar o almoço antes de sair de novo, dali a 20 minutos, pra pegar a Carol, peguei meio pesado. A guarda fez sinal com aquela plaquinha vermelha, dei a seta e encostei.

– Bom dia.
– Documentos, por favor.
– Aqui estão.
– A senhora estava indo a 74, o limite é 50.
– Ui. Peço desculpas.

Ela ficou desconcertada.

– Infelizmente vou ter que multá-la.
– Claro!
– São 150 euros e três pontos da carteira.
– Paciência, quem mandou superar o limite.

Ela ficou parada olhando pra minha cara.

– Eu achei que o limite de 50 começasse um pouco mais à frente, mais perto dos hotéis.
– Não, é lá atrás, tem placa.
– Não vi, estava concentrada em chegar logo em casa pra fazer xixi.
– Bom, vou ali com o meu colega preencher a notificação, ok?
– Ok.

Lembrei que o endereço na minha carteira ainda é aquele antigo, de Cipresso, e fui lá avisar a eles.

– O boleto pra pagar chega em casa?
– Não, senhora, vou preencher agora pra senhora.
– Ok.
– A senhora tem 30 dias pra reclamar.
– Reclamar do quê? Era eu quem estava dirigindo, a placa está lá, fui eu que não vi. Errei, fazer o quê. Pago hoje mesmo pela Internet.

O policial começou a rir.

– Esse bom senso da senhora anda em falta na Itália…
– Ahá, mas eu não sou italiana, seu pulissa… Aliás, falando em bom senso, cês podiam dar uma apertada no pessoal que estaciona igual à cara deles, que tal?
– Pra multar todo mundo que estaciona errado a gente precisaria praticamente de um policial pra cada cidadão…

E foi assim que ganhei a minha primeira multa por infração de verdade desde que comecei a dirigir. Paciência.

as novidades, essas desconhecidas

Que os italianos são resistentes às novidades vocês estão carecas de saber. A fila pra pagar pedágio em dinheiro com o hominho dando troco é muito mais longa do que a fila pra pagar com cartão de crédito, porque até hoje neguinho tem medo de cartão. Os internautas italianos são pouquíssimos e não compram quase nada online. Quando preenchi o formulário do censo online pra minha vizinha ela ficou me olhando com dois zoião como se eu fosse um E.T.. Então as novidades introduzidas pelo novo governo na tentativa de dar uma esquentada nas vendas foram uma paulada na cabeça da galera.

O negócio é o seguinte: liberou geral, não há mais horários fixos pra abrir lojas e supermercados, cada um abre quando quer, cagando solenemente pra domingos e feriados, comme il faut. Uhu. Pro consumidor é uma maravilha, porque quem antes precisava sair correndo pra fazer compras na hora do almoço (isso recentemente, hein, porque quando eu cheguei aqui os supermercados ainda fechavam pro almoço) porque é o único horário em que dá, agora vai ter sempre um lugar que abre até, sei lá, meia-noite. Aqui há uns poucos anos um supermercado, caro e feio, pertinho da casa da minha sogra, passou a abrir aos domingos: vive absolutamente lotado, e não só de turistas (fica perto da estação). Obviamente depois desse outros passaram a abrir também, senão faliam. Hoje praticamente todos os supermercados da zona abrem aos domingos – e tem SEMPRE gente.

O engraçado é o tom das reclamações dos pequenos comerciantes. Porque é lógico que os grandes supermercados e shoppings e lojas famosas vão ter muito mais facilidade em abrir em horários, digamos, não convencionais, então pode ser que um dia uma determinada mercearia perca o meu dinheiro porque eu acabe indo a um grande supermercado aberto num domingo, por exemplo, quando não tiver tempo de ir à mercearia no horário bizarro em que eles abrem. Essa reação eu entendo, mais ou menos. Mas, como disse um espectador no rádio outro dia, em resposta a um comerciante que se queixava exatamente disso: CONTRATA ALGUÉM, CACETE!

Porque como eu já expliquei antes, a IMENSA maioria das empresas italianas é de “conduzione familiare”, ou seja, só os membros da família trabalham nelas. E o maior protesto desses microempresários, pasmem, é que se, por exemplo, passarem a abrir na hora do almoço, a família não vai mais poder almoçar toda junta.

HELLO?

Eu acho isso absolutamente hilário. Lembro que uma vez, comentando com alguém a estupidez do BANCO fechar na hora do almoço, esse alguém me respondeu que os bancários também têm direito a almoçar.

HELLO? Rotação, anyone? Você vai almoçar e eu fico na caixa, depois vou eu e você fica? Lembro que esse alguém ficou pasmo com essa tática revolucionária de recursos humanos que eu descrevi. Simplesmente nunca passa pela cabeça das pessoas que é possível se alternar no trabalho. Porque, sabe, o horário de almoço é 13:30, quem é que vai querer almoçar antes ou depois disso, né, destrói a sua vida almoçar meia hora antes ou depois. Ó céus.

A mesma coisa acontece com o almoço em família. Porque requentar comida é heresia na Itália, logo a mamãe escrava tem que ficar de plantão na cozinha pros feitores machos comerem o macarrão escorrido há 2,8 segundos, senão passa do ponto. Então nem pensar botar o filhinho feitor pra almoçar macarrão requentado uma hora depois, enquanto o papai feitor volta pra loja. A sociedade italiana vai se desintegrar se todos os membros não almoçarem mais juntos, sem trocar uma palavra enquanto assistem ao TG1 dizendo o que a porra do papa comeu no café da manhã, ou então falando animadamente de temas relevantes como o novo carro do vizinho ou quem casou com quem e quantos primeiros pratos serviram na festa do casamento. Por isso a liberalização foi uma péssima ideia, porque vai acabar com o núcleo básico da sociedade italiana, que é a família. Afe!

CONTRATA UM FULANO, cruzes! Eu sei que manter um funcionário custa muito dinheiro – as despesas de impostos que o Mirco tem com INPS são absurdas, por exemplo – mas, cara, não tem tu, vai tu mermo, né não? Aliás, acredito que um dos objetivos dessa liberalização tenha sido justamente esse, ver se neguinho começa a empregar pessoas pra poder ficar aberto em horários adicionais, gerando empregos. Um outro ouvinte que mora em Londres comentou isso, que nas grandes cidades europeias normais, ou seja, não italianas, ainda existem muitíssimas pequenas lojas e mercados nos quais ou tem gente contratada trabalhando ou tem os membros da família se alternando nos turnos, o que é absolutamente normal, vamos combinar. Ninguém fechou nada e todo mundo trabalha e ganha o seu pãozinho. E o consumidor não fica desesperado procurando uma dúzia de ovos às dez da noite sem encontrar. Civilização é isso aí.